A mídia vem divulgando o crescimento do superávit primário nos últimos tempos. Esse fato pode significar para os leigos um sinal altamente positivo em termos de desenvolvimento econômico-social. É preciso, então, melhor esclarecer essa questão.
A palavra superávit expressa um conceito positivo, pois é antônimo de déficit. Em termos de direito financeiro, ocorre o superávit quando a efetiva arrecadação da receita pública é maior do que aquela estimada na lei orçamentária anual. Essa diferença passa a integrar a categoria econômica de receita de capital, segundo a Lei nº 4.320/64. Ocorre o déficit quando a arrecadação é menor do que aquela estimada, gerando uma diferença a maior na coluna da despesa pública. Isso rompe o princípio do equilíbrio orçamentário, porque essa diferença é transferida para o exercício seguinte como restos a pagar, em conseqüência dos empenhos não liquidados até o dia 31 de dezembro. Por isso, a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe a inscrição em Restos a Pagar nos dois últimos quadrimestres do mandato, sem que haja disponibilidade de caixa.
Quando esses conceitos, que compõem o balanço orçamentário, são transpostos para o campo da economia política temos o balanço de contas, também, conhecido como balanço de pagamentos. Balanço de pagamentos outra coisa não é senão o ´quadro demonstrativo do que um país, dentro de determinado exercício financeiro, recebe em moeda estrangeira, por suas exportações e restituições de empréstimos e juros, e do que paga ao país estrangeiro por suas importações e amortizações de empréstimo e pelos serviços da dívida´ (Cf. nosso Dicionário de direito público. São Paulo : Atlas, 1999, p. 55). O saldo positivo constitui o superávit, e o saldo negativo, o déficit. Até aqui, tudo claro, tudo normal.
Acontece que, por pura conveniência política, a palavra superávit passou a sofrer adjetivações. O superávit em sua acepção normal passou a denominar-se superávit nominal. Em sua acepção anormal passou a ser denominada de superávit primário, representando todo o ingresso de recursos financeiros no país, menos os recursos que saíram do país, excetuados aqueles representados por serviços da dívida.
Exatamente, porque esse conceito tem ligação com o pagamento de juros da dívida pública, todo o esforço feito pelo governo, ou melhor, o sacrifício imenso imposto à população, para formar o superávit primário tem a única finalidade de saldar os juros dessa dívida pública monstruosa, que já ultrapassou mais da metade do nosso PIB. Até os recursos da CID, introduzida com a finalidade expressa de construir, manter e recuperar estradas, estão sendo desviados para formação de reservas para pagamento de juros, sob a denominação de superávit primário.
Por isso, não há razão para a população leiga ficar eufórica com o fantástico crescimento do superávit primário, pois isso significa que estamos transferindo para os credores estrangeiros, a título de juros, uma soma cada vez mais fabulosa, só restando o suficiente para remunerar a folha mensal oficial dos servidores públicos.
Nos últimos anos, na realidade, o nosso país vem amargando déficit como nunca dantes visto. Como decorrência do princípio da transparência da gestão fiscal a expressão superávit primário deveria ser banido da linguagem técnica, do contrário todo o déficit poderá ser transformado em superávit. Bastará denominar de superávit secundário, por exemplo, a diferença resultante entre o que ingressou, menos o que saiu, desconsiderados os recursos financeiros utilizados no pagamento de juros e da folha mensal oficial. Assim teremos um formidável superávit ´impagável´.
Um outro conceito que merece esclarecimento é o do crescimento do Produto Interno Bruto, conhecido pela sigla PIB, que não se confunde com o Produto Nacional Bruto, conhecido pela sigla PNB.
PIB significa o valor total da produção de bens e serviços verificada dentro das fronteiras do país, em determinado período de tempo, sem considerar a nacionalidade dos que se apropriaram dessas rendas, sem descontar rendas eventualmente remetidas ao exterior e sem considerar as rendas provenientes do exterior. Daí o qualificativo produto ´interno´. Ao contrário, PNB considera as rendas recebidas do exterior por nacionais do país e desconta as que foram apropriadas por nacionais de outros países. Daí o qualificativo produto ´nacional´.
O Brasil adota o PIB como indicador do crescimento econômico, pois o PNB, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, é menor que o PIB, porque uma parcela de nossas rendas não são usufruídas pelos brasileiros, em virtude de sua remessa ao exterior em forma de lucros, dividendos e juros do capital estrangeiro.
Mas, para a população leiga não basta dizer o que é PIB. É preciso que informe quanto é o nosso PIB. É comum os periódicos, revistas ou jornais estampar as seguintes frases: o PIB este ano vai crescer 4% em relação ao ano passado; a carga tributária atingiu 41,42 do PIB. Quatro por cento do que? qual foi o crescimento do ano passado? Se o PIB de um determinado ano foi de quinhentos milhões de reais, e no ano seguinte for de um bilhão de reais, terá crescido o dobro; da mesma forma, se o PIB de um determinado ano tiver crescido 1% em relação ao ano anterior, e conseguir crescer 2% no ano seguinte, terá crescido 100%, um verdadeiro PIBÃO.
Então é preciso dizer o que é PIB e quanto ele representa em termos monetários. Ele é estimado pelo IBGE, para o exercício de 2005, em R$1,767 trilhão. Logo, quando se fala em carga tributária de 41,42% do PIB significa uma transferência brutal de R$731,891 bilhões do setor produtivo para o setor público. A menção numérica do valor tributado desperta o espírito crítico do cidadão comum, que terá como fazer as comparações, confrontando com a sua renda/despesa, por exemplo.
É preciso que nos habituemos ao uso da linguagem clara e transparente para que a população leiga, também, possa ter conhecimento do que está se passando na realidade.
Outrossim, quando se fala, pura e simplesmente, em crescimento do PIB em 4%, 5% etc tem-se a impressão de que ele é resultante de um desempenho extraordinário de nossa economia. Então, é preciso esclarecer que a média de crescimento dos demais países em desenvolvimento ficou situado bem acima desse patamar.
Este é um país vocacionado ao crescimento. Nem as políticas equivocadas, nem os costumeiros desvios de recursos financeiros, denunciados pela mídia, nos últimos anos, são capazes de deter o crescimento de sua economia. Imaginem então se adotassem políticas sadias de crescimento e eliminassem os desvios de costume. Logo atingiríamos a liderança entre os países emergentes preparando, quem sabe, a nossa entrada no Grupo dos 8.