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A "crise" do processo executivo

15/07/2005 às 00:00
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A chamada "crise" do processo de execução, longe de ser um problema exclusivamente brasileiro, é uma realidade mundial e não se refere apenas à execução forçada, mas ao processo como um todo. Essa problemática está diretamente ligada ao que chamamos de "crise de efetividade", já que após um longo tempo de espera as decisões judiciais não são cumpridas a contento. O grande desafio atual é buscar um processo modelo de "eficácia", isto é, que pacifique com celeridade sem perder de vista o necessário respeito às garantias constitucionais. As constantes reformas operadas na última década dão conta disso e foram deliberadamente construídas para que se busque um processo de resultados. Em excelente análise sobre o tema, FERNANDO DA FONSECA GAJARDONI aponta que a crise não é só do processo em si, mas do próprio Poder Judiciário brasileiro que se encontra assoberbado de ações e diminuído frente aos demais Poderes da República ("Técnicas de Aceleração do Processo", Franca: Lemos & Cruz Editora, 2003, p. 23). Enfim, mesmo após as reformas do CPC, o custo, a demora e a ineficácia do resultado final do processo desaconselham a necessidade de socorrer-se do Judiciário para a resolução de um conflito.

Na realidade, a crise da execução tem origem na própria cognição que a precede. Se esta não for efetiva, rápida e adequada, invariavelmente teremos sérios problemas no momento de executar os provimentos jurisdicionais. Como já se apontou, mesmo após inúmeras reformas, o processo tradicional não tem sido capaz de solucionar tempestivamente os impasses e pacificar os conflitos a contento das partes. Esse problema se torna ainda mais grave na execução forçada, pois esta opera muito mais no plano fático do que jurídico, destinada que está a operar mudanças palpáveis na realidade das partes litigantes. O cidadão comum não consegue compreender por que a sentença não é cumprida logo após o término do processo, especialmente nas pequenas causas onde o prejuízo do credor tem conseqüências ainda mais devastadoras.

Os problemas ligados ao processo de execução são muitos. Em primeiro lugar, há obstáculos naturais de caráter eminentemente social. Em um país pobre como o nosso, em que grande parte da população brasileira vive em situação de miséria, evidentemente, o índice de obrigações inadimplidas é muito grande. Pelo mesmo motivo, a localização de bens no patrimônio do devedor será uma tarefa árdua e difícil de ser cumprida. Mas não é apenas nisso que se resume a chamada "crise" da execução forçada. Evidentemente, há problemas ligados à própria evolução da sociedade. Como aponta PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON, "o ambiente sociológico alterou-se. Nos dias de hoje, ser devedor não é mais um grave defeito e não pagar as próprias dívidas deixou de seu um sinal de vergonha" ("Eficácia das Decisões e Execução Provisória", São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 424). Nesse sentido, notamos que há uma nova mentalidade e um novo contexto social ao qual a lei processual não se adaptou. O eminente J. J. CALMON DE PASSOS nos lembra que há um século, o patrimônio do devedor era relativamente transparente. Em nossos dias, os bens normalmente são contas em banco ou capitais que se diluem de forma maleável, tornando a fortuna mais discreta e difícil de ser caçada ("A Crise do Processo de Execução", artigo publicado em "O Processo de Execução – Estudos em Homenagem ao professor Alcides de Mendonça Lima", Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris Editor, 1995, p. 185/203). É preciso, pois, adequar a lei processual a essa nova realidade com mecanismos mais ágeis e eficazes.

Uma das soluções que vinha sendo apontada pela doutrina era a desjurisdicionalização da execução passando tais tarefas para auxiliares do juízo, a exemplo do que já ocorre em países como Suécia e Itália. A justificativa para tal alteração é que as tarefas executivas têm um caráter eminentemente mais prático do que as de cognição, não sendo tão importantes para ficarem a cargo dos magistrados que deveriam se ocupar de funções mais nobres na judicatura. Entretanto, essa não parece ser a melhor solução para resolver a crise do processo executivo, especialmente se levarmos em consideração a garantia constitucional de acesso ao Judiciário e todos os seus consectários. Por esse motivo está superada essa idéia de que a execução seria uma atividade meramente administrativa. Além disso, mesmo nesse sistema, sempre haveria a possibilidade de se recorrer ao juiz em caso de discordância de algum ato do auxiliar e, dada a irresignação do povo brasileiro de um modo geral, não faltariam recursos nesta seara.

A divisão tradicional do processo em três fases estanques (conhecimento, execução e cautelar) está sendo questionada do ponto de vista da eficácia e utilidade. O consagrado princípio da "autonomia da execução" está sendo colocado lado a lado com o do "sincretismo entre cognição e execução". Nesse sentido, JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA afirma que "pode-se mesmo dizer que, modernamente, a tendência seja a superação da divisão entre processo de conhecimento e processo de execução, para se permitir a realização de atos executivos no mesmo processo em que se verificou se o direito a tutelar existe, efetivamente, ou não" ("Execução Civil – teoria geral e princípios fundamentais", 2ª. edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 35).

Por isso pode se afirmar que o processo de execução como ação autônoma está definitivamente em crise e caminha para a extinção, especialmente no que diz respeito à execução dos títulos judiciais. As ações condenatórias estão perdendo terreno para as denominadas ações executivas lato sensu e mandamentais. HUMBERTO THEODORO JUNIOR sugere que seria o caso de se adotar a estrutura das ações executivas lato sensu em substituição à das condenatórias, pois nada impede que as atividades executivas se realizem logo após a sentença, sem necessidade de processo autônomo posterior, abandonando-se de vez "velhas e injustificáveis tradições romanísticas" (in "A execução de sentença e a garantia do devido processo legal", Rio de Janeiro, AIDE, 1987, Cap. XVIII, n. 19, p. 239). Ora, não se pode mais admitir a existência de uma ação processual que não tutela de forma satisfativa a pretensão do demandante, ainda mais em tempos onde a própria prestação jurisdicional se encontra em xeque.

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Com as freqüentes reformas operadas no CPC entre os anos de 1994 e 1995 (tutela antecipada) e, mais recentemente, em 2002 (onde se buscou uma maior efetividade da execução nas obrigações de fazer, não fazer e de entregar coisa), se consolidou de vez a tendência de transformar o processo de execução em incidente de efetividade dentro do processo de conhecimento, assemelhando-se às ações executivas lato sensu. O espírito da reforma de 2002 revela a intenção de mudanças no processo de execução nas palavras do Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: "o que se propõe é a supressão do processo executivo autônomo, em se tratando de obrigações de dar coisa certa ou incerta, e das obrigações de fazer ou de não fazer, o que importa dizer que, nessas modalidades de obrigações, em se tratando de título judicial (sentença), a execução será uma simples fase, sem possibilidade de embargos do devedor, a exemplo do que ocorre hoje com as ações possessórias, com as ações de despejo e com a ação de nunciação de obra nova. Dá-se, aí, um ‘processo sincrético’, no qual se fundem cognição e execução" (Exposição de Motivos do Anteprojeto de Lei que altera o CPC).

Na verdade, a abolição da execução da sentença condenatória de valor, atribuindo-lhe efeitos executivos lato sensu consiste muito mais em uma evolução gradual do que uma mudança brusca. Essa mudança também passa, necessariamente, pela extinção da ação incidental de embargos à execução, não havendo mais a suspensão do procedimento executório nessa conjuntura. Entretanto, vozes ponderadas da processualística pugnam pela manutenção e regulamentação das chamadas "exceções de pré-executividade", onde questões de ordem pública continuariam sendo analisadas mesmo nesse processo ‘sincrético’.

A execução como ação autônoma deverá subsistir apenas para os títulos executivos extrajudiciais que, pela necessidade das negociações comerciais, continuarão subsistindo e deverão ter seu leque cada vez mais ampliado. Mas, mesmo mantida essa forma de execução forçada em caráter autônomo, algumas mudanças vêm sendo propostas para se conferir maior agilidade ao processo. Assim, necessária a relativização do efeito suspensivo dos embargos à execução, entre outras melhoras, como a real sanção do executado por não nomeação de bens à penhora havendo patrimônio disponível, agilização do atual procedimento para a alienação de bens penhorados, como a adoção do leilão on-line, processamento de bloqueio imediato de valores disponíveis do devedor em instituições financeiras, maior aplicação da alienação antecipada prevista no art. 670, conferir a todos os oficiais de justiça a condição de avaliadores, diminuição do rol de bens impenhoráveis, ampliação da técnica do desconto em folha para o pagamento de todas as obrigações, substituição da penhora por caução bancária idônea, possibilidade de o executado requerer o parcelamento da dívida, entre outras. Medidas como essas visam diminuir a insegurança dos negócios, buscando-se uma significativa queda da inadimplência, o que é bom para a economia de mercado. Parte dessas propostas encontra-se no Anteprojeto de lei apresentado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual ao Ministério da Justiça. Entretanto, nenhuma alteração legislativa produzirá mais efeito do que uma reeducação dos operadores do direito para que busquem maior efetividade possível dos princípios que a informam. Enfim, é visto que a nova ordem social existente exige um acesso amplo, rápido e eficaz à prestação da tutela jurisdicional.

Nesta seara, conclui-se que a resolução da crise da tutela executiva passa necessariamente pela supressão do processo de execução autônomo de sentença e pela agilização da execução de títulos extrajudiciais, buscando caminhos que levem à celeridade e à efetividade do processo, garantindo o princípio da satisfatividade do credor ao lado da regra da menor onerosidade possível do devedor.


BIBLIOGRAFIA UTILIZADA

BRITO NETO, Eduardo Gusmão Alves de. "Execução, novas tendências, velhos problemas. Uma never ending story", in "Execução no Processo Civil – novidades & tendências", São Paulo: Editora Método, 2005, p. 81/98.

CALMON DE PASSOS, J. J. "A Crise do Processo de Execução", in "O Processo de Execução – Estudos em Homenagem ao professor Alcides de Mendonça Lima", Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris Editor, 1995, p. 185/203.

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Técnicas de Aceleração do Processo, Franca: Lemos & Cruz Editora, 2003, p. 23.

LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das Decisões e Execução Provisória, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 424.

MEDINA, José Miguel Garcia. Execução Civil – teoria geral e princípios fundamentais, 2ª. edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 35.

OLIVEIRA NETO, Olavo de. "Novas Perspectivas da Execução Civil – cumprimento da sentença", in "Execução no Processo Civil – novidades & tendências", São Paulo: Editora Método, 2005, p. 183/201.

WAMBIER, Luiz Rodrigues et al. Curso Avançado de Processo Civil Volume 2, 7ª. Edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

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Sobre o autor
Átila Da Rold Roesler

Procurador federal da Advocacia-Geral da União, especialista em Direito Processual Civil, autor do livro Execução Civil - Aspectos Destacados (Editora Juruá, 2007), ex-Delegado de Polí­cia Civil do Estado do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROESLER, Átila Rold. A "crise" do processo executivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 740, 15 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7008. Acesso em: 14 nov. 2024.

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