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Caracterização do empresário individual diante do Código Civil vigente

Leia nesta página:

            O empresário individual nada mais é do que aquele que exerce em nome próprio atividade empresarial.

            Como se sabe, existe o empresário individual e o empresário coletivo (sociedade empresária), sendo este a sociedade empresária e aquele a pessoa física que exerce a empresa individualmente.

            O empresário é definido pelo art. 966 do CC, que assim se expressa:

            Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

            Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

            Tal definição serve tanto para o empresário individual quanto para o empresário coletivo (por força do art. 982 CC).

            De momento, entretanto, vamos nos ater somente ao empresário individual.

            Então, tal sujeito se caracteriza por ser:

            1.Um profissional: exerce, portanto, sua atividade de forma habitual.

            2.Que exerce atividade econômica: entenda-se como atividade econômica não somente aquela que produz ou faz circular bens ou serviços, mas também que visa o lucro.

            3.Que exerce sua atividade de forma organizada: aí reside a grande dificuldade da caracterização do empresário. Para Ricardo Negrão [01], a organização estaria presente quando para o exercício da atividade o indivíduo utilizasse trabalho alheio e capital próprio e alheio. Com a devida vênia, contudo, entendemos que não é imprescindível a utilização de capital alheio para que alguém exerça atividade empresarial; entendemos, portanto, poder haver organização mesmo sem a presença de capital de terceiros injetados direta ou indiretamente no negócio. O sujeito que somente compra à vista, por exemplo, e não utiliza dinheiro emprestado de ninguém para levar adiante sua atividade negocial por esse simples fato não deixa de ser empresário. Fábio Ulhoa Coelho [02], após registrar que a delimitação dos contornos da característica de ser a atividade empresarial organizada é complexa, ensina que a organização, como requisito para caracterização da atividade empresarial está presente quando são articulados pelo sujeito que está à frente do negócio "os quatro fatores de produção: capital, mão-de-obra, insumos e tecnologia". Mais uma vez, e com o devido respeito, queremos manifestar nossa opinião no sentido de que é insuficiente a tentativa de delimitação apresentada pelo nobre autor. Imaginemos, por exemplo, um médico, que tem trabalhando consigo alguns poucos auxiliares (mão-de-obra), tendo injetado capital no seu negócio, sendo seu consultório equipado de um aparato tecnológico de ponta (tecnologia), e utilizando insumos para a prestação de seus serviços. Mesmo estando tal profissional a articular todos os fatores de produção demonstrados, mas se essa estrutura por ele montada ainda gira em torno da sua prestação de serviços pessoal este por certo não pode se caracterizar como empresário, conforme já ponderou em outro trabalho o próprio Fábio Ulhoa [03]. Para Carlos Barbosa Pimentel [04], a organização "significa a necessidade de o exercente da atividade aparelhar-se de forma adequada para o desempenho de sua profissão". Para nós tal definição está maculada por um subjetivismo extremo. Ora, o que para uma pessoa pode parecer uma forma adequada para o desempenho da profissão para outra pode não parecer; ou, ainda, outros poderiam argumentar que qualquer profissional zeloso exerce sua profissão de forma adequada sem ser, conquanto, empresário mesmo que se encaixe em outros requisitos que caracterizam tal profissional. Portanto, note-se que a característica em epígrafe, conforme entendemos, ainda não foi delimitada a contento, visto todas as opiniões que conhecemos (registre-se: mais algumas além daquelas aqui explicitadas) padecem de ambigüidade ou revestem-se de um subjetivismo que dá margem ao intérprete para que ele veja atividade empresarial onde esta não existe e vice-versa. Assim, ao final do presente artigo retomaremos o presente enfoque, propondo uma solução para o impasse descrito.

            4.A atividade, além de se enquadrar nos itens anteriores, deve estar voltada para produção ou circulação de bens e serviços: quanto a tal característica não existe polêmica, sendo a atividade exercida pelo indivíduo criadora (produção) ou de intermediação (circulação) de bens ou serviços, e atendendo às características anteriores, por certo que estaremos diante de uma atividade empresarial que somente é exercida pelo empresário.

            Pelo visto ao norte, percebe-se que todas as características necessárias para a caracterização do empresário são extraídas da simples leitura do art. 966, caput, do CC.

            Não podemos nos esquecer, entretanto, que tal artigo possui um parágrafo único especialmente destinado aos exercentes de profissão intelectual. Lá está consignado que, de regra, tais profissionais não são considerados empresários, exceto quando o exercício de sua profissão se constituir elemento de empresa. E qual é esse elemento de empresa? Ora, conforme nos parece nítido, tal elemento é justamente a conjugação das características delineadas no caput do art. 966. Assim sendo, se o exercente de profissão intelectual articular sua atividade de forma que esteja presente todas as características que analisamos linhas atrás, logo ele será considerado empresário.

            Isto posto, pensamos como Luiz Antônio Soares Hentz [05] quando afirma, referindo-se ao art. 966CC, que: "a ressalva do parágrafo único é totalmente dispensável para qualificação do empresário, pois, se não se constitui elemento de empresa, o exercício de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, não se enquadra na definição do caput". Portanto, se suprimíssemos o parágrafo único do art. 966, nenhuma falta faria.

            De outra banda, não pense que somente a atividade intelectual pode ser tida como não empresarial, pois se não se constitui elemento de empresa, o exercício de qualquer profissão, mesmo que seja ela de natureza comercial, não caracteriza o sujeito que a exerce como empresário. Aliás, nesse sentido afirma Fábio Ulhoa [06]: "Na maioria dos casos, contudo, tanto o comércio como a prestação de serviços podem ser explorados empresarialmente ou não".

            Por fim, registradas as considerações gerais sobre a caracterização do empresário, cabe-nos expressar conclusivamente nossa opinião pessoal sobre o assunto.

            Em nosso humilde entendimento o art. 966 não atende à necessidade de uma definição satisfatória de empresário, isso pela dificuldade até agora intransponível de se delimitar os contornos da organização como característica essencial do exercício da atividade empresarial, e, por conseqüência, da definição de empresário. Tanto isso é verdade que as Juntas Comerciais continuam mantendo indivíduos registrados como empresários que em nada se adequam à definição legal. Por exemplo: sem muita dificuldade encontraremos pessoas que exercem o comércio sozinhas ou unicamente com a ajuda de familiares, e sem qualquer organização, registradas como empresários individuais. Por outro lado, temos profissionais liberais [07] que exercem sua atividade, individualmente, em um escritório ou consultório com diversos empregados e um aparato tecnológico de ponta, estando o titular do negócio já somente a articular os fatores de produção, e nem por isso tem se exigido, na prática, o seu registro como empresário. Aliás, levando em consideração a tênue linha que separa o profissional intelectual não empresário do empresário, muito difícil será até mesmo a construção de jurisprudência consistente no sentido de definir critérios seguros para determinar a presença ou não da empresarialidade em determinados casos concretos.

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            Assim, partindo do entendimento que o conceito de empresário está ligado a uma realidade fática e que a determinação dos limites de tal conceituação vincula-se a fatores demasiadamente subjetivos, acreditamos que necessário se faz a fixação, através de lei, de critérios seguros para que o intérprete possa defini-lo sem ter margem de discricionariedade para flexibilizar a definição ao sabor de sua percepção subjetiva da realidade.

            Ademais, a forma como está delimitada a definição de empresário no Código Civil poderá suscitar diversos problemas práticos. Por exemplo: um médico que trabalha sendo auxiliado por outros médicos que lhe são subordinados na condição de empregados, que entende não ser empresário e por isso não se registra no Órgão Competente (Junta Comercial) poderá ter inesperadamente sua falência decretada judicialmente, diante do pedido de um terceiro, e sofrer os dissabores inerentes ao exercício irregular (sem registro) da empresa porque o juiz do feito entendeu que aquele é empresário. E, não se diga que o médico do nosso exemplo tinha critérios precisos fornecidos pela lei (da forma como está) para saber se é ou não empresário, pois isso não corresponde à verdade, visto que o requisito que mais inspira polêmica, o da organização, tem definições estipuladas ao sabor de cada autor, e, ainda, tais definições deixam praticamente a mercê do subjetivismo do intérprete a conclusão se a atividade é empresarial ou não, e daí, se está presente ou não o empresário no fato analisado.

            Por todo o exposto, acreditamos que pode ser uma solução prática viável para resolver a problemática da caracterização do empresário individual uma pequena mudança em alguns artigos do Código Civil com vistas a permitir que aquele que exerce, individualmente, atividade intelectual, de natureza artística, literária ou científica possa optar livremente pelo seu enquadramento como empresário, assim como é com o produtor rural. Por outro lado, acreditamos ainda que deveria se estipular legislativamente um limite objetivo, a partir do qual pudesse se considerar os demais indivíduos que exercem individualmente atividade negocial, que não se enquadrassem na posição de profissionais intelectuais ou produtores rurais, como empresários. Poderia-se, por exemplo, determinar que aqueles que exercessem tais atividades com auxílio de empregados deveriam ser tidos como empresários, visto que já existe sedimentado um conceito de empregado no direito trabalhista que poderia lançar mão o Direito Comercial como forma de solucionar a problemática. Aliás, esta última sugestão vem bem a calhar, quando percebemos que o exercente de atividade negocial (individualmente), que não seja rural ou intelectual, hoje não tem como registrar um indivíduo como seu empregado se não possuir inscrição no CNPJ, para quê por certo lhe será exigido registro na Junta Comercial se exercer o comércio.


Notas

            01

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa, V. 1, 3ª edição, Saraiva, 2003, pág. 48.

            02

In Parecer elaborado para o Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas, para o Centro de Estudos e Distribuição de Títulos e Documentos de São Paulo, e para o Registro Civil das Pessoas Jurídicas do Rio de Janeiro, documento este extraído do site www.irtdpjbrasil.com.br/parecerfabio.htm, em 04.02.2004.

            03

Vide outras partes do mesmo parecer.

            04

Direito Comercial, Editora Impetus, 2003, pág. 5.

            05

Direito de Empresa no Código Civil de 2002, Ed. Juarez de Oliveira, 2ª edição, 2003, pág. 27.

            06

Vide Parecer citado retro.

            07

Imagine-se aqui somente aqueles que não estão expressamente excluídos por lei do sistema da empresarialidade. Quanto ao advogado, por exemplo, não se tem que cogitar se é empresário ou não, visto que a lei específica que regula a profissão proíbe que a advocacia seja explorada empresarialmente.
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Sobre o autor
Gecivaldo Vasconcelos Ferreira

Delegado de Polícia Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Gecivaldo Vasconcelos. Caracterização do empresário individual diante do Código Civil vigente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 746, 20 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7026. Acesso em: 21 nov. 2024.

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