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A indisponibilidade de bens e direitos prevista no art. 185-A do Código Tributário Nacional

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12/08/2005 às 00:00
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Segundo a Lei Complementar nº 118, se o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem forem penhorados bens, deverá ser determinada a indisponibilidade de seus bens e direitos.

I. INTRODUÇÃO

            A Lei Complementar no 118, de 2005, introduziu novo artigo no Código Tributário Nacional onde fixa que na hipótese do devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora" data-type="category">penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e às entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.

            A indisponibilidade em questão limita-se ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem o referido limite. Já os órgãos e as entidades aos quais se fizer a comunicação enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido [01].


II. A INDISPONIBILIDADE DO ART. 185-A DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

            II.1. O instituto da indisponibilidade de bens e direitos na ordem jurídica brasileira

            A indisponibilidade veiculada pela Lei Complementar no 118, de 2005, incorporada ao Código Tributário Nacional como o art. 185-A, não é uma novidade na ordem jurídica brasileira. Em inúmeros diplomas legais constatamos a presença do referido instituto.

            Realizado um apanhado, não exaustivo, da presença da indisponibilidade de bens e direitos no direito brasileiro, encontramos o instituto nos seguintes diplomas legais:

            a) arts. 36 a 38 da Lei no 6.024, de 13 de março de 1974, que dispõe sobre a intervenção e a liquidação extrajudicial de instituições financeiras [02];

            b) art. 4o da Lei no 8.137, de 6 de janeiro de 1992, que disciplina a medida cautelar fiscal [03].

            c) art. 7o da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, que fixa as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício das funções [04];

            d) art. 10 da Lei no 9.637, de 15 de maio de 1998, que regula a qualificação de entidades como organizações sociais [05];

            e) arts. 59 e 60 da Lei Complementar no 109, de 29 de maio de 2001, que trata do regime de previdência complementar [06];

            Constatamos, ainda, a ausência de regramento processual geral para a figura da indisponibilidade. Assim, não existe "a indisponibilidade de bens e direitos" no direito brasileiro. Existem, à toda evidência, "as indisponibilidades de bens e direitos", conforme o regramento aplicável em cada uma das situações antes alinhadas [07].

            Consumado o esforço de buscar os contornos comuns das várias indisponibilidades presentes na ordem jurídica brasileira, podemos afirmar que, em geral, a indisponibilidade de bens e direitos consiste na proibição do proprietário de bem ou direito aliená-lo (transferir para outra pessoa) ou onerá-lo (dar em garantia, como nas hipóteses de hipoteca ou penhor). Subsiste, no entanto, para o proprietário, a utilização ou posse [08] do bem ou direito e a percepção dos frutos dele advindos.

            Normalmente, a indisponibilidade de bens e direitos funciona como medida cautelar voltada para a eficácia de atos futuros de constrição patrimonial [09].

            II.2. A constitucionalidade do art. 185-A do Código Tributário Nacional

            A constitucionalidade da presente definição legislativa tem sido impugnada ao argumento de certa abusividade encontrada no instituto. Faz-se, inclusive, um paralelo entre a cautelar fiscal, onde a medida liminar seria "de obrigatória concessão, sempre que requerida pelo fisco" [10], e a imposição ao juiz, por parte do legislador, de providenciar, de ofício, o "decreto de indisponibilidade universal de bens e direitos".

            Assim como não vingou a pecha de inconstitucionalidade da medida cautelar fiscal, certamente não logrará êxito a irresignação em relação à indisponibilidade de bens e direitos agora inscrita no Código Tributário Nacional. É que, nos dois casos, teremos decisão a ser proferida por um juiz de direito, não um mero carimbador de toda e qualquer pretensão ou pleito formulado pela Fazenda exeqüente. Com certeza, o magistrado, diante de qualquer pedido da Fazenda exeqüente, verificará a presença dos requisitos legais para o deferimento e a pertinência da medida no caso concreto, aspectos abordados adiante, notadamente tratando-se de medida cautelar que atinge, de forma particularmente drástica, o patrimônio individual ou empresarial.

            Também não prospera a resistência fundada em suposta violação ao princípio constitucional do devido processo legal. Com efeito, proíbe o Texto Maior que alguém seja privado de seus bens. Com a indisponibilidade em tela não ocorre a privação dos bens de quem quer que seja. Continuam tais bens com a mesma propriedade anterior, a posse permanece inalterada e possibilidade de auferir os frutos de sua exploração é plena.

            A interpretação extremada da garantia constitucional do devido processo legal significa, por via transversa, anular outra garantia constitucional: a tutela das ameaças de lesão à direito (art. 5o, inciso XXXV da CF). Restariam, assim, irremediavelmente afastadas todas as medidas assecuratórias de direitos, ou seja, das cautelares. É evidente que se fosse preciso um prolongado e penoso procedimento anterior a efetivação das cautelares estas perderiam seu sentido. Ocorreria exatamente o vaticínio do art. 798 do CPC ("... o juiz determinará as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.").

            A "novidade" também não ofende o princípio constitucional da ampla defesa. Afinal, todos os recursos e meios de defesa podem ser utilizados pelo executado. Poderá, o executado, depois da citação e antes da decretação da indisponibilidade, apresentar ao juiz da execução sua situação econômico-financeira, ponderando acerca das conseqüências da providência sobre a atividade econômica desenvolvida. Poderá, o executado, indicar os bens e direitos não alcançáveis pela indisponibilidade, com vistas a resguardá-los dos efeitos da medida. Poderá, o executado, antes e depois da decisão judicial, demonstrar a ausência de qualquer dos requisitos específicos para a adoção da providência.


III. A IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DA INDISPONIBILIDADE PREVISTA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

            Resta claro que a indisponibilidade de bens e direitos introduzida no Código Tributário Nacional funciona como um importante mecanismo de resguardo dos interesses da Fazenda Pública como credora.

            A importante inovação da indisponibilidade, por ordem judicial, de bens e direitos, notadamente quando atinge o "mercado bancário" e o "mercado de capitais", representa uma crucial e necessária atualização ou modernização das iniciativas voltadas para a recuperação de créditos públicos não pagos. Com efeito, é inegável a preponderância da "forma financeira" de manifestação e circulação da riqueza, vale dizer, dos patrimônios, nos tempos atuais.

            Importa destacar que não se advoga uma, como a presente indisponibilidade de bens e direitos, ou algumas soluções puramente normativas para a superação dos principais entraves do processo de recuperação de créditos públicos não pagos.

            Sustentamos a necessidade de um conjunto combinado ou articulado, no seio uma política pública devidamente planejada, de medidas de ordem legislativa e administrativa. De início, é preciso adotar medidas de "administração de quantidades". Não tem sentido um processo de contínuo aumento do número de varas e procuradores sempre que o número de processos de execução sofre acréscimo significativo decorrente, por exemplo, da utilização mais intensa das declarações e confissões de dívida, responsáveis por mais de 90% (noventa por cento) dos créditos em cobrança judicial. Paralelamente, os principais instrumentos, sempre administrados pelo Poder Público, de recuperação dos créditos de reduzido valor, representativos da imensa maioria dos feitos em tramitação judicial, devem ser os "mecanismos indutores de pagamento", na linha do disposto no art. 195, §3o da Constituição [11]. A rigor, a atividade judicial deve ser reservada, tanto em relação aos juízes, quanto aos procuradores, para fins mais nobres. As procuradorias fiscais e varas especializadas devem ser unidades de atuação preferencialmente em relação aos grandes débitos e aos grandes devedores. Fechando um novo quadro, deve ser firmada uma posição política de prestígio às ações de cobrança e recuperação de créditos não pagos, materializada em níveis orçamentários e fluxos financeiros adequados e respeito a dignidade funcional dos agentes públicos envolvidos [12].

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IV. REQUISITOS PARA A DECRETAÇÃO JUDICIAL DA INDISPONIBILIDADE PREVISTA NO ART. 185-A DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

            Uma leitura atenta e cuidadosa do novo art. 185-A do Código Tributário Nacional permite a identificação e sistematização dos requisitos específicos para a decretação da medida cautelar em comento. Com efeito, exige-se:

            a) a citação do devedor;

            b) o não pagamento;

            c) o não oferecimento de bens à penhora;

            d) a não localização de bens penhoráveis.

            Os requisitos acima alinhados devem ser cumulativamente considerados. Portanto, a decretação da indisponibilidade de bens e direitos, com fundamento no art. 185-A do Código Tributário Nacional, pressupõe a constatação seqüencial, ou seja, na ordem posta na lei, de cada um dos requisitos.

            A exigência de citação do devedor garante, mantida a atualidade do registro do domicílio tributário, que a indisponibilidade de bens e direitos não será uma surpresa para o executado. Devidamente citado, o devedor está ciente da possibilidade, presentes os outros requisitos, do seu patrimônio vir a ser atingido pela medida judicial.

            Os dois requisitos seguintes, o não pagamento da dívida e o não oferecimento de bens à penhora, não reclamam maiores considerações. Afinal, se o débito for pago, extingue-se a própria relação jurídico-obrigacional que liga o Fisco ao devedor. Por outro lado, o oferecimento de bens à penhora dispensa, quando aceitos e reduzida a termo a pertinente constrição patrimonial, qualquer outra providência executória. Em regra, a satisfação do crédito público será realizada em momento próprio no futuro por intermédio do pertinente leilão.

            O último dos requisitos específicos exige considerações mais cuidadosas e relacionadas com a dinâmica do processo de execução fiscal. Naquela seara, quando citado o devedor e ausentes o pagamento e a nomeação de bens à penhora, abre-se para o exeqüente a oportunidade de indicar bens e direitos [13]. Neste sentido, a decretação da indisponibilidade prevista no art. 185-A do Código Tributário Nacional, pressupõe a demonstração, pelo exeqüente, da adoção, sem sucesso, das diligências comuns ou normais de localização de patrimônio penhorável [14].

            Neste ponto, deve ser efetivado um raciocínio permeado pela razoabilidade. Não seria lícita a decretação da indisponibilidade por simples pedido do exeqüente ante a inércia do devedor citado. Tal exegese implicaria em suprimir o último dos requisitos postos pelo legislador. Por outro lado, também não seria lícito exigir do exeqüente diligências exaustivas, de âmbito nacional ou internacional. Neste caso, a decretação da indisponibilidade seria remetida ao domínio do impraticável, quase do impossível, conspirando contra a decisão legislativa que pretende a utilização efetiva do instituto.

            A indisponibilidade do Código Tributário Nacional está voltada para a melhor e mais expedita realização do interesse do credor fazendário. Entretanto, este interesse não é absoluto, notadamente quando pode ser afetada, de forma particularmente gravosa ou irreversível, a sobrevivência ou permanência da atividade econômica do devedor. Assim, o magistrado, ao ser chamado a exercitar o poder cautelar por intermédio da indisponibilidade prevista no art. 185-A do Código Tributário Nacional, em atenção aos casos concretos e a eventual probabilidade de causar danos indesejáveis, até na ótica do credor, a quem interessa a manutenção da atividade econômica do devedor para o pagamento dos tributos "correntes" e a existência de patrimônio a ser utilizado na satisfação dos créditos em cobrança, pode limitar ou, em casos extremos, não efetivar a providência legal. A singularidade antevista aqui, em caráter abstrato, pode estar relacionada tanto com a situação econômico-financeira global do devedor quanto com a situação específica de certos bens e direitos.


V. CONVERSÃO DA INDISPONIBILIDADE EM PENHORA

            Efetivada a indisponibilidade de bens e direitos, nos termos do art. 185-A do Código Tributário Nacional, o processo de execução fiscal deverá seguir o curso previsto na Lei de Execução Fiscal (Lei no 6.830, de 1980). Neste sentido, a indisponibilidade será convolada ou convertida em penhora, intimando-se o executado para que ofereça, se quiser, embargos à execução.

            Esta última consideração explicita um dos limites do decreto de indisponibilidade. Com efeito, a medida cautelar do art. 185-A do Código Tributário Nacional não pode alcançar os bens e direitos legalmente qualificados como impenhoráveis [15]. À toda evidência, não tem lógica ou sentido indisponibilizar bens ou direitos que não podem ser penhorados e, na seqüência, alienados para a satisfação do crédito fazendário. Sublinha-se, ainda aqui, o caráter instrumental da indisponibilidade em questão.

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Sobre o autor
Aldemario Araujo Castro

Advogado Procurador da Fazenda Nacional. Professor da Universidade Católica de Brasília - UCB. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Ex-Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB (pela OAB/DF) Ex-Corregedor-Geral da Advocacia da União (AGU)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Aldemario Araujo. A indisponibilidade de bens e direitos prevista no art. 185-A do Código Tributário Nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 770, 12 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7145. Acesso em: 20 abr. 2024.

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