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Conhecendo o novo Código Civil.

Série completa (3 partes)

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07/10/2005 às 00:00
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O trabalho faz um estudo comparativo, não tão aprofundado mas completo, em relação aos dois Códigos, ressaltando as novidades. Perde-se em profundidade, mas ganha-se na extensão.

Este trabalho foi publicado em três partes, agora sendo apresentado em sua versão completa. As três partes estão dispostas em ordem seqüencial. [01]

E se o ato de disposição for do próprio titular sem que exista qualquer beneficiário? Não tem ele disposição sobre seu próprio corpo? E qual a sanção para o descumprimento do preceito. Se há negócio, pode se dizer nulo, mas e se não há?

Por outro lado pergunta-se; atos que não impliquem debilitação permanente ou ofensa aos bons costumes (de quem?) serão, contrario sensu, lícitos?

Ao que parece, estes dois dispositivos tiveram em mira evitar disposições negociais do próprio corpo, sobretudo para fins de transplantes.

O artigo 15 apresenta largo alcance diante das situações nas quais o profissional médico era impelido a submeter o paciente a tratamento médico. Pelo teor do dispositivo, fica estabelecida a possibilidade de recusa do paciente quando houver risco de vida.

Já os artigos 16 a 20 contemplam o direito ao nome (inclusive o pseudônimo) e à vida privada. Daí se eompreende que exista menção no código a deveres ao invés de obrigações, como já dito, e isso se deve à existência de direitos não essencialmente patrimoniais, como os ora mencionados. A rigor, a proteção ao a vida privada já constava da Constituição Federal de 1988, artigo 5º, inciso X. mas quanto ao nome, a proteção constava sobretudo da legislação registral, que não prioriza o interesse da parte.

Em uma interpretação mais ampla do direito ao nome, devemos considerar o direito a uma identidade e a ter um prenome que não traga constrangimentos, de modo mesmo quando não tenha havido erro no registro a alteração deve ser concedida [02].

O capítulo relativo à curadoria de ausentes e a sucessão provisória, que corresponde aos artigos 22 a 39 encontrava tratativa no código revogado nos artigos 463 a 484. A alteração que merece menção reside no prazo da sucessão provisória e da sucessão definitiva, que foi reduzido pelos artigos 26 e 37 para um ano de arrecadação e três anos se houver sido deixado representante, e 10 anos para a sucessão definitiva.

O título II trata das pessoas jurídicas (artigos 40 a 69), matéria antes versada pelos artigos 13 a 30 do revogado código. É mantida a divisão entre pessoas jurídicas de direito público e privado, mas alterado o rol de cada categoria. O novo código inclui, nos incisos IV e V do artigo 41 as autarquias e demais entidades de caráter público criadas por lei. No artigo 42 foi introduzida a menção às pessoas jurídica de direito público externo.

O artigo 43, que corresponde ao artigo 15 do revogado código condensa fórmula diversa da anteriormente prescrita. O artigo 15 trazia fórmula de responsabilidade subjetiva, referindo a proceder "de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei". Obviamente que de há muito esta fórmula estava em desuso, mormente a partir da adoção da teoria do risco administrativo pela CF/88, nos termos do artigo 37, § 6º. [03]

O novo artigo 43 praticamente repete a fórmula do texto constitucional, vale dizer, adota teoria objetiva quanto à responsabilidade do Estado.

O rol do artigo 44, que trata das pessoas jurídicas de direito privado, incluiu as fundações e não mais limitou as sociedades à finalidade mercantil. Quando à existência da pessoa jurídica, remanesceu o registro como termo a quo, mas foi inserido prazo decadencial de três anos para anulação decorrente de defeito, contado da publicação da inscrição (art. 45).

No artigo 48 foi inserida regra pertinente à administração das pessoas jurídicas com administração coletiva, ficando estabelecido o prazo decadencial de três anos para anulação de atos decisórios.

O artigo 50, de seu turno, acolhe a possibilidade de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que já encontrava menção, por exemplo, no direito tributário ou no direito consumerista [04]. A rigorosa dicotomia entre a pessoa física e a jurídica é mais um dos dogmas da visão privatista do direito civil, herdada do Código Napoleônico, que cede passo uma visão mais solidarista, fruto de uma visão social do direito civil, cuja base encontra assento constitucional.

Os artigos 53 a 69 trazem disposições relativas às espécies de pessoas jurídicas de direito privado, versando sobre associações e fundações. A parte relativa às associações é nova, visto que no código revogado a tratativa era pertinente a sociedades e associações civis. No que tange às fundações, houve poucos acréscimos, como os dos artigos 64 e 67.

No Título III, concernente ao domicílio, muito da redação do código revogado foi mantida, sendo as modificações mais de forma e estilo do que de conteúdo.


3-BENS

O livro II trata dos bens e vai dos artigos 79 a 103. O artigo 83 inseriu dentre os bens móveis as energias que tenham valor econômico. Esta classe de bens já era considerada no âmbito do Direito Penal, não obstante a ausência na lei civil. O novo Código foi mais preciso na definição das universalidades de fato (agora considerada a partir de uma pessoa e de uma destinação) e de direito, estabelecendo diferenciação que outrora não fazia parte da redação do código civil.

Quanto aos bens reciprocamente considerados, rubrica que também fazia parte do CC. revogado, foi inserido o conceito de pertenças, definidas como "bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro" (art. 93), e que não se presumem inseridos em negócios jurídicos envolvendo o bem principal (art. 94).

Dentre o rol dos bens públicos agora há expressa menção aos bens das autarquias (art. 99, inciso II). Também no inciso terceiro, a enumeração das pessoas jurídicas que compõem a república, foi substituída pela menção a pessoas jurídicas de direito público.

O artigo 102, refletindo o texto da Constituição Federal, artigo 182, § 3º, afirma insuscetíveis de usucapião os bens públicos [05].


4- FATOS E ATOS JURÍDICOS

O Livro III, que trata dos fatos jurídicos, divide-se em quatro títulos a saber: do negócio jurídico, dos atos jurídicos lícitos, dos atos ilícitos e da prescrição e decadência. Pela divisão das matérias já se percebe que o Código foi fiel à doutrina do fato jurídico de Pontes de Miranda, de há muito consagrada no direito pátrio [06].

Os requisitos de validade dos negócios jurídicos foram mantidos (relativos à capacidade do agente, objeto e forma). Consagrando o princípio da máxima utilidade, o artigo 106 torna relativa a nulidade decorrente da impossibilidade inicial do negócio jurídico se esta for relativa ou for superada antes de condição suspensiva. Mantêm-se o princípio da forma livre, salvo disposição em contrário, conforme conatava do artigo 129 do antigo Código.

A escritura pública, antes necessária aos pactos antenupciais e adoções, e a negócios relativos a imóveis, foi mantida como condição somente no último caso, e isso quando o valor for superior a 30 vezes o maior salário mínimo vigente no País [07].

O artigo 110 trata expressamente da reserva mental [08], determinando que não surtirá efeito, salvo se conhecida da outra parte. A construção acerca da reserva mental era sobretudo doutrinária e jurisprudencial.

A boa-fé é prevista como paradigma hermenêutico, assim como os usos e costumes. Consoante verbera Nelson Nery Júnior, "a norma trata da boa fé subjetiva, isto é, da intenção e do comportamento efetivo das partes na conclusão do negócio jurídico. Nesse contexto, a boa-fé assume caráter subjetivo, tendo natureza jurídica de regra de interpretação do negocio jurídico." [09]

O capítulo II comporta uma breve disciplina da representação, outrora tratada no contrato de mandato. Mas nem sempre a representação se dá por força desse. Determina o artigo 119 que é anulável o negócio jurídico celebrado de forma contrária aos interesses do representado, com prazo decadência de 180 dias. Também anulável é o negócio jurídico que o representante celebrar consigo próprio, salvo permissão legal ou do representado. Não havia disciplina para a matéria no antigo código.

O capítulo III versa sobre as condições, termos e encargos. A matéria antes era tratada sob a denominação "das modalidades dos atos jurídicos". No atinente a esta matéria, poucas modificações se observam. Nada foi alterado quanto à definição de cada um dos institutos, ou seja, condição, termo e encargo, mas o artigo 123 inova ao determinar que as condições física ou juridicamente impossíveis somente invalidam o negócio se suspensivas. Inserem-se no rol das condições defesas as de fazer coisa ilícita ou ilícitas em si mesmas, bem como as condições incompreensíveis ou contraditórias.

As condições impossíveis somente se têm por inexistentes se resolutivas, e quando foram de não fazer coisa impossível. O artigo 128 deixa claro que nos negócios de trato continuado, o advento de condição resolutiva não atinge os efeitos pretéritos, algo não previsto no revogado código. O artigo 130 estende a possibilidade de atos de defesa do direito também aos titulares de direitos eventuais subordinados a condições resolutivas, não somente suspensivas, como ocorria no artigo 121 do revogado código. O encargo ilícito ou impossível considera-se não escrito, salvo quando constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que invalida o negócio jurídico, por força do artigo 137 do novo CC.

O capítulo IV traz uma das mais importantes matérias do direito civil e diz respeito à invalidade do negócio jurídico. Escusado referir que esta matéria tem ampla repercussão sobre quase todas as áreas de abrangência do Direito Civil, seja em maior ou menor grau. Trata-se aqui, de descortinar a disciplina da anulabilidade e da nulidade.

São anuláveis, consoante o novo código, os negócios jurídicos: a) celebrados por incapazes relativos [10], b) onde ocorreu erro; c) onde ocorreu dolo; d) onde ocorreu coação; e) onde ocorreu estado de perigo; f) onde ocorreu lesão; g) onde ocorreu fraude contra credores. Como se observa, foi retirada a simulação e adicionadas duas novas figuras jurídicas em relação ao artigo 147 do revogado código.

O erro que é apto a anular o negócio jurídico é somente o substancial, entendido como aquele que se verifica nas hipóteses do artigo 139, onde foi inserido o erro de direito, desde que, não implicando em recusa a lei, seja o único motivo do negócio. O erro quanto à pessoa, por outro lado, ao contrário do que antes previsto, somente invalidará o negócio jurídico quando relevante. A noção de causa, antes expressa no artigo 90 do revogado código, foi substituída pela de motivo, o qual, em sendo alvo de erro, somente autorizará a invalidação se for expresso como razão determinante.

À possibilidade de convalidação do negócio também foi acrescida, por força do artigo 144, a situação na qual a pessoa erroneamente indicada se apresenta para executa-lo.

Quanto ao dolo, as alterações mais significativas estão nos artigos 148 e 149. Segundo o primeiro, "pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou.". A nova redação é mais precisa e condiciona a anulação ao conhecimento da parte a quem aproveitou, e ressalva as perdas e danos em relação ao terceiro. No artigo 149, em sendo a representação convencional, e havendo dolo do representante, o representado responderá solidariamente com aquele.

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Na coação houve uma alteração substancial. O artigo 98 do revogado código condicionava a aplicação da coação como causa de invalidade a uma equivalência entre receio causado pelo ato extorquido em relação ao receio causado pela extorsão. Este último teria de ser maior ou igual aquele. A nova fórmula fala somente em dano considerável. Uma fórmula mais flexível, que permite o reconhecimento ainda quando o dano causado pelo ato extorquido seja menor do que o anunciado na coação.

O parágrafo único do mesmo artigo 151 permite que a coação seja tomada também em relação a pessoas estranhas à família do coagido. Cabe ao julgador apreciar a situação concreta. Não tendo conhecimento da coação o beneficiário se esta for efetuada por terceiro, subsiste o negócio, respondendo este por perdas e danos. A inserção dessa disposição espelha a tentativa de ressalvar a máxima eficácia do negócio, evitando anulação sempre que possível.

O estado de perigo e a lesão são institutos novos, inseridos pelos artigos 156-157. Consoante o artigo 156, "configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa." O instituto visa resguardar aquele que premido pela necessidade imperativa assume obrigação desproporcional, sendo a circunstância de conhecimento do outro contratante. Uma primeira questão reside no estabelecimento do que seja obrigação excessivamente desproporcional. É que nos contratos aleatórios a desproporção pode resultar da própria álea típica do contrato.

Tomando por exemplo a teoria da imprevisão, tem-se que a aplicação de institutos baseados na desproporção das prestações somente tem cabimento em contratos comutativos. Estaria vedada a aplicação do estado de perigo no contrato aleatório? Se nos parece que por este motivo não, pois ainda que não se possa estabelecer uma paridade inexorável e inicial entre as prestações, é certo que a álea encontra certos limites de previsão. Se a diferença extrapola de forma visível este espectro, pode se afirmar que, não obstante a aleatoriedade, há uma desproporção.

No entanto, não se há de olvidar que em se tratando de vício da vontade, se há de aferir esta desproporção no momento da celebração da avença, devendo a excessiva onerosidade (além da álea natural), ser desde já constatável.

Assim como ocorre com a coação, também poderá ser considerada a anulação quando a necessidade for relativa a pessoa estranha à família do contratante, cumprindo ao magistrado analisar o caso concreto.

Já a lesão ocorre quando "quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta". Como se observa, o foco do instituto da lesão é a proporcionalidade das prestações e não o estado anímico ou cognitivo do agente antes ou durante a celebração, embora este fator seja tomado em linha de conta, pois a desproporção deve estar associada a premente necessidade ou inexperiência.

Note-se que a necessidade pela qual passa o contratante ou sua inexperiência não precisam necessariamente, nos termos da lei, ser conhecidas pelo outro contratante, ao contrário do que se passa com o estado de perigo. Estando em voga a desproporção das prestações, mais uma vez é de se chamar a atenção para o fato de que não pode ser olvidada a álea natural a certos contratos, além dos valores vigentes, mencionados no parágrafo primeiro do artigo em consideração (artigo 157).

Também de forma contrária ao estado de perigo, a lesão contra com expressa possibilidade de convalidação do negócio, "se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito", caso em que se opera uma adequação entre as prestações em bases razoáveis ante a natureza do contrato e as especificidades do caso concreto.

Na fraude contra credores, a única novidade em relação à redação do código anterior relaciona-se à possibilidade de o adquirente efetuar depósito complementar em juízo a fim de desobrigar-se. A possibilidade de complementação não existia no artigo 108 do revogado C.C.

O rol das nulidades previsto no artigo 166 e seguintes no novo Código Civil é sensivelmente diverso do artigo 145 do revogado. O inciso segundo do artigo 166 incluiu a indeterminabilidade do objeto como causa de nulidade, somando-a à impossibilidade ou ilicitude. No que tange ao objeto, haverá nulidade quando este se constituir em "fraudar lei imperativa". O inciso terceiro insere a motivação ilícita, comum a ambas as partes, algo antes inexistente.

A simulação, antes prevista como causa de anulabilidade, agora gera a nulidade do negócio. A simulação do artigo 167 é mais ampla do que a do artigo 102 do revogado código. Naquele diploma, era requisito a "intenção de prejudicar terceiros, ou de violar disposição de lei", o que não se repete. Por outro lado, o artigo 167, também prestigiando o princípio de preservação máxima da eficácia jurídica, contempla possibilidade de subsistência do negócio que se dissimulou, se válido na substância ou na forma.

Neste mesmo diapasão, o artigo 170, ao tratar dos negócios nulos, preconiza que se "o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade." Trata-se de uma regra de hermenêutica que toma orientação diversa do que previa o revogado C.C. onde a nulidade tinha um caráter absoluto. O artigo 178 estabeleceu prazo decadencial de quatro anos para anulação dos negócios jurídico contado: a) no caso de coação, do dia em que ela cessar; b) no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico; c) no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade. Na omissão da lei, o prazo residual é de dois anos, a contar da data de conclusão (artigo 179).

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Conhecendo o novo Código Civil.: Série completa (3 partes). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 826, 7 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7234. Acesso em: 19 abr. 2024.

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Fusão de série de três trabalhos do autor, com o título: "Conhecendo o novo Código Civil"

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