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Terras públicas

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07/09/2005 às 00:00
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Síntese: O texto aborda as terras públicas e o regime jurídico da propriedade pública, bem como as formas de exercício da propriedade e da posse de imóveis pelo Estado.

Sumário: 1-Introdução. 2- Considerações acerca do Direito de Propriedade. 3- O Domínio Público. 4- Os Bens públicos. 5- Classificação dos Bens Públicos. 6- do Regime Jurídico dos Bens Públicos.5.1- Bens de Uso comum. 6.2- Bens de uso especial. 5.3- Bens Dominicias. 6.1- Imprescritibilidade. 6.2- Impenhrorabilidade. 6.3- Inalienabilidade. 6.4- Não Oneração. 7-Afetação e Desafetação. 8- Aplicação dos Institutos Civis.9- Permissão, Autorização, Cessão e Concessão. 10- Da formação do Patrimônio Público. 11- Da Terras Públicas in espécie. 11.1- Terrenos de Marinha. 11.2- Terrenos Reservados. 11. 3- Ilhas. 11.4- Terras Indígenas. 11.5- Terras Devolutas. 11.6- faixa de Fronteira. 12- Conclusão. 13- Bibliografia.


1- Introdução

            A moderna doutrina elenca como elementos componentes do Estado um povo, um governo soberano e um território. A noção de um espaço físico onde se desenvolvem as atividades do Estado é logicamente necessária [01]. Por outro lado, o Estado Moderno dirige-se a consecução do bem comum. Para tanto, tem que alocar uma série de recursos humanos e materiais, sendo-lhe imanente, nesta conjuntura, o exercício da propriedade sobre bens destinados ao atingimento de seus objetivos.

            A noção de propriedade, de construção, sobretudo, privada, não repele exerça o Estado o direito de propriedade, que toma, todavia, as feições peculiares concernentes ao exercício do poder público, adaptando-se aos princípios retores que gerem a ação da Administração.

            Dentre as diversas espécies de bens, ganham importância ímpar no mundo atual os imóveis, que, ressalte-se, sempre alçaram, haja vista suas características, proeminência dentre os bens passíveis de apropriação. Daí surge a noção de terras públicas como imóveis sobre os quais o Estado exerce domínio. Este o nosso tema: as terras públicas e sua configuração jurídica.

            Antes, contudo, lancemos algumas premissas.


2- Considerações acerca do Direito de Propriedade

            A concepção que hoje temos da propriedade percorreu um caminho tão longo e turbulento como o percorreu a própria humanidade e suas instituições. Não podia ser diferente, já que a propriedade é um fenômeno essencialmente humano e toma contornos conforme as circunstâncias sociais, econômicas, políticas e, sobretudo, jurídicas. Por incrível que possa parecer, essa noção de propriedade que nos é tão cara, tão natural, como uma potestade excludente sobre um determinado bem enquanto fenômeno primordialmente individual, não é originária. A propriedade é, no seu início, um fenômeno coletivo, reflexo da estruturação familiar da sociedade. Em noção rudimentar, repele o indivíduo e prestigia a gens, o grupo como titular da propriedade, restando a cada qual senão a disponibilidade de uns poucos objetos pessoais [02].

            O longo processo evolutivo do direito de propriedade reverteu o quadro e espelha a afirmação do indivíduo enquanto tal. Chegou a propriedade na Roma Antiga ao reverso, ou seja, fórmula maior e estampilha da potestade individual. Caindo em decadência o Império Romano no século V, vai florescer novamente seu direito por volta do século XII, com a Glosa fusionando-o ao Direito comum do medievo. Mas com o Iluminismo, retomam-se os valores do Direito Romano, penetrando naquele que é, sem dúvida, um dos grandes monumentos jurídicos da história: o Code de Napoleòn.

            Inaugurador do período das grandes codificações do século XIX, a influência do Código Napoleônico se fez sentir em todo o mundo ocidental, inspirado no modelo romano–canônico. Ocorre que, dado o momento histórico em que surgiu, o Diploma Civil Francês [03]refletiu uma concepção absoluta de propriedade que, com o transcorrer deste século, começou a ceder, ante a pressão de valores sociais que se fizeram conhecer nos ordenamentos jurídicos.

            Com efeito, restou dos ruinosos movimentos socialistas que se iniciaram em meados do século passado, desembocaram a Revolução Russa e tiveram seu previsível fim recentemente, o mérito de terem apontado algumas questões cruciais do modelo Liberal Iluminista de Estado, na medida em que fizeram ver que não basta a garantia formal da igualdade, sendo necessária uma ação efetiva do Estado na redução das desigualdades e na produção de condições concretas capazes de garantir o desenvolvimento e a dignidade de todo o conjunto da sociedade.

            Surgiu, então, a concepção do Estado Democrático Social, agasalhando um modelo político–jurídico permeável aos valores sociais [04] que se irradiam por todo o ordenamento jurídico como princípios informativos e mesmo objetivos do Estado.

            Durante este século vimos a expansão da influência desses valores encampados primeiramente na Constituição Mexicana (1917) e na Constituição da Weimar (Alemanha, 1919). A Carta Política de 1988 seguiu esse modelo e deixou-se permear por valores sociais de um tal modo que se lhe pode dizer uma Constituição Social.. No que diz respeito à propriedade, especial atenção demanda o art. 5º, inc XXIII, que acolheu a função social da propriedade, que já fora princípio geral no Código Civil italiano de 1942.

            Não que antes não se houvesse de respeitar o limite da utilização em cotejo com o direito alheio [05], mas como diz Caio Mario da Silva Pereira: "Mais do que antes, o direito moderno, que concebe a noção jurídica da propriedade como essencialmente relativa, assegura ao dominus o exercício dos seus direitos em subordinação aos interesses coletivos [06]".

            Se outrora a propriedade direito absoluto já se limitava, tanto mais agora quando se vislumbra um conteúdo social no seu uso. Assim sendo, a concepção moderna, longe de ser um exemplo de potestade absoluta, é um direito limitado no interesse da coletividade, ou seja, é relativa. Assim, o magistério de Carvalho Santos já apontava [07].


3- O Domínio Público

            Conforme pudemos verificar, a concepção do direito de propriedade passa por uma reformulação na qual se visa atribuir-lhe um conteúdo axiológico e publicista, em certa monta derrogatório da disciplina individualista que lhe imprimiu o período das grandes codificações do século XIX. No entanto, se nos interessa uma espécie do gênero direito de propriedade, qual seja, aquele exercida pelo Estado. Mas a referência a atual compleição do direito de propriedade não é inútil, porque ele se irradia igualmente ao exercício do direito de propriedade sobre os bens pelo Estado, embora seja certo que neste exercício já esteja presente ontologicamente um conteúdo publicístico in re ipsa, porque a finalidade maior do Estado Contemporâneo, de feição social democrática, é o atingimento de bem comum como escopo magno.

            Conforme nos lembra Hely Lopes Meirelles [08]o conceito de domínio público não está indene a controvérsias, não carreando unanimidade na doutrina. Segundo o administrativista, o conceito tem dois desdobramentos, um político, referente ao domínio iminente, e um jurídico, referente ao domínio patrimonial. Passa a definir o domínio iminente como "o poder político pelo qual o Estado submete à sua vontade todas as coisas de seu território" [09], mas frisa que se trata de exercício da soberania interna e não de um direito de propriedade, de tal sorte que alcança não só os bens pertencentes às entidades públicas, mas também os bens privados [10].

            Já o domínio patrimonial é definido como "direito de propriedade, mas de direito de propriedade pública, sujeito a um regime administrativo especial" [11].Tomada esta última definição, tem-se por oportuna a advertência de Cretella Júnior segundo o qual "a expressão domínio público apresenta extensão menor do que a expressão bem público. Há bens públicos que ultrapassam a área do domínio público, enquadrando-se em campo regido por princípios do direito comum" [12]. Também Maria Sylvia Zanella Di Petro refere-se à distinção vigente no direito italiano, sendo "demaio" (domínio público) próprio dos bens de uso comum do povo, e bem patrimoniais, que se subdividem em bens de patrimônio disponível e indisponível. [13]

            Como se pode observar, ao domínio público se contrapõe o domínio privado [14]. O domínio público implica uma disciplina exorbitante e derrogatória do direito privado dando ensanchas à constituição de um regime jurídico de direito público que mais adiante será explicitado


4- Os Bens Públicos.

            A formação do patrimônio público é extremamente heterogênea. Isto decorre da extrema variedade das demandas operacionais da Administração, que a cada dia aumentam, mormente quando temos um modelo de Estado Social. Também verificamos uma dificuldade de conceituação de bens públicos, haja vista uma praxe de utilização ancestral e sinonímica que por vezes baralha os conceitos. [15]

            Mas nem por isso a doutrina refogue a uma definição. Hely Lopes Meirelles afirma que "bens públicos, em sentido amplo, são todas as coisas, corpóreas ou incorpóreas, imóveis ou móveis e semoventes, créditos, direitos e ações, que pertençam a qualquer título, às entidades estatais, autárquicas, fundacionais e paraestatais" [16]. Celso Antônio Bandeira de Mello leciona que "bens públicos são todos os bens que pertencem às pessoas jurídicas de direito público, isto é, União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações de direito público (estas últimas, aliás, não passam de autarquias designadas pela base estrutural que possuem), bem como os que, embora não pertencentes a tais, estejam afetados à prestação de um serviço público. O conjunto de tais bens forma o ´´domínio público´´, que inclui tanto bens imóveis, como móveis" [17]. José Cretella Júior define os bens públicos como "coisas materiais ou imateriais, assim como prestações pertencentes às pessoas jurídicas públicas, que objetivam fins públicos e que se submetem a regime de direito público, derrogatório e exorbitante do direito comum" [18].

            Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, quatro noções atrelam-se ao conceito de bens públicos:"1- conjunto de bens móveis ou imóveis; 2- a idéia de pertinência à Administração (Diríamos melhor ´´Estado´´), que afasta a tese de que o poder público não exerce sobre os bens públicos o direito de propriedade. 3- A afetação ao uso coletivo ou ao uso da Administração, que representa um traço distintivo entre bens dessa categoria e os dominicais; aliás, esse traço revela a maior abrangência do vocábulo ´´bem´´ no direito público, em relação ao direito privado; neste, interessam as coisas suscetíveis de avaliação econômica e que possam ser objeto de posse ou propriedade exclusiva pelo homem; no direito administrativo, os bens têm sentido mais amplo, porque abrangem não apenas a coisas que podem ser objeto de posse e propriedade exclusivas, mas também aquelas que são destinadas ao uso coletivo ou ao uso do próprio poder público; 4- regime jurídico de direito público, derrogatório e exorbitante do direito comum, não se aplicando a essas modalidades de bens os institutos regidos pelo direito privado"

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            Razão, contudo, assiste a Pontes de Miranda ao afirmar que, antes de tudo, o sistema jurídico em análise é o fator determinante para a qualificação do que sejam bens públicos. Nesta ordem de idéias, pertinente se mostra a invocação dos dispositivos legais do jus positivum referentes à matéria em apreço. Em primeiro plano surge o texto constitucional, mais especificamente os artigos 20, I a XI e §§ 1º e 2º, 26, I a IV e ADCT, art. 16, § 3º):

            "Art. 20. São bens da União:

            I- os que atualmente lhe pertencem os que lhe vierem a ser atribuídos;

            II- as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e á preservação ambiental, definidas em lei;

            III- os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;

            IV- as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países, as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as áreas referidas no art. 26, II;

            V- os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;

            VI- o mar territorial;

            VII- os terrenos de marinha e seus acrescidos;

            VIII- os potenciais de energia hidráulica;

            IX- os recursos minerais, inclusive os do subsolo;

            X- as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos;

            XI- as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios;

            § 1º- É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais do respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.

            § 2º- A faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para a defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.".

            "Art. 26-Incluem-se entre os bens dos Estados:

            I- as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósitos ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;

            II- as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros;

            III- as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União; IV- as terra devolutas não compreendidas entre as da União.

            ADCT

            "Art. 16- Até que se efetive o disposto no artigo 32, § 2, da Constituição, caberá ao Presidente da República, com a aprovação do Senado Federal, indicar o Governador e o Vice Governador do Distrito Federal:

            § 3º- Incluem-se entre os bens do Distrito Federal aqueles que lhe vierem a ser atribuídos pela União na forma da lei".

            No Código Civil revogado, a disciplina dos bens públicos está nos artigos 65 usque 68 No novo Código Civil, a matéria consta dos artigos 98 a 103.

            Podemos concluir que há em relação aos bens públicos um verdadeiro exercício do direito de propriedade por parte do Estado, em qualquer de suas esferas administrativas, ou seja, União, Estados, Municípios e suas autarquias e fundações submetidas ao regime jurídico de direito público. A noção de quais sejam os bens alçados a esta categoria carece de análise em cada ordenamento jurídico, não se podendo caracterizar, a priori, prescindindo-se da legislação, um bem como público ou como privado. No entanto, uma vez procedida a sua qualificação como bem público é certa sua submissão a um regime próprio, que sem desnaturar o exercício de um direito de propriedade, imprime uma marca diferenciadora caracterizada pela publicização inerente à "res públicae", caracterizando o regime jurídico dos bens públicos.


5- Classificação dos Bens Públicos.

            A classificação dos bens públicos segue a linha traçada pelo Código Civil. Como visto nos dispositivos retrocitados, não se pode vislumbrar grande dificuldade na sua classificação, uma vez que as disposições de lei foram suficientemente claras, não obstante a objetividade e singeleza com que referiram ao tema. Valhamo-nos das vozes da doutrina na caracterização das três categorias de bens.

            5.1- Bens de uso comum

            Dentro da proposta de acrescermos às definições do Código Civil as considerações da doutrina, façamos a invocação do mestres. Na definição de Di Pietro, bens de uso comum são aqueles que "por determinação legal ou por sua própria natureza, podem ser utilizados por todos em igualdade de condições, sem necessidade de consentimento individualizado por parte da Administração" [19]. Cretella Júnior aduz que "bem de uso é todo imóvel ou móvel sobre o qual o povo, o público, anonimamente, coletivamente, exerce direitos de uso e gozo, como por exemplo, o exercido sobre as estradas, os rios, as costas do mar" [20]. Hely Lopoes Meirelles os define afirmando que bens de uso comum são aqueles que "como exemplifica a própria lei, são os mares, praias, rios, estradas, ruas e praças. Enfim, todos os locais abertos à utilização pública adquirem este caráter de comunidade, de uso coletivo, de fruição própria do povo". [21]. Como se pode observar, a marcante característica dos bens de uso comum reside na possibilidade de sua utilização por quisquis de populo, independentemente de autorização especial, estando sua fruição ao alcance de todos desde que respeitado o direito dos demais.

            5.2- Bens de uso especial

            Segundo o mesmo Hely Lopes Meirelles, estes são "os que se destinam especialmente à execução dos serviços públicos e, por isso mesmo, são considerados instrumentos desses serviços; não integram propriamente a Administração, mas constituem o aparelhemento administrativo, tais como os edifícios das repartições públicas, os terrenos aplicados aos serviços públicos, os veículos da Administração, os matadouros, os mercados e outras serventias que o Estado põe à disposição do público, mas com destinação especial. Tais bens, como têm uma finalidade pública permanente, são também chamados de bens patrimoniais" [22].

            No escólio de Cretella Júnior, bens de uso especial "são os imóveis, edifícios e terrenos aplicados a serviço de repartições ou de estabelecimento público, bem como os imóveis e material, indispensáveis para o funcionamento de tais serviços, tais como os veículos do Estado, matadouros, mercados". Segundo ele, "os bens de que se utiliza, instrumentalmente, a Administração, excluindo os administrados, são porções do território, construções ou terrenos, assim como o aparelhamento necessário para que o serviço público se concretize, o mobiliário, estático ou dinâmico, situado nas porções de terreno ou nos edifícios; não integram, por excelência, a Administração, mas servem, instrumentalmente, para a consecução dos serviços públicos, funcionando como causa material, meio para que o Estado atinja seus fins. Se há uso especial ou privativo, o usuário não é o particular, as a pessoa jurídica pública (União, Estados e Municípios) à qual se acha afetado o bem" [23]. Para Celso Antônio Bandeira de Mello são "os afetados a um serviço os estabelecimento público, como as repartições públicas, isto é, locais onde se realiza a atividade pública ou onde está á disposição dos administrados um serviço, como teatros, universidades, museus e outros abertos à visitação pública" [24]. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro "são todas as coisas, móveis e imóveis, corpóreas ou incorpóreas, utilizadas pela Administração Pública para a realização de sua s atividades e consecução de seus fins" [25].

            Como se vê, ditos bens não perdem o caráter de públicos, porque são de propriedade do Estado, no entanto, sua utilização não é conferida a qualquer do povo, pois estão afetos a uma destinação específica relacionada a um serviço ou atividade de cunho público.

            Por fim cabe ressaltar que a expressão bens de uso especial não grassa acolhida unânime entre a doutrina, preferindo alguns a denominação bens do patrimônio indisponível [26].

            5.3- Bens Dominicais

            Conforme a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, estes são "os próprios do Estado como objeto de direito real, não aplicados nem ao uso comum, nem ao uso especial, tais os terrenos ou terras em geral, sobre os quais tem senhoria, à moda de qualquer proprietário, ou que, do mesmo modo, lhe assistam em conta de direito pessoal" [27].Hely Lopes Meirelles preconiza que "são aqueles que, embora integrando o dominio público como os demais, deles diferem pela possibilidade sempre presente de serem utilizados em qualquer fim ou, mesmo, alienados pela Administração, se assim o desejar. Daí por que recebem também a denominação de bens patrimoniais disponíveis ou de bens do patrimônio fiscal. Tais bens integram o patrimônio do Estado como objeto de direito pessoal ou real, isto é, sobre eles a Administração exerce ´´poderes de propriedade, segundo os preceitos de direitos constitucional e administrativo´´, na autorizada expressão de Clóvis Beviláqua" [28]. Maria Sylvia Zanella Di Pietro os define afirmando que "os bens do domínio privado do Estado, chamados de bens dominicais pelo Código Civil, e bens do patrimônio disponível pelo Código de Contabilidade Pública, são definidos legalmente como ´´os que constituem o patrimônio da União, dos Estados ou Municípios, como objeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas entidades" [29].

            Para Cretella Júnior "o vocábulo dominical é legítimo e bem formado atributo, designando, em nossa lingua, o tipo de coisa ou bem que pertence ao dominus, senhor ou proprietário. O bem dominical é igualmente conhecido pelos nomes de bem disponível, bem do patrimônio disponível, bem patrimonial disponível, bem do patrimônio fiscal, bem patrimonial do estado e bem do domínio privado do Estado. As expressões ´´bem dominical´´, bem patrimonial do Estado´´ ou ´´bem do patrimônio disponível ´´ servem para designar a parcela de bens pertencente ao Estado, em sua qualidade de proprietário. Ao lado dos bens do patrimônio indispensável, os bens do patrimônio disponível ou dominicais constituem os bens do domínio privado do Estado; os primeiros, afetos aos serviços públicos, não se alienam, enquanto durar a afetação, os outros, não afetados aos serviços públicos, são suscetíveis de serem alienados, mediante a forma que a lei especial autorizar" [30].

            Como se pode ver, no caso dos bens dominicais a relação jurídica existente é semelhante a de direito privado, pois o Estado dispõe do bem por direito pessoal ou real da mesma forma que o particular, o que, contudo, não implica a derrogação dos princípios a que está adstrita a Administração Pública no trato da res públicae como em todas as suas atividades. Mas por certo, a rigidez a que se submete a sua utilização não é tão extremada quanto as demais categorias.

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Terras públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 796, 7 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7235. Acesso em: 29 mar. 2024.

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