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Exceção de contrato não cumprido

Resumo:


  • O conceito da exceção de contrato não cumprido remonta a Roma e ao direito canônico, sendo aplicável em contratos bilaterais.

  • O fundamento jurídico da exceção está relacionado ao ato de vontade das partes e à equidade, sendo essencial para a defesa de uma prestação.

  • A aplicação da exceção de contrato não cumprido requer a simultaneidade das obrigações, a bilateralidade do contrato e o respeito às regras da boa-fé, além de ser objeto de análise em casos judiciais específicos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Sumário: 1 - EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO: ORIGEM HISTÓRICA E CONCEITO - 2 - FUNDAMENTO JURÍDICO DA "EXCEPTIO" - 3 - CONDIÇÕES DE APLICAÇÃO - 3.1 - CONTRATOS UNILATERAL E BILATERAL - 3.2 - CONTRATOS SINALAGMÁTICOS - 4 - ORDEM NORMAL DE EXECUÇÃO DAS PRESTAÇÕES NÃO MODIFICADAS - 5 - A EXCEÇÃO DE INEXECUÇÃO DEVE SER UTILIZADA DE ACORDO COM AS REGRAS DA BOA-FÉ - 6 - A POSIÇÃO " EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO" EM FACE A OUTROS INSTITUTOS A ELE SIMILARES POR CERTO ASPECTO - 6.1 - O DIREITO DE RETENÇÃO E A EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO - 6.2 - A COMPENSAÇÃO E A EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO - 6.3 - A "EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO " E A CLÁUSULA "SOLVE ET REPETE" - 7 - ÔNUS DA PROVA NA EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO - 8 - ANÁLISE DE JULGADOS – CASOS INTERESSANTES - 8.1 - RECURSO ESPECIAL Nº 257.064 – MG (2000/0041576-6) (STJ) - 8.2 - APELAÇÃO CÍVEL Nº 121.282-4/3-00 (TJSP)


1 - EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO: ORIGEM HISTÓRICA E CONCEITO

            A exceção de contrato não cumprido – exceptio non adimpleti contractus – se acha consagrada pelo art. 476 do atual Código Civil (correspondente ao art. 1092, caput, 1a parte, do Código Civil de 1916): "nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro".

            O surgimento histórico dessa exceção é assunto controverso. Frederic Girard (01) aponta Roma como o seu nascedouro. Diversamente, Cassin (02) afirma que sua origem se reporta ao direito canônico. Esta última tese recebe a acolhida de Serpa Lopes (03) e Caio Mário da Silva Pereira (04).

            Segundo a proposta da origem canônica, o sinalagma – interdependência recíproca das prestações – não existia no contrato bilateral dos romanos. Entre eles, um contrato como a compra e venda era regido pela boa-fé, porquanto era contrário a esse princípio que um dos contratantes, não tendo adimplido a prestação que lhe cabia, executasse o outro pelo não cumprimento de uma contraprestação devida. A resolução dos contratos ocorria apenas em casos de vício oculto ou, se estipulado em contrato, de não pagamento de preço.

            Assim, o direito canônico é que teria precisado que, em certos contratos bilaterais – os sinalagmáticos –, as prestações se vinculam não apenas no instante de sua gênese, mas também no de sua execução. Registre-se ainda: os canonistas, ao desfazerem a distinção entre contrato e pacto nu, deixaram estabelecido que do simples acordo de vontades promanava o vínculo contratual.

            Os contratos celebrados no direito canônico eram revestidos de obrigatoriedade mediante juramento solene de cumprimento bilateral dos deveres adquiridos. A eqüidade reforçava esse vínculo, de tal sorte que a reciprocidade subsistia mesmo quando não houvesse juramento. Foi esse contexto que fez nascer o princípio atribuído a Hortensius (05): non servanti fidem, non est fides servanda.

            Feito um esboço do histórico, é de bom alvitre proceder a um estudo cuidadoso desse conceito.

            Consoante já se observou, a exceção de contrato não cumprido é um fenômeno particular dos contratos sinalagmáticos. Não é pacífica a discussão doutrinária referente à relação de dependência recíproca entre prestações derivadas de um mesmo contrato bilateral.

            Três correntes figuram nesse debate: a que defende ligarem-se as prestações do contrato sinalagmático em sua origem; a que afirma que tais prestações se ligam no momento do funcionamento da relação contratual; e, finalmente, a de Gino Gorla (06), de caráter conciliador, segundo a qual as prestações do contrato sinalagmático se vinculam genética e funcionalmente.

            Serpa Lopes adere à corrente conciliatória, assinalando que a exceptio non adimpleti contractus "é uma forma de justa recusa ao cumprimento de uma prestação dependente do concomitante cumprimento da que toca à outra parte contratante, oriunda, geneticamente, do mesmo contrato e funcionalmente vinculadas as prestações uma à outra" (07). É um ato passivo, de defesa, pelo qual o excipiente visa a paralisar a ação do excepto faltoso.

            Nos contratos bilaterais, as prestações devem guardar entre si uma relação de reciprocidade e interdependência, cada uma delas se constituindo na causa jurídica da outra. Nesse sentido, Colin e Capitant (08): "Nos contratos sinalagmáticos, as obrigações recíprocas das partes se servem mutuamente de causa, ou seja, de suporte jurídico" (09). Além disso, para que se lhes possa aplicar a exceção de contrato não cumprido, as prestações devem ser simultâneas.

            Outrossim, cumpre consignar que a exceptio non adimpleti contractus não se aplica indistintamente a todo e qualquer contrato bilateral, posto que de um mesmo contrato desse tipo podem emanar prestações diversas que não sejam correspectivas. É o que diz Pontes de Miranda: "Nem todas as dívidas e obrigações que se originam dos contratos bilaterais são dívidas e obrigações bilaterais, em sentido estrito, isto é, em relação de reciprocidade. (...) A bilateralidade – prestação - contraprestação – faz ser bilateral o contrato; mas o ser bilateral o contrato não implica que todas as dívidas e obrigações que deles se irradiam sejam bilaterais" (10).


2 - FUNDAMENTO JURÍDICO DA "EXCEPTIO"

            O argumento mais utilizado pelos operadores do direito para justificar e fundamentar a exceptio non adimpleti contractus é a equidade. No entanto, parece ser segundo alguns juristas, dentre eles CAPITANT, que tal argumento é insuficiente para fundamentar juridicamente a "exceptio".

            Na visão do autor supracitado a "exceptio" tem fundamento no ato de vontade das partes. Não bastando, tal ato tem como objetivo um fim determinado, sendo tal manifestação de vontade una e indivisível. Desta forma não há que se falar em "exceptio" no sentido que a espelha DECKER, afirmando serem as obrigações, em um contrato sinalagmático, e não as prestações o seu correspondente.

            Em sua obra monumental vertida para o espanhol, Ennecerus T. Kipp & Wolff lembram que "el contrato o la ley pueden determinar quien tiene que hacer primero la prestación en un contrato bilateral" (11). Na mesma esteira do primeiro SALEILLES, defende que as obrigações nestes contratos devem ser uma em razão da outra.

            Deve ser essa a razão pela qual os civilistas aconselham que os contratos consignem com a maior clareza a cronologia das respectivas prestações, pois sem simultaneidade das prestações não há que se falar em exceptio non adimpleti contractus.


3 - CONDIÇÕES DE APLICAÇÃO

            3.1 - CONTRATOS UNILATERAL E BILATERAL

            Os unilaterais são aqueles que em sua constituição, são geradas obrigações para apenas uma das partes. Além do que "o peso" nos contratos unilaterais, no dizer de Venosa, "onera só uma das partes". Não há reciprocidade de prestações, como ocorre nos contratos bilaterais, nos quais, existem obrigações para ambas as partes.

            Com efeito, o contrato bilateral para fins de aplicação da exceptio são aqueles "que exigem, para sua caracterização, a presença de prestações e contraprestações interligadas genética e funcionalmente" (12).

            Já para alguns autores, a maior utilidade da distinção entre contratos unilaterais e bilaterais existe na possibilidade de aplicar a exceção do contrato não cumprido, pois esta somente pode ser aplicada aos bilaterais (13).

            3.2 - CONTRATOS SINALAGMÁTICOS

            São contratos com obrigações correlatas, sendo a interdependência recíproca das prestações, contendo necessariamente prestação e contraprestação, tendo ambas as partes deveres e direitos. Não há impedimento de que uma das partes tenha maior número de direito que a outra, pois tal fato não retira a bilateralidade contratual permitindo a aplicação da exceptio.

            De acordo com o artigo 476 do Código Civil apenas aos contratos bilaterais pode ser aplicada a exceção do contrato não cumprido. Logo, fica excluída a aplicação aos contratos unilaterais, tendo como justificativa de que nestes não há contraprestação para uma das partes.

            Cabe salientar que a reciprocidade não se confunde com a multiplicidade ocasional de vários débitos e créditos entre as mesmas pessoas.


4 - ORDEM NORMAL DE EXECUÇÃO DAS PRESTAÇÕES NÃO MODIFICADAS

            Em caso de não ocorrência de simultaneidade entre as prestações, também não existe espaço para o exercício da exceptio non adimpleti contractus. Não pode, desse modo, ser meio de defesa para prestação futura, como no caso do consórcio ou financiamento de veículo automotor.

            Assim sendo, a exceção de contrato não cumprido somente poderá ser exercida quando a legislação ou o contrato não dispuser sobre a quem cabe cumprir primeiro a obrigação. Pacificado é tal entendimento, pois cada um dos contraente é simultaneamente credor e devedor um do outro, uma vez que as respectivas obrigações têm por causa as do seu co-contratante, e, assim, a existência de uma é subordinada a da outra parte" (14).


5 - A EXCEÇÃO DE INEXECUÇÃO DEVE SER UTILIZADA DE ACORDO COM AS REGRAS DA BOA-FÉ

            Segundo alguns autores a exceção do contrato não cumprido é "instituto animado de um sopro de equidade" (15), além do que sua aplicação tem como pressuposto indispensável o princípio da boa-fé.

            A justificativa deste princípio esta no justo equilíbrio dos contratantes no cumprimento das prestações. Assim os romanos mesmo não sabendo a regra "non servanti findem non est fides servanda, criaram a exceptio dol, cuja base era a boa-fé.

            Esse princípio está cristalino no Código Civil em seu artigo 477, dando autorização ao devedor para que este peça uma garantia ao outro contratante do cumprimento da prestação. Para ilustrar o instituto temos o exemplo de Venosa, no qual um contratante entra com o capital e materiais para o fim de uma empreitada e vem a ter conhecimento de que o empreiteiro tem costume de envolver-se em operações arriscadas, que colocam em risco sua credibilidade. Adimplir com o capital nesta ocasião seria correr um enorme risco de não ver completada a obrigação.

            Porém, deve ser lembrado que o exercício indiscriminado da exceptio também é contrário ao princípio da boa-fé. Assim como no dizer de SERPA LOPES que é contrário ao instituto àquele que dele se beneficia, por sua culpa anterior, deu causa a inexecução por parte contrária.

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            No caso de cumprimento parcial, defeituoso ou incompleto da prestação, aplica-se a regra geral devido a conseqüência ser a mesma, ou seja, o inadimplemento. Logo, para que a obrigação seja tida como adimplida esta deve ser cumprida na forma contratada, no lugar e no tempo convencionado.

            É necessário ainda que ocorra a proporcionalidade à luz do princípio da boa-fé. Isto se deve ao fato de "não ser justo suspender prestações de vulto por contraprestações inexpressivas ou de escassa relevância" (16). Com efeito, deve haver uma tolerância mínima entre os contratantes, uma vez que o defeito de execução da prestação são de escassa importância se olhado no conjunto.

            Outra condição a ser observada é o objetivo da exceptio, ou seja, tem esta eficácia apenas dilatória. Tem o demandado conquista o direito de não cumprimento da sua prestação até o adimplemento da contraprestação pela parte contrária.


6 - A POSIÇÃO " EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO" EM FACE A OUTROS INSTITUTOS A ELE SIMILARES POR CERTO ASPECTO.

            6.1 - O DIREITO DE RETENÇÃO E A EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO

            No direito de retenção, o credor de uma prestação ligada à coisa objeto, ao mesmo tempo de uma obrigação de restituição de sua parte, dispõe deste meio de garantia, enquanto estiver o objeto em sua posse, Segundo a lição de CLÓVIS BEVILACQUA: " Em principio, salvo estipulação em contrário, o pagamento de preço e a entrega do objeto vendido devem ser atos simultâneos, donde resulta que cada uma das partes tem direito de retenção sobre o que deve dar, sendo aliás o vendedor quem deve iniciar o cumprimento da obrigação."

            Na exceção de contrato não cumprido, o credor retém o pagamento da sua prestação até que o outro contratante realize a que lhe incumbe; enquanto no direito de retenção decorre exclusivamente de um credito originário da própria coisa a restituir, a exceção do contrato não cumprido pressupõe um vínculo bilateral entre duas obrigações que podem ser realizadas ao mesmo tempo, sendo dessa maneira uma solução preparatória para o contrato; já no direito de retenção é uma garantia específica determinadas relações indicadas pela lei.

            6.2 - A COMPENSAÇÃO E A EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO

            Ambas representam formas de execução, sendo que a compensação extingue a obrigação e a exceção do contrato não cumprido paralisa a ação de um dos contratantes.

            Na compensação para que se opere é necessário que as duas dívidas recíprocas sejam fungíveis entre si; na exceção de contrato não cumprido nada mais se exige senão que se trate de uma relação bilateral com as prestações já exigíveis " trait pour trait", enquanto a compensação opera "sine facto hominis".

            Automaticamente pelo simples fato do vencimento dos dois débitos recíprocos, a exceção do contrato não cumprido, necessita ser alegada pelo devedor, como exceção à exigência ao cumprimento da obrigação assumida; por outro lado a compensação tem uma eficácia suspensiva e total, pois ela não paralisa proporcionalmente, mas detém a exigibilidade da prestação do excipiente ao mesmo tempo que compete a exceção a realizar a que lhe incumbe.

            6.3 - A "EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO " E A CLÁUSULA "SOLVE ET REPETE"

            A cláusula "solve et repete", significa "pague e depois reclame", é a que se estabelece num, contrato, com o objetivo de tornar a exigibilidade de sua prestação a qualquer intenção contrária do devedor, sendo que o mesmo só poderá reclamar desta em outra ação, visando assim o pagamento ao credor sem outra oposição.

            A jurisprudência italiana durante algum tempo dividiu-se em torno da "solve et repete, considerando essa como cláusula leonina, restando a ela alguma restrição no que tange a questão dos limites a ela imposta".

            Esses limites consistem em determinar se a cláusula e valida de todos os modos em sua extensão, ou se precisaria impor algumas exceções quando fosse alegada na demanda nulidade. Sua validade ficou afirmada desde que seja consignada no contrato, partindo assim do principio da autonomia da vontade, e sua eficácia consiste precisamente no seguinte: uma das partes não pode eximir-se da prestação, nem retarda-la em razão de exceções subordinadas ao comportamento da outra contraparte.

            Essa cláusula age em sentido contrário a exceção do contrato não cumprido, pois a exceção age no sentido de paralisar a ação do autor condicionando o pagamento da outra prestação devida ao réu, sendo que a "solve et repete" paralisa qualquer oposição do réu, que nessas condições não outra saída terá de solver o debito, com a possibilidade de que em outra ação possa reaver o que indevidamente pagou.

            A "solve et repete" foi uma modalidade contratual nascida da jurisprudência, que foi introduzida na pratica de assegurar ao contraente, que se desapossa da coisa, que executa de imediato a sua prestação a possibilidade de receber seguramente a contraprestação em determinado lapso de tempo.

            Dessa maneira a "solve et repete" convencionadas pelos contratantes representa uma renúncia a exceção de contrato não cumprido e consente numa voluntária mudança da ordem normal da execução.

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7 - ÔNUS DA PROVA NA EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO

            A questão do ônus da prova, na exceção de contrato não cumprido, não é consensual.

            De acordo com Giorgi, compete ao réu provar que o autor não cumpriu sua obrigação, ou a cumpriu imperfeitamente.

            M. I. Carvalho de Mendonça adota uma opção intermediária, entendendo que o autor deve provar o adimplemento da sua prestação – que não é presumível -, enquanto ao réu cumpre provar a existência do seu direito de crédito.

            Enneccerus, sustenta que não é dever do réu provar o seu direito de exceção, que, segundo ele, se funda por si mesmo na medida em que seu nascimento se dá com o surgimento mesmo do contrato bilateral alegado pelo autor, restando a este a incumbência de se contrapor à exceção, por meio de contra-exceção. Esta é a posição adotada por Serpa Lopes.

            Orlando Gomes entende que, quando o inadimplemento for total, compete ao contraente que não cumpriu a prestação provar o contrário, ao passo que, quando a execução for incompleta o dever de sua prova recai sobre quem invoca a exceção. Conclui, portanto, que, não obstante a exceptio non rite adimpleti contractus seja, essencialmente, uma exceptio non adimpleti contractus – pois cumprimento parcial, inexato ou defeituoso equivale a inadimplemento -, os efeitos gerados por elas são diferentes.


8 - ANÁLISE DE JULGADOS – CASOS INTERESSANTES

            8.1 - RECURSO ESPECIAL Nº 257.064 – MG (2000/0041576-6) (STJ)

            Esse primeiro caso relata os problemas havidos entre promitente vendedora (ENCOL) e promitente compradora (BRANCA LUIZA), com relação a um imóvel em que a primeira era a incorporadora e construtora do empreendimento e a segunda adquirente de uma das unidades do referido empreendimento.

            A construtora, tendo entregue o imóvel considerou que sua obrigação principal, qual seja, a de entregar o imóvel em condições de habitabilidade, estava cumprida, motivo pelo qual pleiteava o recebimento do valor devido.

            A promitente compradora, pelo contrário, tendo em vista a situação falimentar da construtora, achava que não receberia a escritura definitiva do imóvel, tida como obrigação final. Por este fato deixou de pagar as prestações por ela assumidas, referentes ao financiamento.

            Ocorridos estes motivos, à construtora restou apenas a proposição de uma ação de cobrança em face da compromissária, com o intuito de receber o valor devido, a respeito das prestações atrasadas.

            O que se seguiu foi o argumento, pela compromissária, da EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO, ou seja, deixou de pagar suas prestações, tendo em vista a possibilidade de não receber, ao final, a escritura definitiva, bem como o imóvel livre das hipotecas referentes à incorporação.

            Embora a exceção tenha como pressuposto a BILATERALIDADE do contrato, o que é verificado no presente caso, não há pagamento a VISTA, como é percebido na doutrina como condição de aplicabilidade, uma vez que a relação se dá através de um financiamento da compromissária diretamente com a construtora.

            Não há também, SIMULTANEIDADE das obrigações, o que não enseja na exceção do contrato não cumprido. Encontra-se na verdade um receio, uma expectativa da adquirente de não receber a escritura definitiva e o imóvel livre e desembaraçado.

            Pelo entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça, na verdade o inadimplemento da compromissária realmente existe, uma vez que já se encontra na posse do bem (na verdade morando nele desde que imitida na posse).

            Dessa forma só poderia a adquirente recorrer à exceção de contrato não cumprido como forma de defesa, após o cumprimento de sua parte na obrigação, com relação ao valor contratado.

            No caso, entretanto, não se deve ater apenas à exceptio non adimpleti contractus, mas também a outros institutos da teoria geral dos contratos e das obrigações. A exceção do contrato não cumprido deve ser situada, também, com relação aos princípios gerais dos contratos.

            É claro no caso, a presença de requisitos como: o acordo de vontades na assinatura e na contratação da construção, agentes capazes, e um contrato que tem como objeto um imóvel (lícito), seguindo as formas previstas em lei.

            A liberdade de contratar das partes é percebida na estipulação da forma de pagamento, lugar para pagamento, etc. Podem elas estipular livremente, padecendo de obediência somente diante da ordem pública (supremacia do Estado), que limita esta autonomia de vontades.

            Entretanto, a pacta sunt servanda sofre uma restrição. Embora signifique a criação de um contrato com força de lei entre as partes, e que determine que o que foi contratado deve ser cumprido, é restringida quando da aplicação da exceptio, pois a parte que não cumprir sua parte no contrato, alegando a defesa deste instituto, fica inadimplente sem que a ela possa ser aplicada uma sanção pelo seu descumprimento.

            Por fim, deve-se lembrar que no julgamento do caso, ainda foi mencionada a EQÜIDADE das obrigações entre as partes. O desequilíbrio pode causar diminuição no patrimônio de uma das partes – agora previsto no art. 477, CC – e o enriquecimento ilícito da outra (também previsto com a entrada em vigor do novo código).

            8.2 - APELAÇÃO CÍVEL Nº 121.282-4/3-00 (TJSP)

            O segundo caso relata os problemas existentes no cumprimento de um contrato de compromisso de compra e venda de um imóvel que apresentava graves defeitos.

            O objeto da obrigação, embora lícito, fôra entregue aos compromissários compradores com gravíssimos defeitos de construção, defeitos estes de tal monta que havia comprometimento estrutural do empreendimento, embora não apresentasse riscos imediatos de desabamento.

            Os adquirentes, por este motivo, deixaram de pagar as prestações do financiamento, tendo em vista o estado do imóvel. Os vendedores propuseram uma ação de cobrança em face dos compradores, que alegaram em sua defesa, a exceção do contrato não cumprido.

            A exceção no caso só é admitida, em virtude dos graves defeitos, que tornam o cumprimento da obrigação dos vendedores defeituosa, incompleta, como adiante se verá. Assim, configura-se estarem os adquirentes em dia com as suas obrigações, uma vez que não foi designado a quem deveria cumprir primeiro a obrigação.

            É assegurado aos compradores, em virtude das obras e serviços – na verdade benfeitorias necessárias – dos quais necessitava o imóvel, o direito de RETENÇÃO até que fossem devolvidos o valor das prestações pagas e a indenização pelos gastos com as referidas benfeitorias.

            Pelo relator, durante o julgamento do caso, é apresentada uma linha de pensamento com origem no direito germânico, acerca das obrigações. Acredita, não existir uma hierarquia entre obrigações dentro de um mesmo contrato, mas sim uma lateralidade, uma linha, na qual após o cumprimento de uma obrigação passa-se a outra, não existindo, portanto, obrigações secundárias ou principais.

            Tomando por verdadeira a afirmação de que existe lateralidade das obrigações e não hierarquia, chega-se à conclusão que estas devem ser entendidas como um "ente unitário".

            Sendo graves os defeitos na construção e composição estrutural da unidade, a primeira obrigação da construtora, qual seja, a de entregar o imóvel em condições de habitabilidade não foi cumprida, o que deixou a construtora e os incorporadores inadimplentes primeiro.

            Quando se fala em simultaneidade das obrigações, fala-se do momento em que a obrigação se torna exigível. No caso, tomando a linha acima exposta, o comprador ainda estava em dia com a sua obrigação, ou seja, quando foi imitido na posse, todas as suas prestações estavam pagas e em correspondência a obrigação da construtora de entregar o imóvel, não.

            Não fosse pelo reconhecimento da falta de cumprimento de obrigação por parte da vendedora, poderiam os compradores terem alegado VÍCIOS REDIBITÓRIOS. Constata-se isto através dos sérios problemas de construção, com riscos de desabamento, defeitos de difícil constatação (só verificados após perícia), anteriores ao contrato, com origem em um contrato comutativo (compra e venda).

            O relator traz à tona a BOA-FÉ OBJETIVA dos adquirentes, pois tiveram um comportamento (padrão de conduta) que qualquer pessoa no convívio social teria. Acreditaram, acima de tudo, na entrega de um imóvel – destinado ao domicílio da família – em perfeito estado.

            Assim é procedida a exclusão da mora, e a conseqüente rescisão do compromisso, com imposição à vendedora de restituição das parcelas já pagas em sua integralidade e o ressarcimento do valor das benfeitorias feitas pelos compradores, que tiveram como intenção a correção dos defeitos atinentes à construção.

            Até que fossem efetuados a restituição e o ressarcimento poderiam os adquirentes exercerem o DIREITO DE RETENÇÃO, como forma de assegurar o que foi manifestado pelo judiciário, pois este direito como citado pelo próprio julgador no Acórdão, "é remédio defensivo do possuidor, que inibe a deslocação do bem do possuidor para o reivindicante, antes que este satisfaça a obrigação de indenizar" (MARCO AURÉLIO S. VIANA, "Teoria e Prática do Direito das Coisas, ed. Saraiva, São Paulo, 1983, nº 38, p. 38).


BIBLIOGRAFIA

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            COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. 6a ed, revista, atual.. São Paulo: Ed. Saraiva, 2003. Vol. 2.

            COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de Direito Comercial. 7a ed, revista, atual.. São Paulo: Saraiva, 1996.

            DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 17a ed. São Paulo: Saraiva, 2002. Vol. 3: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais.

            _________________. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. 3a ed. São Paulo: Saraiva, 1999. Vol. 1: Teoria Geral das Obrigações.

            FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de Obrigações e Contratos (Civis, Empresariais, Consumidor). 22a ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. Coleção: 2.

            JÚNIOR, Humberto Theodoro. O contrato e seus princípios. 2a ed. São Paulo: Aide, 1999.

            NUNES, Pedro. Dicionário de Tecnologia Jurídica. 9a ed., corr., ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1976.

            PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. Vol. III: Fontes das Obrigações; Contratos – Declaração Unilateral de Vontade – Responsabilidade Civil.

            SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Código de Defesa do Consumidor Anotado. São Paulo: Saraiva, 2001.

            VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2003. Vol. II: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos.


Notas

            01

Citado por Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, 10a ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, vol. III, p. 96.

            02

Citado por Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, 10a ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, vol. III, p. 96.

            03

Serpa Lopes, Curso de Direito Civil,... , p. 166.

            04

Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, 10a ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, vol. III, pp. 96 e 97.

            05

Citado por Serpa Lopes, Curso de Direito Civil,... , p. 167.

            06

Citado por Serpa Lopes, Curso de Direito Civil,... , p. 165.

            07

Serpa Lopes, Curso de Direito Civil,... , pp. 165 e 166.

            08

Citados por Humberto Theodoro Jr., O contrato e seus princípios, 2a ed.,... , Aide, 1999, p. 82.

            09

Tradução nossa do original francês: "Dans les contrats synallagmatiques, les obligations réciproques des parties se servent mutuellement de cause, c’est-à-dire de suport juridique".

            10

Citado por Humberto Theodoro Jr., O contrato e seus princípios, 2a ed.,... , Aide, 1999, p. 85.

            11

Derecho de Obligaciones, tomo II, n. 1, página 166, § 33

            12

cit. por Humberto Theodoro Júnior, " O Contrato e seus Princípios", ED. Aide, 2ª Ed., 1999, p.83

            13

cit. Por Jônatas Nilhomens e Geraldo Magela Alves, "Manual Prático dos Contratos, ED. Forense, 5ª Ed., 2000, nº 8, p. 54

            14

cit. por THEODORO JÚNIOR, ob. cit, p. 81

            15

JÔNATAS E GERALDO, ob. cit, nº 8.1, p.54

            16

ORLANDO GOMES, "Contratos", 18ª ed., Ed. Forense, p.93, nota, 1998
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Sobre os autores
Ricardo Oliveira Costa

Graduação em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2006), especialização em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008). Mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2009 - ) tendo como orientador Alcides Jorge Costa. Advogado tributarista.

Paulo Marcelo de Aquino Lopes

Bacharelando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Fabio Costa Pereira

bacharelando em Direito em São Paulo (SP)

Thaís Regina Toro Garreta

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Juliana Senise Rosa Madureira

bacharelanda em Direito em São Paulo (SP)

Kelly Gabrielly da Silva Gama

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Cecilia Lemos Nozima

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Gilberto de Faula Moura

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Ricardo Oliveira ; LOPES, Paulo Marcelo Aquino et al. Exceção de contrato não cumprido. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 800, 11 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7260. Acesso em: 18 dez. 2024.

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