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Jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária

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I - INTRODUÇÃO

Tecer comentários e abordar sobre o tema da Jurisdição não é matéria muito fácil, devido às inúmeras posições doutrinárias sobre o assunto.

Insere-se dentre os inúmeros aspectos polêmicos do Direito Processual Civil, a definição da natureza jurídica das jurisdições contenciosa e voluntária, tendo em vista a existência de correntes dos doutos juristas muitas vezes divergentes e diametralmente opostas em suas idéias e posturas.

Por isso, não queremos aqui tratar do assunto de forma completa, em virtude de ser impossível praticamente nos darmos a essa tarefa. O que queremos apenas expor as várias facetas de um mesmo assunto, e ao final definirmos nossa posição em buscar da definição da natureza jurídica da Jurisdição voluntária, escopo principalmente deste.

Para tanto, faz-se necessário uma abordagem genérica sobre a Jurisdição como parte integrante do Poder Estatal e sendo, pois, reflexo desse Poder. Em seguida, abordaremos sobre a Jurisdição contenciosa e Jurisdição voluntária, na busca de alcançarmos a final nosso objetivo primordial, definir a natureza jurídica desta última.


II - ASPECTOS GERAIS SOBRE JURISDIÇÃO

Nos primórdios da humanidade, os homens resolviam seus conflitos pela força e/ou pela violência, onde o mais forte levava vantagens sobre o mais fraco. Tínhamos, pois, a autotutela, que é defeso ao cidadão exercê-lo, atualmente.

Com o passar do tempo, o Estado sentiu a necessidade de albergar para si a solução dos conflitos de interesses como forma de buscar o bem comum e a paz social.

"O Estado, por uma imperiosa necessidade de sua própria destinação política, obrigou-se pela organização constitucional de seus Poderes e pela instituição dos órgãos de sua Justiça, a prestar assistência aos particulares, em caso de ruptura do equilíbrio jurídico, a entregar sua contribuição jurisdicional toda vez que se verifica violação, ameaça ou possibilidade de violação das relações de Direito assegurados pela lei", segundo João Bonumá (apud BORGES, p. 210)

Nesse cenário surge a Jurisdição e por conseguinte o Poder Judiciário do Estado e a sua função jurisdicional. É a Jurisdição "Poder do Estado de fazer Justiça - de dizer o Direito (jus dicere)" (FÜHRER, 1995, p. 45)

O Estado exerce assim a substitutividade nas questões onde há controvérsias, substituindo os litigantes para aplicar o jus dicere — dizer o Direito no caso concreto. É, portanto, caráter da Jurisdição a substitutividade.

"A Jurisdição caracteriza-se pelos seguintes elementos: finalidade de realizar o Direito; inércia, ou seja, o juiz em regra deve aguardar a provocação da parte; presença de lide, ou seja, presença de conflito de interesse; produção de coisa julgada, ou seja, definitividade da solução dada."

(FÜHRER, 1995, p. 45)

Através da Jurisdição o Estado garante a ordem social e a estabilidade social.

Mas, segundo o mestre Ovídio Baptista, "o Direito, antes de ser monopólio do Estado, era uma manifestação das leis de Deus, apenas conhecidas e reveladas pelos sacerdotes." (SILVA, 1991, p. 17). E mais na frente o mesmo afirma que "A verdadeira e autêntica Jurisdição apenas surgiu a partir do momento em que o Estado assumiu uma posição de maior independência, desvinculando-se dos valores estritamente religiosas, e passando a exercer um Poder mais acentuado de controle social." (SILVA, 1991, p. 17)

Nessa órbita, podemos afirmar que a função imediata da Jurisdição ou Poder Jurisdicional é a de dirimir os conflitos e decidir as controvérsias que refletem direta ou indiretamente na ordem jurídica.

"A Jurisdição é criada e organizada pelo Estado precisamente com a finalidade de pacificar, segundo a lei, os conflitos de interesses das mais diferentes espécies, abrangendo não só os conflitos de natureza privada, mas igualmente as relações conflituosas no campo do Direito Público."

(SILVA, 1991, p. 24)

É uma atividade provocada a atividade jurisdicional. Sem provocação, através da ação, não há Jurisdição, porque a inércia é uma das principais características da atividade jurisdicional. Os juízes aguardam que os interessados lhes busquem propositalmente através da demanda ou pedido, via a ação. Precisa-se do pedido ou demanda para que o Estado se manifeste prestando a tutela jurisdicional.

Segundo José Frederico Marques, "como função inerente à soberania do Estado, a Jurisdição, Poder-dever de administrar a Justiça é una e homogênea, ‘qualquer que seja a natureza jurídica do conflito que deva resolver." (apud CARNEIRO, 1991, p. 21).

Há duas espécies de Jurisdição : 1) Jurisdição penal, que lida com conflitos penais; 2) Jurisdição civil, que cuida dos conflitos não-penais.

A Jurisdição civil divide-se em Jurisdição contenciosa e voluntária, das quais falaremos a seguir.


III - JURISDIÇÃO CONTENCIOSA

Como vimos, o Estado mediante a Jurisdição proíbe a autotutela dos interesses individuais conflitantes, impedindo que seja feita a Justiça através das próprias mãos. Com isso, o Estado busca a paz jurídica, dirimindo os litígios via a força de suas decisões, pressupondo interesse de dar segurança a ordem jurídica.

De acordo com Maximilianus Führer, a Jurisdição contenciosa "é a Jurisdição própria ou verdadeira" (FÜHRER, 1995, p. 45) . Nessa atividade, o juiz compõe os litígios entre as partes. Tem como características a ação, a lide, o processo e o contraditório ou sua possibilidade. Presume-se que haja um litígio que origina um processo que produz a coisa julgada.

Em suma, a Jurisdição contenciosa "tem por objetivo a composição e solução de um litígio." (BORGES, p. 211). Esse objetivo é alcançado mediante à aplicação da lei, onde "o juiz outorga a um ou a outro dos litigantes o bem da vida disputado, e os efeitos da sentença adquirem definitivamente, imutabilidade em frente às partes e seus sucessores (autoridade da coisa julgada material)".(CARNEIRO, 1991, p. 32).

Há doutrinadores que acreditam que "a expressão "Jurisdição contenciosa" é redundante ou pleonástica, pois Jurisdição já induz, indubitavelmente, a idéia de contenda e surgem que ao invés de Jurisdição contenciosa, Poder-se-ia denominarmos de "Jurisdição propriamente dita" ou "Jurisdição em si mesma".

Falamos que nesse tipo de Jurisdição o Estado promove a pacificação ou composição dos litígios. Que para havê-la deve está presente a lide, mas falhos seriam esses conceitos senão definirmos lide, interesse, pretensão e bem da vida.

Quem melhor define de forma didática é o mestre Humberto Theodoro Júnior. Para ele, lide ou litígio é "um conflito de interesse qualificado por uma pretensão resistida". (THEODORO JÚNIOR, 1995, p.35). "Interesse é ‘posição favorável para a satisfação de uma necessidade’ assumida por uma das partes e pretensão, a exigência de uma parte de subordinação de um interesse alheio a um interesse próprio." (IDEM) . Já os bens da vida são "as coisas ou valores necessários ou úteis à sobrevivência do homem, bem como a seu aprimoramento." (IBIDEM).

Concluímos que na Jurisdição contenciosa, existem: 1) atividade jurisdicional; 2) composição de litígios; 3) bilateralidade da causa; 4) lides ou litígios em busca ou questionando-se direitos e obrigações contrapostas; 5) Partes - autor e réu; 6) Jurisdição; 7) ação; 8) processo; 9) legalidade estrita - o juiz deve conceder o que está na lei à uma das partes; 10) há coisa julgada formal e material; 11) pode ocorrer a revelia; 12) há contraditório ou a sua possibilidade.

Em linhas gerais, é essa a natureza jurídica da Jurisdição contenciosa. Procuremos a seguir defini-la para a Jurisdição voluntária.


IV - JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA

Definir a matéria em relação à natureza jurídica da Jurisdição voluntária é um tanto polêmica e complexa. Nesse tipo de Jurisdição, "a ordem jurídica deixa a critério dos particulares regularem, uns em face dos outros, suas relações, livremente criando, modificando ou extinguindo direitos e obrigações recíprocas." (CARNEIRO, 1991, p. 33) .

No que diz respeito à Jurisdição voluntária, queremos novamente frisar que existe enorme diversidade e divergências jurisdicionais e de entendimentos doutrinários.

A expressão "Jurisdição voluntária" teve sua origem no Direito Romano, de fonte atribuída a Marciano no Digesto. É também chamada por muitos da Jurisdição graciosa.

Na verdade, existem três correntes que tentam explicar a natureza jurídica da Jurisdição voluntária. Duas são clássicas, a corrente jurisdicionalista, que equipara a Jurisdição voluntária à Jurisdição contenciosa e a corrente administrativista, que lhe confere cunho especial por ser exercida por juízes que tratam de administração de negócios jurídicos. E uma terceira corrente, a corrente autonomista, que cria uma outra função estatal ao lado da trilogia dos Poderes, sendo um quarto Poder.

Faremos breves comentários sobre cada uma das correntes a seguir:

1 - CORRENTE JURISDICIONALISTA

"Sustenta que, por via da mesma, há também aplicação do Direito objetivo e tutela dos Direitos subjetivos, embora sem conflitos. Nem por isso, porém, deixa de ter a índole da Jurisdição contenciosa, porque é um modo de o juiz exercer atividade atingindo aqueles dois objetivos, mesmo visando, em regra, apenas a interesses unilaterais privados. Esta doutrina tem o amparo de juristas de diferentes nacionalidades sem aderir às idéias mais modernas que rompem com a linha que tem o pálio da própria história."(LIMA, p.29).

Para os adeptos dessa corrente, "o processo voluntário pertence à Jurisdição e não à administração."(BORGES, p. 212)

José Olímpio de Castro Filho afirma que "via de regra, na Jurisdição, seja contenciosa ou voluntária, há tutela de interesses privados, enquanto que na administração domina a tutela de interesse público, de tal sorte que na Jurisdição, seja contenciosa seja voluntária, se trata sempre de tutelar e garantir um interesse privado protegido pela ordem jurídica e que de outra forma permaneceria insatisfeito."( apud BORGES, p.212)

Os seguidores nacionais afirmam que tal corrente é a correta pois taxativamente a Jurisdição é uma e una.

Conforme Amílcar de Castro, "a Jurisdição não varia de natureza."(BORGES, p. 212). "Todas as vezes que a autoridade jurisdicional possa e deva fazer o que está proibido aos jurisdicionados, encontra-se a mesma Jurisdição, nada importando que o assunto seja penal ou civil; não tenha havido defesa; seja esta, ou aquela, a forma do processo; com ou sem lide; seja ou não a sentença dotada do efeito de coisa julgada substancial; ou deva o próprio requerente, que não foi vencido pagar as custas."(BORGES, p. 212)

Como se pode notar, dar-se uma conceituação muito ampla à Jurisdição. Dessa feita, a Justiça não somente existe quando há litígio ou direitos em conflito. Mas, todas as vezes que o Judiciário se manifesta a cerca do que lhe é levado à apreciar, está fazendo Justiça no caso concreto e àqueles que submetem o problema, que seja litigioso ou não. Assim, na Jurisdição voluntária existem Jurisdição, ação e processo.

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Justificam ainda tal corrente ao afirmar que toda atividade jurisdicional depende de "iniciativa da parte interessada", e essa é feita mediante o ajuizamento da ação. Assim, há ação, segundo a corrente jurisdicionalista , na Jurisdição voluntária, posto que o ato jurisdicional está condicionado a manifestação de vontade das partes através da ação mesmo que não haja lide.

Portanto, o processo voluntário pertence à Jurisdição e não à administração. "Numa palavra: a Jurisdição como Poder de julgar, é função unitária. Tem a mesma forma; a mesma natureza; e precisamente por isso, a não ser como expressão figurada, é indivisível pela essência do dividendo."(BORGES, p.213).

Em síntese, os principais argumentos dessa corrente são: a) na Jurisdição voluntária é nota característica a imparcialidade do órgão encarregado de decidir; b) a garantia de observância do Direito objetivo; c) a proteção dos interesses privados; d) é sempre um interesse insatisfeito que provoca a atividade jurisdicional; e) a ausência de lide apenas serve para diferenciar a Jurisdição voluntária da contenciosa; f) não se nega a existência de Jurisdição; g) a coisa julgada é tida como efeito genérico da Jurisdição; h) Jurisdição voluntária e Jurisdição contenciosa são partes de um mesmo ramo, a Jurisdição.

2 - CORRENTE ADMINISTRATIVISTA

Segundo essa corrente "o Estado exerce, por vários órgãos, função administrativa de interesses privados para a devida validade, eficácia e segurança do ato, em certos casos previstos em lei, porém a competência é, expressamente, atribuída aos juízes."(LIMA, p.30).

Justificam tal posição dizendo que "se todas as espécies da ora Jurisdição voluntária viesse a ser transferida para outros órgãos públicos, haveria sempre o risco de quem se sentisse lesado provocar a atuação jurisdicional."(LIMA, p.30). Então, o Estado se manifestaria duas vezes sobre uma mesma matéria. Evita-se assim, a duplicação do exercício estatal na tutela dos interesses privados dos interessados.

A Jurisdição voluntária serviria como forma de cercear a vontade intrínseca dos indivíduos, tranqüilizando seus interesse e reduzindo as tendências de conflitos eventuais e dando segurança à ordem social.

Para os administrativistas, o juiz ocupa uma posição sui generis no processo voluntário, não agindo jurisdicionalmente, mas com índole administrativa, interferindo nos negócios jurídicos sendo condição sine qua non de sua realidade ou complementação. Essa atuação passa a ser constitutiva e preventiva de futuras lides.

O juiz passa a ser competente para exercer um procedimento, como denominado pelo Código de Processo Civil, de índole especial.

Entrementes, o conceito da natureza da Jurisdição voluntária para esta corrente é como "administração pública de interesses privados por intermédio de juiz nos casos expressamente previstos em lei"(LIMA, p.34).

Nesse ínterim, para a corrente administrativa na Jurisdição voluntária não há litígio, não há processo, no termo técnico da palavra, havendo meramente uma medida judicial de caráter administrativo. Há interessados, e não partes. Nega-se a existência de coisa julgada, não sendo Jurisdição propriamente, todavia administração pública de Direito privado.

Trata-se de uma corrente poderosa e majoritária, formando uma maioria visto que no Brasil quase todos os processualistas aderem à corrente em exame.

Os administrativistas apresentam os principais argumentos para dar resposta negativa ao caráter jurisdicional da Jurisdição voluntária. Dentre elas podem citar: a) A presença da discricionalidade na Jurisdição voluntária como sendo característica principal da atividade administrativa; b) Manifestação do interesse estatal em proteger os Direitos subjetivos: c) A atividade jurisdicional não é secundária e substitutiva, nem pressupõe litígio; d) Tem escopo constitutivo, visando novos estados jurídicos ou ao desenvolvimento ou ao desenvolvimento das relações existentes; e) Não se aplica o princípio dispositivo; f) Não se produz a coisa julgada.

Por isso, "os atos de Jurisdição voluntária, portanto, para os partidários dessa corrente, são atos administrativos - que só por tradição continuam atribuídos ao Poder Judiciário" (REGO, p. 114).

Em suma, são estas as idéias centrais daqueles que sustentam a construção doutrinária da Jurisdição voluntária como atividade administrativa.

3 - CORRENTE AUTONOMISTA

Essa corrente não coloca a Jurisdição voluntária nem a Jurisdição contenciosa, nem a situa como função administrativa. Estaria a Jurisdição voluntária como uma categoria autônoma, unitária.

Seus seguidores acreditam que deveria se acabar com o conceito tripartido de Montesquieu, para se criar um quarto Poder, a Jurisdição voluntária.

O fato de ser uma função anômala do Poder Judiciário, não é causa para a criação de uma quarta órbita de Poder entre as já firmados.

É a tese criada por Ellio Fazzalari e não teve tanta repercussão, porém, deve ser ressaltar a autoridade do grande mestre. Esse foi autor da monografia clássica onde sustenta a Jurisdição voluntária como un genus per sè stante. Reivindica-se, portanto, para a Jurisdição voluntária uma posição autônoma em relação às demais funções do Estado.

Após a análise das correntes sobre a natureza jurídica da Jurisdição voluntária, notamos quão importante é a presença de um elemento do Estado, no caso o juiz na relação, porque este dá maior certeza jurídica na subsistência do ato e reprime ou diminui a possibilidade futura de eventual litígio na interpretação dos fatos e na controvérsia que possa existir entre as partes.

Ressaltamos ainda que a diferença de finalidade de atuação jurisdicional provoca mudanças na denominação do feito, pois na Jurisdição contenciosa chama-se processo e na Jurisdição voluntária chama-se procedimento, visto que cada Jurisdição tem suas peculiaridades e elementos comuns, porém distintos da outra.


V- CONCLUSÃO

Para a definição da natureza jurídica da Jurisdição voluntária, faz-se necessário uma análise do que vem a ser Jurisdição, para sabermos se a Jurisdição voluntária a ela se encaixa. Por isso, fizemos uma breve explanação sobre a Jurisdição e seu papel como função estatal, bem como da Jurisdição contenciosa, que vem sendo denominada pela maioria dos processualistas de "a verdadeira e pura Jurisdição".

Em seguida, nos adentramos na Jurisdição voluntária e diferentemente de vários compêndios de processualistas que só visam sobre a corrente administrativista, descobrimos que há mais duas correntes apesar de minorias, as correntes jurisdicionista e autonomista.

Após o conhecimento dessas três correntes a cerca da Jurisdição voluntária, despertaram-nos uma análise sob uma ótica diferente da natureza jurídica da Jurisdição voluntária.

Com a fixação dos pontos fundamentais de cada corrente doutrinária, verificamos que a majoritária em nossa doutrina é a administrativa que nega o caráter jurisdicional na Jurisdição voluntária, argumentando que falta a esta a preexistência de um litígio, vez que a Jurisdição verdadeira é aquela que compõe os litígios.

Observando o conceito cameluttiano de lide, segundo o qual a Jurisdição consiste na justa composição da lide e de que a Jurisdição tem como finalidade pacificar, segundo a lei, os conflitos de interesse das mais diferentes espécies, podemos negar ou atribuir validade para a afirmação de que é pressuposto necessário para a Jurisdição um litígio.

Como Jurisdição e processo não pressupõem obrigatoriamente uma lide, não se deve utilizar o pressuposto litígio para distinguir a Jurisdição contenciosa da voluntária. Mas, esse é o argumento principal pelo qual a corrente administrativista rebate a corrente jurisdicionalista.

Numa análise mais apurada, a corrente administrativista firma seu argumento em volta da inexistência da lide na jurisdição voluntária. Dai afirmarem que, na verdade, há nesse tipo de jurisdição interesse, consenso ou dissenso, procedimento, insubstutituvidade jurisdicional, dentre outros.

Ousamos discordar de tal posição por acreditar num conceito mais amplo de Jurisdição onde estariam englobados nela, como situações evidentemente jurisdicionais, as não litigiosas , ou seja as situações de Jurisdição voluntária. Dar-se assim a natureza jurídica jurisdicional de caráter sui generis aos atos de Jurisdição voluntária, mesmo que não litigiosos.

O dilema está no fato de estar o conceito de Jurisdição o elemento litígio com conceituação técnica e de difícil ampliação. Cremos que com a evolução da ciência do Direito chegaremos a um conceito de Jurisdição de maior amplitude, como, por exemplo, sendo esta "a função do Estado incumbida de pacificar os conflitos de interesses ,ou seja , os litígios e tutelar ou proteger a autocomposição dos mesmos, ou seja, a conciliação e o consenso." Acreditamos que a Jurisdição exercendo a função tutelar estará cumprindo seu papel de manutenção da paz social e da ordem jurídica. Com isso, teremos uma elasticidade maior do conceito do que venha a ser Jurisdição e por conseguinte, a Jurisdição voluntária deixará de ser atividade meramente administrativa e passará a ter a natureza jurídica de atividade jurisdicional.

Para concluir, queremos definir nossa posição quanto a natureza jurídica da Jurisdição voluntária. Esta não pode ser encarada como função administrativa pela simples falta de lide, visto que, com a manifestação jurisdicional procura-se prevenir futuros litígios, pois a pretensão trazida ao Judiciário fora solucionada pelas próprias partes ou ambas buscam uma mesma pretensão.

Apesar da maioria dos processualista seguirem a corrente administrativista, com a devida vênia, defino a natureza jurídica Jurisdição voluntária como Jurisdição anômala, pois a Justiça é feita para todos e para todas as situações e não unicamente quando ocorrem litígios. Isso porque, apesar das crises, o Poder Judiciário ainda é o Poder estatal que detém maior credibilidade perante a população na busca de uma certeza jurídica.

Cremos que toda vez que se movimenta o Poder Judiciário, há o exercício da Jurisdição, independentemente do que lhe seja levado à apreciação realizando o ideal de Justiça no caso concreto àqueles que lhe submeterem o problema em busca de uma solução pacífica ou ratificação da situação convencionada. Havendo litígio ou não, acreditamos que haja Jurisdição. Porque no caso de uma situação não litigiosa, a Jurisdição deverá funcionar como reconhecedora ou não de um Direito, aplicando a lei ao caso concreto.

Ante o exposto, entendemos ser atualmente na doutrina a corrente jurisdicionista a que melhor define a natureza jurídica da Jurisdição voluntária, por entendermos haver Jurisdição, ação e processo. Contudo, é uma prestação jurisdicional anômala por tratar com situações não litigiosas.

Com essa conclusão, queremos focalizar a natureza jurídica da Jurisdição voluntária sob outra concepção em busca de inovações e novas perspectivas, visto que o Direito não é uma ciência estática e sua evolução implica na mudança e/ou adequação dos seus conceitos, principalmente àqueles mais clássicos.


BIBLIOGRAFIA

1. BORGES, Marcos Afonso. Jurisdição Voluntária. Direito Processual Civil. Conferências. Revista de Processo. Vol. 11-12. São Paulo: RT. p. 209-219.
2. CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 4 ed., .rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 06-39.
3. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. 11 ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 149-152.
4. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 114-127.
5. FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de Processo Civil. 10 ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 1995. p. 45-48.
6. LIMA, Alcides de Mendonça. Jurisdição Voluntária. Doutrina nacional. Direito Processual Civil. Revista de Processo. V. 17. São Paulo: RT. p. 25-40.
7. MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Jurisdição Voluntária, Jurisdição e lide. Doutrina nacional. Direito Processual Civil. Revista de Processo. Vol. 37. São Paulo: RT. p. 69-84.
8. REGO, Hermenegildo de Souza. Existe Jurisdição Voluntária? Doutrina nacional. Direito Processual Civil. Revista de Processo. Vol. 42. São Paulo: RT. p. 114-121.
9. SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras Linhas do Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1985.
10. SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de Processo Civil. Vol. I. 2 ed. Porto Alegre: Fabris, 1991. p. 17-38
11. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 33-41.

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Sobre o autor
Dijosete Veríssimo da Costa Júnior

Procurador Legislativo Municipal em Natal (RN). Professor da UERN. Advogado. Mestrando em Direito pela UFRN.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA JÚNIOR, Dijosete Veríssimo. Jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 13, 18 mai. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/776. Acesso em: 21 nov. 2024.

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