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Da perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

Uma nova abordagem

15/01/2006 às 00:00
Leia nesta página:

Introdução

            A idéia de redigir um artigo sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças nasceu de uma discussão acerca da possibilidade de as Polícias Militares empregarem, a exemplo do que ocorre nas Forças Armadas, oficiais e sargentos contratados por tempo determinado para exercerem funções e atividades de nível superior e técnico específicas.

            Na Polícia Militar do Estado de São Paulo, o paradigma do emprego exclusivo de policiais militares efetivos, ou "de carreira", em todas as suas atividades foi superado há pouco mais de três anos, quando teve início o Serviço Auxiliar Voluntário, instituído por força da Lei federal nº 10.029, de 20 de outubro de 2000, e nos termos da Lei estadual nº 11.064, de 8 de março de 2002.

            Algumas questões polêmicas inevitavelmente surgem quando se aborda esse tema, todas especialmente ligadas a alguns mitos e outros paradigmas, os quais tentaremos desvendar, ainda que seja somente para lançar a semente de um novo entendimento, a qual poderá germinar e dar bons frutos em um futuro breve, ou apenas trazer à discussão esse importante assunto, reafirmando os valores institucionais.

            Cremos que a análise do assunto deve ser iniciada a partir da Constituição Federal, pois dela irradiam os princípios e prerrogativas inerentes aos militares. Pontuamos essa observação, pois não é raro o estudo feito em sentido contrário, partindo-se da legislação infraconstitucional, buscando-se, a partir daí, enquadrar o texto constitucional às leis, muitas delas anteriores à própria Constituição e que sequer foram recepcionadas.


Desenvolvimento

            Nesse compasso, destacamos inicialmente o que preceitua o artigo 125, § 4º da Carta Magna, com a nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/04:

            Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

            § 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (grifei).

            Duas importantes observações já se mostram necessárias, somente em razão da definição de competência esboçada neste parágrafo. A primeira consiste na impossibilidade de aplicação da pena acessória de perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças policiais militares quando condenados por crimes militares, conforme prevê o artigo 98 do Código Penal Militar, não inteiramente recepcionado pela Carta Política de 88. Isso porque, como destacado no § 4º acima transcrito, a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças é ato de competência privativa do Tribunal de Justiça Militar, nos estados em que existir, ou do Tribunal de Justiça, nos demais estados [01].

            A segunda observação importante diz respeito apenas às praças de Polícia Militar. A esta categoria de policiais militares (e bombeiros militares, em outros estados) foi assegurado tratamento constitucional privilegiado em relação às praças das Forças Armadas, na medida em que lhes foi assegurada a prerrogativa de somente perderem sua graduação por decisão do Tribunal competente, o que não ocorre com as praças das Forças Armadas, para as quais o artigo 98 do CPM ainda é aplicável.

            Essa garantia, na verdade, se mostra pouco proveitosa quando a praça policial militar se vê diante da possibilidade de demissão ou expulsão da Corporação, uma vez que já se encontra pacífico o entendimento na doutrina e na jurisprudência de que tais atos, demissão e expulsão, são de competência do Comandante Geral, uma vez que são penalidades administrativas disciplinares.

            E não poderia ser outro o entendimento, uma vez que a exclusão do serviço ativo da Polícia Militar independe da manutenção ou não da graduação da praça. Nosso entendimento vai mais além, no sentido de que também a exclusão do serviço ativo do oficial, por meio da aplicação da penalidade de demissão, independe da manutenção ou não de seu posto.

            Para comprovar essa afirmação, é necessário entendermos os significados de alguns conceitos importantes relacionados ao tema:

            Posto:

            - Posto é o grau hierárquico do oficial, conferido por ato do Presidente da República ou do Ministro de Força Singular e confirmado em Carta Patente (§ 1º, do art. 16, da Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980 – Estatuto dos Militares).

            - É o lugar que o oficial ocupa na hierarquia dos círculos militares (José Afonso da Silva [02])

            Patente:

            - Carta oficial de concessão de um título, posto ou privilégio: Patente militar (Moderno Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis - Versão 1.0).

            - Ato de atribuição do título e do posto a oficial militar (José Afonso da Silva).

            Graduação:

            - Graduação é o grau hierárquico da praça, conferido pela autoridade militar competente (§ 3º, do art. 16, da Lei nº 6.880/80).

            Cargo público

            - É o lugar instituído na organização do serviço público, com denominação própria, atribuições e responsabilidades específicas, para ser provido e exercido por um titular, na forma da lei (Hely Lopes Meirelles [03]).

            - Unidade específica de atribuições, localizada no interior dos órgãos (Dirley da Cunha Junior [04]).

            Função Pública

            - É a atribuição ou o conjunto de atribuições que a Administração confere a cada categoria profissional ou comete individualmente a determinados servidores para a execução de serviços eventuais (Hely Lopes Meirelles).

            - Conjunto de atribuições conferido aos órgãos, aos cargos, aos empregos ou diretamente aos agentes públicos (Dirley da Cunha Junior).

            Dos conceitos acima apontados, importa frisar que a demissão do oficial, à semelhança do que ocorre com a praça, implica em seu desligamento do serviço ativo, com a conseqüente perda de seu cargo e sua função pública. Tal ato, no caso do oficial de Polícia Militar, é de competência do Governador do Estado, uma vez que sua nomeação no cargo que ocupa também é feita pelo Chefe do Poder Executivo. Já quanto às praças, seu desligamento das fileiras da Corporação se dará mediante ato do Comandante Geral da própria Polícia Militar, pois é este quem lhes dá posse no seu cargo.

            Não obstante o próprio Supremo Tribunal Federal reconhecer que essa garantia constitucional outorgada aos militares estaduais de somente perderem seu posto e respectiva patente ou sua graduação por decisão do Tribunal competente, não há que se falar em demissão pelo Tribunal, o que nos conduziria à equivocada conclusão de que os militares seriam detentores de cargos vitalícios. Demissão é espécie do gênero sanção administrativa, somente podendo ser aplicada pela autoridade administrativa competente – Governador e Comandante Geral, como acima exposto.

            Em sentido contrário, também não se pode dizer que a demissão enseja necessariamente a perda do posto e da patente ou da graduação, pois são institutos absolutamente distintos. A perda da graduação ou do posto é medida judicial, de competência originária e privativa do Tribunal de Justiça Militar ou do Tribunal de Justiça estadual, onde aquele não existir, decorrente de atos que revelam incompatibilidade ético-moral do militar com a Instituição a que pertence.

            Tanto essa afirmação é verdadeira, que a perda do posto e da patente pode ser aplicada inclusive ao oficial da reserva ou reformado, o qual já não é mais ocupante de cargo ou função pública, logo não podendo mais ser demitido. É o que preconiza a Lei federal nº 5.836, de 5 de dezembro de 1972, que dispõe sobre o Conselho de Justificação, aplicável à Polícia Militar do Estado de São Paulo por força da Lei estadual nº 186, de 14 de dezembro de 1973. Assim estabelece o parágrafo único do artigo 1º da Lei federal nº 5.836/72:

            Parágrafo único - O Conselho de Justificação pode, também, ser aplicado ao oficial da reserva remunerada ou reformado, presumivelmente incapaz de permanecer na situação de inatividade em que se encontra. (grifei)

            Infelizmente, a redação do dispositivo não traduz de forma correta a realidade dessa hipótese de submissão ao Conselho de Justificação. Na verdade, onde se lê "incapaz de permanecer na situação de inatividade em que se encontra", o legislador quis dizer "incapaz de permanecer no gozo das prerrogativas do posto e da patente de que é detentor". Isso porque a declaração de incapacidade para permanecer na situação de inatividade não significa que o oficial será revertido ao serviço ativo, mas apenas que perderá a condição de titular de um posto e de sua patente.

            O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de São Paulo, instituído por força da Lei Complementar nº 893, de 9 de março de 2001, no que diz respeito ao Conselho de Justificação, também contém a mesma impropriedade em sua redação. Vejamos:

            Artigo 73 – .....

            Parágrafo único - O Conselho de Justificação aplica-se também ao oficial inativo presumivelmente incapaz de permanecer na situação de inatividade. (grifei)

            Porém, os equívocos redacionais não são exclusividade do legislador. Com a devida vênia, entendemos que a redação da Súmula 673 do Supremo Tribunal Federal foi bastante infeliz, uma vez que comporta impropriedade quanto às medidas a serem adotadas com relação às praças ao final do processo administrativo com finalidade exclusória. Assim está redigida a Súmula 673 do STF:

            Súmula 673 - o art. 125, § 4º, da Constituição não impede a perda da graduação de militar mediante procedimento administrativo. (grifei)

            Pelo que até este momento foi exposto, percebe-se o equívoco redacional, pois ao final do processo administrativo, se não justificada a transgressão disciplinar, será aplicada a correspondente sanção administrativa de demissão ou expulsão, e não a perda da graduação, que, como visto alhures, é medida judicial privativa do Tribunal competente.

            A jurisprudência do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo também nos dá conta dessa distinção entre a demissão ou expulsão e a perda da graduação:

            EMENTA

- O pedido de exoneração oficializado do interessado, ou mesmo sua expulsão pela Polícia Militar, não obstam o exercício da competência atribuída ao Tribunal de Justiça Militar, através do artigo 125, § 4º da Constituição Federal. Policial Militar revela perfil incompatível com postulados de hierarquia e disciplina que alicerçam a Corporação, não reunindo as condições mínimas para ostentar a graduação que lhe fora outorgada. (PERDA DE GRADUACAO DE PRAÇA - Nº 000618/03 (Processo nº 027131/00 4ª AUDITORIA).

            EMENTA - Derrogado o artigo 102 do Código Penal Militar, a pena de exclusão da Corporação não é mais aplicada de forma acessória, tendo a Constituição Federal atribuído competência exclusiva ao Tribunal de Justiça Militar para sua imposição, que prevalece, inclusive, sobre eventual decisão em Ação Ordinária Declaratória de Nulidade do Ato Administrativo Disciplinar. Graduação é o grau hierárquico da Praça. Assim, desde a Praça ao Sub-Oficial, todos são detentores de graduação, e podem perdê-la, quer por decisão desta Corte, quer por ato disciplinar administrativo do Comando Geral. Súmula 673 do STF. Sede inadequada para rediscussão da pena imposta no processo crime, posto que transitada em julgado a decisão. (PERDA DE GRADUACAO DE PRAÇA - Nº 000666/03 (Processo nº 026957/00 4ª AUDITORIA).

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Conclusão

            É certo que tanto o oficial quanto a praça podem ser demitidos das fileiras da Corporação por ato administrativo – oficial, por decreto do Governador e praça, por ato do Comandante Geral, independentemente de manterem o título correspondente a seu posto ou graduação, após submetidos ao devido processo legal em âmbito administrativo.

            Isso porque os postos e graduações são, além de meras divisões na hierarquia dos militares, verdadeiros títulos que acompanham seus detentores, inclusive quando na inatividade. Se assim não fosse, quando inativado, o militar deixaria de possuir as prerrogativas de seu posto ou sua graduação.

            Desta forma, podemos concluir que é condição para exercer cargo público em organizações militares ser detentor de um posto ou uma graduação. De outra banda, somente o fato de ser detentor de um título (posto ou graduação) não assegura o exercício de cargo ou função, ex vi a situação do inativo, que ainda detém seu posto ou graduação e as prerrogativas correspondentes, mas não mais ocupa cargo ou desempenha função pública.

            Assim, a perda do cargo ou função pode se dar por meio de ato administrativo – demissão, para os oficiais e demissão ou expulsão, para as praças, ou por ato judicial, por meio do processo de perda do posto e da patente ou do processo de perda da graduação.

            Diante de tudo o que foi exposto, entendemos que há a possibilidade de as Polícias Militares empregarem, a exemplo do que ocorre nas Forças Armadas, Oficiais e Sargentos contratados por tempo determinado para exercerem funções e atividades de nível superior e de nível técnico específicas, como por exemplo, enfermagem, telecomunicações, psicologia, fisioterapia, entre outras, sem que haja limitação da contratação destes especialistas em face do gozo das prerrogativas de seus postos ou graduações.

            Caso algum desse militares venha a incorrer em condutas que sejam merecedoras de apreciação sob a ótica ético-disciplinar, ensejando-lhe penalidade exclusória, não será o fato de possuir um posto ou uma graduação que terá o condão de impedir sua imediata demissão ex officio, precedida do devido processo legal, sem prejuízo de posterior análise pelo Tribunal competente quanto à perda do posto e da patente, no caso dos oficiais, e da graduação das praças.

            Caberá à Instituição avaliar a conveniência e a oportunidade de se adotar tal medida, especialmente quanto à possibilidade de liberação de policiais militares que prestaram concurso público e que receberam formação para exercerem atividades de polícia ostensiva e preservação da ordem pública para que sejam unicamente empregados nestas funções, o que possivelmente colaborará para a melhoria da segurança pública.


Notas

            01

CASTILHO, Evanir Ferreira. Da Perda do Posto e da Patente e da Graduação de Policiais Militares. Caderno Jurídico, v. 6, nº 3. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004.

            02

DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

            03

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

            04

CUNHA JUNIOR, Dirley da. Direito Administrativo. 2ª ed. Salvador: JusPODVM, 2003.
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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Fabio Sergio. Da perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.: Uma nova abordagem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 926, 15 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7806. Acesso em: 24 nov. 2024.

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