1. INTRODUÇÃO
O legislador pátrio, embasado na imperiosa necessidade dos brasileiros em receber uma prestação jurisdicional célere e qualitativa, preceito este, inclusive, normatizado em recente alteração constitucional(1), corriqueiramente procedeu a mudanças no diploma processual civil.
As primeiras grandes alterações do Código de Processo Civil, promulgado em 1973, se deram por meio da lei n. 8.952/1994 (estatuindo, em destaque, sobre a tutela antecipatória). A segunda fase se relaciona às leis ordinárias n. 10.352/2001, 10.358/2001 e 10.444/2002 (segunda grande reforma no Código de Processo Civil), que tiveram como escopo promover uma maior efetividade na prestação jurisdicional.
Hoje, verifica-se que a legislação adjetiva civil brasileira passa pela sua terceira relevante fase de modificações, após a promulgação do Código Buzaid.
Estas transformações foram ocasionadas com a promulgação da Lei n. 11.232, de 22 de Dezembro de 2005, as quais entrarão em vigor seis meses após a publicação da norma.
Este novo diploma legal, em síntese, extingue o ordinário processo de execução de título judicial, estabelecendo a chamada "fase de cumprimento das sentenças no processo de conhecimento". Ademais, esta norma modifica, a nosso ver, o tradicional conceito de sentença como ato que põe fim ao processo.
Desse modo, o objetivo deste singelo trabalho é analisar, despretensiosamente, como se deve visualizar, hodiernamente, o ato judicial sentença. Ademais, observar-se-á o novo rito a ser seguido ao cumprimento do julgado, ressaltando os aspectos mais relevantes a serem aqui explorados.
2. CONCEITO DE SENTENÇA
Não há grandes divergências sobre o conceito de Sentença, em relação aos doutrinadores brasileiros: por todos, podemos colacionar a definição de Alexandre Freitas Câmara, o qual assenta que a Sentença é o "Provimento Judicial que põe termo ao ofício de julgar do magistrado, resolvendo ou não o objeto do processo" (2).
Tal entendimento, decerto, se embasava na antiga redação do art. 463 do Código de Processo Civil, o qual expressamente delineava que a publicação da sentença ocasionara o término do ofício jurisdicional.
É o que se depreendia, também, da antiga redação do art. 162, §1º do Código de Processo Civil.
Todavia, vejamos o que dispõem os novos artigos 162, §1º; 267, caput; 269, caput; e 463, caput, todos do CPC:
"Art. 162. (...)
§ 1o Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei."
"Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (...)"
"Art. 269. Haverá resolução de mérito: (...)"
"Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: (...)"
Consoante deflui das novas redações desses artigos, vislumbra-se que o novo diploma não mais correlaciona a prolação da sentença com a extinção da prestação jurisdicional. A sentença deve ser entendida hoje, e apenas nos casos do art. 269 do Código de Processo Civil, como o término da instância cognitiva necessária à formação da coisa julgada.
A Sentença, assim, ainda é formadora do título executivo judicial, mas, decerto, fica claro que não mais põe fim ao ofício jurisdicional: não mais extingue o processo.
Afinal, o processo, no singular conceito de Humberto Theodoro Jr, "é o sistema de compor a lide em juízo através de uma relação jurídica vinculativa de direito público" (3), devendo-se, portanto, consignar que a real solução da lide, em face da nova formatação do Código de Processo Civil, poderá ser proferida por simples despacho. Senão, vejamos: já é pacífico pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça que as sentenças que impõem obrigação de fazer/não-fazer, com o advento da Lei no. 10.444/2002, passaram a ter execução imediata e de ofício. Dessarte, uma sentença, por exemplo, ordenará, por simples intimação após o trânsito em julgado, um ente previdenciário a conceder um benefício, cujo futuro cumprimento deste ato administrativo será reconhecido por um simples despacho ( e não mais com a prolação de sentença em um eventual processo executivo de obrigação de fazer), com o ulterior arquivamento dos autos.
Em razão de tais fundamentos, somados à própria mudança na estrutura executória do título executivo judicial, fica patente que, agora, a prestação jurisdicional só se extingue com o recebimento, pelo credor, do bem de vida almejado por este, ou melhor explicitando, pela realização do pedido mediato do demandante.
Impende ressaltar, por oportuno, a impropriedade da nova redação do art. 267 do Código de Processo Civil, quando consigna a extinção do feito na inexistência de formação de coisa julgada material.
Prima facie, poder-se-ia alegar que como não haverá a prolação de sentença condenatória, inexistirá um ulterior "processo executivo" e, conseguintemente, inexistiria mais prestação jurisdicional a ser empreendida pelo órgão da Justiça.
Todavia, é sabido que as sentenças proferidas com espeque no art. 267 do CPC podem condenar em honorários uma das partes do feito. Dessarte, tal sentença, em relação aos honorários sucumbenciais, deve ser executada nos termos do art. 475-J e ss. do CPC.
Não há, pois, "extinção do processo", pois, o ofício jurisdicional não mais terminou, com a prolação daquele ato judicial.
Ademais, é oportuno enaltecer que, ao contrário dos processos que tramitam nos juizados especiais, inexiste, em regra, obrigatoriedade na prolação de sentença líquida no novo rito. (com exceção do disposto no artigo 459, parágrafo único do Código de Processo Civil).
Não por acaso, foram acrescidos os artigos 475-A a 475-H ao Código de Processo Civil, revogando-se todo o Capítulo VI do Título I do Livro II de tal diploma legal, a fim de regulamentar a liquidação do julgado.
Inexistiram grandes alterações na metodologia de liquidação, em relação ao antigo regime, devendo-se trazer a lume, apenas, a obrigatoriedade de prolação de sentença líquida nos processos, sob procedimento comum sumário, relacionados a ressarcimentos por danos causados em acidente de veículo de via terrestre ou referentes à cobrança de seguro, concernentes aos danos causados em acidentes de veículos (art. 475-A, § 3º. c/c art. 275, II, alíneas ‘d’ e ‘e’ do CPC).
3. INDEPENDÊNCIA DO PROCESSO COGNITIVO/EXECUTIVO
Leciona Humberto Theodoro Jr. (4) que as atividades jurisdicionais de cognição e execução são independentes entre si, no sentido de que a primeira não é necessariamente preliminar da segunda: Essa é a forma clássica de se ver o processo executivo, como uma nova relação processual, autônoma do processo cognitivo, ensejando um procedimento específico, com a prolação de uma nova sentença pondo fim à execução e com o estabelecimento, inclusive, neste novo processo de honorários ao advogado do credor.
Todavia, a separação ortodoxa do processo de conhecimento e de execução significa, na prática, uma prestação jurisdicional morosa, que muita prejudica à plena satisfação da pretensão do litigante.
Por isso, assevera Theodoro Jr. que
se registra no direito moderno uma tendência muito acentuada a neutralizar ou minimizar a rígida dicotomia de funções entre os dois tipos básicos de prestação jurisdicional. Assim, medidas como a antecipação de tutela e a ação monitória permitem que numa só relação processual se realizem tanto as funções cognitivas como as executivas
E tal fato é o que, certamente, vem acontecendo nas recentes reformas empreendidas no ordenamento processual civil pátrio.
As sentenças cujo provimento ordena uma obrigação de fazer ou não-fazer (art. 461), por exemplo, possuem execução imediata, independente de processo autônomo, porquanto caracterizam uma sentença de cunho mandamental. (6)
A mesma situação ocorre com as sentenças que ordenam a entrega de coisa (art. 461-A do CPC) (7)
Dessa feita, a grande alteração empreendida pela Lei n. 11.232/2005 foi a extinção do processo autônomo referente à execução por quantia certa de título judicial.
Com efeito, vejamos o que dispõe o novo art. 475-I do CPC:
"
§ 1o É definitiva a execução da sentença transitada em julgado e provisória quando se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo.
§ 2o Quando na sentença houver uma parte líquida e outra ilíquida, ao credor é lícito promover simultaneamente a execução daquela e, em autos apartados, a liquidação desta."
Assim, após o trânsito em julgado da sentença condenatória de quantia certa, o juiz, de ofício, determinará a intimação do devedor para que pague o valor devido: É o que se depreende do art. 475-J, caput, do CPC:
"
Não obstante a inexistência de previsão expressa, ao contrário dos artigos 461 e 461-A do CPC, verifica-se que a atuação do magistrado neste ponto será de ofício, por três razões: primeiro, a interpretação sistemática dos novos dispositivos legais, em face das sucessivas reformas no Código de Processo Civil, demonstra que a vontade do legislador é a que se proceda à plena efetividade da prestação jurisdicional, nem que seja em prejuízo do princípio dispositivo; segundo, com a Lei 11.232/2005, não há mais referência à execução de título judicial no Livro II do Código de Processo Civil, com apenas duas exceções que serão explanadas a posteriori, não se podendo, pois, aceitar que o princípio dispositivo executório, previsto no art. 614 do CPC, se refira às execuções de títulos judiciais; por fim, o próprio art. 475-J prevê o requerimento do credor apenas quando não houver o pagamento pelo devedor, a fim de proceder à penhora.
Entrementes, importa enaltecer que a execução provisória não pode ser iniciada de ofício: é o que se depreende da leitura do art. 475-O, I e o seu parágrafo terceiro.
Ademais, vale aditar que o artigo acima transcrito criou uma nova hipótese de tutela inibitória no ordenamento jurídico brasileiro, visto que a multa ali prevista tem como finalidade evitar a prática de um ato ilícito por parte do devedor, ou seja, o não pagamento do débito excutido.
Essa é a única finalidade da astreinte. Dessarte, ela é inexigível, mesmo não havendo o imediato pagamento do débito, se sobrevier uma ulterior desconstituição do julgado em quaisquer dos casos previstos no art. 475-L do Código de Processo Civil: Afinal, como ensina Luis Guilherme Marinoni,
Se o nosso sistema confere ao autor o produto da multa, é completamente irracional admitir que o autor possa ser beneficiado quando a própria jurisdição chega à conclusão de que ele não possui o direito que afirmou estar presente ao executar (provisioriamente) a sentença ou a tutela antecipada. Se o processo não pode prejudicar o autor que tem razão, é ilógico imaginar que o processo beneficiar o autor que não tem qualquer razão, apenas porque o réu deixou de adimplir uma ordem do Estado-juiz
Continuando, inexistindo o pagamento do devedor, o credor (art. 475-J) deverá requerer a expedição de mandado de penhora e avaliação, a fim de que o meirinho, com tal expediente, proceda à lavratura do auto de penhora (§ 1º.). Na falta de tal requerimento, o feito ficará suspenso por seis meses, prazo este que se exaurindo, sem manifestação do credor, ocasionará o arquivamento, com baixa, dos autos (§ 5º.)
Não há, pois, possibilidade de lavratura de termo de nomeação de penhora em execução por quantia certa: ou o devedor paga o débito, ou sofrerá, a requerimento do credor, a constrição dos seus bens por meio de penhora realizada por Oficial de Justiça.
Um ponto bastante salutar do processo de constrição, referente aos títulos judiciais, é o que o executado será intimado da penhora por meio de seu advogado (§1º.): apenas na falta deste é que a intimação se dará pessoalmente ao devedor.
Esta intimação, consoante melhor explicação posterior, abrirá a possibilidade de o devedor impugnar o cumprimento do julgado, e não de facultar a interposição de eventuais embargos à execução.
Ademais, outra grande diferença entre a antiga execução de título judicial e a nova metodologia se refere à competência para a sua tramitação: Os doutrinadores, analisando o art. 575, II do Código de Processo Civil, assentavam que a execução da sentença deveria ser processada no juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição, caracterizando-se, pois, competência funcional e absoluta (9).
Com o novo artigo 475-P, que derrogou tacitamente o dispositivo acima mencionado, há alteração em tal entendimento, porquanto, não obstante estipular que o juízo que processou a causa no primeiro grau de jurisdição será o competente ao cumprimento da sentença, o seu parágrafo único reza que o exequente poderá optar que a satisfaçao do débito seja realizada no juízo onde se encontram os bens sujeitos à expropriação ou pelo do atual domicílio do executado. Tal opção, decerto, será realizada quando do requerimento referido no art. 475-J, caput, do Código de Processo Civil, no juízo de origem, e com a ulterior remessa dos autos ao juízo solicitado pelo credor.
Há de se aplaudir, certamente, este novo rumo do direito processual: a vetusta exegese da competência funcional na execução do julgado promovia enormes dificuldades à satisfação do título, mormente quando os bens a serem excutidos eram localizados em regiões distantes do juízo onde tramitara o processo de conhecimento.
Por fim, entendo que a nova forma de execução do provimento judicial que estipula o pagamento de quantia certa ao credor não enseja, a este, o recebimento de eventuais honorários de sucumbência referentes à execução de tal título. Vejamos o porquê.
Na forma tradicional, o magistrado arbitra honorários advocatícios na inicial do procedimento executório como forma de ressarcir o credor pelo dispêndio em promover um novo processo: afinal, sendo perdedor na demanda cognitiva, é obrigação do devedor satisfazer ao débito estipulado no título judicial, utilizando-se, inclusive, da faculdade prevista no art. 570 do Código de Processo Civil, dispositivo este que foi revogado pela Lei 11.232/2005.
Assim, não procedendo ao pagamento do débito, o credor deveria ajuizar uma nova ação, agora com finalidade de satisfazer o seu crédito, sendo lícito, pois, o arbitramento de honorários advocatícios, logo quando do deferimento da peça vestibular da execução. (10)
Todavia, com o novo rito, o magistrado, de ofício, determinará a intimação do devedor para que este proceda ao pagamento do débito. O eventual requerimento para penhora dos bens do devedor, por parte do credor, ensejará um mero incidente, longe de caracterizar uma nova relação processual.
Inexistindo, pois, nova demanda, no afã de satisfazer o débito, não há fundamento à arbitração de honorários advocatícios, quando do cumprimento do julgado.
4. DOS EMBARGOS À EXECUÇAO DE TÍTULO JUDICIAL
É de conhecimento notório, principalmente aos que trabalham cotidianamente nos fóruns e nos tribunais, que os embargos à execução são responsáveis pela grande demora na obtenção do bem de vida almejado pelo demandante.
Afinal, depois de uma ação tramitar vários anos no juízo de primeiro grau, com eventuais remessas necessárias, tendo, pois, o julgado uma higidez que traduz sua quase absoluta presunção de certeza, e com o início do processo executório, são interpostos embargos com fins, muitas vezes, procrastinatórios, aviltando, ainda mais, o respeito que a sociedade tem ao Poder Judiciário.
Dessa forma, existe uma tendência, em relação aos embargos de títulos extrajudiciais, de se extinguir a suspensão do processo executivo, quando da interposição daqueles: é o que se observa, em regra, na execução hipotecária interposta com base na Lei n. 5.741/1971 (11) e é o que se planeja, inclusive, no Anteprojeto da Nova Lei de Execução Fiscal (12).
Concernente à satisfação do título judicial, a Lei n. 11.232 foi mais além: extinguiu o próprio incidente dos embargos à execução do título judicial.
Se desejar impugnar o cumprimento do julgado, o devedor, intimado da penhora, terá o prazo de 15 dias para contrariar tal execução (o prazo será em dobro, quando os litisconsortes passivos tiverem diferente procuradores, ex vi do art. 191 do CPC) por meio de simples petição, sendo que tal impugnação apenas versará sobre os fatos previstos no art. 475-L do CPC, in verbis:
"Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre:
I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;
II – inexigibilidade do título;
III – penhora incorreta ou avaliação errônea;
IV – ilegitimidade das partes;
V – excesso de execução;
VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença.
§ 1o Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.
§ 2o Quando o executado alegar que o exeqüente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação."
Nos termos do art. 475-M, a impugnação só terá o efeito de suspender o cumprimento do julgado desde que relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação. Não sendo deferida a suspensão, a petição será desentranhada e a impugnação será decidida em autos apartados (§2º). Mesmo havendo o deferimento da suspensão do julgado, é lícito ao exeqüente requerer o prosseguimento da execução do título judicial, oferecendo e prestando caução suficiente e idônea, arbitrada pelo juiz e prestada nos próprios autos (§1º).
Por fim, a decisão que resolver a impugnação é recorrível mediante agravo de instrumento, salvo quando importar extinção da execução, caso em que caberá apelação. (§3º)