A diferença entre os recursos ordinários e extraordinários é objeto de controvérsias, inclusive no Direito alienígena [01], pois parte da doutrina não reconhece diferenças de caráter científico entre tais recursos [02]. José Carlos Barbosa Moreira reconhece a importância dessa distinção em alguns ordenamentos jurídicos, como no português, no italiano e no espanhol, mas, no brasileiro, segundo leciona, "não tem relevância teórica ou prática" [03].
Porém, de uma maneira geral, tal diferença é aceita e vários são os critérios aptos a fundamentar essa diferenciação.
Em alguns países da Europa, tem-se como extraordinário o recurso interposto após o trânsito em julgado da decisão recorrida, o que equivaleria, no Direito brasileiro, à ação rescisória ou à revisão criminal, ações autônomas de impugnação que atacam decisões judiciais já acobertadas pelo manto da coisa julgada. Ordinários, ao seu tempo, são os interpostos na mesma relação processual, isto é, antes do trânsito em julgado. Sob essa ótica, todos os recursos do Direito brasileiro são ordinários, uma vez que sempre interpostos na mesma relação processual, tendo natureza jurídica de "prorrogação do direito de ação" [04]. A própria interposição do recurso, no Brasil, obsta a ocorrência da res judicata.
A doutrina brasileira, contudo, utiliza outros critérios para diferenciar os recursos ordinários (também chamados de comuns) dos extraordinários.
Ainda que seja um dos mais frágeis, em estudo específico sobre o tema reconheceu-se que o destino do recurso, isto é, o órgão ad quem competente para julgar o seu mérito, é um dos critérios aptos a diferenciar os recursos comuns dos extraordinários [05]. Desta feita, os recursos dirigidos ao primeiro e ao segundo graus de jurisdição seriam ordinários, como é o caso dos recursos de apelação e de agravo. Extraordinários, por sua vez, seriam os endereçados às instâncias superiores, como o recurso extraordinário em sentido estrito e o recurso especial, dirigidos ao STF e ao STJ, respectivamente.
Porém, este critério, diante da sua fragilidade, deve ser conjugado com os que serão apontados adiante, pois o STF e o STJ, ainda que órgãos de cúpula do Judiciário brasileiro, exercem, em alguns casos, a função de órgão de segundo grau de jurisdição, o que ocorre quando aprecia os recursos ordinários (arts. 102, II, e 105, II, da CF/88).
Assim, quando o STJ revisa, em recurso ordinário, a decisão de um tribunal de justiça que denegou mandado de segurança, atua como órgão de segundo grau, do mesmo modo que atua o STF ao apreciar os recursos ordinários contra as decisões do STJ. Não é à-toa que a Lei nº 8.038, de 28 de maio de 1990, determina que se aplique aos recursos ordinários em mandado de segurança o mesmo regime de processamento do recurso de apelação (art. 34).
O interesse recursal, pressuposto de admissibilidade dos recursos, também é visto como critério apto a diferenciar os recursos ordinários dos extraordinários. Isso porque, para que se interponha um recurso ordinário, o interesse está circunscrito à idéia de sucumbência, bastando que o recorrente demonstre perda, ainda que parcial, naquilo que pretendia obter do Poder Judiciário. A aceitação dos recursos ordinários, nessa linha de raciocínio, pressupõe apenas a sucumbência, isto é, a falta de correspondência integral entre o que se pede o que se ganha [06].
Noutros casos, a lei não se contenta apenas com a sucumbência. Exige-se a satisfação de outros requisitos para que o interesse recursal esteja presente e o recurso seja admitido. Recursos extraordinários, nesse contexto, são aqueles "em que o direito de recorrer provém da sucumbência e de um plus que a norma processual exige" [07]. Esse plus seria a necessária demonstração de uma questão federal controvertida [08] em relação à aplicação do Direito federal (constitucional ou infraconstitucional).
Assim, para se interpor um recurso especial (espécie de recurso extraordinário) não basta que o recorrente demonstre ser sucumbente; deve ir além, demonstrando a incidência, no caso concreto, de algumas das hipóteses que autorizam o manejo deste recurso (art. 105, III, da CF/88).
De acordo com Athos Gusmão Carneiro, os recursos comuns (ordinários) respondem imediatamente ao interesse do litigante vencido em ver reformada a decisão que o desfavoreceu [09], visando, pois, a tutela de direito subjetivos próprios do recorrente, não obtidos com a decisão recorrida [10].
Já os recursos extraordinários respondem imediatamente a questões de ordem pública, fazendo prevalecer a autoridade e a exata aplicação da Constituição e da legislação federal infraconstitucional, conforme seja caso de recurso extraordinário stricto sensu ou recurso especial.
Tendo por finalidade a proteção do direito objetivo, o âmbito de discussão, nos recursos extraordinários, restringe-se a quaestiones iuris relativas ao direito federal, não se admitindo a análise de questões fáticas e probatórias, o que é possível apenas no âmbito dos recursos ordinários [11]. Daí porque serem chamados de recursos de fundamentação vinculada, uma vez que a fundamentação do recorrente deve ficar adstrita à questão federal controvertida que ensejou a sua interposição.
Com arrimo na premissa segundo a qual o efeito devolutivo dos recursos pode ser amplo ou restrito, é possível classificá-los como ordinários ou extraordinários levando-se em consideração a abrangência do efeito devolutivo.
Nos recursos ordinários a devolutividade é ampla, porque toda a matéria objeto de impugnação é devolvida ao órgão ad quem. É o que se verifica, a título exemplificativo, com o recurso de apelação em que inclusive questões fáticas e probatórias podem ser objeto de revisão. Quer-se dizer que a cognição do tribunal no julgamento de um recurso ordinário é a mais ampla possível.
Os recursos extraordinários, ao seu tempo, possuem efeito devolutivo restrito. Nesse sentido, chegou-se à conclusão de que
"nos recursos extraordinários, por sua vez, a devolução está restrita às matérias discriminadas na Constituição, ou seja, a questão federal controvertida que, efetivamente, foi decidida pelo órgão jurisdicional de segundo grau" [12].
Com essas considerações, ressalvados entendimentos em contrário, é perfeitamente crível, segundo os critérios mencionados, estabelecer diferenças de cunho científico entre os recursos ordinários e os recursos extraordinários.
Notas
SILVA, José Afonso da. Do Recurso Extraordinário no Direito Processual Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1963, p. 88.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. cit., p. 254-257; MANCUSO, Rodolfo Mancuso. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 54-58.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. cit., p.257.
FREITAS, Roberto da Silva. Recursos ordinários e extraordinários: diferenças. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 965, 23 fev. 2006. Disponível em: <jus.com.br/artigos/8003>. Acesso em: 12 mar. 2007
Idem. Ibidem.
MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil, Campinas: Millenium, 2003, p. 384.
MARQUES, José Frederico. Op. cit., p. 384.
Sobre a "questão federal controvertida" como pressuposto de admissibilidade dos recursos extraordinários, ver ponto 3.2.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno: Exposição didática – Área do Processo Civil, com invocação à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Rio de Janeiro, Forense, 2005, pág. 3
FREITAS, Roberto da Silva. Recursos ordinários e extraordinários: diferenças. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 965, 23 fev. 2006. Disponível em: <jus.com.br/artigos/8003>. Acesso em: 12 mar. 2007
Sobre a impossibilidade de se reexaminar fatos e fatos provas como decorrência do caráter político dos recursos extraordinários, vide ponto 3.4.
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FREITAS, Roberto da Silva. Recursos ordinários e extraordinários: diferenças. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 965, 23 fev. 2006. Disponível em: <jus.com.br/artigos/8003>. Acesso em: 12 mar. 2007
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