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Comentários à decisão do STF no HC 82.959-7.

Inconstitucionalidade do regime integralmente fechado aos condenados por crimes hediondos

03/03/2006 às 00:00

Resumo:


  • A discussão sobre a constitucionalidade do regime integralmente fechado para condenados por crimes hediondos gerou polêmica no Supremo Tribunal Federal.

  • O ministro Marco Aurélio Mello liderou uma tese que obteve respaldo no STF, defendendo a inconstitucionalidade do dispositivo que impõe tal regime, enquanto outros ministros resistiram a essa posição.

  • A argumentação a favor da constitucionalidade do regime integralmente fechado baseia-se na gravidade dos crimes hediondos e na proporcionalidade do tratamento penal mais rigoroso, enquanto a oposição destaca a individualização das penas e a humanização do cumprimento das penas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A tese da inconstitucionalidade do regime integral fechado aos condenados por crime hediondos desatende, a um só tempo, a melhor interpretação constitucional e os anseios da sociedade brasileira.

É tema recorrente nos Tribunais e em qualquer dos foros judiciais dos estados da Federação a acalorada discussão jurídica sobre o tema da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade do disposto no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, que impõe a fixação de regime integralmente fechado aos condenados por crimes hediondos e seus assemelhados, tendo esta novela tido novo e triste capítulo, agora, no Supremo Tribunal Federal.

A discussão ganhou relevância quando, após quase assentada no Supremo Tribunal Federal a tese majoritária da constitucionalidade do aludido dispositivo, o ministro Marco Aurélio Mello, nos autos do H.C 82.959-7, reabriu a discussão e submeteu-a novamente ao plenário.

Aproveitando a composição dos três recém-chegados, ministros César Peluzo, Carlos Ayres Britto e Eros Roberto Grau, a tese capitaneada pelo polêmico ministro Marco Aurélio Mello obteve respaldo dos Ministros Sepúlveda Pertence e Gilmar Mendes, sagrando-se vencedora no Pretório Excelso, em 23.02.2006. Resistiram, com bravura e, acima de tudo, descortino social e jurídico, os ministros: Carlos Velloso, Nélson Jobim, Celso de Melo, Joaquim Barbosa, e a ministra Ellen Gracie.

Vê-se, portanto, que a questão é extremamente polêmica e a discussão acirrada. Infelizmente, triunfou a tese que desatende, por completo, ao mais caro valor de uma sociedade: a segurança pública.

Nesse diapasão, sobreleva notar que, se a vida é o mais importante bem jurídico fundamental da pessoa individualmente considerada, a segurança pública é o mais valoroso bem de uma sociedade, na medida em que somente uma coletividade que dispõe de proteção pode garantir o gozo dos direitos fundamentais e individuais dos cidadãos que dela façam parte. De nada adianta ter declarados direitos à vida, liberdade, igualdade, propriedade, se não existem regras de segurança social que permitam o exercício de tais direitos.

Nessa linha, vê-se que a tese da inconstitucionalidade do regime integral fechado aos condenados por crime hediondos desatende, a um só tempo, a melhor interpretação constitucional e os anseios da sociedade brasileira.

Abordaremos, assim, os aspectos jurídicos e os aspectos sociais que se entrelaçam no julgamento do HC 82959 do Supremo Tribunal Federal, com as respectivas conseqüências.

Parece-nos que a melhor interpretação jurídica do preceito insculpido no § 1º, art. 2º, da lei 8.072/90 frente à Constituição é aquela que sustenta a sua total compatibilidade com o atual ordenamento constitucional.

Isto porque, na linha dos votos vencidos, o referido dispositivo encontra-se nas dobras doo disposto no art. 5º, inc. XLIII, da Constituição da República, que impõe tratamento diferenciado e mais severo, aos crimes hediondos e seus assemelhados (tráfico de entorpecentes, tortura e terrorismo). Este tratamento diferenciado e mais rigoroso, atende também ao secular critério de isonomia e, ao moderno conceito de razoabilidade/proporcionalidade.

De outro norte, asseveram os defensores da tese contrária, a qual sagrou-se majoritária, que a imposição de regime integralmente fechado aos condenados por crimes hediondos fere os princípios constitucionais da individualização das penas e da humanização das penas, extraídos, respectivamente, dos artigos 5º, inc. XLVI e 1º, inc. III, da Constituição Federal.

Os argumentos dessa tese foram bem condensados no voto do ministro Eros Grau, que acompanhou o voto do relator, ministro Marco Aurélio, deferindo o habeas corpus em sede de controle difuso de constitucionalidade. Eros Grau ressaltou que a proibição da progressão de regime afronta o princípio da individualização da pena. Sustentou que o legislador não pode impor regra fixa que impeça o julgador de individualizar caso a caso a pena do condenado. "O cumprimento da pena em regime integral, por ser cruel e desumano importa violação a esses preceitos constitucionais", disse.

Ora, com a devida venia, tal tese é uma falácia.

Primeiro porque toma o condenado individualmente considerado, esquecendo que as regras legais, conforme a mais elementar regra de Teoria Geral do Direito, ingressam no mundo jurídico dotadas de generalidade e abstração.

Por técnica de elaboração das leis e devido à infinidade e diversidade do mundo das coisas, os comandos legais ingressam no ordenamento jurídico dotados de generalidade e abstração, de tal sorte que a lei, quando editada, aplica-se a todos os casos práticos que se subsumam ao preceito abstrato, isto é, todos os casos que se enquadrem no preceito abstrato terão a mesma solução jurídica.

Na seara penal, quando da fixação do regime de cumprimento de pena, o legislador estipulou critérios que, uma vez presentes, determinam o regime penal. Assim, criam-se grupos de condenados, que em virtude de encontrarem-se na mesma situação fática, recebem o mesmo regime de cumprimento de pena.

Logo, do mesmo modo que todos os condenados à pena igual ou inferior a quatro anos iniciarão seu regime em meio aberto, e todos os condenados à pena superior à oito anos iniciarão o cumprimento de pena em regime fechado, todos os condenados por crimes hediondos cumprirão sua pena em regime integralmente fechado.

Vejamos que todas as regras de estabelecimento de regime de cumprimento de pena são feitas abstrata e genericamente, e, aqueles que se enquadram no critério legal estabelecido, pertencem ao mesmo grupo, in casu, os condenados por crimes hediondos.

Desse modo, o sistema é absolutamente coerente e hermeticamente fechado.

Por essa razão, se inconstitucional for o art. 2º, § 1º da Lei 8.072/90, que estabelece regime integralmente fechado aos autores de crimes hediondos, necessariamente, também o será o art. 33, § 2º do Código Penal, pois ambos, de maneira idêntica, estabelecem genérica e abstratamente critérios para a definição do regime de cumprimento de pena. E se ambos forem inconstitucionais, estabeleceremos o caos social, pois é absolutamente impossível editar uma lei para cada condenado, sendo da gênese do estudo das leis as características supra referidas.

Nesse sentido, o lapidar voto da eminente ministra Ellen Gracie: "o instituto da individualização da pena não fica comprometido apenas porque o legislador não permitiu ao juiz uma dada opção", ressaltou a ministra, e acrescentou que a escolha do juiz em matéria de pena está submetida ao princípio da legalidade. Concluiu que a restrição não apresenta afronta à norma constitucional que preconiza o princípio da individualização da pena representando apenas opção de política criminal. "É difícil admitir desse grande complexo de normas que constitui o arcabouço do instituto da individualização da pena e da sua execução, que a restrição na aplicação de uma única dessas normas, por opção de política criminal, possa afetar todo o instituto", declarou.

Note-se que o preceito constitucional utilizado como paradigma para a sustentação da tese da inconstitucionalidade do mencionado dispositivo é o 5, inc. XLVI, que institui o princípio da individualização das penas, que não é sequer arranhado.

Caso fosse instituído o princípio constitucional da progressão de regime, aí então o dispositivo infraconstitucional afrontaria a Carta Magna. Todavia, a regra da progressividade somente é prevista na legislação infraconstitucional, especificamente, no art. 33, 33, § 2º, do Código Penal – Decreto-Lei 2840/1941, recepcionado formalmente pela Constituição da República no nível hierárquico de lei federal [1].

Como tal princípio ainda não foi alçado à nível constitucional e é questão de critério de Política Criminal, é forçoso reconhecer que o cumprimento de pena em regime integralmente fechado é absolutamente compatível com a Constituição Federal.

Aliás, tratando-se de conflito real de normas em nível de legislação ordinária, o denominando conflito em primeiro grau, há que se invocar o critério cronológico, estampado no § 1º, do art. 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil, devendo prevalecer a nova regra prevista na lei dos crimes hediondos, de 1990, sobre as estabelecidas no Código Penal, de 1941.

Ad argumentandum, importante ressaltar que a fixação de regime integralmente fechado para o cumprimento de pena aos condenados por crimes hediondos atende ao moderno e tão disseminado princípio da razoabilidade/proporcionalidade, na medida em que, na Justiça Penal, estabeleceram-se critérios de classificação dos delitos.

Aos delitos considerados de menor potencial ofensivo, foram concedidas benesses legais, ao passo que, ao crimes classificados hediondos, foi dispensado tratamento penal mais rigoroso em face do intenso abalo social causado por condutas dessa natureza. Negar tal dicotomia, que encontra-se na balança do razoável, é proferir decisão irrazoável, desproporcional, conferindo tratamento penal igualitário para situações substancialmente distintas.

Analisando-se a questão de outro prisma, a lógica penal mais uma vez é atendida: da mesma forma que os praticantes de crime cuja pena in abstracto seja superior à dois anos não tem direito à transação penal, os praticantes de crime cuja pena in abstracto seja superior à 01 ano não tem direito à suspensão condicional do processo, os que cometem crime com violência ou grave ameaça à pessoa não tem direito à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, o condenado por crimes hediondos (os mais graves crimes do país), não tem direito à progressão de regime.

Anote-se que todas essas subtrações de direitos são regulamentadas pela lei infraconstitucional, à depender da gravidade do crime praticado, do mesmo modo e nos mesmos termos que ocorre a subtração do direito à progressão de regime aos condenados por crimes hediondos. E então, forçoso reconhecer: ubi eadem ratio, ibi idem jus. Pergunta-se, onde está a quebra da proporcionalidade.

Portanto, só podemos concluir que a individualização de penas, nos termos em que posta pelo Supremo Tribunal Federal, baseia-se na concessão de maior discricionariedade para que o juiz sentenciante adeque o caso e fixe a pena e o regime de cumprimento da maneira mais exata possível ao caso concreto posto em juízo, não podendo ser-lhe retirada a possibilidade de fixar regime diferenciado (aberto/semi-aberto/fechado) aos condenados por crimes hediondos. Afasta-se, então, a imposição legal de regime integral fechado aos crimes hediondos pois o comando normativo "engessaria" a liberdade de estipulação do juiz.

Ora, aqui um grave equívoco da Corte Suprema. Se tomarmos essa discricionariedade judicial como argumento em nome da individualização da penas, a decisão do Supremo é contraditória, na medida em que ela impede que o juiz, dentro de sua discricionariedade, de fixar regime mais rigoroso aos crimes que entender mais reprováveis (hediondos), pois, sendo inconstitucional essa modalidade de regime, pode ser suprimida do ordenamento jurídico, caso o Senado Federal edite a respectiva Resolução. Assim, ao invés da Corte permitir uma nova modalidade de regime, o integralmente fechado, ampliando o leque de opções do juiz, permitindo-lhe um maior detalhamento e adequação do caso à lei (individualização), ela o suprimiu, diminuindo o leque de opções dos julgadores, contribuindo mais a uma unificação dos casos do que sua individualização constitucional. É da sabença correntia que, quanto maior a gama de opções legais, maiores as chances de se individualizar a pena, diferenciando-se penalmente questões substancialmente diversas, como a ameaça e o latrocínio.

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Sustenta-se, por fim, que o preceito infraconstitucional em comento é inconstitucional porque viola o princípio da humanização das penas, ao o argumento de que o condenado ao crime classificado como hediondo perderia a esperança da ressocialização e da liberdade, ante o excessivo tempo que permanecerá em regime fechado.

Ora, mais uma vez a discussão ocorre de maneira equivocada.

A fixação de pena em patamar elevado ocorre única e exclusivamente porque o agente, agindo dentro de seu livre arbítrio, decidiu violentar os bens jurídicos mais caros à sociedade. Por tal razão, merece tratamento penal mais rigoroso, estritamente dentro daquilo que considera o eterno Rui Barbosa isonomia: "tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais".

É inquestionável que estão em situações diametralmente opostas aqueles que cometem um furto, e em virtude do delito praticado fazem jus à progressão do regime, e aqueles que cometem extorsão mediante seqüestro, e, em face da intensa nocividade social do crime praticado, não merecem o mesmo benefício.

Do ponto de vista da razoabilidade e da isonomia, pensou bem o legislador ao exigir que o furtador permanecesse 1/6 de sua pena em regime mais rigoroso para só então progredir, ao passo que, estupradores, homicidas qualificados e latrocidas, entre outros, em razão dos graves crimes, mereçam reprimenda mais elevada e tratamento penal mais firme. É o chamado caráter retributivo da pena, que é inegável e sempre caminha com a humanidade desde o surgimento das primeiras sociedades. A lógica é perfeita e inexorável: a depender da gravidade do crime, dependerá a severidade da sanção e do tratamento penal.

Inconstitucional seria o inverso: permitir o mesmo tratamento penal para cidadãos que cometeram crimes tão distintos e violaram bens jurídicos em diferentes escalas do padrão social.

Questionamo-nos sempre, porque então nunca se questionou a diferenciação no estabelecimento dos preceitos secundários dos tipos penais, ou seja, porque nunca se inquinou de inconstitucional e desumano fixar pena mínima do furto simples em 01 ano e do homicídio qualificado em 12 anos? Conceder transações penais aos praticantes de delitos de menor potencial ofensivo e não aos demais? Conceder suspensão condicional da pena aos que cometem crime cuja pena mínima não seja superior à 01 ano e não à todos os delinqüentes? Substituir a pena de alguns e não de todos, nos termos do art. 44 do Código Penal? Fixar regime aberto para os condenados à pena igual ou inferior à 04 anos, e não à todos?

Veja-se que em todos os exemplos supra não há diferença axiológica, como não há no estabelecimento do regime de cumprimento de pena, aberto para o furto simples e integralmente fechado para o homicídio qualificado! Também aqui vigora a mesma razão: proporção entre a gravidade do crime cometido e a severidade do tratamento penal dispensado.

É por isso que sustentamos que a discussão encontra-se sobre bases equivocadas. Do ponto de vista jurídico, adotando-se os critérios norteadores da Justiça Penal, temos que a fixação do regime integralmente fechado é perfeitamente admissível. Ocorre que, a falência do aparato estatal para a execução das penas impostas tornou este regime intenso e penoso, fazendo os mais desavisados envidarem raciocínio jurídico falacioso, uns impelidos por motivos patrimoniais, outros pelos nobres motivos sociais, preocupados com as condições subumanas das execuções das penas privativas de liberdade no Brasil.

Lembre-se, aqui, as duras mas acertadas palavras do juiz do Tribunal de Alçada de São Paulo, Dr. Volney Corrêa Leite de Moraes Júnior:

"De outra parte, nenhuma hesitação deve haver em classificar em dois grupos os inimigos da lei dos Crimes Hediondos: os inocentes úteis e os testas-de-ferro e porta-vozes do crime organizado (particularmente, os ligados às milionárias quadrilhas do tráfico de entorpecentes".

[2]

Assim, temos que o problema não se relaciona quanto ao tempo de permanência do condenado no regime fechado, mas as condições em que ele permanecerá no sistema prisional, isto é, a celeuma não é de quantidade da pena (quantum mais regime de cumprimento), mas de qualidade no seu cumprimento.

Tudo nos leva a crer que os defensores da tese de inconstitucionalidade do art. 2º §1º da Lei 8.072/90, iniciaram tal movimento impelidos pelo nobre sentimento de humanidade ao se depararem com a falência do sistema prisional, ao perceberem que muitos estabelecimentos penais encontram-se notoriamente falidos, absolutamente sem estruturas e superlotados, sem qualquer possibilidade de oferecer ao encarcerado possibilidades de ressocialização, tornando-os piores e mais inadequados socialmente na saída, do que quando entraram.

Mas então é necessário separarmos as searas. O equívoco não está na Lei dos Crimes Hediondos, quando estabelece tratamento penal mais rigoroso e impõe o regime integralmente fechado. O equívoco está na estrutura do Estado, especialmente do Poder Executivo, e na elaboração das Políticas Públicas de Segurança, que se esquecem, por completo, dos apenados.

É por isso que ora se sustenta que o preceito legal que estabelece regime integralmente fechado aos condenados por crimes hediondos não é inconstitucional, e encontra-se perfeitamente dentro da lógica que impera na seara penal – gravidade do crime/severidade do tratamento penal. Inconstitucional é, e com toda razão, a omissão estatal em se tratando de questões relativas aos direitos dos presos, os quais, lembrando Roberto Lyra, malgrado desfigurados pela triste máscara do crime, nunca deixaram nem nunca deixarão de ser, seres humanos.

Assim, embora o pano de fundo e os objetivos sejam os mais nobres, os caminhos buscados e instrumentos jurídicos utilizados estão equivocados. Não se pode corrigir um erro com outro erro, forçando-se um raciocínio jurídico falacioso para resolver um problema que não é jurídico, mas social e estatal.

Dessa maneira, a magnitude do pleito e a dignidade dos fins colimados, estariam, em última análise se desvirtuando, deixando uma sociedade ainda mais desprotegida contra criminosos cada vez mais audazes e perversos, disseminando ainda mais a nociva sensação de impunidade, pois, só quem está na linha de frente, atuando dia-a-dia contra a criminalidade e paripasso com a sociedade, sabe o quanto é doloroso para uma família conviver ombreada com o estuprador de sua filha ou o assassino brutal de seu ente querido, um ou dois anos após o fato, em virtude de uma progressão de regime.

Imaginar que um traficante de drogas ficaria preso em regime fechado por 06 meses (pena mínima – 03 anos), um estuprador 01 ano ( pena mínima – 06 nos) e um homicida qualificado 02 anos (pena mínima – 12 anos), infelizmente, somente reforça a idéia de que o crime compensa!

Disse o ministro Marco Aurélio Mello, que liderou a tese vencedora, em entrevista coletiva à imprensa, que a pena deve ser fixada considerando a figura do preso em si, do seu comportamento na própria prisão e que a progressão só será dada àqueles que a merecerem, ficando a decisão a cargo do juiz da execução penal.

Com o devido acatamento, levanto em conta a realidade brasileira, que, tristemente, não é diferente da comarca na qual atuou, ouso discordar frontalmente do respeitável ministro.

Para o assombro e desprestígio da sociedade, a tese da progressão de regime prisional para os crimes hediondos vêm no momento em que a análise do pedido de progressão de regime ficou absolutamente esvaziada de conteúdo, por força da alteração trazida pela lei 10.792/03 ao art. 112 da Lei de Execução Penal, que passou a exigir, como requisitos para a progressão, tão somente, o cumprimento do lapso temporal (1/6 da pena aplicada) e atestado de bom comportamento carcerário, dispensando-se o essencial exame técnico da comissão multidisciplinar de classificação, que fazia um acompanhamento e uma análise detida sobre o perfil psicológico do reeducando, inclusive do seu potencial criminoso e seu nível de internalização de novos valores.

Ora, ante a inexistência de estabelecimentos prisionais adequados e o enorme déficit de vagas no sistema prisional, no mais das vezes, a execução de pena se faz na própria Cadeia Pública da Comarca (quando tem cadeia). Por seu turno, o dito "Atestado Carcerário", que seria fundamental para a decisão de progressão, segundo o ministro, no mais das vezes, é elaborado em 04 ou 05 linhas, pelo diretor do estabelecimento prisional, sendo que, na sua falta (o que é mais regra do que exceção nesse país continental), é elaborado pelo detetive ou funcionário público municipal cedido ao Estado, em inequívoca demonstração de que sua elaboração não conta com o mínimo de elementos psicossociais que analisem a viabilidade do retorno do apenado à sociedade.

Na prática, o que assistiremos passivamente na execução de pena, sem qualquer instrumento jurídico de defesa da sociedade, será o deferimento de progressão de regime pura e simplesmente com o cumprimento do requisito temporal, para desespero e desatino de uma sociedade já tragada pela crescente onda da criminalidade.

Não poderia deixar de abrir um oportuno parênteses aqui e, enquanto membro do Ministério Público, lembrar que, muito embora seja público e notório o descaso dos Poderes Executivos, nos três níveis de governo, com a falida situação prisional, quando o Promotor de Justiça, porta-voz da sociedade, se insurge contra a omissão ajuizando ação civil pública para provocar o Estado a agir, tem seu pleito, muita das vezes, esbarrado no cômodo e nefasto argumento da "impossibilidade de controle dos atos do governo pelo Poder Judiciário", ou, se preferir, "a vedação do controle jurisdicional da discricionariedade administrativa".

Reforça-se, mais uma vez. Desumana não é a fixação, em abstrato, de regime prisional mais rigoroso. Desumana é a forma pela qual as penas são executadas nos cantões deste Brasil, de sorte que, admitir progressão de regime para crimes hediondos, além de não solucionar o problema, significa instituir irreparável retrocesso histórico de um país que, até hoje, caminha em passos lentos contra a malfadada impunidade.

Pensando no futuro, acreditando no desenvolvimento social do país e na aplicação plena da Lei de Execução Penal, temos que, um condenado à crime hediondo que desde o seu ingresso no sistema prisional tenha seus direitos respeitados, como acesso à educação, trabalho, tratamento médico e odontológico, assistência jurídica, religiosa e familiar, após os 2/3 de pena cumprido e beneficiado com o livramento condicional, retornará ao seio social com a nítida idéia da gravidade do crime praticado e o quanto é prejudicial a vida do crime, como também, após regenerado, retornará ao convívio social com outros valores introjetados, adaptando-se à coletividade (finalidade de prevenção especial da pena). Ao mesmo tempo, a sociedade confiará mais na Justiça e no efeito prático da punição, bem como os pretensos criminosos terão seus ânimos arrefecidos ante a exemplaridade da punição (finalidade de prevenção geral da pena). Assim, teríamos o sistema penal ideal.

Percebe-se que, funcionando o sistema nos moldes em que foi projetado, não há sequer que se cogitar em inconstitucionalidade do tratamento penal mais rigoroso. Isto somente deixa mais nítida e reforça a idéia de que o problema é social e estatal, pelo que não se solucionará com a criação de um falacioso pensamento jurídico que considera inconstitucional a permanência por maior tempo em regime fechado dos condenados por violação dos bens jurídicos mais valiosos para a sociedade.

Mas, em uma nação em que o descaso com o sistema de execução penal é evidente, sem que qualquer iniciativa concreta seja deflagrada pelos detentores do mandato social e do dinheiro público; em uma nação em que os Decretos de indultos natalinos são verdadeiras cartas de alforrias e o instrumento tem a nítida finalidade de esvaziar presídios e cadeias, sem qualquer preocupação com a sociedade que tem que digerir esses ônus; em uma nação em que os condenados por crimes hediondos encontram na maioria dos membros da mais alta corte jurídica respaldo para que tenham tratamento, na execução penal, idêntico aos demais condenados por crimes muito mais leves (HC 82.959-7 STF); em uma nação em que os agentes políticos espalhados pelo país encontram na mais alta corte a chancela para que se esquivem da mais eficiente lei de combate à corrupção já editada no Brasil – a lei 8429/92 - Lei de Improbidade Administrativa (Rcl 2138 STF); mas principalmente, em um país em que um povo assiste passivo e atônito a tudo isso e muito mais, sem reagir, acredito que já passou da hora de refletirmos sobre nossos conceitos, nossos ideais e nossos papéis sociais.

Mas nem tudo está perdido. Não poderia encerrar sem lembrar as felizes palavras do Promotor de Justiça do Estado de São Paulo, Edilson Mougenot Bonfim:

"Fenece a flor, mas a semente ainda germina, porque solidamente plantada no terreno fértil da consciência de um povo".

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Sobre o autor
Fábio Galindo Silvestre

promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVESTRE, Fábio Galindo. Comentários à decisão do STF no HC 82.959-7.: Inconstitucionalidade do regime integralmente fechado aos condenados por crimes hediondos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 975, 3 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8056. Acesso em: 19 dez. 2024.

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