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Análise crítica das Leis nº 11.276/06 e 11.277/06

20/03/2006 às 00:00
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Síntese: O texto procede a uma análise crítica das alterações operadas pelas Leis nº 11.276/06 e 11.277/06.


Sumário: 1- Ainda a Reforma do CPC. 2- O Artigo 285-A do CPC. 3- Mudanças nos Recursos. 4- Conclusões


1- AINDA A REFORMA DO CPC

            No atual momento, objetivando complementar a reforma constitucional do Poder Judiciário e dando seqüência ao processo de reformas do CPC, tramitam dezenas de projetos objetivando mudanças nesse diploma.

            Recentemente, após algum tempo de estagnação, foram aprovados alguns desses projetos, como as Leis nº 11.187/05 e 11.232/05, a primeira relativa ao agravo de instrumento, e a segunda à execução de sentenças. [01]

            Agora temos as Leis nº 11.276/06 e 11.277/06, sendo a primeira relativa aos recursos e a segunda ao julgamento sem necessidade de citação.

            Trataremos, nas linhas adiante, de proceder a uma análise crítica destes diplomas e de suas perspectivas operacionais. As alterações são simples, mas o conteúdo subjacente é importante, e merece reflexão.

            Sem dúvida que o maior impacto é produzido pela Lei nº 11.277/06, pelo que será ela primeiro analisada.


2- ARTIGO 285-A DO CPC

            A Lei nº 11.277/06 introduziu um novo artigo 285-A ao CPC, cuja redação é a seguinte:

            "Art. 285-A- Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.

            § 1o Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.

            § 2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso."

            Antes de mais nada, cumpre descortinar o alcance do dispositivo. Primeiro aspecto que salta a vista é a menção a matéria controvertida unicamente de direito. Essa hipótese abarca os casos onde a lide gira em torno unicamente da aplicação do direito a fatos que não são controvertíveis (e não controvertidos), em tese.

            Digo em tese porque não se pode afirmar com certeza que fatos elencados como elementos da causa de pedir não venham a ser questionados pelo réu. Até mesmo fatos notórios, por exemplo, que em regra dispensam prova do autor (art. 334, inciso I, do CPC), não estão indenes de serem questionados pelo réu.

            Disso deflui que a menção a matéria "controvertida" também ressoa equivocada, pois se o réu sequer foi citado, não se há falar, ainda, em matéria controvertida, senão em matéria controvertível (eventualmente). Trata-se de um juízo a priori de que os fatos que compõem a causa de pedir não serão controvertidos ou não serão alegados outros fatos passíveis de controvérsia, de modo que, presumivelmente, a discussão restaria unicamente na matéria estritamente de direito, ou seja, de subsunção dos fatos ao direito (que não se resume à lei).

            Menciona, ainda, a disposição à existência de sentenças de total improcedência, proferidas em outros casos idênticos no mesmo juízo, o que autoriza a dispensa da citação e utilização do teor da anteriormente proferida.

            Conclui-se, portanto, que o magistrado, ao receber a inicial, passaria diretamente à decisão do feito, reproduzindo a fundamentação e o dispositivo da anteriormente proferida. Mas é de se notar que somente será admissível o procedimento se concluir o julgador pela total improcedência, vale dizer, pela rejeição meritória integral da pretensão formulada nos dois casos.

            Aqui a nova lei merece uma crítica. É que ao limitar a possibilidade de julgamento imediato aos casos de julgamento de improcedência, há uma indisfarçável intenção de favorecer ao maior de todos os devedores: o Estado.

            Com efeito, expressivo número de demandas nas quais a matéria controvertível, e eventualmente controvertida, é, em regra, exclusivamente de direito tem como réu o Estado, em qualquer de suas três esferas ou através de pessoas jurídicas da administração indireta.

            São as demandas onde a parte, invocando uma determinada condição, como v. g. a de servidor, beneficiário da previdência, contribuinte etc...postula complementações salariais, reposições, restituições etc...

            Ora, a menção exclusiva a sentenças de total improcedência implicará somente em desafogar as procuradorias e advocacias públicas do ônus de ter de contestar o feito.

            É injustificável que a medida, que, em linha de princípio, busca a simplificação e a celerização, funcione em mão única, ou seja, na prática em favor do maior devedor e em prejuízo do autor.

            Nem se diga, como justificativa, que a sentença de procedência imediata poderia repercutir sobre o réu, ao passo que a de improcedência, por manter o status quo, prejuízo algum causa. A manutenção do status quo pode ser fonte de prejuízo ao autor, e se o seu direito é evidente, admitindo desde já análise meritória, não há justificativa alguma para um tratamento desigual entre as partes.

            Por outras palavras e sintetizando, ser a sentença de procedência ou improcedência (com manutenção ou alteração do status quo) não é fator ou índice para se aferir a possibilidade de prejuízo, o qual tanto pode advir para o réu como ao autor, ao primeiro pela alteração, e ao segundo pela manutenção da situação fático-jurídica.

            Nem se afirme, igualmente, que o contraditório e a ampla defesa têm de ser necessariamente prévios à decisão. Antes as liminares cautelares satisfativas, e hoje a antecipação de tutela são exemplos de medidas que, na prática, podem trazer gravames sérios ao réu, quiçá irreversíveis, e não obstante são admitidas antes do estabelecimento do contraditório. O contraditório e a ampla defesa não podem ser suprimidos, mas podem ser postergados.

            Neste contexto, somos levados a reafirmar que antes de buscar a celeridade, a medida visa desafogar a defesa do Estado no primeiro grau, pois se a celeridade fosse a efetiva preponderante preocupação, a medida deveria abranger as sentenças de procedência, gizando-se, mais uma vez, que os mais freqüentes réus nas ações onde matéria controvertível é exclusivamente de direito são Estado e pessoas jurídicas, públicas ou privadas, como, por exemplo, instituições bancárias, tendo no outro pólo o cidadão, para que o tempo é fundamental.

            A rigor, o que acontecerá será a remessa da questão para o segundo grau, ou seja, a medida isoladamente apenas celeriza a tramitação em primeiro grau para favorecer uma das partes, que não precisará contestar.

            O novo artigo prevê a possibilidade de retratação em caso de apelação da decisão proferida sem citação. A mim parece outra medida de pouca utilidade prática, pois é cediço que a retratação é um tanto incomum de ocorrer.

            Como o artigo 285 está inserido dentro das disposições do procedimento ordinário, a medida poderá ser aplicada a todas as formas de procedimento onde o procedimento ordinário funcione como fonte subsidiária, abrangendo os procedimentos especiais e os juizados especiais.

            Outra questão que pode ser suscitada diz respeito à constitucionalidade da medida, pois haveria exclusão ou postergação do contraditório.

            Em linha de princípio, toda e qualquer medida judicial deve ser precedida da possibilidade de contraditório e ampla defesa. Mas o princípio admite exceções previstas em lei, como ocorre, por exemplo, na cautelar inaudita altera parte ou na antecipação liminar dos efeitos da tutela, anteriormente referidas, medidas, aliás, que já suscitaram semelhante questionamento, e a constitucionalidade é hoje mais ou menos questão superada.

            E no caso da decisão preferida com base no artigo 285-A, a eventual falta de contraditório não chega a causar prejuízo ao réu, de forma que a medida é constitucional.

            Há que se ressaltar que o réu tem de ser intimado da sentença de improcedência, independentemente de vir o autor a manejar posteriormente recurso de apelação, porque é uma decisão e diz respeito aos seus direitos, mesmo que ele não integre, ainda (e pode nem vir a integrar) a relação processual.

            Por fim, não devemos olvidar que na decisão proferida com espeque no artigo 285-A, a cognição é exauriente e a decisão de mérito, de forma que a decisão forma coisa julgada formal e material.


3- MUDANÇAS NOS RECURSOS

            A Lei nº 11.276/06 opera mudanças nos recursos. A Primeira delas está na redação do caput do artigo 504 do CPC, que mencionava não caber recurso dos despachos de mero expediente. A nova redação suprime, com acerto, a menção a "mero expediente", pelo que se deve entender inviável recurso contra qualquer despacho.

            De fato, o estabelecimento de categorias dentro da espécie decisória despacho era algo absolutamente inoportuno e somente servia para gerar confusão. Os próprios critérios utilizados para identificação da diferença entre decisão interlocutória e despacho nunca foram muito precisos.

            Dizia-se comumente na doutrina que o despacho é incapaz de gerar gravame para a parte. Sempre discordei dessa acepção. A meu ver, a diferença entre o despacho e a decisão estaria na possibilidade de existência de carga decisória, manifesta na alternatividade. Se determinada solução fosse automaticamente estabelecida por lei, estávamos diante de um despacho. Se pudesse o magistrado "decidir" entre duas ou mais alternativas, gerando ou não prejuízo, estaríamos diante de uma decisão.

            A presença ou não de prejuízo deveria ser avaliada como elemento para aferição do interesse processual recursal.

            A nova disposição põe fim à classificação dos despachos (mero expediente, ordinatórios etc) que deixa de ter valor prático.

            A segunda alteração refere-se ao artigo 506, relativo ao termo a quo para contagem dos prazos para recurso. A modificação diz respeito ao inciso terceiro do artigo 506, que mencionava a publicação da súmula do acórdão no órgão oficial. A nova redação faz menção ao dispositivo do acórdão, que afinal de contas representa a decisão efetivamente. Não eram incomuns, inclusive, divergências entre o dispositivo e a súmula No parágrafo único, foi procedida alteração para ressalvar o parágrafo 2º do artigo 525, que se refere à interposição do agravo de instrumento, a qual é feita diretamente ao tribunal.

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            No artigo 514, foi introduzido um parágrafo 4º, com a seguinte redação: "Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação."

            A norma objetiva otimizar a instrumentalidade das formas, resguardando a possibilidade de julgamento da apelação se a nulidade puder ser sanada, evitando que o reconhecimento da irregularidade tenha por conseqüência o retorno dos autos e renovação de todos os atos subseqüentes. Esta é uma medida bem vinda, pois sem comprometer qualquer direito processual diretamente, resguarda a instrumentalidade, que é o grande vetor do processo moderno.

            Por fim, o artigo 518 teve inserido um parágrafo, com renumeração do parágrafo único. Consoante o novo parágrafo primeiro do citado artigo "o juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal."

            O dispositivo em questão especifica o efeito vinculante das decisões do STJ e STF em relação à decisão do primeiro grau. A Emenda Constitucional nº 45/04 já havia criado a súmula vinculante em matéria constitucional. [02]

            Na verdade, a vinculação ao precedente já existe bem antes, diante dos termos do artigo 557 do CPC, segundo o qual "o relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior".

            Salvo melhor juízo, tal artigo (557) aplica-se ao agravo e à apelação. O parágrafo do artigo 518 concede ao magistrado de primeiro grau a possibilidade de efetuar a subsunção do mérito recursal, seja matéria de fundo ou formal, as hipóteses de súmulas do STJ e STF a fim de aferir o seu cabimento.

            Da decisão tomada com base no parágrafo 1º do artigo 518, caberá agravo de instrumento, ex vi do artigo 522, caput,do CPC. Poderá, então, o relator, valendo-se do artigo 557, negar seguimento ou prover diretamente o recurso, e determinar, neste último caso, o processamento da apelação.

            Questionamento que surge diz respeito ao fato de poderem ser utilizadas ou não súmulas anteriores à alteração legislativa. Tal questão torna-se importante na medida em que observamos que as súmulas foram editadas sem que se projetasse este efeito de vinculação, que potencializa seu papel dentro do ordenamento jurídico.

            Conforme já disse em outra oportunidade, seria de bom alvitre que fosse procedida uma revisão geral nas súmulas, de forma que as cortes pudessem confirmar ou não seu teor para os fins da vinculatividade, visto que muitas delas são absolutamente vetustas e mesmo ultrapassadas.

            De qualquer forma, na ausência de limitação, é de se entender que são todas as súmulas anteriores ou não, o que não dispensa cautela do julgador para aferir a atualidade do conteúdo sumular.

            Por fim, foi introduzido no agora parágrafo 2º do artigo 518, para impor ao juiz o prazo de cinco dias para reavaliação dos pressupostos de admissibilidade do recurso após a resposta do réu.

            Na prática, é um prazo impróprio, cuja violação não traz conseqüência de relevo. Fixa, todavia, um parâmetro objetivo, antes inexistente, para a manifestação do juiz, a fim de que determine a subida dos autos ou deixe de receber o recurso.


4- CONCLUSÕES

            O processo de reformas do CPC já está completando dez anos. Eu sou um entusiasta das reformas do CPC, mas nem por isso deixo de observar-lhes sob um prisma crítico, que me leva à conclusão de que as últimas alterações poderiam ter sido bem mais incisivas em alguns aspectos.

            Especificamente no que diz respeito ao novo artigo 285-A, nota-se uma tendência de construir uma via de mão única, ou seja, que favorece a umas das partes ordinariamente, no caso o Estado.

            Neste passo é importante atentar para o fato de que um dos grandes avanços da primeira onda de reformas, ocorrida em 1994, que é antecipação de tutela, teve sua eficácia tolhida nas hipóteses em que o pedido liminar é formulado frente à Fazenda Pública, por força da Lei nº 9.494/97, hoje com redação da Medida Provisória 2.180-35, a qual criou uma série de limitações às liminares desta natureza. [03]

            Agora, a disposição do artigo 285-A vem favorecer o maior de todos os réus, o Estado. O mesmo acanhamento pode ser visto na Lei nº 11.232/05, relativa à execução das sentenças, que retirou apenas parcialmente o efeito suspensivo dos embargos. [04]

            Diante desses fatos é de questionar-se está sendo priorizada como deveria a celeridade.

            Muito ainda há por fazer, bastando lembrar a necessidade de reformas no processo cautelar e nos procedimentos especiais. Seria muito melhor se as alterações, contornados os óbices legislativos, pudessem ser levadas a efeito de forma mais rápida e compacta.

            Além disso, um compromisso verdadeiro com a celeridade implicará uma correção na direção das reformas, para que não prevaleçam os interesses secundários do Estado. Esse compromisso não pode perder de vista a estatura do direito a uma jurisdição eficaz, que como direito fundamental, é um interesse primário do Estado.

            Apesar de tudo, as medidas acima vistas poderão produzir bons efeitos. Mas mecanismos processuais não bastam. É preciso que os seus operadores tenham ciência de que a celeridade ganha espaço diante da certeza jurídica [05], e os instrumentos de sumarização da cognição ou postergação do contraditório dependem, para sua plena eficácia, da compreensão dos valores que os animam e das metas perseguidas.

            Esta compreensão somente surgirá através da análise crítica das mudanças legislativas e de suas possibilidades, e da assimilação dos valores de nosso momento histórico.


NOTAS

            01

A respeito do primeiro diploma, ver o meu "A Lei nº 11.187/05 e o Recurso de Agravo". A respeito da segunda lei, ver o meu "A Execução Civil e a Lei nº 11.187/05". Ambos os textos estão disponíveis nos sites http://www.jus.com.br e http://www.jurid.com.br.

            02

A respeito, ver o meu " Apontamentos à Emenda Constitucional e a Reforma do Judiciário", disponível no site http://wwww.justicasempapel.org.br.

            03

Ver o meu "Refletindo sobre a antecipação dos efeitos da tutela", disponível nos sites http://www.jurid.com.br, http://www.ufsm.br/direito e http://www.jus.com.br.

            04

A respeito, ver o meu " A antecipação da tutela no processo de execução e a supressão do efeito suspensivo dos embargos", publicado bem antes de a reforma ter adotado esta solução e disponível no site http://www.jus.com.br.

            05

A propósito, ver o meu "Jurisdição Ação e Processo à luz da processualística moderna: Para onde caminha o processo", Revista Forense, nº 376, nov. e dez. de 2004, p. 145-180, e disponível no sites http://www.jurid.com.br, http://www.ufsm.br/direito, http://www.jus.com.br e http://www.mundojuridico.adv.br.
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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Análise crítica das Leis nº 11.276/06 e 11.277/06. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 992, 20 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8122. Acesso em: 22 nov. 2024.

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