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Embargos declaratórios e juizados especiais cíveis

19/05/2006 às 00:00
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RESUMO: Analisa-se a possibilidade da própria parte, sem auxílio de advogado, opor embargos declaratórios nos juizados especiais cíveis.


1. INTRODUÇÃO.

            Ainda que exista uma forte corrente na Ciência do Direito que se prenda à erudição e discussões inócuas, acredito que o jurista deve trabalhar com problemas concretos, sejam eles efetivos ou em potencial. É combatendo dúvidas que se constrói a verdadeira ciência jurídica.

            Atuando perante o Poder Judiciário, observando a dúvida de um nobre cidadão, obtivemos a força motriz à produção deste artigo. O seu problema era o seguinte: magistrado do juizado especial cível federal havia proferido sentença de mérito omissa, que deixou de analisar várias questões suscitadas pelo jurisdicionado; este havia movido processo sem auxílio de advogado, conforme assegura a Lei 10.259/01, e agora desejava opor embargos declaratórios. Surgiu a dúvida se ele deveria constituir advogado desde logo, ou se ele próprio poderia provocar a integração da decisão judicial. Afinal, considerando o efeito infringente dos embargos declaratórios, talvez nem fosse necessário àquele particular contratar prestação de serviços advocatícios. Vejamos como se soluciona esta questão.


2. LEIS 10.259/01 E 9.099/95.

            A Constituição Federal garantiu aos brasileiros a instalação de juizados especiais como forma de se efetivar o acesso de todos à Justiça. No caso específico dos juizados especiais federais, sua previsão constitucional encontra-se no artigo 98, parágrafo único, da Carta Magna. Infraconstitucionalmente é disciplinado pela Lei 10.259/01. Este texto legal é deveras lacunoso, isto porque toda a sistemática dos juizados especiais encontra-se delineada na Lei 9.099/95. Daí o próprio artigo 1º da Lei 10.259/01 resguardar a aplicação subsidiária da Lei 9.099/95.

            Para solucionar nosso problema, a Lei 10.259/01 demonstra-se inócua, pois não traz qualquer dispositivo que possa ao menos indicar um caminho a se seguir. Nada dispõe sobre embargos declaratórios. Temos que beber diretamente da Lei 9.099/95 para dar os primeiros passos.

            A Lei que disciplina os Juizados Especiais Estaduais contém dispositivo expresso (artigo 41, §2º) que proíbe a interposição de recurso se a parte não constituir advogado, in verbis: "No recurso, as partes serão obrigatoriamente representadas por advogado". Este artigo encontra-se na seção XII – "da sentença". Adiante, na mesma lei, temos a seção XIII – "dos embargos de declaração". Aqui, nos três artigos que regulam a matéria (art. 48, 49, 50) não encontramos qualquer disposição expressa que ajude a resolver a questão.

            Ressalte-se, não há qualquer dispositivo que permita, mas também não há qualquer um que proíba, a oposição de embargos declaratórios pelo próprio particular. A única restrição que observamos foi a do artigo 41, §2º, que nega capacidade postulatória ao jurisdicionado para interposição de recurso. Face ao exposto, várias são as hipóteses a se considerar. Se classificarmos os embargos declaratórios na seara dos recursos, teremos que aplicar o artigo 41, §2º, e não será possível a oposição sem assistência de um advogado. Já se negarmos a natureza recursal dos embargos declaratórios, surgirá uma lacuna, pois a lei não proíbe e nem permite a oposição pelo próprio particular. Neste caso seria necessária uma interpretação sistemática para aventar uma conclusão.

            Portanto, temos que resolver uma questão incidental antes de encontrar a solução definitiva do problema, devemos verificar qual a natureza processual dos embargos declaratórios.


3. EMBARGOS DECLARATÓRIOS É RECURSO?

            Esta é uma questão já estudada pela doutrina. De fato, muitos chegaram à conclusão de que não haveria necessidade de desenvolver este tema, pois ele não teria aplicabilidade prática, sendo apenas de utilidade teórica. Concordamos plenamente com estes juristas, o estudo da natureza de qualquer instituto do Direito só deve ser feito diante de uma aplicabilidade prática. Como se vê, para solucionar o problema concreto aventado, exige-se do jurista a adoção de uma postura em relação à natureza processual dos embargos declaratórios. Afinal dependendo da posição adotada, poder-se-á ou não conceder ao jurisdicionado o direito à oposição autonomamente de embargos declaratórios.

            Na Lei, no Código de Processo Civil (art. 496, IV), cumpre destacar que os embargos declaratórios encontram-se no rol dos recursos cabíveis. Isto não significa que eles tenham natureza processual de recurso, pode significar apenas que o Poder Legislativo não encontrou um lugar melhor para encaixá-lo no Código de 1973. Sabe-se que a simples solução positiva, ou seja, a mera análise da lei, não atende mais aos anseios da Ciência do Direito, é necessário ir além.

            Na doutrina, observe-se o pensamento do professor Luiz Marinoni:

            "Não obstante a questão seja de menor importância – exceto pela circunstância de que alguns autores, sustentando a natureza não-recursal dessa figura, negam que se lhe apliquem os princípios dos recursos, notadamente o da proibição da reformatio in pejus -, parece correto entender que os embargos de declaração efetivamente constituem espécie recursal"

            ("Manual do Processo de Conhecimento", São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 583 - grifamos).

            Simplesmente citar o professor Marinoni consiste em mero argumento de autoridade, muito utilizado na Pseudo-Ciência do Direito, que não basta para afirmar a natureza recursal dos embargos declaratórios. Ora, os embargos declaratórios não podem ser classificados como recurso apenas porque o professor X ou Y assim afirmou, é preciso ter um raciocínio que demonstre esta sua característica. É preciso ser crítico para fazer ciência.

            Só podemos entender os embargos declaratórios, e concluir sobre a sua natureza processual, se observarmos atentamente a Teoria Geral dos Recursos. Não há outra forma de solucionar esta questão incidental, a não ser através do conceito de recurso. Não aquele conceito tradicional, que entendia como recurso apenas os atos processuais que pudessem gerar a reforma da decisão. O recurso é forma de impugnar ato decisório do magistrado na mesma relação processual. O verbo "impugnar" não deve ser entendido de forma restrita. Se alego que houve omissão, contradição ou obscuridade em uma sentença, obviamente estou me insurgindo contra o Poder Judiciário, manifestando o meu inconformismo com o juiz da causa, apontando um equivoco cometido por ele. Daí a relevância do conceito de recurso trazido pelo professor Nelson Nery, que é mais amplo do que o trazido por outros doutrinadores:

            "[...] é o meio processual que a lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público e de um terceiro, a viabilizar, dentro da mesma relação jurídica processual, a anulação, a reforma, a integração ou o aclaramento da decisão judicial impugnada"

            ("Princípios Fundamentais: teoria geral dos recursos", São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 184 - grifamos).

            Conclui-se, portanto, que os embargos declaratórios devem ser entendidos como espécie recursal, pois possuem em sua estrutura elementos de recurso. São opostos em uma mesma relação processual buscando a integração ou o aclaramento da decisão proferida, ou seja, visam à impugnação desta, mesmo que não necessariamente ocorra a sua reforma, amoldam-se, desta forma, ao conceito de recurso.

            Voltando para o problema exposto, face a este raciocínio, surge uma solução: Se o artigo 41, §2º, da Lei 9.099/95 proíbe a interposição de recurso sem a assistência de advogado, e os embargos declaratórios são espécie de recurso, não há como ser admitido embargos declaratórios opostos apenas pela parte sem a devida representação processual.

            Esta é apenas uma hipótese, pois até agora o estudo realizado foi apenas infraconstitucional, não se podendo afirmar com convicção que a solução acima aventada seja a correta em nosso sistema jurídico. Faz-se fundamental a análise da Constituição Federal.


4. ASPECTO CONSTITUCIONAL.

            Nosso problema está ligado com a idéia de direito de ação. Conforme salienta o professor Nelson Nery: "A doutrina dominante defende a idéia de que o recurso é continuação do procedimento, funcionando como uma modalidade do direito de ação exercido no segundo grau de jurisdição" ("Princípios Fundamentais: teoria geral dos recursos", São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 190). Assim, os embargos declaratórios são conseqüência do direito constitucional de acesso à justiça que todo jurisdicionado detém. Oras, é evidente que a hipótese proibitiva antes descrita restringe este direito do jurisdicionado, que terá que contratar prestação de serviços advocatícios para obter decisão satisfatória em sistema que justamente pretende evitar tal necessidade. É de se questionar se esta hipótese proibitiva adeqüa-se aos ditames constitucionais.

            Sabe-se que a Constituição Federal de 1988 revolucionou a prestação jurisdicional em nossa República. Destaque-se o inciso XXXV, do maravilhoso artigo 5º: "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", e ainda o inciso LVI: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

            Aqui estão os dois alicerces constitucionais para enfrentarmos o problema anteriormente delimitado, é com olhos neles que devemos interpretar o artigo 41, §2º, da Lei 9.099/95.

            O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, ou, princípio do direito de ação, impõe que o Poder Judiciário, diante da provocação do jurisdicionado, manifeste-se solucionando o conflito existente, ou que por ventura poderá existir, já que a Carta Magna protege não apenas a lesão, mas também a ameaça a direito. Este princípio gera várias conseqüências à atividade do magistrado, dentre elas a de não proferir o "non liquet", e a de decidir de forma clara e satisfatória. Assim, salienta a doutrina:

            "Pelo princípio constitucional do direito de ação, todos têm o direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada. Não é suficiente o direito à tutela jurisdicional. É preciso que essa tutela seja a adequada, sem o que estaria vazio o princípio."

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            ("Princípios do processo civil na Constituição Federal", São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 132).

            Retirar do jurisdicionado a prerrogativa de opor embargos declaratórios diante de sentença omissa, obscura ou contraditória, proferida por juiz do juizado especial cível, significa depor contra o próprio juizado especial. A Constituição Federal previu esta estrutura judiciária justamente para aproximar a população do Poder Judiciário, permitir que um maior número de conflitos seja solucionado pela atividade Estatal. Afinal, em causas de valor reduzido a necessidade de advogado constituído tornaria impossível a realização do direito.

            De nada adianta um sistema informal, que permite o acesso direto do jurisdicionado, sem a necessidade de contratação de advogado, se nem ao menos é possível chegar ao fim do procedimento de primeiro grau (!). É evidente que se o juiz preferiu sentença omissa, a sua função institucional ainda não foi cumprida, em verdade, a marcha procedimental de primeiro grau ainda não chegou ao fim. Se não chegou ao fim, como exigir a presença de um advogado para dar prosseguimento ao feito? Parece-nos claro que o juiz só pode dar por encerrada a sua missão quando as partes ao menos consigam compreender o que ele decidiu. Esta é a essência dos embargos declaratórios, sanar um problema de comunicação entre o membro do Poder Judiciário e o jurisdicionado. Proibir que a parte questione o que foi realmente decidido implica em restrição ao acesso à justiça, o que vai de encontro ao texto constitucional. É da lavra da doutrina internacional:

            "O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos"

            (CAPELLETTI, Mauro "Acesso à Justiça", Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 12).

            Sabe-se que muitas são as discussões sobre os juizados especiais, até hoje vários colegas não se conformaram, e acreditam ser inconstitucional o acesso à justiça sem a presença de advogado. Não é isso o que se discute aqui. Se existe este sistema, se ao particular é concedida a capacidade postulatória, pergunta-se em que momento é necessária a atuação de advogado. O Poder Legislativo parece ter chegado à conclusão de que o advogado seria essencial apenas quando iniciado o procedimento de segundo grau, ou seja, a fase recursal propriamente dita, no caso em questão o momento de interposição de recurso inominado. Assim, em primeiro grau de jurisdição deve-se conceder ao particular amplos poderes, pois os juizados especiais concretizam o acesso à justiça, proporcionando a efetivação de princípios constitucionais.

            Ressalte-se, sentença omissa, obscura ou contraditória é sinal de que o procedimento de primeiro grau não chegou ao fim, assim, é totalmente pertinente que a parte oponha embargos declaratórios sem a assistência de advogado, pois a Constituição lhe garantiu o acesso à Justiça, nos casos do juizado especial (até determinado valor da causa), sem a necessidade dos nobres membros da OAB.


5. SOLUÇÃO ADOTADA E RESPALDO JURISPRUDENCIAL.

            Face ao raciocínio apresentado, pode-se agora traçar uma melhor resposta ao problema. Considerando o artigo 41, §2º, e os princípios esculpidos na Constituição Federal, pode-se afirmar que deve ser dada interpretação restritiva ao dispositivo mencionado, não considerando nele incluído os embargos de declaração. Assim, totalmente cabível, e de fato constitucionalmente adequado, que a parte tenha o direito de opor embargos declaratórios diante de sentença omissa, obscura e contraditória proferida por juiz do juizado especial cível, seja estadual ou federal.

            Esta solução não passa de mera hipótese. A sua concretização empírica ocorre através das decisões dos tribunais. Por isso, para finalizar o estudo é necessário verificar o que os tribunais dizem sobre o tema.

            Existe um grande problema operacional aqui. Não é possível realizar uma pesquisa jurisprudencial significativa pois ainda não há repertório das decisões proferidas pelos juízes de primeiro grau dos juizados especiais cíveis. Aproveita-se a oportunidade para sugerir, na verdade exigir, diante do princípio da publicidade, que as decisões de primeiro grau passem a ser registradas em meios eletrônicos e divulgadas através da internet.

            No entanto, no que pese esta falha de pesquisa, podemos afirmar que no caso concreto que suscitou este artigo, o juiz do 1º Juizado Especial Federal da Circunscrição de Londrina/PR acolheu os embargos declaratórios apresentados pela própria parte, agindo conforme a solução por nós construída. Temos conhecimento ainda de outras decisões similares, o que demonstra que a hipótese acima aventada possui certo respaldo empírico.


6. CONCLUSÃO.

            Conclui-se, portanto, fugindo daquela neutralidade que alguns juristas adoram, que nosso sistema jurídico garante ao jurisdicionado, quando este postula perante o juizado especial cível, nas causas que não necessita de advogado, a oposição de embargos declaratórios diante de sentença omissa, obscura e contraditória. Isto porque o artigo 41, §2º, da Lei 9.099/95 deve ser interpretado restritivamente, coadunando-se aos preceitos constitucionais.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

            CAPELLETTI, Mauro. "Acesso à Justiça", Porto Alegre: Fabris, 1988;

            NERY JUNIOR, Nelson. "Princípios do processo civil na Constituição Federal", 8.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004;

            NERY JUNIOR, Nelson. "Princípios Fundamentais: teoria geral dos recursos", 5.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000;

            MARINONI, Luiz Guilherme. "Manual do processo de conhecimento", 3.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

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Sobre o autor
Bruno Ponich Ruzon

advogado, especialista em Direito do Estado e Filosofia Moderna e Contemporânea, pela Universidade Estadual de Londrina, e professor de Filosofia Jurídica na Faculdade Norte Paranaense (UNINORTE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUZON, Bruno Ponich. Embargos declaratórios e juizados especiais cíveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1052, 19 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8409. Acesso em: 15 nov. 2024.

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