1 Uma rápida introdução
A reforma do CPC de 1998 operou uma verdadeira reengenharia do processo civil nos tribunais, quer sejam eles de segundo grau ou Tribunais Superiores.
O objetivo principal de tal reforma foi o tornar o processo civil mais célere, atendendo a uma reivindicação antiga dos militantes dos fóruns jurídicos.
Dentre seus tópicos, um nos merece maior atenção: trata-se da reforma do artigo 557, do CPC, que dá maiores poderes ao relator do recurso para solucioná-lo, desde que obedecidas as normas insculpidas pela reforma.
Pelo imperativo de lógica jurídica, um ponto deverá necessariamente ser mais debatido pelos tribunais: qual o elastério que o artigo 557, § 1º-A e §1º do CPC impõe à jurisprudência erigida como paradigma - quais sejam as jurisprudências dominantes do respectivo Tribunal, do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça - para o provimento ou improvimento do recurso interposto e decidido em decisão monocrática pelos seus respectivos relatores.
Sem objetivo de esgotar o tema, o presente trabalho se propõe a trazer uma nova reflexão ao assunto ora exposto.
2 Da nova redação do artigo 557 do CPC
Assim giza o novel artigo, verbis:
"Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
§ 1º - A. Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.
§ 1º Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto: provido o agravo, o recurso terá seguimento.(...)"
O tema em questão, por ser relativamente novo no direito processual, merece uma análise mais acurada por parte dos aplicadores do direito.
No paralelo com o direito constitucional, o Supremo Tribunal Federal construiu o instituto da pertinência temática em matéria de controle de constitucionalidade, onde a entidade legitimada, ao ingressar com a ADIN, deverá demonstrar a relação de pertinência entre a defesa do interesse específico do legitimado e o objeto da própria ação.
Assim, enquanto se presume de forma absoluta a pertinência temática para o Presidente da República, Mesa do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, Procurador Geral da República, Partido Político com representação no Congresso Nacional e Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em face de suas próprias atribuições institucionais, no que se denomina legitimação ativa universal; exige-se a prova da pertinência temática por parte da mesa da Assembléia Legislativa, do Governador do Estado ou do DF e das confederações sindicais ou entidades de âmbito nacional.
Passando-se este raciocínio para o direito processual civil, em especial na nova regra contida na reengenharia processual pertinente à matéria recursal operada em 1998, verifica-se que o objetivo daquela reforma foi o de abreviar a duração dos processos, através da aproximação de entendimentos dos tribunais que estejam ligados por uma cadeia recursal.
Verifica-se, então, alguns pontos interessantes naquela reforma.
2.1 Da hipótese de negativa de seguimento de recurso por estar a decisão a quo em conformidade com a jurisprudência do respectivo tribunal
O artigo 557, caput, erige como paradigmas válidos para fundamentar a negativa de seguimento de recurso a jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
Este artigo tem como um de seus fundamentos básicos a pertinência temática da decisão guerreada com a jurisprudência dominante do tribunal ad quem (primeira hipótese legal de jurisprudência paradigmática do 557, caput).
A pertinência da matéria tratada no decisium a quo com a jurisprudência dominante do respectivo tribunal é, pois, universal, se o tribunal ad quem for um tribunal local, haja visto que este irá analisar a quaestio como um todo. Abrangeria, pois, todas as matérias de direito e de fato.
No que se refere a recurso endereçado a Tribunal Superior, o raciocínio anterior também é válido, excetuando-se as questões de fato, a depender do recurso que estiver sendo interposto.
Por fim, o legislador erigiu como jurisprudências paradigmáticas a do Supremo Tribunal Federal e a dos Tribunais Superiores, que no próximo item serão melhormente analisadas.
2.2 Da necessária pertinência recursal para a fundamentação das decisões monocráticas em jurisprudências do STF ou de Tribunal Superior
Já com relação à jurisprudência dominante do STF e dos Tribunais Superiores que o legislador optou por estar presente tanto no caso de acolhimento como de negativa de seguimento de recurso seria necessário, de acordo com o espírito de celeridade processual encampado pela reforma de 1998 e por uma questão de lógica jurídica, não só a pertinência da matéria de direito tratada (o que seria o óbvio), mas também a pertinência recursal com os acórdãos paradigmáticos.
Explique-se melhor a questão da pertinência recursal. Suponha-se que o juiz singular de primeiro grau da justiça estadual tenha decidido matéria constitucional na sua decisão e julgado improcedente um determinado pleito. Após o recurso de Apelação, os autores revertem o julgado, mas a decisão do tribunal buscou fundamento em decisões do Tribunal Superior do Trabalho (que não possui competência para dirimir qualquer recurso emanado daquele tribunal), que possui linha de raciocínio distinta (e passível de revisão) daquela adotada pelo Supremo Tribunal Federal, que é o último tribunal superior em matéria constitucional.
O apelado-vencido ingressa, então, com recurso extraordinário para o STF (haja vista que o TST teria incompetência recursal para analisar a quaestio), e lá obtém guarida para sua pretensão.
Saliente-se o fato de que o STF, em matéria constitucional, tem pertinência recursal universal nos processos civis em que se discute a aplicabilidade das normas contidas na Carta Magna.
Verifica-se, dessa forma, que o espírito da reforma processual de 1998 estaria indubitavelmente ferido, pois um de seus objetivos é demonstrar à parte que teve uma decisão monocrática (que por sua vez é célere) desfavorável do tribunal local que o tribunal imediatamente superior a que ela iria ou irá recorrer está com jurisprudência dominante contrária à sua pretensão.
O objetivo da reforma de 1998 é, pois, duplo: de um lado, impera a celeridade processual; do outro, demonstra à parte vencida que seu pleito não terá qualquer possibilidade de êxito no tribunal ao qual irá recorrer.
Outro bom exemplo é o de um Desembargador estadual decidir matéria constitucional, na forma monocrática do 557, § 1-A, exclusivamente com jurisprudência do STJ.
Ora, o STJ não tem competência para, neste caso, apreciar a matéria constitucional suscitada em grau de recurso, posto que a competência recursal para esta matéria é do STF, através do recurso extraordinário (salvo quanto às ações de competência originária do Tribunal local e quando denegatória a decisão artigo 105, II, "a" e "b", onde o recurso cabível será o ordinário para o STJ, mesmo se envolver questão constitucional).
Nos estritos termos da lógica jurídica, não servem os acórdãos do STJ como paradigma em matéria constitucional para a decisão monocrática do relator se o recurso que abrangeria esta matéria somente pudesse ser dirigido ao STF.
Observe-se ainda que para o caso de negativa de seguimento de recurso por decisão monocrática (557, caput, mencionada no item anterior), a jurisprudência dominante, excluindo-se a dos Tribunais Superiores, tem que ser do respectivo tribunal, não podendo ser de outro Tribunal local, de outro Tribunal Regional Federal ou de Tribunal Regional do Trabalho, mesmo que a matéria seja idêntica.
Dessa forma, um Desembargador relator não poderia invocar como jurisprudência paradigmática para decidir monocraticamente as decisões de outra corte estadual. De igual sorte, um Ministro de Tribunal Superior não poderia erigir como jurisprudência paradigmática as decisões de outro Tribunal Superior (excetue-se o STF em matéria constitucional) se esta se encontra em desatino com a jurisprudência de seu respectivo Tribunal.
Em síntese: há de haver relação de pertinência entre a decisão monocrática, a decisão paradigmática do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior e a respectiva competência recursal. Sem estes três elementos, não há como se falar em espírito de celeridade processual e segurança jurídica, pois não haveria a necessária aproximação das jurisprudências dentro da mesma cadeia recursal.
Se a matéria em questão não possui jurisprudência dominante no tribunal paradigmático que possua pertinência recursal, então o caso é de julgamento pela Câmara Cível do Tribunal local.
Não se está, todavia, negando-se a possibilidade da jurisprudência do STJ em matéria constitucional ou de qualquer outro Tribunal Superior servir de fundamento para as decisões de Tribunal local.
Inexistindo pertinência recursal, as decisões do Tribunal Superior poderão, sim, servir de paradigma e fundamentarem o julgamento da respectiva Câmara Cível, mas não da decisão monocrática do relator, posto que o julgamento por decisão monocrática deve ter por meta o tribunal para o qual o recurso daquela decisão será dirigido, em nome, também, do princípio da segurança jurídica, conforme a melhor exegese do artigo 557 do CPC.