1. A CONSTITUIÇÃO MEXICANA DE 31 DE JANEIRO DE 1917
1.1. Antecedentes históricos
A Constituição do México configura o reconhecimento e a positivação, em sede constitucional, das reivindicações e dos princípios inspiradores da Revolução Mexicana, iniciada em 1910. Por essa razão, tornar-se-ia despida de sentido qualquer análise do texto constitucional mexicano (ainda em vigor, não obstante objeto de emendas) que deixasse de examinar, mesmo que em linhas gerais, os antecedentes históricos que culminaram com a promulgação, em 31/01/1917, da Constituição de Querétaro.
Essa estrita correspondência do texto constitucional mexicano com os pleitos constantes da Revolução Mexicana foi enfatizado pelo constitucionalista e ex-presidente da Corte Constitucional Fix-Zamudio, para quem "Nustra Constitución actual entronca directamente con la Revolución mexicana. Cierto que en un principio este movimiento no llevó como objetivo hacer una nueva Constitución. Se encabezó inicialmente por Madero contra la dictadura de Díaz, y después por Carranza para restaurar el orden constitucional quebrantado por Huerta, pero el desarrollo mismo de los acontecimientos condujo finalmente a la expedición de una nueva ley fundamental" 25.
Também neste sentido, irretocáveis as palavras de Daniel Moreno 26, que, ao referir-se à Assembléia Constituinte convocada para elaboração da Constituição Mexicana de 1917, assim se manifestou:
"Poucas vezes o pensamento jurídico foi devedor de forma tão determinante da realidade social e das idéias postas em jogo, como no caso da mencionada Assembléia. Foram assinaladas como causas fundamentais algumas de tipo econômico, sobretudo a dura exploração que sofriam os camponeses e as paupérrimas condições em que viviam os operários".
Na realidade, apesar de a elaboração de um novo texto constitucional não ter sido, de fato, um dos objetivos da Revolução Mexicana, não é menos exato afirmar que o texto constitucional que sobreveio à dita revolução deu expressão máxima às aspirações por ela reivindicadas.
Com efeito, a revolução mexicana iniciou-se em 1910, e o período de agitações sociais e políticas no México estendeu-se por quase 23 (vinte e três) anos após da promulgação da Carta Política de 1917 27.
A revolução mexicana mobilizou, em seu processo, milhões de camponeses e índios (estes, despojados que foram dos "ejidos" 28) e se insurgia, essencialmente, contra a ditadura do Presidente Porfírio Díaz, que perdurou de 1876 a 1911 e que ficou conhecida como "porfiriato".
Porfírio Diaz era apoiado, em seu governo, pelo exército, que possuía o poder de polícia do Estado, pela Igreja Católica, que tinha ampla liberdade de ação, por grandes empresas privadas (inclusive de origem estrangeira) e pelos grandes proprietários de terra, que haviam sido beneficiados com a política de extinção dos "ejidos". Daí que as principais reivindicações revolucionárias consistiam na proibição da reeleição do Presidente da República 29, no retorno dos "ejidos" e devolução das respectivas terras às comunidades indígenas, na nacionalização das grandes empresas e bancos, na consolidação de direitos trabalhistas à classe média emergente e na separação radical entre Igreja e Estado.
O crescente autoritarismo de Porfírio Díaz passa à insustentabilidade, marcando o início do processo revolucionário que canalizou as insatisfações nacionais, nas eleições presidenciais de 1910, quando o latifundiário liberal Francisco Madero, líder do movimento que se opunha à reeleição do ditado é preso. Candidato único, Díaz é considerado eleito, uma vez mais.
Francisco Madero, ao fugir da prisão, exila-se nos Estados Unidos, lança uma conclamação à rebelião armada destinada a derrubar Díaz e promete que, em havendo um novo governo, seria elaborada uma reforma eleitoral e seriam distribuídas terras aos camponeses.
A resposta mexicana à proposta de Madero é entusiástica e, rapidamente, a revolta se alastra pelo país. Ao sul, o chefe camponês de maior relevância é Emiliano Zapata, que comanda 20 (vinte) mil homens na "Legião da Morte", armados com fuzis e facões utilizados para o corte de cana de açúcar. Ao norte, por sua vez, destacam-se como líderes Pancho Villa e Pascual Orozco.
Com o recrudescimento do levante camponês, Porfírio Díaz renuncia e foge em 1911 e Madero é eleito novo Presidente.
Ao contrário do esperado, no entanto, Madero não promove as prometidas alterações no aparelho estatal, o que gera profunda insatisfação dos líderes camponeses que o apoiaram, notadamente de Emiliano Zapata, que se recusa a desarmar seus homens e exige a reforma agrária negada pelo novo Presidente.
Desatendido, Zapata promove, agora com o apoio de Pancho Villa, uma rebelião contra Madero e lança, em novembro de 1911, o célebre Plano Ayala, que dispunha sobre a distribuição de terra dos latifúndios para os camponeses.
O Presidente Madero, em reação, envia o general Victoriano Huerta para derrotar Zapata, que repele a ofensiva do exército e passa a ser tido como um prestigiado líder das camadas mais pobres 30.
Em fevereiro de 1913, enquanto a luta prossegue no Norte e no Sul, o general Huerta assassina Madero e se torna o novo Presidente, o que levou à instauração de uma passageira frente da oposição, com participação de Zapata e Villa, chefiada pelo liberal Venustiano Carranza, que proclama o Plano de Reconstrução Constitucional.
Sob pressão das forças revolucionárias, em julho de 1914 o general Huerta renuncia, passando o poder para Carranza que, depois de 3 (três) anos de rebelião, dá início ao processo de construção das novas instituições mexicanas, o que apenas se consolidará mais de cinco anos mais tarde.
Vitoriosos, os revolucionários dividem-se, agora, em constitucionalistas (Carranza e Álvaro Obregón), que propõem, simplesmente, a reforma da Constituição Liberal de 1857, e em convencionistas (Emiliano Zapata e Pancho Villa), que desejam implementar as propostas de transformações radicais da convenção de Aguascalientes (1914) 31.
Nas regiões controladas por Zapata começam a ser colocadas em prática as reformas do Plano de Ayala, que prevê a devolução da terra às comunidades indígenas, expropriação de um terço das terras dos grandes proprietários para distribuição aos camponeses sem terra, fundação de um Banco Agrícola Nacional e de um Partido Agrário e confisco total das terras de quem se opusesse às reformas.
As medidas colocadas em prática por Emiliano Zapata, no entanto, são mais radicais e vão além daquilo que foi proposto no texto original do Plano Ayala. Além da reforma agrária, formam-se escolas técnicas, fábricas de ferramentas e um banco de crédito rural.
Venustiano Carranza, insatisfeito com as concretizações promovidas por Zapata, deseja institucionalizar e regulamentar as reivindicações revolucionárias, e, em 1917, promulga a nova Constituição Mexicana, inspirada pela doutrina anarcossindicalista de Bakunin 32.
Dois anos mais tarde, a nova Constituição ainda era completamente ignorada pelo Governo, Zapata era assassinado à mando de Carranza (1919) e o país prossegue em guerra civil até que, em 1920, Carranza é deposto e assassinado, e assume a Presidência o general Álvaro Obregón, que, enfim, consolida a revolução. Pancho Villa abandona a luta em 1920 e é assassinado três anos depois. Em 1929 é fundado o Partido Revolucionário Nacional (PRN), rebatizado, em 1938, de Partido Revolucionário do México e, em 1946, de Partido Revolucionário Institucional (PRI), que se torna, por décadas, o virtual partido único no país 33.
1.2. Os debates da Constituinte
Apesar de desnecessárias, algumas anotações referentes à Assembléia Constituinte ou aos debates nela travados serão, por sua peculiaridade, registradas no presente trabalho.
Cabe referir, neste ponto, que todas as referências que ora se faz à Constituinte Mexicana foram extraídas da magnífica obra – já mencionada neste estudo na nota de rodapé nº 26 – El Constitucionalismo Social Mexicano – La integración constitucional de México (1808-1988), de Jorge Sayeg Elú.
A primeira curiosidade que se gostaria de enfatizar refere-se ao fato de que os militares não só formavam a maioria da constituinte, mas também eram os portadores das idéias mais radicais ali suscitadas 34.
Outro dado interessante refere-se ao curtíssimo espaço de tempo utilizado na discussão e aprovação do novo texto constitucional, já que a Assembléia Constituinte foi aberta em 01/12/1916 e a Constituição promulgada em 31/01/1917, ou seja, apenas dois meses depois 35.
De fato, tal como já se enfatizou quando da análise dos antecedentes históricos da Constituição Mexicana, não havia, entre os próprios revolucionários, posição uniforme sobre a necessidade de proceder-se a uma mera revisão do texto constitucional liberal de 1857 ou de confeccionar-se um novo texto constitucional.
Tanto é assim que no dia da abertura da Constituinte, o Presidente Carranza (que depois viria a matar Emiliano Zapata) apresentou ao Congresso seu projeto de "Constitución Reformada" 36.
Apesar de se auto-reconhecer animado pelo melhor espírito de implementar as reivindicações revolucionárias, o projeto apresentado por Carranza foi tido como deficiente 37, tendo se expressado, no que toca "a las reformas sociales (...) en fórmulas amplias, casi abstractas, y reservaba su reglamentación efectiva a la ley secundaria" 38.
No que se refere às freqüentes remessas, ao legislador ordinário, muito ocorrentes na Constituição Brasileira de 1988, e constantes do projeto de Constituição Reformada por Carranza, assim se pronunciou Helú 39:
"Mucho confió Carranza em el acierto de los legisladores ordinários, al pretender dejar a su cuidado el dictar las leyes reclamadas por el pueblo en los campos de batalla; por fortuna, empero, quienes acertaron fueron los legisladores constituyentes, al haber dado el paso decisivo, logrando romper aquel tabú que les impedia dar cabida dentro de la Constitución a las fórmulas sociales que una depurada técnica constitucional les aconsejaba a no incorporar a ella".
Feitos esses breves registros sobre alguns aspectos interessantes, relativos à Assembléia Constituinte Mexicana, deve-se, agora, analisar em que medida os direitos constitucionais por ela consagrados efetivamente inovaram em tema de concretização de direitos fundamentais sociais, examinando-se, também, se, em face das prescrições constantes da Constituição Mexicana de 1917, pode, esse documento, ser tido como o precursor do constitucionalismo social, que iria influenciar grande parte das Constituições do pós-segunda guerra.
1.3. O texto da Constituição Mexicana de 1917
A Constituição Mexicana promulgada em 31/01/1917 – e que entraria em vigor em 01/05/1917 – compunha-se de 136 artigos (a maioria deles, longos e com vários incisos), além das disposições transitórias. Esses 136 artigos foram sistematizados em IX Títulos, que podiam, por sua vez, dividir-se em capítulos e seções. O Título I da Constituição Mexicana de 1917 era formado por IV Capítulos, quais sejam: Das Garantias Individuais (Cap. I), Dos Mexicanos (Cap. II), Dos Estrangeiros (Cap. III) e Dos Cidadãos Mexicanos (Cap. IV). O Título II possuía apenas dois Capítulos: Da Soberania Nacional e da Forma de Governo (Cap. I) e Das Partes Integrantes da Federação e do Território Nacional (Cap. II). O Título III organizava-se em quatro Capítulos: Da Divisão dos Poderes (Cap. I), Do Poder Legislativo (Cap. II) – este último capítulo dividia-se em IV Seções: Da eleição e da instalação do Congresso; Da iniciativa e da formação das leis; Da competência do Congresso e Da Comissão Permanente –, Do Poder Executivo (Cap. III) e Do Poder Judicial (Cap. IV). O Título IV tratava, unicamente, Das Responsabilidades dos Funcionários Públicos, o Título V, Dos Estados e da Federação, o Título VI (composto exclusivamente pelo célebre artigo 123), Do Trabalho e da Previdência Social. O Título VII tratava Das Disposições Gerais, O Título VIII, das Reformas da Constituição e, finalmente, o Título IX cuidava Da Inviolabilidade da Constituição.
Da análise de cada um dos dispositivos constantes do texto constitucional mexicano, observa-se que a Constituição de 1917 não se limitou a consagrar, em seu corpo, as aspirações e reivindicações veiculadas pela Revolução, garantindo, também, ao lado das determinações de índole social, em seu Capítulo I (Das Garantias Individuales), inúmeros direitos clássicos à liberdade.
Dentre o extenso rol de direitos de primeira dimensão constantes do Capítulo I, do Título I, da Constituição Mexicana, destacam-se os seguintes: proibição da escravidão (art. 2º); igualdade entre os sexos (art. 4º); liberdade de expressão e de informação (art. 6º); vedação à censura prévia (art.. 7º); direito de petição (art. 8º); liberdade de reunião e de associação (art. 9º); direito à livre circulação (art. 11); princípio do juiz natural e proibição de juízo de exceção (art. 13); irretroatividade das leis prejudiciais aos cidadãos (art. 14); devido processo (art. 14, § 1º); legalidade em matéria penal (art. 14, § 2º); vedação à extradição por crimes políticos (art. 15); inviolabilidade de domicílio (art. 16); sigilo de correspondências (art. 16, § 2º); vedação ao exercício arbitrário das próprias razões (art. 17); acesso gratuito ao Poder Judiciário ( art. 17, § 1º); vedação de prisão por dívida (art. 17, § 3º); garantias do acusado (art. 20 – frise-se, no ponto, que o sistema penal mexicano funda-se sobre a "base do trabalho"); vedação de penas cruéis (art. 22); princípio do non bis in idem (art.23); liberdade religiosa (art. 24); mandato de seis anos conferido ao Presidente da República, "que por nenhum motivo poderá voltar a desempenhar este posto" 40 (art. 83 – direito à alternância política) e separação Estado/Igreja (art. 130).
Ao lado dos direitos de liberdade acima referidos, a Constituição Mexicana de 1917 previu, também, direitos e garantias de segunda dimensão. Estes – apesar de constantes, em sua essencialidade, nos arts. 27 e 123 – não se concentram em um único Capítulo da Constituição, apresentando-se, ao contrário, dispersos ao longo de todo o texto da Carta Política.
Sob tal aspecto, deve-se destacar as seguintes previsões: proteção à família (art. 4º) 41, direito à saúde, de incumbência da Federação e das entidades federativas (art. 4º, § 2º), direito à moradia digna, a ser concretizado por meio de apoio Estatal (art. 4º, § 3º), proteção pública dos menores (art. 4º, § 4º), direito ao trabalho e ao produto que dele resulta (art. 5º), proibição de contratos que importem na perda de liberdade do indivíduo (art. 5º, § 4º) 42 e a vedação à constituição de monopólios (art. 28 – direito este de natureza eminentemente econômica).
Além de tais direitos de segunda dimensão, a Constituição Mexicana previu, em linhas gerais, em seu artigo 27 (pertinente à questão agrária no México e tido como um dos pilares da consagração, no texto constitucional, das idéias fulcrais da Revolução), a propriedade da nação relativamente às terras e águas (que podiam, ou não, ser transmitidas a particulares, mediante propriedade privada), a possibilidade de desapropriação de terras por utilidade pública, mediante indenização, a proteção da pequena propriedade (art. 27, XV) e a função social da propriedade.
Ao lado questão agrária, tratada no art. 27 da Constituição, o artigo 123 (que compunha o Título VI: Del Trabajo e de Prevision Social) consubstanciava o outro pilar sustentador da consagração das aspirações revolucionárias em sede constitucional. Destaca-se, neste dispositivo – tido por alguns doutrinadores como inaugurador do Direito Constitucional do Trabalho – as seguintes prescrições: direito ao emprego e correlata obrigação do Estado de promover a criação de postos de trabalho (art. 123, "caput"); jornada de trabalho máxima de 8 (oito) horas (I); jornada noturna de 6 (seis) horas (II); proibição do trabalho aos menores de 14 e jornada máxima de 6 (seis) horas aos maiores de 14 e menores de 16 (III); um dia de descanso para cada 6 dias trabalhados (IV); direitos das gestantes (V); salário mínimo digno (VI), a ser estabelecido com uma comissão nacional formada por representantes dos trabalhadores, patrões e do governo; direito a salários iguais aos que exercem iguais funções, sem discriminação de gênero ou nacionalidade (VII); participação dos trabalhadores nos lucros das empresas (IX); horas extras limitadas a três diárias, realizadas no máximo três dias consecutivos, e acrescidas de 100% (XI); criação de um fundo nacional de habitação, a ser administrado pelo Governo Federal, pelos trabalhadores e pelos patrões (XII, § 1º); direito à capacitação ao trabalho (XIII); responsabilidade do empregador por acidente de trabalho (XIV); direito à formação de sindicatos (XVI); direito de greve, reconhecido inclusive em favor dos patrões e em favor dos funcionário públicos (art. XVII); criação das juntas de conciliação, formada por igual número de representantes dos trabalhadores e dos patrões e por um representante do governo (XX); direito à indenização em caso de demissão sem justa causa (XXII) e reconhecimento da utilidade pública da Lei de Seguro Social, que compreenderá "seguros por invalidez, por velhice, seguros de vida, de interrupção involuntária do trabalho, de enfermidades e acidentes de trabalho e qualquer outro seguro destinado à proteção e ao bem-estar dos trabalhadores, dos camponeses, dos não-assalariados e de outros setores sociais e respectivos familiares" (XXIX – traduzi).
Interessante notar que, não obstante seja o rol de direitos conferidos ao trabalhador de notável abrangência e extensão (deixando de observar, por isso mesmo, a melhor técnica constitucional 43 ao estabelecer, em sede constitucional, prescrições de índole eminentemente infraconstitucional 44), não foi a classe trabalhadora relevante no processo revolucionário mexicano, pois, consoante já assinalado, a população mexicana que, em 1910, deu início ao movimento contrário ao ditador Porfírio Díaz, era eminentemente composta por camponeses já que o México ainda não tinha experimentado um processo de industrialização que o permitisse contar com uma numerosa classe operária.
Daí porque parece ser o artigo 27 – pertinente à questão agrária mexicana – aquele que incorporou, de uma maneira mais fiel, as legítimas reivindicações constantes da revolução e aquele que atendeu, de maneira mais imediata, os pedidos que mais afetavam, diretamente, a vida dos mexicanos.
Nesse sentido, manifesta-se Ary Brandão de Oliveira 45, que, citando Nestor de Buen 46, e ao colocar em destaque o viés eminentemente camponês da revolução mexicana, afirma que "A questão operária ainda não se fazia sentir em um país que apenas iniciava seu processo de industrialização. Por outro lado, a sensibilidade dos jovens generais e chefes revolucionários orientava-se no sentido da adoção de soluções enérgicas na ordem jurídica laboral".
Mário de la Cueva, ao enfatizar a importância do art. 123 da Constituição Mexicana e ao investigar as origens do movimento em prol de uma legislação trabalhista no México, adverte que a ingerência no desenvolvimento do direito do trabalho mexicano deve-se, unicamente, ao governo presidencialista, não tendo assumido, a classe operária, nenhuma participação nesse processo 47.
Registre-se, finalmente, um aspecto pouco referido da Constituição Mexicana de 1917: a sua nítida integração, ao lado dos direitos de primeira e de segunda dimensão, de direitos fundamentais de terceira dimensão.
Com efeito, como se sabe, os direitos de terceira geração são aqueles que protegem não o homem, considerado isoladamente, mas, sim, a coletividade como um todo, razão pela qual trata-se de direitos de titularidade difusa, fundados nos princípios da fraternidade ou da solidariedade. No rol dos direitos fundamentais de terceira dimensão incluem-se, por exemplo, o direito a um meio ambiente equilibrado, o direito à paz, à autodeterminação dos povos e à preservação do patrimônio histórico e cultural 48.
O artigo 3º das Constituição Mexicana, ao versar sobre o sistema público de educação, afirma que este deverá promover, além de todas as faculdades do ser humano, "a consciência da solidariedade internacional", em claro beneplácito ao princípio inspirador dos direitos de terceira dimensão e com nítida percepção de que determinados valores devem ser protegidos não apenas em relação ao indivíduo (primeira dimensão) ou a uma coletividade nacional (segunda dimensão), mas, sobretudo, em face de toda a comunidade (terceira dimensão).
Já no artigo 25, que trata sobre a intervenção do Estado no domínio econômico, afirma-se que os setores sociais e privados da economia sujeitam-se aos interesses públicos e ao uso, em benefício geral, dos recursos produtivos, devendo-se cuidar, portanto, de "su conservación y el médio ambiente" (art. 25, § 4º).
No artigo 27, por sua vez, ao serem disciplinados a reforma agrária o modo de organização dos assentamentos, reconhece-se a necessidade de se editar medidas para "preservar y restaurar el equilibrio ecológico" e, também, para "evitar la destrucción de los elementos naturales".
Da análise dessas três passagens constantes do texto constitucional mexicano, poder-se concluir que tal diploma não apenas reconheceu e positivou direitos de terceira dimensão, mas, também – ao colocá-los em relação de recíproca interação e mútua influência com outros direitos fundamentais, como, por exemplo, o direito à propriedade (1ª dimensão) e a função social da propriedade (2ª dimensão) – teve nítida percepção do caráter complementar que lhes é inerente.