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Primeiras linhas acerca das conseqüências trabalhistas do Estatuto Nacional das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte.

Lei Complementar nº 123/2006

03/01/2007 às 00:00
Leia nesta página:

            "Se as pessoas não são iguais, não receberão coisas iguais; mas isso é origem de disputas e queixas (como quando iguais têm e recebem partes desiguais, ou quando desiguais recebem partes iguais).

Aristóteles [01]

            Sancionado pela Lei Complementar 123/2006, de 14 de dezembro de 2006, com vigência imediata, exceto no que diz respeito ao sistema de tributação, postergada para julho de 2007, o Estatuto Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte institui no ordenamento pátrio um inovador sistema de proteção e estímulo das atividades empresariais de pequeno porte, assegurando aos empreendimentos dessa natureza acesso a um modelo simplificado de tributação, a medidas de redução da burocracia, de estímulo ao crédito, à inovação e às relações trabalhistas.

            Estas brevíssimas linhas procuram mapear as alterações havidas nas relações do trabalho, para as pequenas e microempresas.

            Inicie-se pela conceituação de institutos básicos: para o diploma, são microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se refere o artigo 966 do código civil, devidamente registados no Registro de empresas mercantis ou no registro civil de Pessoas Jurídicas, as que aufiram, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.00,00 (microempresas) e que aufiram receita bruta superior a R$ 240.000,00 e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 por ano-calendário (artigo 3º, incisos I e II).

            Excetuam-se da incidência dos benefícios da lei, as hipóteses tratadas no parágrafo 4º do mesmo artigo, que indica: a participação de outra pessoa jurídica no capital da pequena ou microempresa, que seja filial, sucursal, agência ou representação de pessoa jurídica com sede no exterior, de cujo capital social participe pessoa física que seja empresário ou sócia de outra empresa de tratamento jurídico diferenciado, cujo titular participe com mais 10% do capital de outra empresa não beneficiada por esta lei complementar, ultrapassando, a renda bruta mensal, dos limites da lei, cujo sócio ou titular seja administrador de outra pessoa jurídica com fins lucrativos cuja receita global ultrapasse o limite da lei, as constituídas sob a forma de cooperativa (exceto as de consumo) e que participe do capital de outra pessoa jurídica.

            Para estas empresas, o Estatuto prevê alguns benefícios relativos à legislação do trabalho, com vistas a atingir o incentivo de formalização dos empreendimentos de pequeno porte, que se passam a analisar.

            Inicia-se o capítulo VI do Estatuto, com o estímulo às empresas de pequeno porte, por parte do poder público e pelos serviços sociais autônomos, a formar consórcios para acesso a serviços especializados em segurança e medicina do trabalho (artigo 50). A tutela da saúde e da segurança do trabalhador encontra importante fundamento do direito do trabalho, revestindo-se de caráter cogente e irrenunciável. Nesta condição, a proteção das condições de trabalho, no que diz respeito à saúde (medicina) e à segurança no trabalho, espraia-se em um sem-número de normas, entre leis, portarias e normas regulamentadoras, cuja aplicação encarece o negócio comercial do empreendedor.

            A organização de serviços cooperados de saúde e segurança importarão, por certo, a redução desses custos, sem que se perca de vista a inolvidável importância do tema, para higidez e inserção social do trabalhador.

            De outro lado, as empresas beneficiadas pelo Estatuto passam a ser dispensadas de uma série de obrigações burocráticas, para enxugamento das providências administrativas, as quais, de novo, representam custo a ser reduzido dos negócios de pequeno porte. Pela norma em comento, estas empresas estarão absolvidas de afixar quadro de horários de trabalho, manter a anotação de férias dos empregados em livros ou fichas de registro, manter a posse do livro "inspeção do trabalho" e de comunicar ao Ministério do Trabalho e Emprego a concessão de férias coletivas (artigo 51, incisos I, II, IV e V).

            A lei exclui, ainda, as empresas pequenas de empregar e matricular aprendizes nos cursos do Serviço Nacional de Aprendizagem (inciso III). Esta medida decorre da redação do artigo 429 da C.L.T., com a redação que lhe deu a lei 10097 de 2000:

            "Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional."

            Para a validade dos contratos de aprendizagem, que podem ser executados por menores de 16 anos, maiores de 14, como parte de seu processo de formação técnico-educacional, as empresas de quaisquer áreas de atuação devem matricular seus aprendizes nos cursos de formação profissional patrocinados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem, à razão mínima de 5% do total de empregados e máxima de 15%.

            O Estatuto retira a obrigatoriedade tanto do emprego, quanto, se empregados, da matrícula em cursos do Serviço Nacional. Vale dizer, às empresas de pequeno porte está assegurado o direito de contratar aprendizes, trabalhadores em idade compreendida entre os 14 e os 18 anos e, na hipótese de os contratar, estará desobrigada de mantê-los matriculados em cursos profissionalizantes.

            A medida é de todo repreensível e desvirtua a proteção ao trabalho do menor.

            Com efeito, a restrição constitucional de trabalho antes dos 16 anos recebeu exceção normativa apenas com vistas ao preparo técnico do futuro trabalhador, na condição de aprendiz, atendendo, com isto, a duas demandas opostas. De um lado, assegura o acesso ao mercado dos trabalhadores mirins que necessitem iniciar a vida profissional antecipadamente. De outro, assegura que este trabalho será desenvolvido com parte importante e indissociável de sua formação técnico-educacional. Ao desobrigar as empresas de menor porte de empregar aprendizes, a lei abandona os trabalhadores-mirins que do ofício necessitam, já que grande parte da economia nacional ativa-se por meio de empresas desse porte. Ao absolvê-las, de outro lado, do dever de mantê-los na escola técnica, faz perder a finalidade legal imprescindível de associar o início da vida no mercado de trabalho com a conclusão de cursos de habilitação profissional. No Brasil, segundo o IBGE [02], por sua pesquisa de amostragem por domicílio, 1.092.884 trabalhadores ocuparam-se no ano de 2004, com idades de 10 a 14 anos. Estes milhares de jovens perdem, por força do Estatuto, o incentivo de manutenção de seus estudos formadores, ao ingressarem no mercado de trabalho das pequenas e microempresas.

            A dispensa das formalidades referidas, no entanto, não retira das pequenas e microempresas as obrigações de anotar os contratos de seus trabalhadores em carteira de trabalho e previdência social, de arquivarem os documentos comprobatórios de cumprimento das normas trabalhistas, enquanto essas obrigações não prescreverem, bem como de apresentarem as Guias de Recolhimento do Fundo de Garantia por tempo de Serviço e Informações à Previdência Social (as GFIP) e de prestarem as informações contidas na relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), nos termos do artigo 52.

            A lei, em seguida, cria uma nova espécie de pequeno negócio, até aqui não conceituada pelo diploma, o empresário com receita bruta anual máxima de R$ 36.000,00, para assegurar a estas empresas as seguintes faculdades:

            I. o empresário pode optar entre contribuir para o sistema de seguridade social com alíquota reduzida de 20% (artigo 21, caput, lei 8212 de 1991), para 11%, com a renúncia ao direito de aposentadoria por tempo de contribuição (parágrafo segundo do mesmo artigo, com redação dada pela lei complementar 123/2006). A voracidade fiscal, no particular, é flagrante. Ao reduzir a alíquota, o sistema atrai para a formalidade – e esta é a finalidade clara da medida – trabalhadores autônomos, contribuintes facultativos e empresários unipessoais, mas, ao mesmo tempo, retira o maior dos benefícios previdenciários, consistente na aposentadoria por tempo de contribuição. Para alcançá-la, ao depois, haverá de recolher a diferença de 9% com juros moratórios (artigo 21, parágrafo 3º da lei 8212/91, com a redação dada pela lei complementar em análise).

            II. o empresário fica dispensado do pagamento das contribuições sindicais, tanto patronais, quanto dos empregados, reguladas pelo título V, capítulo III, seção I da C.L.T.

            III. o empresário fica dispensado do pagamento do "sistema s" – contribuições de interesse das entidades privadas de serviço social e de formação profissional previstas no artigo 240 da Constituição da República – e do salário-educação (lei 9424/96). O Estatuto impõe, aqui, redução da fonte de receita do SESC, SENAC, SENAI, SENAR e SEBRAE, assim como do Fundo Nacional de Educação, como medida de incentivo à formalização dos pequenos empreendimentos.

            IV. finalmente, o empresário fica dispensado do pagamento das alíquotas diferenciadas de 8,5% (mensal) e de 50% (no ato da rescisão) ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, impostas pela Lei Complementar 110 de 2001.

            Todos estes benefícios têm caráter provisório, podendo ser exercidos por até três anos-calendário (parágrafo único do artigo 53 da lei complementar 123/06), concedidos até o dia 31 de dezembro do segundo ano de sua formalização (artigo 53, caput).

            No que diz respeito ao acesso à Justiça do Trabalho, a lei recupera regramento antigo da C.L.T., relativamente ao preposto do empregador. O artigo 843 parágrafo 1º da Consolidação das Leis do Trabalho sempre assegurou a substituição do empregador por "preposto que tenha conhecimento dos fatos". Por meio de orientação jurisprudencial, no entanto, o Tribunal Superior do Trabalho, no teor da súmula 377, impôs a exigência de que o preposto deva ser necessariamente empregado da reclamada:

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            "súmula 377. Exceto quanto à reclamação de empregado doméstico, o preposto deve ser necessariamente empregado do reclamado. Inteligência do art. 843, § 1º, da CLT. (ex-OJ nº 99 da SBDI-1 - inserida em 30.05.1997)".

            Cogita-se de que esta medida jurisprudencial tenda a evitar a "profissionalização" de prepostos, pessoas alheias ao empreendimento, treinadas para a participação em audiências trabalhistas, e, portanto, protegidas contra confissões desastrosas, como habilitadas para dar cabo da estratégia de defesa. Qualquer que seja seu fundamento, entretanto, nítido está que a súmula extrapola a atividade da jurisdição, convertendo-se em labor legiferante, de todo criticável.

            Para as empresas de porte menor, comum é que o profissional encarregado da organização burocrática e, dentre elas, do cumprimento das relações e obrigações trabalhistas, não seja empregado subordinado, mas seja o contador externo. Este profissional, pelo exercício de suas funções, mais habilitado do que o próprio empreendedor, responderia com melhores resultados à instrução processual. Igualmente comum é a contratação de profissionais autônomos, por exemplo, na área comercial da empresa (representantes comerciais), igualmente não subordinados. O entendimento sumulado retro mencionado, sem diferenciar o porte da empresa reclamada, impedia a representação legal do empresário por quem não fosse empregado subordinado. Modificação legal proveitosa, a atender a necessidade real e a observar as peculiaridades da organização empresarial menos formal e de menor porte.

            O Estatuto assegura, em seu capítulo VII, condições mais favoráveis à relação entre a auditoria fiscal do trabalho e os pequenos negócios, na medida em que estabelece a atuação "prioritariamente orientadora", desde que o grau de risco [03] seja compatível com o procedimento assim exercido. Impõe a adoção do critério da dupla visita, que tem, no texto da C.L.T., minudentes restrições, exceto quanto ao dever de anotação dos contratos de trabalho em carteira de trabalho e previdência social, ou nas hipóteses de reincidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização (parágrafo primeiro do artigo 55).

            Alterando a redação do artigo 58 da C.L.T., o Estatuto autoriza a pactuação, por meio de acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho, do pagamento da hora de percurso, nas hipóteses de concessão do serviço de transporte pelo empregador, cuja atividade desenvolva-se em local de difícil acesso. A regra geral, contida no artigo 58, parágrafo 2º da C.L.T. reza que § 2º "o tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução". Tal compreensão havia sido, antes mesmo da alteração legislativa (inserida pela lei 10.243/2001), tomada pelo Tribunal Superior do Trabalho, via da súmula 90, I de sua jurisprudência.

            Pela exceção proposta pela redação do parágrafo terceiro, inserida pelo Estatuto, em seu artigo 84, as normas coletivas poderão estabelecer um "tempo médio" de deslocamento, o que significa, mediante acordo, pagar menos horas do que as despendidas com o transporte. A hipótese cuida, verdadeiramente, de flexibilização indevida dos direitos do trabalhador, eis que a lei estabelece a natureza do tempo gasto no transporte, nesses casos, como de tempo efetivo do contrato e a negociação coletiva não pode mitigar o que a lei já garante. Prevalecerá, pois, o negociado sobre o legislado, o que contraria o princípio protetivo do direito do trabalho.

            A permissão legal, no entanto, vai além. Não só será possível a fixação de um "tempo médio", remunerando-se a menor as horas à disposição do empregador, como também será possível que as partes enunciem a natureza do pagamento desse tempo. Ora, ao estabelecer, no texto do artigo 58, parágrafo segundo, que esse intervalo temporal deve ser computado na jornada de trabalho, está o legislador a determinar a natureza salarial do respectiva contraprestação. Com o permissivo inovador, as partes poderão determinar natureza diversa, por exemplo, de indenização, sem respeito às considerações protetivas do salário ou às integrações decorrentes do pagamento de verba salarial. Poderão ser, ainda, desconsiderados os adicionais de horas extraordinárias, quando este tempo, somado ao restante da jornada, implicar a extrapolação dos limites constitucionais de jornada.

            Em linhas gerais, eis as disposições trabalhistas aplicáveis às pequenas e microempresas, a partir da vigência do Estatuto Nacional inserido no ordenamento pátrio pela lei complementar 123 de 2006. As perdas com a flexibilização denunciada na análise do artigo 84, e a perda do acesso dos aprendizes a um contrato favorável de real aprendizagem, tratada na leitura do artigo 51, III, representam passo mal dado pelo legislador, em prestígio à flexibilização das relações do trabalho. Inexistem dados científicos confiáveis a assegurar que a flexibilização gera empregos ou aumenta a qualidade dos existentes. Mesmo assim, augura-se que a novel legislação atinja resultados positivos na formalização de empreendimentos de pequeno porte, hoje funcionando na informalidade, com o que se alcançará maior e melhor inserção social dos trabalhadores, caminhando-se na linha necessária do atingimento do pleno emprego e para a redução das desigualdades sociais, como estabelece a Carta Política em vigor.


Notas

            01. Ética a Nicômaco: livro V, passo 1131a21-26.

            02.Sítio do instituto na internet, visitado em 15 de dezembro de 2006: http://www.mte.gov.br/observatorio/pme_pnad/pop_pnaddownload.asp

            03.O que será fixado, por ato dos órgãos e entidades competentes, no prazo de 12 meses, segundo o parágrafo 3º do artigo 55 da Lei Complementar 123/2006.

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Sobre o autor
Marcos Neves Fava

juiz titular da 89ª Vara do Trabalho de São Paulo (SP), mestre em Direito do Trabalho pela USP, professor de Direito Processual do Trabalho na Faculdade de Direito da Faculdade Álvares Penteado (FAAP), diretor de direitos e prerrogativas da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAVA, Marcos Neves. Primeiras linhas acerca das conseqüências trabalhistas do Estatuto Nacional das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte.: Lei Complementar nº 123/2006. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1281, 3 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9349. Acesso em: 19 nov. 2024.

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