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A questão da penhorabilidade das quotas sociais

18/01/2007 às 00:00
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O presente artigo tem por escopo apresentar e solucionar o problema da penhorabilidade ou impenhorabilidade das cotas sociais (ressalta-se que nosso vocabulário admite a grafia da palavra tanto como quotas ou cotas) da sociedade limitada, pois trata-se de um tema de constante debates doutrinários e jurisprudenciais.

Quota social é a entrada com a qual cada um dos sócios contribui ou se obriga a contribuir para a formação do capital social de uma sociedade limitada – deve-se frisar que nesta espécie societária é vedada contribuição que consista em prestação de serviços (art.1.055, §2º, CC). É notório que a sociedade por cotas de responsabilidade limitada (ou simplesmente, na terminologia adotada pelo nosso novel Código Civil, sociedade limitada), em regra, é uma sociedade de pessoas, vale dizer, é aquela sociedade constituída em função das qualidades pessoais dos sócios – contrapõe-se às sociedades de capitais que é aquela formada em atenção preponderantemente ao capital (o fator econômico é primordial, como acontece, por excelência, nas sociedades anônimas).

Daí observa-se o quanto é relevante a interferência dos atributos pessoais dos sócios na consecução do objeto social na sociedade limitada, de modo que a intervenção de estranhos no quadro societário pode prejudicar (ou mesmo prejudicaria) os negócios sociais. Para evitar este incidente, recomenda-se a inserção, no contrato social, de cláusulas dispondo sobre a impenhorabilidade das quotas sociais. O problema se verifica no caso de haver omissão contratual regendo a penhorabilidade ou não das quotas e houver oposição dos demais sócios em aceitar estranho ao corpo societário.

Antes de discorrermos sobre o problema da penhorabilidade das cotas sociais, interessante será fazer a seguinte distinção – levando em conta qual legislação será aplicada no caso de omissão legislativa própria ou contratual dispondo sobre as limitadas – que é apresentada pela doutrina:

(a) sociedades limitadas sujeitas ao regime de regência supletiva das sociedades simples – são as chamadas limitadas de vínculo instável, pois o vínculo entre os sócios pode ser rompido com facilidade, abrangendo grande número de hipóteses em que é cabível a resolução da sociedade em relação a um sócio: morte do sócio (art.1.028, CC), liquidação de quotas a pedido de credor do sócio (art.1.026, CC), retirada motivada (art.1.077, CC), retirada imotivada (art.1.029, CC), e expulsão de sócio (art.1.085, CC). Nesse subtipo de limitada, aplica-se a legislação referente à sociedade simples (ou civil) no caso de lacuna legislativa ou contratual em relação a sociedade limitada. Pois bem, o art.1.026 do Código Civil, dispositivo que está localizado no capítulo concernente às sociedades simples, permite a penhorabilidade das cotas sociais no caso de insuficiência de outros bens do devedor - lembrando que este dispositivo só é aplicado às sociedades limitadas quando o contrato desta não dispor sobre o assunto (uma vez que a legislação própria da limitada é omissa em relação à possibilidade ou não da penhora) e também não determinar a regência supletiva pela Lei das Sociedades Anônimas ao invés das disposições do Código Civil relativos à sociedade simples;

(b) sociedades limitadas sujeitas ao regime de regência supletiva das sociedades anônimas (Lei 6.404/ 76) – neste caso, temos as limitadas de vínculo estável, pois o vínculo entre os integrantes da sociedade é mais estável, não podendo ser desfeito com tanta facilidade, abrangendo apenas dois casos em que caberá a dissolução parcial (resolução da sociedade em relação a um sócio): retirada motivada e expulsão – ou seja, não é aplicável as hipóteses de dissolução parcial elencadas na seção do Código Civil referente às sociedades simples. Para tanto é necessário que no contrato social esteja previsto a regência supletiva no caso de omissão legal ou contratual, pela Lei das Sociedades Anônimas. Neste subtipo de limitada não é possível a aplicação do art.1.026 do CC, pois este está instalado nas disposições referentes às sociedades simples. Porém, contrariando grande parte da doutrina, entendemos que a penhorabilidade das cotas seja também possível neste subtipo de limitada, não mais em razão do art.1.026, mas em virtude do art.39 da Lei 6.404/76, observados os requisitos do art.1.057, parágrafo único do Código Civil. Tal dispositivo (art.39) dispõe sobre a penhorabilidade das ações – é certo que o regime jurídico das ações é diverso do regime das quotas, porém nada obsta a aplicação do art.39, uma vez que se a limitada fosse regida subsidiariamente pelas normas da sociedade simples, haveria o art.1.026 do CC que trata do mesmo assunto que o art.39 da lei do anonimato. Na sociedade limitada de vínculo estável a penhora só terá eficácia quanto à sociedade e terceiros a partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes.

Portanto, a penhorabilidade das cotas é perfeitamente possível, isto, claro, no caso de no contrato social não constar cláusula de impenhorabilidade ou intransferibilidade das cotas a terceiros. Não havendo a inserção de tais cláusulas, resta uma alternativa aos sócios descontentes com a penhora: satisfazer o credor do sócio, seja pagando diretamente ao credor ou emprestando quantia precisa para o sócio devedor solver a dívida, na condição expressa de ficarem sub-rogados nos direitos do credor satisfeito (art.347, I ou II do CC). Prescindível destacar que na sub-rogação opera a transferência ao novo credor (no caso os demais sócios) de todos os direito, ações, privilégios e garantias do primitivo (art.349, CC). Tal solução impede a entrada de um desconhecido no corpo social, o que se viesse a acontecer quebraria a afecctio societatis, ou seja, frustraria a intenção, o animus de se associar e manter associado. No caso de o sócio devedor não ressarcir os demais sócios, estes, na qualidade de credores que são, poderão, dessarte, penhorar a cota do sócio inadimplente, não havendo assim prejuízo para o capital social (visto que não haverá liquidação da cota em favor de terceiro nos termos do parágrafo único do art.1.026 do CC, e sim transferência da quota do sócio inadimplente para os demais sócios credores) nem para os sócios remanescentes, o que viria a ocorrer na hipótese da inclusão de terceiro.

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Sobre o autor
Paulo de Almeida Ferreira

Pós-graduando em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Advogado em Santos/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Paulo Almeida. A questão da penhorabilidade das quotas sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1296, 18 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9403. Acesso em: 22 dez. 2024.

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