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A questão da liberdade provisória nos crimes hediondos e equiparados no âmbito dos Tribunais Superiores

25/02/2007 às 00:00
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Aprende-se, no processo penal, que a liberdade é a regra e a prisão é a exceção.

Assim, constituindo-se a custódia uma medida extrema e excepcional, que implica em sacrifício à liberdade individual, é imprescindível, em razão do princípio constitucional da não-culpabilidade e da motivação das decisões judiciais, a demonstração, pelo magistrado, dos elementos objetivos e concretos autorizadores da medida constritiva.

A matéria, todavia, no que tange aos crimes hediondos e equiparados, adquire contornos próprios, notadamente em relação ao benefício da liberdade provisória, mormente porque a divergência jurisprudencial e doutrinária, sobre o tema, ainda é intensa.

O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados julgados, havia, até meados do ano de 2003, firmado o entendimento de que a vedação legal era, por si só, suficiente para negar aos acusados de crime hediondo ou equiparado o benefício da liberdade provisória (v.g. RHC n.º 14.291/MG e HC n.º 29.083/CE, dentre outros).

Posteriormente, no intuito de se adaptar a hipótese ao corolário da custódia cautelar fundamentada, modificou o entendimento no sentido de que independentemente da espécie do crime ou da prisão cautelar, a sua manutenção deveria ser fundamentada pelo magistrado à luz do disposto no art. 312, do Código de Processo Penal (v.g. HC n.º 57.874/SP e HC n.º 58.962/SP).

Recentemente, nova revisão jurisprudencial foi realizada pelo Superior Tribunal de Justiça, porquanto o Supremo Tribunal Federal, após diversos embates, vem, reiteradamente, inclusive, com a sua nova composição, consagrando o entendimento de que a vedação contida no art. 2.º, inc. II, da Lei n.º 8.072/90, é constitucional e suficiente para justificar a negativa do indigitado benefício.

A vedação legal, de fato, não contraria os princípios constitucionais da proporcionalidade e da isonomia, pois sopesada a gravidade legal e popularmente reconhecida aos crimes hediondos e equiparados, diferencia estes delitos dos demais, dando-lhes, na medida de sua desigualdade, o tratamento devido.

A premissa basilar deste posicionamento, foi firmada pelo Ministro Sepúlveda Pertence, no sentido de que a proibição da liberdade provisória nos casos de prisão em flagrante pela prática de crime hediondo ou assemelhado decorre da sua inafiançabilidade, prevista constitucionalmente (art. 5º, inc. XLIII, CF/88: "A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça o anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem").

Com efeito, não tendo a Constituição Federal permitido a fiança, tampouco seria admissível a concessão de liberdade provisória sem fiança.

Tal entendimento, encontra-se consagrado, de forma assaz interessante, no julgamento do HC n.º 89.183/MS, realizado em 08 de agosto de 2006, pelo Supremo Tribunal Federal.

No mencionado julgado, a prisão em flagrante do paciente, acusado de praticar delito hediondo, foi convertida em prisão preventiva pelo juízo processante. Examinada a decisão judicial, verificou-se a ilegalidade do decreto judicial, por ausência de fundamentação legal, porém a ordem foi parcialmente concedida apenas para revogar a prisão preventiva, mantendo-se, todavia, a prisão em flagrante delito do acusado.

É, aliás, o que se extrai do seguinte excerto:

"À falta de explicitação dos fatos concretos que justificariam a medida, deve o decreto, por isso, ser revogado.

Isso não significa, todavia, que o paciente deva ser colocado em liberdade.

Subsiste, no caso, a manutenção da prisão fundada no art. 2.º, II, da L. 8.072/90: a revogação do decreto de prisão preventiva ao contrário do que pretende a impetração, restabelece o título da prisão antecedente.

Ademais, firme a jurisprudência do Tribunal em que da ‘proibição da liberdade nos processos por crimes hediondos – contida no art. 2.º, II, da L. 8.072 e decorrente, aliás, da inafiançabilidade imposta pela Constituição -, não se subtrai à hipótese de não ocorrência no caso dos motivos autorizadores da prisão preventiva’ (v.g. HHCC 83.468, 1.ª T., j. 11.9.03, Pertence, DJ 27.2.04; 82.695, 2.ª T., j. 13.5.03, Velloso, DJ 6.6.03; 79.386, 2.ª T., j. 5.10.99, Marco Aurélio, DJ 4.8.00; HC 78.086, 1.ª T., j. 11.12.98, Pertence, DJ 9.4.99).

Este o quadro, defiro a ordem em parte, apenas para, mantida a prisão em flagrante do paciente, revogar a prisão preventiva posteriormente decretada: é o meu voto."

Concluindo o raciocínio acima esposado, o Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento do HC n.º 83.468/ES, arremata:

"A proibição legal de concessão da liberdade provisória seria inócua, se a afastasse o juízo da não ocorrência, no caso concreto, dos motivos autorizadores da prisão preventiva: precisamente porque a inocorrência deles é uma das hipóteses de liberdade provisória do preso em flagrante (Código de Processo Penal, art. 310, parágrafo único, cf. Lei n.º 6.416/77), o que a Lei 8.072 a vedou, se se cuida de prisão em flagrante de crime hediondo.

De outro lado, a proibição da liberdade provisória, nessa hipótese, deriva logicamente do preceito constitucional que impõe a inafiançabilidade das referidas infrações penais: como acentuou, com respaldo da doutrina, o voto vencido, no Tribunal do Espírito Santo, do il. Desemb. Sérgio Teixeira Gama, seria ilógico que, vedada pelo art. 5.º, XLIII, da Constituição, a liberdade provisória mediante fiança nos crimes hediondos, fosse ela admissível nos casos legais de liberdade provisória sem fiança.

Conheço do habeas corpus, mas o indefiro: é o meu voto."

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Tem-se, assim, que a vedação contida no art. 2.º, inc. II, da Lei n.º 8.072/90, sobre a negativa de concessão de fiança e de liberdade provisória aos acusados pela prática de crimes hediondos ou equiparados, não contraria a ordem constitucional, pelo contrário, deriva do próprio texto constitucional (art. 5.º, inc. XLIII), que impõe a inafiançabilidade das referidas infrações penais e que, também, no art. 5.º, inc. LXVI, somente assegurou aos presos em flagrante delito a indigitada benesse quando a lei ordinária a admitir.

Nesse particular, não é possível olvidar que para o legislador, tanto o constituinte quanto o ordinário, a periculosidade do agente, no caso dos crimes hediondos e assemelhados, é presumida, merecendo, assim, maior reprimenda legal. Tanto é que o legifero ordinário (reiterando o seu pensamento consignado na Lei dos Crimes Hediondos, ao editar a nova legislação antitóxicos - Lei n.º 11.343/06) asseverou expressamente que os crimes punidos naquela lei eram, dentre outras coisas, insusceptíveis de liberdade provisória ou fiança.

Com fundamento nos argumentos acima trazidos, o Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se ao entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, como dito alhures, revendo posicionamento anteriormente assumido, entendeu que a vedação contida na Lei n.º 8.072/90 é, por si só, motivo suficiente para negar ao preso em flagrante por crime hediondo ou equiparado - no caso o tráfico ilícito de entorpecentes - o benefício da liberdade provisória (v.g. HC n.º 71.197/GO, data de julgamento: 13.02.2007).

Pode ser, agora, que a matéria, ora examinada, tenha tomado contorno definitivo no âmbito dos Tribunais Superiores, atendendo, assim, a aspiração da sociedade – que clama maior proteção dos poderes constituídos – e consolidando terminantemente a segurança jurídica sobre o tema.

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Sobre o autor
Fernando Natal Batista

assessor de ministro do Superior Tribunal de Justiça, professor de Prática Processual Penal do UniCeub

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BATISTA, Fernando Natal. A questão da liberdade provisória nos crimes hediondos e equiparados no âmbito dos Tribunais Superiores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1334, 25 fev. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9532. Acesso em: 21 nov. 2024.

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