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A COFINS das instituições financeiras

A COFINS das instituições financeiras

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Todas as receitas operacionais das atividades empresariais típicas da pessoa jurídica se sujeitam ao recolhimento da COFINS, especialmente no caso das instituições financeiras.

SUMÁRIO: I. A Consulta da CONSIF/FEBRABAN; II. As Respostas aos Quesitos Formulados; III. A Argumentação de Marco Aurélio Greco; IV. A Argumentação de Tércio Sampaio Ferraz Jr.; V. A Argumentação de Alcides Jorge Costa; VI. A Gênese da COFINS no STF - o FINSOCIAL; VII. A COFINS na Jurisprudência do STF; VIII. A COFINS das Instituições Financeiras; IX. As Respostas aos Quesitos; X. Conclusão.

RESUMO: O presente artigo nasceu de memorial analítico de nossa lavra submetido à apreciação dos senhores Ministros do STF. O aludido memorial foi desenvolvido em contraposição a três pareceres doutrinários contratados pela FEBRABAN e CONSIF que defendem a exoneração da COFINS em relação às Instituições Financeiras.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Constitucional – Direito Tributário - COFINS – Instituições Financeiras – Faturamento – Jurisprudência do STF.


I. A CONSULTA DA CONSIF/FEBRABAN

1. A CONSIF – Confederação Nacional do Sistema Financeiro e a FEBRABAN – Federação Brasileira de Bancos, por seu ilustre advogado Léo Krakowiack, formularam aos eminentes professores Marco Aurélio Greco, Tércio Sampaio Ferraz Jr. e Alcides Jorge Costa a seguinte consulta:

"A chamada ‘COFINS’ (contribuição social para financiamento da Seguridade Social) foi instituída pela Lei Complementar n. 70/91, estabelecendo seu art. 2º que a mesma ‘incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza’. Posteriormente, foi editada a Lei n. 9.718/98 que, embora também estabeleça em seu art. 2º o faturamento como base de cálculo da contribuição, dispõe no art. 3º que o ‘faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica’ declarando seu parágrafo 1º que ‘entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas’.

Considerando que a Lei n. 9.718/98 foi publicada antes da promulgação da Emenda Constitucional n. 20/98, que modificou a redação do art. 195 da Constituição Federal para outorgar competência à União Federal para instituição de contribuição social sobre receita, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional aquele § 1º do art. 3º da referida Lei n. 9.718/98, valendo transcrever o seguinte excerto da ementa do acórdão proferido no RE n. 390.485:

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – PIS – RECEITA BRUTA – NOÇÃO INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 3º DA LEI N. 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional n. 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-se à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços.

É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei n. 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvidas e da classificação contábil adotada

Com base nesta decisão, os diversos processos pendentes de julgamento perante o Supremo Tribunal Federal passaram a ser julgados monocraticamente por seus Ministros, com fundamento no art. 557, § 1º-A do CPC.

Ocorre, porém, que nos processos de sua Relatoria o ilustre Ministro Cezar Peluso tem proferido decisões do seguinte teor:

‘2. Consistente, em parte, o recurso, uma das teses do acórdão recorrido está em aberta divergência com a orientação da Corte, cujo Plenário, em data recente, consolidou, com nosso voto vencedor declarado, o entendimento de inconstitucionalidade apenas do § 1º do art. 3º da Lei n. 9.718/98, que ampliou o conceito de receita bruta, violando assim a noção de faturamento pressuposta na redação original do art. 195, I, b, da Constituição da República, e cujo significado é o estrito de receita bruta das vendas de mercadorias e da prestação de serviços de qualquer natureza, ou seja, a soma das receitas oriundas do exercício das atividades empresariais (cf. RE n. 346.084-PR, Rel. orig. Min. ILMAR GALVÃO; RE n. 357.950-RS, RE n. 358.723-RS e RE n. 390.840-MG, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, todos julgados em 9.11.2005. Ver Informativo STF n. 408, p. 1). 3. Diante do exposto, e com fundamento no art. 557, § 1º-A, do CPC, conheço do recurso e dou-lhe parcial provimento, para, concedendo, em parte, a ordem, excluir, da base de incidência do PIS e da COFINS, receita estranha ao faturamento das recorrentes, entendido esse nos termos já suso enunciados. Custas em proporção’.

O teor desta decisão gera grande insegurança jurídica e dificuldades às empresas, seja para efetuar o levantamento de depósitos judiciais, seja para habilitar o crédito correspondente aos pagamentos indevidos com vistas à sua compensação.

Com efeito, a prevalecer o entendimento adotado pelo Ministro Peluso, além da base de cálculo da contribuição ficar sujeita a um grau de incerteza absolutamente incompatível com uma obrigação tributária, até porque como é notório diversas empresas possuem objeto social extremamente amplo, exercendo ora uma ora outra atividade atividade, passariam a ser incluídas na base de cálculo da contribuição diversas receitas sobre as quais anteriormente ao advento da Lei n. 9.718/98 jamais se cogitou de sua incidência, como por exemplo as receitas financeiras auferidas pelas empresas ‘holding’.

Nessas condições, apreciaríamos contar com o PARECER de V. Exa. a propósito das seguintes questões:

A) Qual a amplitude da base de cálculo da COFINS tal como prevista pela Lei Complementar n. 70/91? Esta base de cálculo era diferente em função da atividade desenvolvida pela empresa, de tal modo que receitas financeiras ou dividendos integrariam a base de cálculo de uma empresa ‘holding’ mas não a base de cálculo de uma empresa comercial ou prestadora de serviços?

B) A base de cálculo sobre qual pode exigida a COFINS na vigência da Lei n. 9.718/98, à luz do decidido pelo Supremo Tribunal Federal, equipara-se à soma das receitas oriundas das atividades empresariais?

C) Receitas financeiras podem ser consideradas faturamento para efeito de incidência da COFINS sob a égide da Lei n. 9.718/98 (afastado por inconstitucional o § 1º do seu art. 3º)? Esta resposta se altera em função da empresa envolvida ser uma empresa comercial, uma prestadora de serviços, uma ‘holding’ ou uma instituição financeira?

D) Especificamente quanto às instituições financeiras, o fato de que no passado pagavam a contribuição ao FINSOCIAL sobre suas receitas operacionais, nos termos do art. 1º, § 1º, ‘b’ do DL 1.940/82, interfere na resposta ao quesito anterior ou apenas evidencia tratar-se de conceito distinto do de faturamento, previsto na alínea ‘a’ daquele mesmo dispositivo de lei?

E) O Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS), no item 5 (‘Definições’) do ‘Anexo sobre serviços financeiros’ trata as atividades financeiras e bancárias como ‘serviço financeiro’. Tal circunstância de algum modo tem o condão de caracterizar as receitas decorrentes das atividades previstas naquele Acordo como receitas de ‘serviço’ para efeito de incidência da COFINS?"


II. AS REPOSTAS AOS QUESITOS FORMULADOS

2. Os ilustres pareceristas externaram, individualmente, suas respostas aos quesitos formulados pelas consulentes na ordem subseqüente:

QUESITO "A".

A.1. Marco Aurélio Greco:

"A base de cálculo da contribuição prevista na LC 70/91 corresponde ao faturamento assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza.

Não. Faturamento é conceito em que a identificação da sua amplitude depende do exame de elementos objetivos e não subjetivos. Como objeto que existe em si algo não deixa de sê-lo ou passa a sê-lo em função das pessoas levadas em consideração.

Receitas financeiras e dividendos não configuram faturamento nos termos do artigo 195, I, da CF/88, seja qual for a natureza da pessoa jurídica que os auferir. Faturamento indica a cobrança de um preço a título de contraprestação num negócio bilateral."

A.2. Tercio Sampaio Ferraz Jr.:

"Em síntese, prevendo a CF que a seguridade social será financiada por toda a sociedade (art. 195, caput), é possível admitir que a empresa deva a contribuição sobre o faturamento mesmo quando, em suas vendas, não proceda à extração de faturas. Entende-se, assim, o entendimento uniforme do STF do faturamento como receita das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza (ao teor da LC 70/91), admitindo um sentido de faturamento para efeitos fiscais que alcança todas as vendas, mesmo se não acompanhadas de fatura. Mas não atinge outros numerários, aqueles que não resultam de venda, como juros, aluguéis, variações monetárias, royalties, lucros e dividendos, descontos obtidos etc. Assim, quando a jurisprudência do STF diz que a distinção entre receita bruta e faturamento não é óbice à constitucionalidade de lei que os equipare, lembrando-se dispositivos legais, até anteriores à atual Constituição (por exemplo, o DL n. 2397/87), há de se ter em conta que o que ali se opera é uma equiparação entre termos, mas tomando-se receita bruta como ‘receita bruta das vendas de mercadorias e serviços’".

A.3. Alcides Jorge Costa:

"A base de cálculo da COFINS, tal como prevista pela Lei Complementar n. 70/91 era o faturamento mensal, assim considerada a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza. Portanto, esta base de cálculo era o faturamento, produto da venda de mercadorias, destas e de serviços ou apenas de serviços de qualquer natureza, não se alterando em função da atividade desenvolvida pela empresa.

Assim, as empresas que não tinham faturamento por venda de serviços ou de mercadorias, como as holdings e outras não eram contribuintes da COFINS.

Entretanto, como atividade de empresas de outros ramos não envolvia faturamento, a Lei Complementar n. 70/91, em seu artigo 11, determinou um aumento de oito pontos percentuais na alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro devida instituições referidas no § 1º do artigo 22 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, a saber: bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedade corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização, agentes autônomos de seguros privados e de crédito e entidades de previdência privada e aberta. Portanto, a Lei Complementar 70/91 deixou claro que estas empresas não vendem mercadorias, nem serviços. Deixou claro, também, que não tendo as holdings faturamento por venda de serviços ou de mercadorias, nem constando da relação acima, não eram contribuintes da COFINS."

QUESITO "B".

B.1. Marco Aurélio Greco:

"Não. Adotar a soma das receitas oriundas das atividades empresariais como critério para determinar a amplitude do conceito constitucional de faturamento implica generalização subjetiva (basta ser pessoa jurídica) que desconsidera o tipo de atividade e a natureza da relação jurídica subjacente que enseja a respectiva cobrança. Com isto, (a) extrapola o conceito pressuposto assumido pelo artigo 195, I, da CF/88; (b) desconsidera a expressa previsão do artigo 192, § 3º que afirma que a atividade financeira não gera faturamento; e (c) implica, de forma indireta, restaurar parte do § 1º do artigo 3º da Lei n. 9.718 que foi julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal."

B.2. Tercio Sampaio Ferraz Jr.:

"A base de cálculo sobre a qual pode ser exigida a COFINS na vigência da Lei n. 9.718/98, à luz do decidido pelo Supremo Tribunal Federal, restringe-se apenas à receita oriunda efetivamente da venda de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza".

B.3. Alcides Jorge Costa:

"Em vista do decidido pelo STF, no RE n. 390.840, a base de cálculo sobre a qual pode ser exigida a COFINS não se equipara à soma das receitas oriundas das atividades empresariais, mas limita-se à receita oriunda de venda de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza".

QUESITO "C".

C.1. Marco Aurélio Greco:

"Não. Faturamento supõe a existência de um preço recebido no bojo de uma relação contraprestacional que encontra na venda de mercadorias e nas prestações de serviços sua mais nítida materialização. Receitas financeiras não atendem aos requisitos para configurar faturamento.

Não. A noção de faturamento se apóia em elementos objetivos (‘algo é’) independente da pessoa que o aufere. Receita financeira não passa a ser faturamento pelo fato de ser auferida por pessoa de distinto objeto social."

C.2. Tercio Sampaio Ferraz Jr.:

"Receitas financeiras não podem ser consideradas faturamento para efeito de incidência da COFINS sob a égide da Lei n. 9.718 (afastado por inconstitucionalidade o § 1º do seu art. 3º). Esta resposta não se altera em função da empresa envolvida ser uma empresa comercial, uma prestadora de serviços, uma ‘holding’ ou uma instituição financeira.

A chamada receita operacional tem a ver com todos os valores financeiros cuja propriedade é adquirida por efeito do funcionamento da sociedade empresária. Daí decorre que receita bruta e receita operacional não se identificam inteiramente.

Trata-se da distinção entre receita bruta em sentido estrito, equivalente à fonte constitucional faturamento, e receita em termos de receitas operacionais. Receita bruta é das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços de qualquer natureza. Diferente dela são as rendas e receitas operacionais das instituições financeiras e entidades a elas equiparadas. A equivalência a faturamento, em seu sentido constitucional, cabe apenas ao que se denomina receita bruta.

Entende-se, nesses termos, que a expressão receita operacional, se aplicada a faturamento no sentido constitucional, se refere apenas àquela obtida por efeito do funcionamento da sociedade empresária, mas tão somente mediante a receita bruta das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços, de qualquer natureza".

C.3. Alcides Jorge Costa:

"Receitas financeiras não podem ser consideradas faturamento para efeito de incidência da COFINS sob a égide da Lei n. 9.718/98, afastado que foi, por inconstitucional o § 1º do seu artigo 3º. Esta resposta não se altera pelo fato de a empresa envolvida ser uma holding, uma instituição financeira ou uma prestadora de serviços".

QUESITO "D".

D.1. Marco Aurélio Greco:

"Apenas evidencia tratar-se de conceito distinto. Exatamente porque não se reconhecia haver faturamento nesta hipótese é que foi necessário utilizar outro conceito, mais abrangente (receita bruta) para alcançar as receitas auferidas por tais instituições e resultantes de suas atividades típicas".

D.2. Tercio Sampaio Ferraz Jr.:

"A questão já foi abordada nas observações preliminares. Entendo que o art. 1º, § 1º, ‘b’ do DL 1940/82 na redação que lhe foi conferida pelo DL n. 2397/87, art. 22, evidencia-se a distinção entre receita bruta em sentido estrito, equivalente à fonte constitucional faturamento, e receita em termos de receitas operacionais. Ali está disposto que receita bruta é das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços de qualquer natureza (art. 22, par. 1º, alínea a). Diferentemente dela são as rendas e receitas operacionais das instituições financeiras e entidades a elas equiparadas (alínea b), bem como as receitas operacionais e patrimoniais das sociedades seguradoras e entidades a elas equiparadas (alínea c). A equivalência a faturamento, em seu sentido constitucional, cabe apenas ao que, no referido artigo, se denomina receita bruta. Aliás, sendo faturamento uma figura originária do direito comercial, a questão foi apreciada, no sentido exposto, pelo STF, ao julgar a constitucionalidade do art. 28 da Lei n. 7738/89, no RE 150.755 – PE (RTJ 149/259)".

D.3. Alcides Jorge Costa:

"A resposta é negativa. O FINSOCIAL era outro tributo, de modo que a base de cálculo da COFINS não guarda relação direta com a daquele tributo, cujo exame se fez neste trabalho como ilustração história.

Ademais, o parágrafo 1º do artigo 1º do Decreto-lei 1940/82, na redação do Decreto n. 2397/87, apenas evidenciou que faturamento (letra ‘a’) não se confunde com receita operacional (letra ‘b’).

QUESITO "E".

E.1. Marco Aurélio Greco:

"Não. A mesma palavra pode assumir sentidos diferentes em função do contexto em que se insere. O termo ‘serviço’ utilizado no GATS não encontra uma definição que indique sua amplitude. Por tratar-se de um Acordo internacional de que participam vários Países as palavras são utilizadas num sentido tão abrangente que permita o consenso sobre o mérito negociado.

Por exemplo, em países como os europeus, a noção de ‘serviço’ para fins tributários é obtida por exclusão, enquanto no Brasil o é por inclusão. Distintos critérios de identificação implicam em distintos âmbitos circunscritos.

O sentido do termo ‘serviço’ deve ser aferido à luz da norma constitucional ou legal que o utiliza considerando seu contexto e a continuidade de significado que emana de sua história".

E.2. Tercio Sampaio Ferraz Jr.:

"A questão levantada refere-se à hipótese de a definição constante do referido Anexo, por integrar um acordo internacional de que fez parte o Brasil, deve ser vinculante de modo prevalecente para a legislação tributária brasileira, por força do CTN, art. 98, e da própria CF, art. 5º, par. 2º. Assim, sendo as atividades financeiras definidas como serviço, elas estariam incluídas na definição de receita bruta como a receita bruta das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços e serviços de qualquer natureza.

Antes de mais nada é preciso entender que essa prevalência de tratados e convenções internacionais não cabe em face da própria Constituição. Assim, quando a definição de um conceito tem a ver com a discriminação de competências constitucionais e é para elas relevante, é o conceito constitucional que prevalece sobre qualquer outro, definido em nível infraconstitucional, caso do GATS.

E, para tributação dos serviços, a Constituição Federal reservou competência exclusiva para os Municípios (art. 156 – IV: serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar), salvo os indicados na competência dos Estados (art. 155, II: prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação). Ou seja, justamente para efeitos da legislação tributária, serviço é um conceito constitucional.

Ademais, a questão está posta em cima de um equívoco. Não se trata de saber se o conceito de serviço financeiro integra a expressão serviços de qualquer natureza, conforme a definição legal de receita bruta, mas se faz parte da definição constitucional de faturamento.

Portanto, independentemente da questão referente à definição das atividades financeiras como serviço, pelo GATS e do conceito constitucional de serviço na competência tributária de Municípios e Estados, o problema relativo à COFINS está antes na definição de faturamento e não de receita bruta. Nesses termos, conforme o Ministro

Pertence, ‘a partir da explícita vinculação genética da contribuição social de que cuida o art. 28 da Lei 7738/89 ao FINSOCIAL, é na legislação desta, e não alhures, que se há de buscar a definição específica da respectiva base de cálculo, na qual receita bruta e faturamento se identificam’. E nessa legislação (DL n. 2397/87, art. 22, par. 1º), como já exposto, está disposto que receita bruta é das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços de qualquer natureza (alínea a), dela distinguindo-se e dela excluindo-se as rendas e receitas operacionais das instituições financeiras e entidades a ela equiparadas (alínea b), bem como as receitas operacionais e patrimoniais das sociedades seguradoras e entidades a elas equiparadas (alínea c). Tais rendas e receitas constituem receita enquanto quantidade de valor financeiro, originários de outro patrimônio, cuja propriedade é adquirida pela sociedade empresária ao exercer as atividades que constituem as fontes do resultado.

Vale dizer, ainda que se entendesse que o conceito constitucional de serviço pudesse agasalhar, para efeito de discriminação de competências tributárias, os serviços efetivamente prestados por instituições financeiras (como o serviço de cobrança de duplicatas, o serviço de emissão de talão de cheques e outros), as demais receitas operacionais das instituições financeiras (receitas financeiras e outras) estão excluídas do conceito de receita bruta em sentido estrito para efeito de sua subsunção ao conceito constitucional de faturamento. Não há, pois, como subsumir as demais atividades financeiras à expressão: serviços de qualquer natureza".

Se o GATS denomina as atividades bancárias de serviço, isto poderia até significar a inclusão daquelas atividades no conceito de receita bruta em sentido extenso, (‘a receita’) mas não significaria sua absorção no conceito constitucional de faturamento (‘o faturamento’).

Mesmo essa hipótese tem de ser interpretada à luz do próprio GATS. As definições nele constantes são estabelecidas "for the purposes of this Annex" (Agreement on subsidies and countervailing measures, Annex on Financil Services, 5. Definitions). Os referidos purposes referem-se às atividades conduzidas por um banco central ou autoridade monetária ou de tarifas e também às atividades que formam parte do sistema legal de seguros sociais ou de planos de aposentadoria pública. Quanto a estas, o sentido é de atividades conduzidas pela entidade pública para as contas ou relacionadas com a garantia ou uso de recursos financeiros do Governo (Annex, 1., b, itens (i), (ii) e (iii). Ou seja, a definição de atividades financeiras como serviço tem a ver com o acesso ao mercado, a eliminação de direitos de monopólio e "financial services purchased by public entities" (Understanding on Commitments in Financial Services, B, 1, 2). Ou seja, em questão está a cláusula da nação mais favorecida no que diz respeito à venda ou aquisição de recursos financeiros mediante operações com bancos e entidades equiparadas, realizadas com estes por uma entidade pública em seu território (valho-me do The Results of the Uruguay Round of Multilateral Trade Negociations, World Trade Organization, Geneva, 1995, p. 356, 478).

Ora, o fato de se tratar a atividade financeira e bancária como ‘serviço financeiro’ não altera o núcleo conotativo da definição de receita bruta para efeito de equiparação a faturamento em sentido tributário: vendas. O GATS define a atividade em termos de aquisição e uso de recursos bancários, não de tributação de receitas de entidades financeiras. Não há como transferir a definição efetuada para aquele propósito para outro âmbito. Isso significaria, a tomar a transferência em toda a sua extensão, que a própria disciplina civil e comercial das operações bancárias teria de ser inteiramente revista, o que é um manifesto absurdo.

Ou seja, ainda que se denomine de ‘serviço financeiro’ a atividade financeira e bancária, o que importa é que o custo de operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas pelas instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia não constituem receita da venda de serviços em termos de receita bruta em sentido estrito, como base de cálculo equiparada a faturamento. E em nada altera essa conclusão o disposto no art. 98 do CTN, segundo o qual os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, devendo ser observados pela que lhes sobrevenha. Afinal, a utilização da definição do GATS referente à aquisição de recursos financeiros junto a bancos para qualificar sua receita para efeitos tributários é uma extensão indevida, por força da confusão que se estabelece entre as finalidades do Acordo e os objetivos constitucionais de definição de base de cálculo para tributos previstos pela CF."

E.3. Alcides Jorge Costa:

"A resposta é negativa. As definições do Anexo do GATS sobre o que considera serviços financeiros, limitam-se ao âmbito do próprio acordo, como nele mesmo está expressamente dito".

3. Essas as respostas que cada um dos eminentes pareceristas deu às perguntas das consulentes.


III. A ARGUMENTAÇÃO DE MARCO AURÉLIO GRECO

4. O seu argumento central é o de que "instituição financeira não possui faturamento". Instituição financeira entendida como "a pessoa jurídica cuja atividade principal é a concessão de crédito (em suas múltiplas modalidades) e em função do que aufere juros e demais receitas correlatas".

5. Afirma que "a inexistência de faturamento, no sentido adotado pelo art. 195, I, CF/88, aplica-se em relação às receitas típicas de tais entidades e não a todas e quaisquer receitas que possam aferir".

6. Nada obstante, explica: "ao prestar serviços pelos quais cobra preço, a instituição sujeita-se à incidência das contribuições ao PIS e da COFINS como qualquer outro prestador. Portanto, nesta dimensão, a instituição financeira tem faturamento."

7. Nessa linha: "o cerne é saber se o conceito de faturamento alcança sua receita típica, vale dizer, os juros, comissões e outras receitas direta ou indiretamente vinculadas à concessão do crédito" - negritamos.

8. À luz da redação originária do art. 195 do Texto Constitucional, "só poderão ser alcançadas pelas contribuições as hipóteses que reúnam, ao mesmo tempo, as qualidades de ser um ‘empregador’ que tenha ‘faturamento’, pague ‘salário’ e obtenha ‘lucro’". Portanto, "o Constituinte deliberou deixar de fora do âmbito de incidência todas as hipóteses ali não previstas – embora existentes no plano concreto. Atingir esta, só por nova fonte de custeio".

9. Aduz que "independente da amplitude que se pretenda dar ao termo utilizado no artigo 195, I da CF/88, a própria Constituição faz questão de dizer explicitamente que a receita típica obtida com o desempenho desta atividade empresarial não configura ‘faturamento’, por ter outra natureza".

10. Menciona a existência de um capítulo constitucional específico sobre o Sistema Financeiro que descia a minúcias várias e reconhecia existirem "taxas de juros" cobradas pelos Bancos, que eram tão relevantes que foram limitadas percentualmente (os famosos 12% do art. 192, § 3º, em sua redação originária). Daí, segundo Marco Aurélio Greco, estava "muito nítido que o Constituinte reconhece expressamente que a atividade típica das instituições financeiras implica auferir JUROS e não faturamento."

11. Por isso, afirma: "a CF utilizou, ao definir a competência legislativa do art. 195, I, um termo (faturamento) que não alcançasse a figura dos juros, apesar de ser a mais típica receita oriunda do exercício dessa atividade empresarial (concessão de crédito). Portanto, continua o parecerista, "o que define faturamento no âmbito constitucional não é tratar-se de um ingresso oriundo de atividade empresarial típica e, ainda que o fosse, neste conceito certamente não se incluiria a receita típica das instituições financeiras, por força da expressa distinção instaurada pela Constituição Federal nos dois dispositivos mencionados".

12. Em reforço de sua argumentação, recorda que a Emenda de Revisão n. 1 determinou fosse o PIS calculado "sobre a receita bruta operacional, como definida na legislação do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza". Para Marco Aurélio Greco, o Constituinte reconheceu expressamente que o conceito de faturamento não alcança as receitas típicas das instituições abrangidas pelo inciso V do artigo 75 do ADCT.

13. Também busca apoio no inciso III do § 2º do art. 149 (introduzido pela EC 33/2001) que contempla três bases de cálculo para as contribuições: o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação. Isso porque, segundo sua visão, "a previsão se justifica, porque há pessoas jurídicas que, no desempenho de suas atividades empresariais, auferem receita sem que esta configure faturamento, a justificar uma legislação específica", como por exemplo o art. 12 da Lei n. 9.715/98.

14. E tem como terceira perna de seu tripé argumentativo, o próprio art. 195 quando, ao enumerar as demais contribuições que irão custear a seguridade social, refere no inciso III a contribuição "sobre a receita de concursos de prognósticos". Assim, continua, "a exploração dos concursos de prognósticos pode se dar empresarialmente, de modo que o sentido de faturamento fosse amplo, a ponto de alcançar qualquer receita oriunda de atividade empresarial, não haveria sentido para o inciso III, pois já estaria abrangido pelo inciso I (debaixo da cláusula ‘faturamento’)".

15. Ou seja, ao concluir, "a análise sistemática da CF/88, na sua formulação original e nas Emendas que sofreu, indica – consistentemente – que o conceito de faturamento acolhido no artigo 195, I não alcança – pelo menos – a receita das instituições financeiras oriunda de sua atividade típica (concessão de crédito)".

16. No tocante ao conceito de faturamento, assinala que "é um conceito determinado objetivamente (qualidades da realidade) e não subjetivamente (qualidades da pessoa)". Assim, continua, "se determinada verba não configura faturamento quando vista da perspectiva objetiva, não será o fato de este mesmo tipo de verba ser auferido por outra pessoa jurídica que a tornará integrante do conceito faturamento. A natureza de uma verba – para fins de configurar, ou não, faturamento – não se transmuda ao sabor das pessoas que a recebem".

17. Daí conclui que se "o recebimento de juros e outras receitas financeiras por pessoa jurídica que desenvolve atividade industrial ou comercial não integra o conceito constitucional de faturamento. Ora, por este tipo de receita estar fora do âmbito do conceito, assim permanece em toda e qualquer situação, seja qual for a atividade empresarial desenvolvida pela pessoa jurídica. A falta de um elemento objetivo não é suprida pela alteração do elemento subjetivo".

18. Indaga: qual sentido de faturamento foi adotado para fins de incidência? A sua resposta é no sentido de que "a análise da legislação aponta previsão que confirma que as instituições financeiras não possuem faturamento ao auferirem as receitas típicas de sua atividade empresarial". Marco Aurélio Greco defende a "inaplicabilidade do conceito de faturamento às receitas oriundas da sua atividade empresarial típica, posto que a Constituição as afasta de sua abrangência."

19. Invoca o disposto no art. 11 e seu parágrafo único da Lei Complementar n. 70/91, "que exclui as instituições financeiras do pagamento da contribuição social sobre o faturamento", bem como as isenções concedidas nos arts. 6º e 7º da referida Lei. Segundo ele, o legislador reconheceu que a receita oriunda dessa específica atividade encontra-se fora do âmbito de incidência da contribuição por não ser alcançada pelo artigo 195, I, da CF/88.

20. Diz que "A própria LC 70/91 reconheceu que as receitas típicas da atividade financeira não poderiam ser alcançadas pela contribuição, exatamente por não pertencerem ao conjunto de hipóteses abrangidas pelo conceito de faturamento consagrado no artigo 195, I, da CF/88, qualquer que fosse sua amplitude".

21. Ao seu sentir, O "preço" está no núcleo do conceito pressuposto de "faturamento". Assevera que a Constituição não define expressamente faturamento, mas dele exclui os juros e as receitas correlatas à concessão de crédito. O sentido corrente é: "faturar para cobrar um preço".

22. Informa que o legislador abandonou o conceito de faturamento (circunscrito a "preço") e optou por um mais abrangente (receita bruta) "que não é sinônimo de faturamento, por alcançar até mesmo situações em que não há preço, mas que geram ingresso financeiro positivo ao patrimônio da pessoa jurídica". Afirma que "o conceito que pode alcançar o produto da atividade econômica típica das instituições financeiras é o conceito de ‘receita’ (mais amplo) e não o de ‘faturamento’ (mais estreito)".

23. Assinala que "a pretensão de tributar genericamente tudo que compõe a receita extrapola o conceito constitucional de faturamento, pois nem toda receita auferida pela pessoa jurídica advém de contratos bilaterais de cunho contraprestacional nem envolve cobrança mediante um instrumento específico que materializa a exigência de um ‘preço’. Não é o fato de determinada receita resultar da exploração do objeto social da pessoa jurídica que, ipso facto, determina estarmos diante de faturamento".

24. Ao seu juízo, o entendimento de que o conceito de faturamento pressuposto pela CF/88 seria o de receita bruta por força do artigo 187, I da Lei das S/A o que implicaria abranger a ‘soma das receitas oriundas das atividades empresariais’, restauraria a eficácia do § 1º do artigo 3º da Lei n. 9.718/98, julgado inconstitucional pelo STF.

25. Isso porque, entende, "a receita típica da pessoa jurídica que se dedica à concessão de crédito em suas diversas modalidades (embora abrangida pelo artigo 187, I da Lei das S/A) é expressamente excluída pela Constituição do conceito de faturamento e, portanto, não é através de uma forma indireta (via conceito societário) que se pode aportar a um sentido mais abrangente que o resultante do artigo 195, I da CF/88".

26. Por fim, visita o GATS para dizer que o termo "serviço" constante nessa norma internacional não poderia ser transplantável para o ordenamento jurídico brasileiro, pois esse termo tem significações distintas em vários países, mormente os europeus e, por conseguinte, não pode servir de autorização para se tributar os "serviços financeiros" prestados pelas instituições financeiras em face de suas atividades financeiras.

27. Após extensa análise, Marco Aurélio Greco respondeu aos quesitos que lhes formularam as consulentes, conforme já demonstrado.


IV. A ARGUMENTAÇÃO DE TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR.

28. Segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr., a questão nuclear da inconstitucionalidade do §1º do art. 3º da Lei n. 9.718/98 está localizada no sentido atribuído pelo legislador ao conceito de receita bruta, ao qual a expressão constitucional faturamento fora equiparada.

29. A partir das categorias da semiótica, faz uma análise semântica, sintática e pragmática dos conceitos de receita, faturamento e serviço e surpreende a liberdade de conformação do legislador infraconstitucional que estaria algemado aos conceitos estipulados pelo legislador constitucional, sem descurar das mudanças sócio-econômicas subjacentes.

30. Perspectiva que "a definição de faturamento e de receita, portanto, não é um instrumento tópico, que possa variar de política para política e de momento para momento, mas tem uma dimensão pragmática ostensiva que limita a estipulação discricionária: ela recupera a validade das práticas sociais e das decisões jurisprudenciais, evitando que elas se tornem imprestáveis num procedimento de interpretação constitucional". Em reforço dessa perspectiva, se fia nos entendimentos dos Ministros Marco Aurélio, Octávio Gallotti e Luiz Gallotti.

31. Nessa linha, aduz que para o STF a equiparação de receita bruta a faturamento se alicerça no atributo venda. Daí que a receita bruta das vendas de mercadorias e serviços é o faturamento, em uma interpretação extensiva.

32. Deduz que a declaração de inconstitucionalidade do §1º do art. 3º da Lei n. 9.718/98 se deveu à tentativa do legislador ordinário em equiparar o faturamento (receita bruta) à receita, esta que tem como atributo essencial auferir quaisquer valores. O faturamento (ou a receita bruta) é o ingresso de valores mediante a venda de mercadoria e serviços. A receita é o ingresso de quaisquer valores.

33. O parecerista lança mão da teoria do "legislador racional" e exprime alguns de seus postulados: a) o legislador não cria normas impossíveis de serem executadas, daí por que não se pode desejar que alguém realize ou deixe de realizar o mesmo ato; b) o legislador não cria normas sem algum propósito, do qual decorre a razoabilidade de seus comandos; c) as condutas exigidas ou permitidas nas normas são aptas a levar os sujeitos normativos à consecução dos propósitos da regulação (coerência entre meios e fins); d) a vontade do legislador é unitária, de forma que as regras estão sistematicamente relacionadas; e) a vontade do legislador é completa, no sentido de que soluciona todos os casos por ele reputados como relevantes; f) o legislador é rigorosamente preciso e não cria normas inócuas ou redundantes.

34. Nesse sentido, continua, "o novo dispositivo trazido pela EC 20/98 reforça a tese de que, na Constituição Federal, mormente para efeitos fiscais, faturamento e receita são conceitos distintos, ainda que ou um ou outro possam configurar base de cálculo de contribuição social". Nessa perspectiva, a EC 20/98 alargou a base de cálculo da COFINS ao introduzir a expressão "receita". Por essa razão, há uma diferença significativa entre a classe genérica receita e a receita em sentido estrito. Isso porque, antes da EC 20/98, faturamento se equivaleria à receita bruta das vendas de mercadorias e serviços (receita em sentido estrito).

35. Acolhe a expressão receita como "as quantidades de valor financeiro, originários de outro patrimônio, cuja propriedade é adquirida pela sociedade empresária ao exercer as atividades que constituem as fontes de resultado, conforme o tipo de atividade por ela exercida".

36. Ao seu juízo a decisão do STF "ao declarar a inconstitucionalidade do par. 1º do art. 3º da Lei n. 9.718/98, não tenha sido redefinir o conceito constitucional de faturamento, mas sim o de rechaçar a definição legal de receita bruta estabelecida pelo par. 1º do art. 3º da Lei n. 9.718/98, por ser esta inadequada àquela expressão constitucional".

37. Entende a receita operacional como "a receita bruta de tais vendas ou negócios, mas não incorpora outras modalidades de ingresso financeiro: royaltes, aluguéis, rendimento de aplicações financeiras, indenizações etc.".

38. Socorre-se do magistério de Bulhões Pedreira para quem receita "é o valor financeiro cuja propriedade é adquirida por efeito do funcionamento da sociedade empresária. As quantidades de valor financeiro que entram no patrimônio da sociedade em razão do seu financiamento e capitalização não são receitas; na transferência de capital de terceiros a sociedade adquire apenas o poder de usar o capital; na de capital próprio adquire a propriedade de capital destinado a aumentar seu capital estabelecido".

39. Com esteio nesse magistério, informa que receita e resultado não se confundem: o segundo é mais extenso (conceito denotativo) que o primeiro. Ou seja, conclui, por força dessa distinção será possível dizer que receita tem a ver com valores cuja propriedade, sendo adquirida por força do funcionamento da empresa (atividade típica, receita operacional), excluiria a receita não operacional.

40. Afirma que "o conceito de receita, como nova fonte instituída pela EC 20/98, é que significaria quantidade de valor financeiro, originário de outro patrimônio, cuja propriedade é adquirida pela sociedade empresária ao exercer as atividades que constituem as fontes do resultado: todas as receitas operacionais. Afinal, da receita operacional se excluem os valores que constituem a receita não operacional, os que entram no patrimônio da sociedade por força de financiamento e capitalização, o capital de terceiros do qual a empresa tem apenas o uso".

41. Assim, entende correta a interpretação do Ministro Carlos Britto que restringe a expressão receita operacional àquela obtida mediante a receita bruta das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços, de qualquer natureza.

42. Nessa trilha, diz que "há de se concluir, em suma, que receitas oriundas da atividade típica da pessoa jurídica – receitas operacionais – não podem ser consideradas faturamento para efeito de incidência da COFINS sob a égide da Lei n. 9.718/98 (afastado por inconstitucional o § 1º do seu art. 3º)". Isto independentemente de ser uma empresa comercial, uma prestadora de serviços, uma "holding" ou uma instituição financeira".

43. Após examinar os conceitos de receita e faturamento, o parecerista visita o conceito de serviço.

44. Afirma que a Constituição (art. 156, IV) reservou competência exclusiva aos Municípios a tributação dos serviços, ressalvada a competência estadual (art. 155, II) relacionada as prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações.

45. Com esteio em precedentes do STF (RREE ns. 100.779 e 116.121), entende que as instituições financeiras prestam serviços, como o de cobrança de duplicatas, de emissão de talões de cheque e outros do mesmo gênero, mas isso não faz das atividades financeiras um serviço.

46. Por fim, diz que "ainda que se entenda que o conceito constitucional de serviço possa admitir tal os serviços efetivamente prestados pelas instituições financeiras, as demais receitas operacionais das instituições financeiras (receitas financeiras e outras) estão excluídas do conceito de receita bruta em sentido estrito para efeito de sua subsunção ao conceito constitucional de faturamento. Não há, pois, como subsumi-la à expressão: serviços de qualquer natureza".

47. Após extensa análise, Tercio Sampaio Ferraz Jr. concede as respostas aos quesitos que lhes formularam as consulentes e já expostas neste texto.


V. A ARGUMENTAÇÃO DE ALCIDES JORGE COSTA.

48. Alcides Jorge Costa inaugura o seu parecer com uma análise da base de cálculo do FINSOCIAL para uma adequada compreensão da base de cálculo da COFINS e recordando os enunciados legais e os precedentes do STF sobre tributo não mais vigente. Segundo esse parecerista, o texto legal não considerava prestadoras de serviços as instituições financeiras e as sociedades seguradoras, tanto que delas cuidava no § 1º do art. 1º do Decreto-Lei n. 1940/82.

49. Visita o PIS e conclui que para a LC n. 7/70 as instituições financeiras e as sociedades seguradoras não tinham faturamento. A elas se equiparavam as empresas que não vendiam mercadorias. Três eram as espécies de contribuintes do PIS: os que realizavam venda de mercadorias, os que não realizavam venda de mercadorias e as instituições financeiras e seguradoras.

50. Assevera que a pessoa jurídica que não tivesse faturamento não era contribuinte da COFINS, nos termos da LC n. 70/91. Daí que as instituições financeiras, nas suas atividades típicas (excetuados os serviços prestados, que são, v.g. os sujeitos ao ISS), e companhias de seguro não têm faturamento; logo não eram contribuintes da COFINS.

51. Segundo o articulista, não se houve falar em faturamento das instituições financeiras, mesmo na linguagem comum, diversamente do que sucede com as demais empresas. O mesmo sucede em relação às "holdings" que também não têm faturamento.

52. Entende que a EC 20/98 seria inútil se faturamento e receita tivessem o mesmo significado, pois a partir dessa Emenda alterou-se a base de cálculo do tributo.

53. Após visitar o voto do Ministro Peluso no RE 390.840, insiste que não há que se falar em receita bruta de venda de mercadorias e serviços, como faturamento, em se tratando das instituições financeiras e recorda a distinção na legislação do FINSOCIAL.

54. Aduz que "inexiste receita proveniente de faturamento, a não ser aquela relativa à prestação de serviços que enseja o que é chamado de tarifas: emissão de talão de cheques, transferências eletrônicas etc. Mas estes serviços de forma alguma dizem respeito à atividade essencial das instituições financeiras, que não é nem de venda de mercadorias, nem de prestação de serviços".

55. Ao analisar o GATS, informa que as definições contidas nesse acordo acerca dos serviços financeiros são apenas para os fins que contempla, inviável, portanto, transportá-las para o campo do direito tributário. Ademais, continua, nos termos do sistema tributário constitucional, compete aos Municípios a tributação dos serviços de qualquer natureza definidos em lei complementar, notando-se que a lei complementar pertinente não arrola as atividades financeiras propriamente ditas entre os serviços.

56. Esses são os principais argumentos de Alcides Jorge Costa, cujas respostas aos quesitos formulados pelas consulentes também foram colacionadas neste texto.


VI. A GÊNESE DA COFINS NO STF – O FINSOCIAL

57. É curial buscar no antigo FINSOCIAL a gênese da COFINS. Visitam-se as principais decisões do STF que analisaram essa mencionada contribuição que já não vigora mais em nosso sistema jurídico-tributário. É imperioso afiançar que não pretendemos rediscutir a COFINS, mas recordar as premissas que informaram as decisões da nossa Suprema Corte, desde o FINSOCIAL.

58. O FINSOCIAL foi instituído pelo Decreto-Lei n. 1940, de 25.05.1982, como uma contribuição social "destinada a custear investimentos de caráter assistencial em alimentação, habitação popular, saúde, educação, justiça e amparo ao pequeno agricultor" (art.1º), com suporte no art. 21, § 2º, I, CF de 1967, na redação da Emenda Constitucional n. 8/77.

59. Na redação originária, o FINSOCIAL incidia sobre "a receita bruta das empresas públicas e privadas que realizam venda de mercadorias, bem como das instituições financeiras e das sociedades seguradoras" – negritamos e sublinhamos.

60. Posteriormente houve alteração da base de cálculo do FINSOCIAL, que passou a ser era incidente sobre (nova redação do art. 1º, § 1º, DL 1.940/82):

"a) a receita bruta das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços, de qualquer natureza, das empresas públicas ou privadas definidas como pessoa jurídica ou a elas equiparadas pela legislação do Imposto de Renda;

b) as rendas e receitas operacionais das instituições financeiras e entidades a elas equiparadas, permitidas as seguintes exclusões: encargos com obrigações por refinanciamentos e repasse de recursos de órgãos oficiais e do exterior; despesas de captação de títulos de renda fixa no mercado aberto, em valor limitado aos das rendas obtidas nessas operações; juros e correção monetária passiva decorrentes de empréstimos efetuados ao Sistema Financeiro de Habitação; variação monetária passiva dos recursos captados do público; despesas com recursos, em moeda estrangeira, de debêntures e de arrendamento; e despesas com cessão de créditos com coobrigação, em valor limitado ao das rendas obtidas nessas operações, somente no caso das instituições cedentes;

c) as receitas operacionais e patrimoniais das sociedades seguradoras e entidades a elas equiparadas."

61. Com o advento da nova ordem constitucional em 05.10.1998, o FINSOCIAL foi mantido por força do art. 56 do ADCT e posteriormente revogado pela Lei Complementar n. 70/91, instituidora da COFINS, em obediência ao art. 195, I, CF.

62. O STF enfrentou o tema da base de cálculo do FINSOCIAL e conceituou, para fins tributários, o significado de receita, receita bruta e faturamento em dois importantes julgados que sempre merecem recordação: o RE n. 150.755 (julgado em 18.11.1992) e o RE n. 150.764 (julgado em 16.12.1992).

63. Eis a ementa do RE n. 150.755 (redator p/ o acórdão Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 20.08.1993):

I. Controle de constitucionalidade das leis em recurso extraordinário e o problema do Finsocial exigível das empresas de serviço.

1. O recurso extraordinário e mecanismo de controle incidente da constitucionalidade de normas, cujo âmbito material, portanto, não pode ultrapassar o da questão prejudicial de inconstitucionalidade de solução necessária para assentar premissa da decisão do caso concreto.

2. Conseqüente limitação temática do RE, na espécie, a questão da constitucionalidade do art. 28 da L. 7.738/89, única, das diversas normas jurídicas atinentes ao Finsocial, referidas no precedente em que fundado no acórdão recorrido, que é prejudicial da solução deste mandado de segurança, mediante o qual a impetrante - empresa dedicada exclusivamente a prestação de serviços -, pretende ser subtraída à sua incidência.

II. Finsocial: contribuição devida pelas empresas dedicadas exclusivamente a prestação de serviço: evolução normativa.

3. Sob a Carta de 1969, quando instituída (DL. 1940/82, art. 1º, par. 2º), a contribuição para o Finsocial devida pelas empresas de prestação de serviço - ao contrário das outras modalidades do tributo afetado a mesma destinação -, não constituía imposto novo, da competência residual da união, mas, sim, adicional do imposto sobre a renda, da sua competência tributária discriminada (STF, RE 103.778, 18.9.85, Guerra, RTJ 116/1138).

4. Como imposto sobre renda, que sempre fora, e que dita modalidade de Finsocial - que não incidia sobre o faturamento e, portanto, não foi objeto do art. 56 ADCT/88 - foi recebida pela Constituição e vigeu como tal até que a L. 7.689/88 a substituísse pela contribuição social sobre o lucro, desde então incidente também sobre todas as demais pessoas jurídicas domiciliadas no País.

5. O art. 28 da L. 7.738 visou a abolir a situação anti-isonômica de privilégio, em que a L. 7.689/88 situara ditas empresas de serviço, quando, de um lado, universalizou a incidência da contribuição sobre o lucro, que antes só a elas onerava, mas, de outro, não as incluiu no raio de incidência da contribuição sobre o faturamento, exigível de todas as demais categorias empresariais.

III. Contribuição para o Finsocial exigível das empresas prestadoras de serviço, segundo o art. 28 L. 7.738/89: constitucionalidade, porque compreensível no art. 195, I, CF, mediante interpretação conforme a Constituição.

6. O tributo instituído pelo art. 28 da L. 7.738/89 - como resulta de sua explícita subordinação ao regime de anterioridade mitigada do art. 195, par. 6., CF, que delas é exclusivo - é modalidade das contribuições para o financiamento da seguridade social e não, imposto novo da competência residual da união.

7. Conforme já assentou o STF (RREE 146.733 e 138.284), as contribuições para a seguridade social podem ser instituídas por lei ordinária, quando compreendidas nas hipóteses do art. 195, I, CF, só se exigindo lei complementar, quando se cuida de criar novas fontes de financiamento do sistema (CF, art. 195, par. 4º).

8. A contribuição social questionada se insere entre as previstas no art. 195, I, CF e sua instituição, portanto, dispensa lei complementar: no art. 28 da L. 7.738/89, a alusão a "receita bruta", como base de cálculo do tributo, para conformar-se ao art. 195, I, da Constituição, há de ser entendida segundo a definição do DL. 2.397/87, que é equiparável a noção corrente de "faturamento" das empresas de serviço. – grifamos e negritamos.

64. Discutia-se nesse julgado o direito das empresas prestadoras de serviços de recolher o FINSOCIAL nos termos fixados pelo art. 1º, § 2º do DL 1.940/82, em face da suposta inconstitucionalidade do 28 da Lei n. 7.738/89, que alterara a base de cálculo e alíquota desse tributo. Eis o teor do aludido art. 28: "Observado o disposto no art. 195, § 6º, da Constituição, as empresas públicas ou privadas, que realizem exclusivamente venda de serviços, calcularão a contribuição para o FINSOCIAL à alíquota de meio por cento sobre a receita bruta".

65. No voto vencedor do acórdão, da lavra do Ministro Sepúlveda Pertence, há passagem extraída de Memorial confeccionado por Gilberto de Ulhoa Canto e João Dodsworth Cordeiro Guerra, de caráter extremamente didático:

"14. (...)

O FINSOCIAL incidia à alíquota de 0,5% sobre a receita bruta das empresas públicas e privadas que realizavam vendas de mercadorias, bem como das instituições financeiras e sociedades seguradoras (art. 1º, § 1º). As empresas que se dedicavam exclusivamente à prestação de serviços sujeitavam-se ao FINSOCIAL à alíquota de 5% sobre o imposto de renda por elas devido, ou como se devido fosse (art. 1º, § 2º).

Portanto, já na sua origem, o FINSOCIAL tinha duas incidências genéricas e bases de cálculo distintas (receita bruta e imposto de renda) e quatro categorias diversas de contribuintes (vendedores de mercadorias ou de mercadorias e serviços, instituições financeiras, sociedades seguradoras e empresas exclusivamente prestadoras de serviços).

O DL n. 2.397/86 manteve e explicitou os quatro tipos de bases de cálculo (e as correspondentes quatro categorias de contribuintes) do FINSOCIAL já constantes da legislação anterior: a) receita bruta das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços; b) rendas e receitas operacionais das instituições financeiras e entidades a elas equiparadas; c) receitas operacionais e patrimoniais das sociedades seguradoras e entidades a elas equiparadas; d) imposto de renda devido (ou como se devido fosse) pelas empresas exclusivamente prestadoras de serviços.

(...)".

66. Em seu voto, o Ministro Pertence recordou o art. 56 do ADCT/CF/88 (Até que a lei disponha sobre o art. 195, I, a arrecadação decorrente de, no mínimo, cinco dos seis décimos percentuais correspondentes à alíquota da contribuição de que trata o Decreto-Lei nº 1.940, de 25 de maio de 1982, alterada pelo Decreto-Lei nº 2.049, de 1º de agosto de 1983, pelo Decreto nº 91.236, de 8 de maio de 1985, e pela Lei nº 7.611, de 8 de julho de 1987, passa a integrar a receita da seguridade social, ressalvados, exclusivamente no exercício de 1988, os compromissos assumidos com programas e projetos em andamento),e o interpreta nesse sentido:

"18. A referência à alíquota de seis décimos percentuais – então vigente, por força do DL. 2.413/88, para as contribuições para o Finsocial sobre a receita bruta, objeto do art. 1º, § 1º, do DL. 1.940/82 – fez induvidoso que o campo normativo da regra transitória não se estendia àquele outro tipo de contribuição – adicional do imposto de renda devido exclusivamente pelas empresas prestadoras de serviço, objeto do § 2º do art. 1º, do mesmo diploma: nisso, estão todos os acordos, a começar do voto do Ministro Relator.

(...)

20. Da contribuição das empresas de serviço sob a forma de adicional de imposto de renda – perdoe-se a insistência -, simplesmente não cuidou o art. 56 ADCT: silenciou a respeito. Silêncio do qual, por si só, nem é dado concluir que haja caducado com o advento da Constituição, nem que por ela haja sido recebida".

67. O Ministro Pertence visitou o art. 9º da Lei n. 7.689/88 (Ficam mantidas as contribuições na legislação em vigor, incidentes sobre a folha de salários e a de que trata o Decreto-lei n. 1.940, de 25 de maio de 1982, e alterações posteriores, incidente sobre o faturamento das empresas, com fundamento no art. 195, I, da Constituição Federal), Lei que instituiu a CSLL – contribuição social sobre o lucro, e aduziu:

"28. Onde a L. 7.689/88 interessa diretamente à vigência do Finsocial das empresas exclusivamente prestadoras de serviço, não é no referido art. 9º, mas sim, no ponto em que criou, nos arts. 1º a 8º, a contribuição para a seguridade social incidente sobre o lucro de todas ‘as pessoas jurídicas domiciliadas no País e as que lhe são equiparadas pela legislação tributária": aqui, sim, a opinião dominante é no sentido de que, ao não excetuar as empresas de serviço da contribuição sobre o lucro -, a L. 7.689/88 implicitamente revogou o art. 1º, § 2º, do Dl. 1.940/82, que lhes impunha – já com destinação predominante ao financiamento da seguridade social – um adicional do imposto de renda que, por isso, já substanciava contribuição sobre o lucro.

(...)

30. Daí resultou, contudo, uma situação de privilégio para as empresas de serviço, igualadas às demais na contribuição social sobre o lucro (L. 7.689/88, art. 1º a 8º), mas excluída da carga sobre o faturamento, imposta a todas as outras.

31. Donde a superveniência do art. 28 da L. 7.738/89, este, na verdade, o único de relevo decisivo para o caso concreto. (...)"

68. O Ministro Pertence surpreende o tema da isonomia tributária e assinala, em relação ao referido art. 28 da Lei n. 7.738/89:

"32. O preceito, logo se percebe, visou a abolir o privilégio gerado pela Lei n. 7.689/88, em favor das empresas de serviço, situação anti-isonômica de mais que duvidosa constitucionalidade, à vista não só do princípio geral da igualdade perante a lei, mas também do corolário específico dele, tornado explícito no art. 150, II, da Constituição (‘... é vedado (...) instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situações equivalentes, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por elas exercida...’)." – grifamos.

69. Esclarece a técnica da interpretação conforme a Constituição:

"37. Na prática do controle de constitucionalidade de normas, as leis mal redigidas são um dos campos de eleição para o exercício do dogma fundamental de interpretação conforme a Constituição: se o texto legal é equívoco, por deficiência técnica de sua formulação, dentre os significados possíveis dela há de inclinar-se o intérprete pelo que harmonize com a Lei Fundamental."

70. Após analisar o dispositivo questionado (o art. 28 da Lei n. 7.738/89) e criticar má técnica legislativa, nada obstante, enxerga no conjunto normativo do art. 195, incluindo incisos e parágrafos, a validade constitucional desse preceito hostilizado.

71. Aponta no sentido de que o FINSOCIAL, nos termos do questionado art. 28, se apresentava como contribuição social sobre a receita bruta, que para ele se identificava com o faturamento, à luz da legislação concernente a esse tributo.

72. Conclui que se o FINSOCIAL, nos termos do art. 28, cuida-se de contribuição social sobre o faturamento (receita bruta), cai por terra a exigência de lei complementar, na esteira da jurisprudência constitucional que repeliu essa exigência formal relativamente à contribuição social sobre o lucro.

73. Após longo percurso, o Ministro Pertence finaliza:

"Por tudo isso, não vejo inconstitucionalidade no art. 28 da Lei n. 7.738/89, a cuja validade entendo restringir-se o tema deste recurso extraordinário, desde que nele a ‘receita bruta’, base de cálculo da contribuição, se entenda referida aos parâmetros de sua definição no Dl. 2.397/87, de modo a conformá-la à noção de faturamento das empresas prestadoras de serviço."

74. Induvidosamente, para efeito de base de cálculo do FINSOCIAL, o Ministro Pertence restringiu o conceito de receita bruta para identificá-lo ao de faturamento, pois faturamento é menos que receita bruta.

75. Após extenso debate, o STF, por maioria de votos, vencidos os Ministros Carlos Velloso (relator originário) e Marco Aurélio, julgou constitucional o art. 28 da Lei n. 7.738/89, por considerar que a base de cálculo da contribuição social era a receita bruta interpretada restritivamente e, por conseqüência, equiparada a faturamento.

76. O outro julgado sempre recordado, como dissemos, é o do RE n. 150.764 (Redator p/ acórdão Ministro Marco Aurélio, DJ 02.04.1993). Eis a sua Ementa:

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - PARÂMETROS - NORMAS DE REGÊNCIA - FINSOCIAL - BALIZAMENTO TEMPORAL. A teor do disposto no artigo 195 da Constituição Federal, incumbe à sociedade, como um todo, financiar, de forma direta e indireta, nos termos da lei, a seguridade social, atribuindo-se aos empregadores a participação mediante bases de incidência próprias - folha de salários, o faturamento e o lucro. Em norma de natureza constitucional transitória, emprestou-se ao FINSOCIAL característica de contribuição, jungindo-se a imperatividade das regras insertas no Decreto-Lei nº 1940/82, com as alterações ocorridas até a promulgação da Carta de 1988, ao espaço de tempo relativo a edição da lei prevista no referido artigo. Conflita com as disposições constitucionais - artigos 195 do corpo permanente da Carta e 56 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - preceito de lei que, a título de viabilizar o texto constitucional, toma de empréstimo, por simples remissão, a disciplina do FINSOCIAL. Incompatibilidade manifesta do art. 9º da Lei nº 7689/88 com o Diploma Fundamental, no que discrepa do contexto constitucional.

77. A controvérsia central do julgamento girou em redor da inconstitucionalidade do art. 9º da Lei n. 7.689, de 15.12.1988, (Ficam mantidas as contribuições previstas na legislação em vigor, incidentes sobre a folha de salários e a de que trata o Decreto-lei n. 1.940, de 25 de maio de 1982, e alterações posteriores, incidente sobre o faturamento das empresas, com fundamento no art. 195, I, da Constituição Federal).

78. Por arrastamento, também foram declarados inconstitucionais os arts. 7º da Lei n. 7.787, de 30.06.1989; 1º da Lei n. 7.894, de 24.11.1989 e art. 1º da Lei n. 8.147, de 28.12.1990, posto serem acessórios ao dispositivo julgado inconstitucional (art. 9º, Lei n. 7.689/88), no que ampliaram a alíquota do aludido tributo mantido pelo referido enunciado decretado inconstitucional.

79. Segundo o STF (RE 150.764), o FINSOCIAL mantido pelo art. 9º da Lei n. 7.689/88 colidiu com o art. 56 do ADCT, no que mantinha de permanente um tributo recepcionado como transitório.

80. Interessa-nos o sentido da expressão faturamento enunciado pelo Ministro Ilmar Galvão em seu voto:

"De outra parte, o DL 2.397/87, que alterou o DL 1.940/82, em seu art. 22, já havia conceituado a receita bruta do art. 1º, § 1º, do mencionado diploma legal como ‘receita bruta das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços’, conceito esse que coincide com o de faturamento, que para efeitos fiscais, foi sempre entendido como o produto de todas as vendas, e não apenas das vendas acompanhadas de fatura, formalidade exigida tão-somente nas vendas mercantis a prazo (art. 1º da Lei n. 187/36). A Lei n. 7.689/88, pois, ao converter em contribuição social, para os fins do art. 195, I, da Constituição, o FINSOCIAL até então calculado sobre a receita bruta das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços, nada mais fez do que instituir contribuição social sobre o faturamento."

81. À luz dos referidos precedentes dos RREE 150.755 e 150.764, infere-se que o STF deu à expressão faturamento, contida no inciso I do art. 195 da Constituição da República, o significado de receita bruta, nos termos do Decreto-lei n. 2.397/86: a receita auferida com a venda de mercadorias ou com a prestação de serviços.


VII. A COFINS NA JURISPRUDÊNCIA DO STF

81. A COFINS – contribuição social para o financiamento da Seguridade Social, incidente sobre o faturamento das pessoas jurídicas, foi instituída pela Lei Complementar n. 70, de 30.12.1991, em atendimento ao art. 195, I, CF, e sucedendo ao aludido FINSOCIAL.

82. O STF enfrentou o tema da constitucionalidade dessa Lei Complementar nos autos da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 1, sob a relatoria do Ministro Moreira Alves.

83. A controvérsia posta nos autos da referida ADC n. 1 dizia respeito à constitucionalidade dos artigos 1º, 2º, 9º, 10 e 13 da Lei Complementar n. 70/91, cujos enunciados são transcritos:

Art. 1° Sem prejuízo da cobrança das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), fica instituída contribuição social para financiamento da Seguridade Social, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal, devida pelas pessoas jurídicas inclusive as a elas equiparadas pela legislação do imposto de renda, destinadas exclusivamente às despesas com atividades-fins das áreas de saúde, previdência e assistência social.

Art. 2° A contribuição de que trata o artigo anterior será de dois por cento e incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza.

Parágrafo único. Não integra a receita de que trata este artigo, para efeito de determinação da base de cálculo da contribuição, o valor:

a) do imposto sobre produtos industrializados, quando destacado em separado no documento fiscal;

b) das vendas canceladas, das devolvidas e dos descontos a qualquer título concedidos incondicionalmente.

Art. 9° A contribuição social sobre o faturamento de que trata esta lei complementar não extingue as atuais fontes de custeio da Seguridade Social, salvo a prevista no art. 23, inciso I, da Lei n° 8.212, de 24 de julho de 1991, a qual deixará de ser cobrada a partir da data em que for exigível a contribuição ora instituída.

Art. 10. O produto da arrecadação da contribuição social sobre o faturamento, instituída por esta lei complementar, observado o disposto na segunda parte do art. 33 da Lei n° 8.212, de 24 de julho de 1991, integrará o Orçamento da Seguridade Social.

Parágrafo único. A contribuição referida neste artigo aplicam-se as normas relativas ao processo administrativo fiscal de determinação e exigência de créditos tributários federais, bem como, subsidiariamente e no que couber, as disposições referentes ao imposto de renda, especialmente quanto a atraso de pagamento e quanto a penalidades.

Art. 13. Esta lei complementar entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir do primeiro dia do mês seguinte aos noventa dias posteriores, àquela publicação, mantidos, até essa data, o Decreto-Lei n° 1.940, de 25 de maio de 1982 e alterações posteriores, a alíquota fixada no art. 11 da Lei n° 8.114, de 12 de dezembro de 1990.

84. No voto do Ministro Moreira Alves extraem-se passagens concernentes à presente discussão:

"Trata-se, pois de contribuição social prevista no inciso I do artigo 195 da Constituição Federal que se refere ao financiamento da seguridade social mediante contribuições sociais dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro.

Note-se que a LC n. 70/91, ao considerar o faturamento como ‘a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza’ nada mais fez do que lhe dar a conceituação de faturamento para efeitos fiscais, como bem assinalou o eminente Ministro ILMAR GALVÃO, no voto que proferiu no RE 150.764, ao acentuar que o conceito de receita bruta das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços ‘coincide com o de faturamento, que, para efeitos fiscais, foi sempre entendido como o produto de todas as vendas, e não apenas das vendas acompanhadas de fatura, formalidade exigida tão-somente nas vendas mercantis a prazo (art. 1º da Lei 187/36)".

85. Nesse julgado o STF, a uma só voz, confirmou que para efeitos fiscais, e em particular para a COFINS, compreendia-se faturamento como a receita bruta da venda de mercadorias ou da prestação de serviços.

86. Restou assentado também que a regulação da COFINS era matéria de lei ordinária, dispensando-se a necessidade de lei complementar, pois não incidia a hipótese do § 4º do art. 195 da Constituição da República.

87. Com apoio nessa compreensão do STF, foi editada a Lei n. 9.718, de 27.11.1998. Todavia foi decretada a inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º desse diploma legislativo, nos autos dos RREE ns. 346.084, 357.950, 358.273 e 390.840, todos sob redatoria e relatoria do Ministro Marco Aurélio, cujas ementas são colacionadas:

RE 346.084:

CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE - ARTIGO 3º, § 1º, DA LEI Nº 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998 - EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1998. O sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente.

TRIBUTÁRIO - INSTITUTOS - EXPRESSÕES E VOCÁBULOS - SENTIDO. A norma pedagógica do artigo 110 do Código Tributário Nacional ressalta a impossibilidade de a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de consagrados institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados expressa ou implicitamente. Sobrepõe-se ao aspecto formal o princípio da realidade, considerados os elementos tributários.

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - PIS - RECEITA BRUTA - NOÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada.

RE 357.950:

CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE – ARTIGO 3º, § 1º, DA LEI Nº 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998 – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1998. O sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente.

TRIBUTÁRIO – INSTITUTOS – EXPRESSÕES E VOCÁBULOS – SENTIDO. A norma pedagógica do artigo 110 do Código Tributário Nacional ressalta a impossibilidade de a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de consagrados institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados expressa ou implicitamente. Sobrepõe-se ao aspecto formal o princípio da realidade, considerados os elementos tributários.

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – PIS – RECEITA BRUTA – NOÇÃO – INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada.

RE 358.273:

CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE – ARTIGO 3º, § 1º, DA LEI Nº 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998 – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1998. O sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente.

TRIBUTÁRIO – INSTITUTOS – EXPRESSÕES E VOCÁBULOS – SENTIDO. A norma pedagógica do artigo 110 do Código Tributário Nacional ressalta a impossibilidade de a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de consagrados institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados expressa ou implicitamente. Sobrepõe-se ao aspecto formal o princípio da realidade, considerados os elementos tributários.

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – PIS – RECEITA BRUTA – NOÇÃO – INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada.

RE 390.840:

CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE - ARTIGO 3º, § 1º, DA LEI Nº 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998 - EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1998. O sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente.

TRIBUTÁRIO - INSTITUTOS - EXPRESSÕES E VOCÁBULOS - SENTIDO. A norma pedagógica do artigo 110 do Código Tributário Nacional ressalta a impossibilidade de a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de consagrados institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados expressa ou implicitamente. Sobrepõe-se ao aspecto formal o princípio da realidade, considerados os elementos tributários.

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - PIS - RECEITA BRUTA - NOÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada.

88. O ponto nevrálgico da questão jurídica debatida nesses recursos extraordinários era o enunciado do § 1º do art. 3º da Lei n. 9.718/98: "Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas".

89. Em 20.12.1998, foi promulgada a Emenda Constitucional n. 20, que alterou a redação do inciso I do art. 195 da Constituição. No texto originário, a base de cálculo era o faturamento. Sucede que essa aludida EC n. 20/98 acrescentou nova base de cálculo às contribuições sociais: a receita.

90. Assim, do empregador, da empresa ou da entidade a ela equiparada, nos termos da nova redação das alíneas a, b e c do inciso I do art. 195, CR, as contribuições sociais têm as subseqüentes hipóteses de incidência:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro.

91. Se a EC n. 20/98 tivesse sido promulgada em 26.11.1998, um dia antes da publicação da Lei n. 9.718 (datada de 27.11.1998), não haveria dúvida alguma acerca da idoneidade constitucional do § 1º do art. 3º dessa Lei.

92. Sucede, porém, que o STF entendeu indevida a ampliação da base de cálculo da COFINS ao conceituar-se o faturamento (receita bruta) como a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, além do conceito consagrado na sua jurisprudência que preconizava ser o faturamento a receita bruta das vendas de mercadorias e da prestação de serviços.

93. Neste texto pretende-se deixar bem claro o real alcance desses acórdãos e qual o sentido mais adequado da interpretação da Corte em sede de COFINS.

94. Em verdade, a partir desses julgados (RREE ns. 346.084, 357.950, 358.273 e 390.840) qual o conceito subjacente de faturamento, à luz da jurisprudência do STF?

95. No julgamento do RE n. 346.084, iniciado em 12.12.2002, o relator originário Ministro Ilmar Galvão, recordando a jurisprudência da Corte nos RREE ns. 150.755 e 150.764 e na ADC n. 1, assinalou:

"Assentou-se, portanto, a partir de então, a identidade entre faturamento e receita bruta de vendas, seja de mercadorias, de mercadorias e serviços, ou apenas de serviço, para os fins previstos no mencionado dispositivo constitucional.

A Lei n.° 9.718/98, no art. 3.°, § 1.°, ampliou esse conceito, para nele fazer abranger "a totalidade das receitas auferidas". Ao fazê-lo, desenganadamente, conferiu nova dimensão ao âmbito material de incidência do tributo, ampliando o leque dos seus fatos geradores e respectivas bases de cálculo, dado que, se o produto das vendas, em geral, integra o conceito de receita, não o esgota, porém, por não compreender, v. g., o resultado de aplicações financeiras, dividendos, royalties, aluguéis, indenizações, etc."

96. Para o deslinde dessa controvérsia, é imprescindível a análise do voto do Ministro Cezar Peluso, externado em todos os referidos recursos extraordinários. Com estribo na teoria da linguagem, visitando julgados históricos, inclusive no direito comparado, e surpreendendo as noções de vários enunciados para lhes atribuir o significado jurídico-constitucional, o aludido Ministro enfrenta o conceito de faturamento, à luz do direito comercial e tributário, e asserta:

"6.

(...)

Faturamento nesse sentido, isto é, entendido como resultado econômico das operações empresariais típicas, constitui a base de cálculo da contribuição, enquanto representação quantitativa do fato econômico tributado. Noutras palavras, o fato gerador constitucional da COFINS são as operações econômicas que se exteriorizam no faturamento (sua base de cálculo), porque não poderia nunca corresponder ao ato de emitir faturas, coisa que, como alternativa semântica possível, seria de todo absurda, pois bastaria à empresa não emitir faturas para se furtar à tributação. – grifamos.

7. Ainda no universo semântico normativo, faturamento não pode soar o mesmo que receita, nem confundidas ou identificadas as operações (fatos) "por cujas realizações se manifestam essas grandezas numéricas".

A Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/1976) prescreve que a escrituração da companhia "será mantida em registros permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos" (art. 177), e, na disposição anterior, toma de empréstimo à ciência contábil os termos com que regula a elaboração das demonstrações financeiras, verbis:

"Art. 176. Ao fim de cada exercício social, a diretoria fará elaborar com base na escrituração mercantil da companhia, as seguintes demonstrações financeiras, que deverão exprimir com clareza a situação do patrimônio da companhia e as mutações ocorridas no exercício:

I – balanço patrimonial;

II – demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados;

III – demonstração do resultado do exercício; e

IV – demonstração das origens e aplicações de recursos."

Nesse quadro normativo, releva apreender os conteúdos semânticos ou usos lingüísticos que, subjacentes ao vocábulo receita, aparecem na seção relativa às "demonstrações do resultado do exercício". Diz, a respeito, o art. 187 daquela Lei:

"Art. 187. A demonstração do resultado do exercício discriminará:

I – a receita bruta das vendas e serviços, as deduções das vendas, os abatimentos e os impostos;

II – a receita líquida das vendas e serviços, o custo das mercadorias e serviços vendidos e o lucro bruto;

III- as despesas com vendas, as despesas financeiras, deduzidas das receitas as despesas gerais e administrativas, e outras despesas operacionais;

IV – o lucro ou prejuízo operacional, as receitas e despesas não operacionais;

V – o resultado do exercício antes do Imposto de Renda e a provisão para o imposto;

VI – as participações de debêntures, empregados, administradores e partes beneficiárias, e as contribuições para instituições ou fundos de assistência ou previdência de empregados;

VII – o lucro ou prejuízo líquido do exercício e o seu montante por ação do capital social.

§ 1º. Na determinação do resultado do exercício serão computados:

a) as receitas e os rendimentos ganhos no período, independentemente da sua realização em moeda; e

(...)"

Como se vê sem grande esforço, o substantivo receita designa aí o gênero, compreensivo das características ou propriedades de certa classe, abrangente de todos os valores que, recebidos da pessoa jurídica, se lhe incorporam à esfera patrimonial. Todo valor percebido pela pessoa jurídica, a qualquer título, será, nos termos da norma, receita (gênero). Mas nem toda receita será operacional, porque pode havê-la não operacional. Segundo o disposto no art. 187 da Lei nº 6.404/76, distinguem-se, pelo menos, as seguintes modalidades de receita:

i) receita bruta das vendas e serviços;

ii) receita líquida das vendas e serviços;

iii) receitas gerais e administrativas (operacionais);

iv) receitas não operacionais.

Não precisa recorrer às noções elementares da Lógica Formal sobre as distinções entre gênero e espécie, para reavivar que, nesta, sempre há um excesso de conotação e um deficit de denotação em relação àquele. Nem para atinar logo em que, como já visto, faturamento também significa percepção de valores e, como tal, pertence ao gênero ou classe receita, mas com a diferença específica de que compreende apenas os valores oriundos do exercício da "atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços" (venda de mercadorias e de serviços). De modo que o conceito legal de faturamento coincide com a modalidade de receita discriminada no inc. I do art. 187 da Lei das Sociedades por Ações, ou seja, é "receita bruta de vendas e de serviços".

Donde, a conclusão imediata de que, no juízo da lei contemporânea ao início de vigência da atual Constituição da República, embora todo faturamento seja receita, nem toda receita é faturamento.

Esta distinção não é nova na Corte. – sublinhamos".

97. Ao longo de seu voto, o Ministro Peluso discorre sobre os precedentes da Corte em relação ao FINSOCIAL (RREE ns. 150.755 e 150.764) e à COFINS (ADC n. 1), cotejando analiticamente os votos condutores das teses no STF, e alicerçado no magistério de Ruy Barbosa, Hans Kelsen e Pontes de Miranda, para a final concluir:

"19. Por todo o exposto, julgo inconstitucional o § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98, por ampliar o conceito de receita bruta para "toda e qualquer receita", cujo sentido afronta a noção de faturamento pressuposta no art. 195, I, da Constituição da República, e, ainda, o art. 195, § 4º, se considerado para efeito de nova fonte de custeio da seguridade social.

Quanto ao caput do art. 3º, julgo-o constitucional, para lhe dar interpretação conforme à Constituição, nos termos do julgamento proferido no RE nº 150.755/PE, que tomou a locução receita bruta como sinônimo de faturamento, ou seja, no significado de "receita bruta de venda de mercadoria e de prestação de serviços", adotado pela legislação anterior, e que, a meu juízo, se traduz na soma das receitas oriundas do exercício das atividades empresariais." – sublinhamos.

98. Para espancar dúvidas acerca de seu entendimento, o Ministro Peluso presta insofismável esclarecimento:

"Sr. Presidente, gostaria de enfatizar meu ponto de vista, para que não fique nenhuma dúvida ao propósito. Quando me referi ao conceito construído sobretudo no RE 150.755, sob a expressão "receita bruta de venda de mercadorias e prestação de serviço", quis significar que tal conceito está ligado à idéia de produto do exercício de atividades empresariais típicas, ou seja, que nessa expressão se inclui todo incremento patrimonial resultante do exercício de atividades empresariais típicas.

Se determinadas instituições prestam tipo de serviço cuja remuneração entra na classe das receitas chamadas financeiras, isso não desnatura a remuneração de atividade própria do campo empresarial, de modo que tal produto entra no conceito de "receita bruta igual a faturamento" – grifamos.

99. Para o Ministro Cezar Peluso, todo ingresso oriundo da atividade típica – do objeto social – da empresa é faturamento, sujeita, portanto, à incidência da COFINS.

100. Em seu voto, o Ministro Sepúlveda Pertence acompanha o Ministro Peluso.

101. O Ministro Marco Aurélio escancara a questão versada e reconhece que "o Tribunal estabeleceu a sinonímia faturamento/receita bruta, conforme decisão proferida na ADC n. 1 – receita bruta evidentemente apanhando a atividade precípua da empresa". Essa receita os Ministros Carlos Britto e Sepúlveda Pertence intitulam de operacional.

102. Com efeito, o Ministro Britto pontua:

"A Constituição de 88, pelo seu art.195, I, redação originária, usou do substantivo "faturamento", sem a conjunção disjuntiva "ou" receita".

Em que sentido separou as coisas? No sentido de que faturamento é receita operacional, e não receita total da empresa.

Receita operacional consiste naquilo que já estava definido pelo Decreto-lei 2397, de 1987, art.22, § 1º, "a", assim redigido – parece que o Ministro Velloso acabou de fazer também essa remissão à lei:

"Art.22...............................................

§ 1º..................................................

a) a receita bruta das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços, de qualquer natureza, das empresas públicas ou privadas definidas como pessoa jurídica ou a elas equiparadas pela legislação do Imposto de Renda;"

Por isso, estou insistindo na sinonímia "faturamento" e "receita operacional", exclusivamente, correspondente àqueles ingressos que decorrem da razão social da empresa, da sua finalidade institucional, do seu ramo de negócio, enfim.

Logo, receita operacional é receita bruta de tais vendas ou negócios, mas não incorpora outras modalidades de ingresso financeiro: royalties, aluguéis, rendimentos de aplicações financeiras, indenizações etc.

103. Para o Ministro Britto, assim como para o Ministro Ilmar Galvão – a quem sucedeu -, as outras modalidades de ingresso financeiro (royalties, aluguéis, rendimentos e aplicações, indenizações etc.) estavam fora do alcance do faturamento, na medida em que não fossem objeto da atividade típica da empresa, ou seja, não fossem receitas operacionais relacionadas com o seu objeto social.

104. Por seu turno, nessa trilha, se essas aludidas outras modalidades de ingresso financeiro forem atividade empresarial típica da empresa – ou constem de seu objeto social – elas se tornam receita bruta operacional ou faturamento, sujeitas, portanto, à incidência da COFINS.

105. Em sua manifestação, como já externado, o Ministro Marco Aurélio acolhe a jurisprudência firmada no julgamento da ADC n. 1, na qual assinalou-se a sinonímia entre os conceitos de faturamento e receita bruta, e votou "para assentar como receita bruta ou faturamento o que decorra quer da venda de mercadorias, quer da venda de serviços ou de mercadorias e serviços, não se considerando receita de natureza diversa."

106. Como é cediço, o Tribunal, por maioria de votos, declarou inconstitucional o § 1º do art. 3º da Lei n. 9.718/98, ao entendimento de indevida ampliação da base de cálculo (faturamento ou receita bruta) da COFINS à luz da redação originária do inciso I do art. 195 da Constituição.

107. Desde então, os Ministros do STF passaram a decidir monocraticamente, com esteio no art. 557, § 1º, CPC, as questões relacionadas ao aludido dispositivo decretado inconstitucional pelo Tribunal.

108. Ante essa jurisprudência pacificada, foi proposta a edição de Súmula Vinculante (Verbete n. 5):

TRIBUTO. COFINS. BASE DE CÁLCULO. CONCEITO DE RECEITA BRUTA. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 3º DA LEI N. 9.718/98.

Enunciado: "É inconstitucional o § 1º do art. 3º da Lei n. 9.718/98, que ampliou o conceito de renda bruta, a qual deva ser entendida como a proveniente das vendas de mercadorias e da prestação de serviços de qualquer natureza, ou seja, soma das receitas oriundas do exercício das atividades empresariais".

109. Malgrado o sentido claro e unívoco, as instituições financeiras, patrocinadas pela CONSIF e FEBRABAN, solicitaram pareceres objetivando demonstrar a exclusão das receitas financeiras na hipótese de incidência da COFINS, fortes no argumento de que as instituições financeiras não faturam, não vendem serviços nem mercadorias.

110. A decisão do STF que julgou inconstitucional o § 1º do art. 3º da Lei n. 9.718/98 se fiou na indevida ampliação da base de cálculo faturamento. Para o STF, até a EC n. 20/98, a COFINS somente poderia incidir sobre os ingressos patrimoniais oriundos de sua atividade empresarial típica; isto é, as demais receitas atípicas (não-operacionais) estariam fora da hipótese de incidência da COFINS, posto que nesse caso, não são faturamento da empresa, nos moldes da jurisprudência do STF.


VIII. A COFINS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

111. A tese defendida pelas instituições financeiras implica um reducionismo similar às primeiras controvérsias da COFINS sobre o alcance da expressão faturamento, exclusivo, para alguns, daqueles que expedem faturas. Quem não expedir fatura não tem faturamento, seria a conseqüência lógica de tal visão reduzida.

112. Nessa senda caminham as instituições financeiras. Com efeito, sustentam que somente há faturamento onde houver venda de mercadorias ou de serviços ou de mercadorias e serviços, venda esta remunerada mediante um preço. Afirmam que as instituições financeiras não vendem nem cobram preços, por conseqüência não faturam. E, se não obtêm faturamento, não podem sofrer a incidência da COFINS.

113. Se não fosse a respeitabilidade dos eminentes pareceristas e o alto grau de seriedade acadêmica norteadora de suas brilhantes carreiras, uma tese tão canhestra dispensaria maiores digressões. Sucede, por seu turno, que se trata de ilustrados professores que, nada obstante, fizeram verdadeiro "malabarismo" jurídico em defesa dos interesses das instituições financeiras.

114. A todo custo, mediante um contorcionismo conceitual, procuraram demonstrar que do texto constitucional extrai-se a não incidência da COFINS sobre as instituições financeiras, e o fizeram alegando que a própria Constituição destinou-lhe um capítulo exclusivo (art. 192) e, ainda, que a tributação dos serviços compete ao Município (art. 156, III), nos termos da Lei Complementar n.116, de 31.07.2003.

115. Com as vênias de estilo, a existência de um capítulo destinado ao "Sistema Financeiro" não exime às instituições financeiras de uma interpretação sistemática, posto que elas fazem parte de um todo maior contido no "Sistema Jurídico-Constitucional". Imaginar, só por só, que o fato de merecerem um destaque constitucional as liberta das responsabilidades que outras instituições econômicas estão adscritas, especialmente de natureza contributiva e, de modo mais específicos, da seguridade social, é desprezar o real alcance da idéia de solidariedade e justiça social positivada em uma Constituição de um Estado que ser quer Democrático e de Direito. Em nenhuma parte do texto constitucional encontra-se um tratamento diferenciado – e para melhor – no sentido de redução dos encargos estatais para as instituições financeiras.

116. No tocante à exclusiva tributação dos Municípios sobre os serviços, a tese é insubsistente. Com efeito, a competência dos Municípios é para instituir impostos sobre os serviços de qualquer natureza. A COFINS não é imposto, é contribuição e tem seu suporte constitucional no art. 195, I. O fato de o legislador complementar (LC 116/2003) não tributar os serviços financeiros não os desqualifica como serviço. Do contrário, o inciso III do art. 2º da LC 116/2003 só reforça que os serviços financeiros são serviços, pois houve necessidade de expressa determinação legal estabelecendo a não incidência do ISSQN sobre eles.

117. A mesma linha de raciocínio é usada em relação ao parágrafo único do art. 11 da LC 70/91 que exclui do pagamento da COFINS as instituições financeiras. Entendem que houve por parte do legislador um reconhecimento de que as receitas típicas da atividade financeira não pertencem ao conjunto de hipóteses abrangido pelo conceito de faturamento. Ora, só se exclui o que estava incluso.

118. Concessa venia, se houve a necessidade de expressa disposição legal, assim como na hipótese do ISSQN, excluindo as instituições financeiras do recolhimento da COFINS é porque, em princípio, elas também se sujeitam a esse tributo.

119. A exclusão do parágrafo único do art. 11 da LC 70/91 foi uma opção política do legislador tributário, justificada pelo caput do referido artigo que determinava o aumento da alíquota da CSLL para as instituições financeiras.

120. Vislumbrar uma política fiscal do legislador como reconhecimento de que uma determinada operação ou atividade econômica não se afivela a uma tipologia tributária é distorcer a realidade das coisas. Se assim não fosse, tornar-se-ia imprescindível que o legislador dissesse que as receitas típicas das instituições financeiras não compõem o seu faturamento. O legislador não disse isso. E não o fez porque maltrataria a realidade, seria desarrazoado fazê-lo. O legislador pode até dizer que as receitas financeiras típicas são desoneradas de qualquer tributo, mas se disser que essas receitas típicas não compõem o faturamento estaria cometendo uma violência conceitual.

121. Veja-se que o legislador constituinte, mediante o instituto da imunidade tributária, exclui a venda de livros do pagamento de ICMS. Acaso o livro deixa de ser uma mercadoria? O legislador constituinte também exclui os templos religiosos do pagamento de IPTU, acaso deixam de ser imóveis prediais? Na esteira das teses das instituições financeiras os templos religiosos não são imóveis prediais, pois não pagam o IPTU nem os livros são mercadorias porquanto imunes ao ICMS. Maltrata a lógica do razoável entender que eventuais desonerações tributárias sirvam para alterar a substância das coisas.

122. Esse tema – a COFINS das instituições financeiras -, a despeito de sua novidade, já foi enfrentado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em Parecer da lavra da dra. Cláudia Regina Gusmão, Coordenadora-Geral de Assuntos Tributários da PGFN.

123. A Receita Federal, mediante a Nota Técnica COSIT n. 21, de 28.08.2006, consultou a PGFN acerca da natureza jurídica das receitas decorrentes das atividades do setor financeiro e de seguros à luz da decisão do STF nos aludidos recursos extraordinários.

124. Em seu Parecer, a PFN Cláudia Regina Gusmão esclarece:

"É preciso deixar claro, em primeiro lugar, que o STF no RE 357.950 examinou os arts. 2º e 3º da Lei n. 9.718/98, considerando inconstitucional apenas o § 1º do art. 3º da referida Lei, o que significa dizer que os artigos citados foram tidos por constitucionais, somente estando em desacordo com a Constituição a expansão da base de cálculo das contribuições em causa, na forma do parágrafo único afinal expurgado do ordenamento. Em assim sendo, cabe perquirir quais as atividades das entidades em causa estavam incluídas no parágrafo e quais se encontravam já contempladas tanto no art. 2º, quanto no caput do art. 3º da referida Lei."

125. Após digressões fundamentais acerca do princípio da solidariedade tributária, inclusive com apoio em jurisprudência do STF, mormente no julgamento do RE n. 230.337, no qual o Supremo entendeu devida a incidência da COFINS sobre o faturamento das empresas distribuidoras de derivados de petróleo, mineradoras, distribuidoras de energia elétrica e executoras de telecomunicações, e de analisar a exclusão do pagamento da COFINS nos termos do art. 11, parágrafo único, LC 70/91, afirma:

"Tal exclusão, levada a efeito pela referida Lei Complementar deixa patente que não fosse a norma do art. 11, as instituições incluídas no § 1º do art. 23 da Lei n. 8.212/91, ficariam submetidas à exação da mesma forma que todas as pessoas jurídicas. Em assim sendo, não há que se discutir relativamente ao alcance da Contribuição e a efetiva sujeição das instituições nessa cobrança, pois não se pode conceber exclusão de quem não estava incluído. A única discussão que pode ser admitida é a relativa à ampliação da base de cálculo trazida pelo §1º do art. 3º da Lei n. 9.718/98, declarado inconstitucional pelo STF. E nem poderia ser diferente, visto que o legislador, como afirmado alhures, estava obrigado a incluir toda a sociedade, mormente o segmento em destaque, possuidor, a toda evidência, de incontestável capacidade contributiva (§ 1º do art. 145 da CR).

Isto significa dizer que a noção de faturamento a ser considerada é aquela prevista na Lei Complementar n. 70/91, exposta no art. 2º, e mantida e ampliada, em essência, pela Lei n. 9.718/98, que, como vimos, permanece incólume (salvo no que tange à ampliação). Ora, se as instituições em pauta estão incluídas na noção de faturamento (receita bruta) da Lei n. 9.718/98, por força do seu art. 2º, restaria perguntar-se, de forma a espancar qualquer dúvida quanto à hipótese de incidência e base de cálculo discutida, qual a natureza jurídica das receitas auferidas pelas instituições referidas no § 1º do art. 23 da Lei n. 8.212/91."

126. Para responder a essa fundamental questão, a Procuradora da Fazenda Nacional traça considerações acerca do Sistema Financeiro Nacional, conforme o disposto na Constituição da República e na legislação pertinente.

127. Com efeito, o art. 192 da Constituição conecta-se com o art. 170, ao perspectivar o Sistema Financeiro como um instrumento de promoção do desenvolvimento equilibrado do País, a serviço dos interesses da coletividade. A própria FEBRABAN tem como lema: "Um sistema financeiro saudável, ético e eficiente é condição essencial para o desenvolvimento econômico e social do País". A Fazenda Nacional concorda plenamente com essas premissas.

128. A ilustrada Procuradora analisa o conceito legal de instituição financeira disposto no art. 17 da Lei n. 4.595, de 31.12.1964 (Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros) e acolhe o entendimento do dr. Francisco Arnoldo de Assis manifestado no Parecer PGFN/CAF n. 334/2001 acerca do conceito de instituição financeira:

"Sustentada pela maioria dos doutrinadores brasileiros e encontrando guarida na maioria das decisões de nossos Tribunais, a melhor interpretação do conceito de instituição financeira é ainda aquela antiga, segundo a qual há necessidade de conjugação dos três pressupostos do caput do art. 17 da Lei n. 4.595/64 – coleta, intermediação e aplicação de recursos próprios e de terceiros para a caracterização da atividade financeira, atividade privativa das instituições autorizadas a funcionar e fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil.

Sendo este o conceito de Instituição Financeira, do mesmo dispositivo legal é possível extrair-se as atividades desenvolvidas pela mesma: ‘coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros".

129. Em seu cogitado Parecer, a PFN Cláudia Regina Gusmão recorda o estreito relacionamento entre os conceitos de faturamento e receita bruta, a partir da jurisprudência do STF, e acerta com precisão o sentido das inovações legislativas da COFINS:

"O legislador ordinário, por meio da Lei n. 9.718/98, buscou ampliar o conceito de receita bruta (art. 3º, caput) definindo esta como ‘a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas (art. 3º, § 1º).

Em suma: a Lei n. 9.718/98 manteve a equivalência semântica (sinonímia) entre faturamento e receita bruta, para o fim de aferição da base de cálculo da COFINS/PIS, mas ampliou o conceito desta última.

Podemos, assim, dizer que a Lei Complementar n. 70/91 utiliza um conceito restritivo de receita bruta, e a Lei n. 9.718/98 serve-se de um conceito ampliativo (incluindo as receitas não operacionais)".

130. Ao nosso sentir, eis o alcance da decisão do STF que julgou inconstitucional o § 1º do art. 3º da Lei n. 9.718/98: as receitas não operacionais estão fora da base de cálculo da COFINS, pois não integram o seu faturamento; mas as operacionais fazem parte do faturamento, e, conseqüentemente, estão na base de cálculo da COFINS.

131. Os Ministros Cezar Peluso e Carlos Britto partejaram, explicitamente, esse entendimento em seus votos, no que foram acompanhados pelo Ministro Sepúlveda Pertence.

132. Provocados, alguns Ministros do STF têm rechaçado as tentativas das instituições financeiras no sentido de excluírem da base de cálculo da COFINS suas receitas operacionais típicas, com o não acolhimento de suas pretensões (v.g. RE n. 508.386, Relator Ministro Celso de Mello; RE n. 433.077, Relatora Ministra Cármen Lúcia). Até o presente momento, a pretensão das instituições financeiras não tem encontrado eco no STF.

133. No Colendo Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial n. 827.194, o Ministro Teoria Albino Zavascki, em julgamento de uma empresa locadora de mão-de-obra, ferindo o PIS e o art. 1º, itens, da Lei n. 10.637, pontificou:

"Salvo, portanto, se afigurarem entre as deduções previstas no § 3º, todas as receitas auferidas pela empresa compõem a base de incidência da contribuição. Note-se que, mesmo entre as deduções admitidas, nenhuma tem em conta a destinação dos recursos (critério com base no qual a impetrante pretende a exclusão dos valores direcionados ao pagamento dos salários e dos demais encargos trabalhistas). Ora, não há dúvida de que tais valores integram o faturamento das empresas intermediadoras de mão-de-obra, uma vez que lhe são alcançados pelas tomadoras de serviços, caracterizando, assim, tipicamente, ‘receita bruta da venda de bens e serviços’. A peculiar composição dos custos das empresas do ramo de intermediação de mão-de-obra – que determina o direcionamento de grande parte, ou até mesmo da maior parte, de suas receitas à remuneração dos empregados postos à disposição de outras empresas – nenhuma influência tem para fins de determinação do faturamento, uma vez que a lei não considera, para esse fim, a destinação das receitas.

As mesmas considerações são válidas para a COFINS, cuja base de cálculo está fixada em dispositivo de teor praticamente igual ao do acima reproduzido (art. 1º da Lei n. 10.833/03)".

134. Ou seja, a base de cálculo da COFINS, segundo o estabelecido pelo STF, à luz da Lei n. 9.718/98 e da redação originária do inciso I do art. 195, CR, é a receita bruta operacional (faturamento) correspondente à totalidade dos ingressos auferidos mediante a atividade típica da empresa, de acordo com o seu objeto social, independentemente da natureza da atividade ou da empresa.

135. Sendo assim, somente estarão excluídas da base de cálculo aquelas receitas não-operacionais ou aquelas que estejam legal e explicitamente discriminadas. O que não for discriminado por lei está incluso na base de cálculo do tributo respectivo. Prestam-se reverências a regra da estrita legalidade e o princípio da universalidade, próprios das contribuições sociais.

136. Pois bem, retornando ao Parecer da ilustre PFN Cláudia Regina Gusmão, apreende-se que as instituições financeiras são sociedades que trabalham na intermediação de capital, recebendo e repassando numerário. O spread bancário, continua a ilustre parecerista da Fazenda, é a remuneração recebida pela aludida intermediação, ou seja, é a diferença entre o que o banco paga para captar numerário e o valor cobrado quando do empréstimo a quem o procura.

137. Após explicitar a definição de spread bancário do Banco Central, que não discrepa da sua, busca apoio no magistério de Ruy Rosado de Aguiar (Os contratos bancários e a jurisprudência do STJ, CEJ, 2003), que ensina:

"Juro é fruto do dinheiro. É o que o credor recebe do devedor, além da importância da dívida. ‘Entende-se por juros o que o credor pode exigir pelo fato de ter prestado ou não ter recebido o que se lhe devia presta’ (P. de Miranda).

Hoje, porém, não significa apenas o fruto civil do capital, pois passou a ser importante instrumento de política monetária, juntamente com o câmbio, o comércio exterior e a regulação da moeda e do crédito, servindo para controlar o fluxo financeiro.

Para o cálculo dos juros, considera-se o custo de captação do dinheiro, a sobretaxa do banqueiro, a desvalorização da moeda e, por fim, os riscos operacionais, pois, quanto maior a possibilidade de inadimplência, maior o risco. ‘O crédito de juros nasce a determinado momento, periodicamente, como se pingasse da quantia devida, sem a diminuir’ (Pontes, op. loc. cit.). No Brasil de hoje, com as taxas praticadas, o pingo se torna maior que o balde após alguns meses de juros capitalizados. ‘De acordo com o relatório ‘Juros e Spread Bancário no Brasil’, elaborado pelo BC, o spread está composto por: 16% pela inadimplência; 19% por despesas administrativas; 29% por impostos; 36% pela margem líquida do banco. Margens de lucro tão elevadas garantem os lucros astronômicos dos bancos brasileiros, muito acima da média mundial’ (editorial da Folha de São Paulo, 6.2.2003, A/2). Como se vê, a alegação corrente de que o spread é elevado por causa da inadimplência não procede, pois a sua maior parcela, quase o triplo, corresponde ao lucro; reduzido o quantitativo deste, certamente seria o menor o índice de inadimplência. Nos países em que é menor o índice de inadimplência, é significativamente menor o percentual do lucro".

138. Eis o "preço" - ou "remuneração" - cobrado pelas instituições financeiras daqueles que buscam os seus serviços típicos. Eis o principal ingresso componente de seu faturamento. Eis a origem maior de suas receitas operacionais típicas.

139. A PFN Cláudia Regina Gusmão recorda a decisão do STF na ADIN 2.591, na qual a Corte estabeleceu a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) às atividades das instituições financeiras. Nesse julgamento, o Tribunal entendeu que o § 2º do art. 3º do CDC (serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista), deixando claro que a atividade financeira é constituída por serviços que são disponibilizados aos clientes, dentre os quais se inclui a intermediação financeira.

140. Daí preceitua, alicerçada no magistério de Alfredo Augusto Becker e de Aires Fernandino Barreto, que os serviços financeiros são serviços tributáveis, entendidos como "o desempenho de atividade economicamente apreciável, produtiva de utilidade para outrem, porém sem subordinação, sob regime de direito privado, com fito de remuneração".

141. Nesse particular, relativo à remuneração, encontra-se a única diferença entre a prestação de serviços financeiros e os demais serviços prestados pelas instituições financeiras, como perspectivou a eminente PFN Cláudia Regina Gusmão em seu alentado Parecer:

"De fato, a receita auferida pelos serviços de fornecimento de talão de cheques, extratos, compensação de cheques, etc., é proveniente de pagamentos diretos feitos pelos clientes (por meio do débito automático de tarifas correspondentes nas contas de depósito dos mesmos). Por outro lado, as receitas provenientes dos serviços de intermediação ou aplicação de recursos são decorrentes exatamente de tais transações, ou seja, correspondem à diferença apurada entre os valores originariamente aplicados, o seu rendimento, e o valor que contratualmente deve ser devolvido ao aplicador ao final da operação, o que se convencionou chamar de spread, como já demonstrado."

142. Ainda, em sede da prestação de serviços financeiros, o Parecer ancorou-se nas normas internacionais do GATS (Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços), em particular o item 5 do Anexo sobre os Serviços Financeiros.

143. Com acerto, Cláudia Regina Gusmão demonstra que as instituições financeiras são prestadoras de serviços e que, a partir das diretrizes do GATS, e fulcrado no art. 98 do CTN e na jurisprudência do STF (ADIN 1.480), as normas tributárias internacionais são recebidas com a mesma hierarquia das leis tributárias ordinárias. De sorte que, ineludivelmente, não compreender como prestação de serviços a atividade financeira típica das instituições financeiras é solapar todo o sistema jurídico, afinal a jurisprudência do STF (ADIN 2.591), o CDC (arts. 3º, § 2º, e 52), a Lei n. 4.595/64 (art. 17), o GATS e a legislação tributária assim estabelecem, ou seja, que a atividade típica das instituições financeiras é a prestação de serviços.

144. Com rigor doutrinário, Cláudia Regina Gusmão leciona:

"O direito tributário obedece ao primado da oneração da capacidade contributiva. A superada noção de mercadoria e serviço para o direito comercial e bancário não pode servir de fundamento para a desoneração tributária de um segmento empresarial que exerce o comércio e desfruta de absoluta capacidade econômica e financeira para suportar o encargo. O faturamento, sob a perspectiva tributária, e desde a Lei Complementar n. 70/91, apesar da declaração de inconstitucionalidade da base ampliada, corresponde à receita bruta de vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza. Nesse sentido, compreende a totalidade das receitas advindas com as atividades principais ou acessórias que compõem a receita operacional da pessoa jurídica. O resultado da atividade de intermediação financeira, apesar de não sujeita à ação de faturar, constituindo ato de comércio e decorrendo da própria atividade negocial da empresa, integra o seu faturamento para os efeitos fiscais de concretizar o fato gerador da COFINS/PIS.

O relevante para a norma é a identidade entre a receita bruta operacional e a atividade mercantil desenvolvida nos termos do objeto social da pessoa jurídica. A declaração de inconstitucionalidade, pelo STF, do § 1º do art. 3º da Lei n. 9.718/98, s.m.j., não alterou, nesse particular, o critério definidor da base de incidência da COFINS/PIS como o resultado econômico da atividade empresarial vinculada aos seus objetivos sociais. Ao revés, apenas firmou o entendimento de que não é qualquer receita que pode ser considerada faturamento para fins de incidência da COFINS/PIS (v.g. Receitas de Capital de locadora de veículos), mas apenas aquelas vinculadas à atividade mercantil típica da empresa, como é o caso das operações bancárias das instituições financeiras".

145. Segundo a ilustre Parecerista, o fato de ter havido redução da alíquota da CSLL para as instituições financeiras demonstra o caráter sistêmico do ordenamento jurídico-tributário, pois se essas empresas estiverem eximidas do recolhimento da COFINS, estar-se-ia diante de uma manifesta injustiça tributária, em desacordo com os princípios da isonomia, capacidade contributiva, universalidade e solidariedade. A mencionada redução da alíquota da CSLL está no bojo da inserção das instituições financeiras como contribuintes da COFINS.

146. A PFN Cláudia Regina Gusmão, com pena de ouro, arrematou:

"a) as instituições financeiras e as seguradoras estavam isentas da cobrança da COFINS anteriormente à entrada em vigor da Lei n. 9.718/98 (parágrafo único do art. 11 da Lei Complementar n. 70/91), mas recolhiam a CSLL com alíquota majorada (caput do mesmo art. 11);

b) as instituições financeiras e as seguradoras já recolhiam a contribuição para o PIS, mesmo anteriormente à entrada em vigor da Lei n. 9.718/98 (Lei n. 9.701/98);

c) relativamente ao PIS e a COFINS, a partir da entrada em vigor da Lei n. 9.718/98, as instituições financeiras e as seguradoras passaram a ser tributadas com base no art. 2º da citada Lei, o qual estabelece como base de cálculo dessas contribuições o faturamento, conceituado pelo caput do art. 3º como sendo ‘a receita bruta da pessoa jurídica’;

d) o § 1º do art. 3º da Lei n. 9.718/98 que ampliou o conceito de receita bruta para abarcar as receitas não operacionais foi considerado inconstitucional pelo STF nos RREE ns. 346.084, 357.950, 358.273 e 390.840;

e) a declaração de inconstitucionalidade citada na letra ‘d’ não tem o condão de modificar a realidade de que para as instituições financeiras e as seguradoras a base de cálculo da COFINS e do PIS continua sendo a receita bruta da pessoa jurídica, com as exclusões contidas nos §§ 5º e 6º do mesmo art. 3º, sem abarcar, todavia, as receitas não operacionais, eis que o art. 2º e o caput do art. 3º não foram declarados inconstitucionais;

f) no caso da COFINS o conceito de receita bruta é o contido no art. 2º da LC 70/91, isto é, as receitas advindas da venda de mercadorias e da prestação de serviços;

g) no caso do PIS o conceito de receita bruta é o contido no art. 1º da Lei n. 9.701/98;

h) serviços para as instituições financeiras abarcam as receitas advindas da cobrança de tarifas (serviços bancários) e das operações bancárias (intermediação financeira);

i) serviços para as seguradoras abarcam as receitas advindas do recebimento dos prêmios;

j) as afirmações contidas nas letras ‘h’ e ‘i’ decorrem: do princípio da universalidade na manutenção da seguridade social (caput do art. 195 da CR/88), do princípio da capacidade contributiva (§ 1º do art. 145 da CR/88), do item 5 do Anexo sobre Serviços Financeiros do GATS e promulgado pelo Decreto n. 1.355, de 30.12.1994 (art. 98 do CTN), do inc. III do art. 2º da LC n. 116/2003 e dos arts. 3º, § 2º e 52 do CDC."

147. Com essas conclusões e partindo da premissa verdadeira de que a natureza das receitas decorrentes das atividades do setor financeiro e de seguros pode ser classificada como serviços para fins tributários, sujeitando-se, portanto, à incidência das contribuições do PIS e da COFINS, exceto no plus contido no § 1º do art. 3º da Lei n. 9.718/98, decretado inconstitucional pelo STF, a ilustre PFN Cláudia Regina Gusmão põe cobro às teses inaceitáveis das instituições financeiras de se verem exoneradas do pagamento do PIS e da COFINS, com um tratamento discriminatório em relação às demais pessoas jurídicas.


IX. AS RESPOSTAS AOS QUESITOS

148. Se indagado, forneceria as seguintes respostas aos quesitos formulados pelas consulentes CONSIF e FEBRABAN.

A) Qual a amplitude da base de cálculo da COFINS tal como prevista pela Lei Complementar n. 70/91? Esta base de cálculo era diferente em função da atividade desenvolvida pela empresa, de tal modo que receitas financeiras ou dividendos integrariam a base de cálculo de uma empresa ‘holding’ mas não a base de cálculo de uma empresa comercial ou prestadora de serviços?

Resposta. A base de cálculo da COFINS é o faturamento do contribuinte, entendido como a receita bruta da venda de mercadorias e da prestação de serviços, originária da atividade típica da empresa, em consonância com o seu objeto social. As receitas financeiras de natureza não-operacional estão fora do faturamento das empresas comerciais ou prestadoras de serviços, mas se as receitas financeiras são receitas operacionais de "holdings", sobre elas incide a COFINS.

B) A base de cálculo sobre qual pode exigida a COFINS na vigência da Lei n. 9.718/98, à luz do decidido pelo Supremo Tribunal Federal, equipara-se à soma das receitas oriundas das atividades empresariais?

Resposta. SIM. Nos termos da jurisprudência do STF, desde os julgados sobre o FINSOCIAL até os recentes sobre a COFINS, a receita bruta (faturamento) é a receita com a venda de mercadorias ou com a prestação de serviços, entendida como a operacional, ou seja a obtida com a atividade empresarial típica, segundo o seu objeto social.

C) Receitas financeiras podem ser consideradas faturamento para efeito de incidência da COFINS sob a égide da Lei n. 9.718/98 (afastado por inconstitucional o § 1º do seu art. 3º)? Esta resposta se altera em função da empresa envolvida ser uma empresa comercial, uma prestadora de serviços, uma ‘holding’ ou uma instituição financeira?

Resposta. SIM. Se for a receita operacional da empresa. NÃO. Se as receitas financeiras compuserem as receitas operacionais das atividades típicas da empresa, sobre elas incide a COFINS, independentemente de ser uma empresa comercial, uma prestadora de serviços, uma "holding" ou uma instituição financeira.

D) Especificamente quanto às instituições financeiras, o fato de que no passado pagavam a contribuição ao FINSOCIAL sobre suas receitas operacionais, nos termos do art. 1º, § 1º, ‘b’ do DL 1.940/82,interfere na resposta ao quesito anterior ou apenas evidencia tratar-se de conceito distinto do de faturamento, previsto na alínea ‘a’ daquele mesmo dispositivo de lei?

Resposta. Fortalece a exigência da COFINS, pois o FINSOCIAL, sobretudo a sua base de cálculo, foi sucedido pela COFINS. Com efeito, à luz dos precedentes do STF, evidencia-se que o Tribunal rejeita interpretações amesquinhadoras dos comandos constitucionais ou que inviabilizem uma adequada concretização dos princípios da isonomia, universalidade, solidariedade e capacidade contributiva. Relembre-se a redação originária da incidência do FINSOCIAL ("a receita bruta das empresas públicas e privadas que realizam venda de mercadorias, bem como das instituições financeiras e das sociedades seguradoras")

E) O Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS), no item 5 (‘Definições’) do ‘Anexo sobre serviços financeiros’ trata as atividades financeiras e bancárias como ‘serviço financeiro’. Tal circunstância de algum modo tem o condão de caracterizar as receitas decorrentes das atividades previstas naquele Acordo como receitas de ‘serviço’ para efeito de incidência da COFINS?".

Resposta. SIM. O GATS, norma internacional recepcionada em nosso ordenamento jurídico, também serve de parâmetro de validade da incidência da COFINS sobre a prestação de serviços financeiros das instituições financeiras. Raia à irrisão a leitura que enxerga as prestações de serviços das instituições financeiras como se não fossem prestações de serviços, pois inexiste a cobrança de um ‘preço’, com esse termo, pois o preço cobrado pelas instituições financeiras por seus serviços típicos é chamado de "spread". Sobre esses ganhos deve incidir a COFINS.


X. CONCLUSÃO

149. Ante o exposto, em sufrágio dos princípios da isonomia, da capacidade contributiva, da solidariedade e justiça tributária e em favor da segurança jurídica e dos precedentes do Pretório Excelso, confia-se na manutenção do entendimento de que todas as receitas operacionais das atividades empresariais típicas constantes no objeto social da pessoa jurídica se sujeitam ao recolhimento da COFINS, especialmente as instituições financeiras possuidoras de indiscutível poderio econômico e patrimonial superior ao de vários outros contribuintes.

150. E, por conseqüência, na aprovação do enunciado sumular proposto pelo Ministro Cezar Peluso: "É inconstitucional o § 1º do art. 3º da Lei n. 9.718/98, que ampliou o conceito de renda bruta, a qual deve ser entendida como a proveniente das vendas de mercadorias e da prestação de serviços de qualquer natureza, ou seja, a soma das receitas oriundas do exercício das atividades empresariais".


Autor

  • Luís Carlos Martins Alves Jr.

    Luís Carlos Martins Alves Jr.

    Piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional, Centro Universitário do Distrito Federal - UDF; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA e do Centro Universitário de Brasília - CEUB. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; "Lições de Direito Constitucional - Lição 1 A Constituição da República Federativa do Brasil" e "Lições de Direito Constitucional - Lição 2 os princípios fundamentais e os direitos fundamentais" .

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. A COFINS das instituições financeiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1561, 10 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10518. Acesso em: 26 abr. 2024.