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Competência material trabalhista.

Critério científico para interpretação do inciso I do artigo 114 da CF/88

Competência material trabalhista. Critério científico para interpretação do inciso I do artigo 114 da CF/88

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Após mais de dois anos da publicação da Emenda Constitucional 45 de 2004 a plêiade de estudiosos da área laboral ainda não conseguiu delimitar com precisão as verdadeiras demarcações da ampliação de competência alcançada pela Justiça do Trabalho. Decisões, aos montes e nos mais diversos sentidos, ainda não alcançaram pacificação nos Tribunais pátrios, de modo que muitas incertezas ainda sobrevivem em nossa doutrina e jurisprudência especializada.

Longe de proferir palavras eternas, procuraremos neste breve artigo tentar trazer alguns subsídios de cunho científico para contribuição no debate posto. Advertimos, com efeito, que procuraremos deixar de lado as interpretações firmadas em regime constitucional anterior, para tentar sistematizarmos uma nova leitura do texto da Carta Maior, mais especificamente todas as vertentes do novel inciso I do artigo 114, com redação dada pela intitulada Reforma do Poder Judiciário.


1 – Evolução Histórica da Emenda Constitucional

Proposta em 26.03.1992 pelo Deputado Hélio Bicudo (PT/SP).

Em uma de suas versões, apresentada pela Deputada Zulaiê Cobra (PSDB/SP), a proposta de emenda, no então artigo 115, previa expressamente que a competência material da Justiça do Trabalho ficaria delimitada pelo termo "relação de emprego", o qual não foi acolhido pela Câmara dos Deputados, tendo o Plenário alterado o dispositivo para abarcar o termo "relação de trabalho", alteração esta fruto do destaque apresentado pelo Deputado Nelo Rodolfo (PMDB/SP).

Já no Senado, a alteração do termo relação de trabalho para relação de emprego foi novamente trazida à lume pelo Senador Artur da Távola (PSDB/RJ), contudo tal restrição de competência no texto da emenda foi novamente rechaçado, sequer foi à votação no Plenário do Senado Federal.

Então, após a votação em dois turnos em cada Casa Legislativa, conforme exige o procedimento descrito na Constituição, no fim do ano de 2004 foi publicada a Emenda, cuja redação do artigo 114 foi sensivelmente alterada para prever a seguinte redação final:

"Art. 114 Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II – as ações que envolvam exercício do direito de greve;

III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvando o disposto no artigo 102, I, o;

VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no artigo 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei;

§ 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros;

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente;

§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.".


2 - Competência material natural ou específica (inciso I)

A redação anterior do artigo 114 da Constituição Federal estatuía a competência material da Justiça do Trabalho nos seguintes termos:

"Art. 114 Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.

§ 1º - Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.

§ 2º - Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho.

§ 3° Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.

Pela redação anterior verificavam-se três regras constitucionais de competência material da Justiça do Trabalho:

- Competência material natural ou específica;

- Competência material decorrente ou reflexa;

- Competência material executiva.

A primeira regra referia-se aos litígios individuais ou coletivos entre empregados e empregadores, jungidos por uma relação de emprego nos moldes da CLT, desde que a controvérsia tenha nascido de uma relação de trabalho. Não bastava que os pólos da ação fossem um empregado e um empregador, exigia-se também que a causa de pedir e os pedidos fossem decorrentes de uma relação de trabalho. Eventual litígio entre as mesmas partes, mas alheio ao contrato firmado, não era de competência da Justiça do Trabalho, como, por exemplo, um empréstimo de cunho estritamente pessoal que o empregador fez ao seu empregado. De igual modo, não bastava que o litígio tivesse origem em uma relação de trabalho, mas também os litigantes deveriam ser o empregado e o empregador. A coexistência dos dois requisitos era essencial para fixação da competência natural ou específica.

A segunda regra era entendida como competência para solucionar as controvérsias decorrentes da relação de trabalho (que não as relações de emprego), desde que presentes dois requisitos: a expressa previsão em legislação ordinária e que a relação jurídica fosse uma relação de trabalho lato sensu. Note-se que a Justiça do Trabalho já possuía competência para julgar as ações que envolvessem outros prestadores de serviços que não os empregados, mas, entretanto, exigia-se que previamente uma norma infraconstitucional atribui-se-lhe esta competência.

Já a terceira regra apenas reafirmava a competência da Justiça do Trabalho para executar suas próprias decisões e os incidentes surgidos durante o trâmite executivo, não havendo necessidade de remeter o processo para execução em outro órgão do Poder Judiciário. Quando na execução trabalhista surgissem as mais diversas questões envolvendo direitos reais, recusa de registro imobiliário de bem arrematado, prisão civil de infiel depositário etc., era o magistrado trabalhista o competente para resolver estes incidentes no curso da execução.

Com a publicação da Emenda Constitucional 45/2004, a significativa alteração na competência material específica da Justiça do Trabalho foi a extinção da restrição competencial em razão das pessoas que antes existia. Não se manteve a necessidade de que as partes litigantes fossem empregado e empregador, mas apenas que a controvérsia tenha nascido de uma relação de trabalho lato sensu, pouco importando quem sejam os ocupantes dos pólos da ação.

Logo, verificamos que a redação anterior, nada obstante também utilizasse o termo "relação de trabalho", anteriormente o qualificava, impingindo a limitação de que a relação jurídica devia se dar entre trabalhadores e empregadores, forçando a conclusão de que somente as relações de emprego, nos moldes da CLT, eram da competência específica da Justiça do Trabalho. Dependia-se de legislação ordinária posterior para estender a competência trabalhista para outras diversas controvérsias decorrentes da relação de trabalho, desta feita de forma ampla, como de fato o fez no artigo 643 da CLT quanto aos avulsos, pequena empreitada etc.

O "calcanhar de Aquiles" da antiga redação era a exigência de que a ação tivesse o empregador em um dos pólos, obstáculo, de lege lata, insuperável, vez que não havia possibilidade de se colher da regra constitucional competência natural para outras ações que não aquelas que tivessem o empregador na ação.

No entanto, a própria jurisprudência do TST já cuidou de expandir a competência da Justiça do Trabalho, de lege ferenda, antes mesmo da EC 45/2004, como, por exemplo, nas lides de "complementação de pensão requerida por viúva de ex-empregado", a teor da OJ 26 da SDI-1, mesmo que essa não fosse uma lide genuinamente entre trabalhador e empregador, mas era decorrente de uma relação de trabalho (rectius: relação de emprego). Assim também era quanto às ações que discutiam complementação de aposentadoria de ex-empregado em face de seu ex-empregador, inclusive admitindo-se no pólo passivo da ação a entidade fechada de previdência privada, a qual, como dito, não preenchia o requisito constitucional.

Pode-se colher, então, dois significativos avanços com o novo texto da emenda: a) a retirada da restrição que existia em face das pessoas que litigavam e b) a alteração da base material que antes era uma relação de emprego e agora é uma relação de trabalho de modo amplo. A intenção legislativa foi a de ampliar a competência da Justiça do Trabalho para todas as lides que envolvessem o trabalho humano, não mais restrita às relações de emprego, pois em duas oportunidades foram rejeitadas propostas que quiseram manter a regra competencial antes restrita apenas às lides envolvendo relação de emprego e ampliou-se para todas relações de trabalho humano, subordinado ou não.

Trago idêntica conclusão do Ministro JOÃO ORESTES DALAZEN [01]:

"Sintomático deste manifesto intuito do legislador é também o fato de que, diferentemente da redação anterior do art. 114, a atual não repisa a referência a dissídio entre trabalhadores e empregadores. O silêncio eloqüente acerca dos sujeitos em que se pode configurar um dissídio advindo da relação de trabalho também sinaliza, iniludivelmente, que se objetivou mesmo a expansão dos domínios da Justiça do Trabalho, de maneira a inscrever em sua esfera muitos outros litígios derivantes de relação de trabalho, em sentido lato, em que não haja vínculo empregatício.

Transparece nítida e insofismável, assim, à luz de uma interpretação histórica do processo legislativo da EC n. 45/2004, que a mens legislatoris foi a de repelir a identificação da competência material da Justiça do Trabalho estritamente com os dissídios emergentes da ‘relação de emprego’. Houve, sim, deliberada vontade do Congresso Nacional, expressa em sucessivos momentos, de alargar os horizontes da atuação da Justiça do Trabalho, sobretudo no que se renegou a locução ‘relação de emprego’, preferindo-se a esta a locução, muito mais ampla e genérica, ‘da relação de trabalho’."

Mesmo que assim não fosse, em se desconsiderando as nuances do trâmite legislativo, ainda assim vale rememorar que o inciso I do artigo 7º da CF é sintomático ao utilizar o termo "relação de emprego" desde a sua redação originária, já querendo restringir o alcance da norma de garantia, não se confundindo com a relação de trabalho dita em outros dispositivos constitucionais. Quando o legislador utilizou ambos os termos em disposições diversas da Carta Política, por lógico teve a intenção de demonstrar significado diverso entre eles. A não ser assim, não haveria qualquer razão lógica para alteração do termo pela EC 45/2004.

Conclusão que também perfilha o magistrado CLÁUDIO BRANDÃO [02]:

"Isso quer dizer que na Constituição Federal são utilizadas duas denominações diferentes: a primeira, de conteúdo restrito, identifica o vínculo que ata o empregado ao empregador; a segunda, de alcance dilatado, para, rompendo com essas amarras, contemplar outras espécies de relações jurídicas marcadas pelo fato de possuírem, como seu conteúdo, a prestação de serviços.".

Certo de que há diferença de significação entre os termos relação de trabalho e relação de emprego, passo a colher na doutrina abalizada a diferenciação científica entre ambos, para podermos passar à análise do alcance da competência.

O professor MAURÍCIO GODINHO DELGADO [03], ao fazer o confronto entre os termos relação de trabalho versus relação de emprego, salienta que:

"Há nítida distinção entre ambas; a primeira possui caráter genérico e, por isso, refere-se a todas as relações jurídicas que são marcadas pelo fato de ter como prestação essencial aquela centrada em outra obrigação de fazer, consubstanciada em labor humano; refere-se, assim, a toda modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível, englobando, portanto, a segunda, a relação de emprego, que é encarada, do ponto de vista técnico jurídico, apenas como uma das suas modalidades próprias; é um tipo legal específico, inconfundível com os demais tipo de relação de labor.".

O mestre AMAURI MASCARO NASCIMENTO [04], por sua vez, diz que: "Relação de trabalho é um gênero, do qual a relação de emprego ou contrato de trabalho é uma de suas modalidades, aspecto de fácil compreensão diante das múltiplas formas de atividade humana e que o Direito procura regulamentar em setorizações diferentes.".

- Pela dicção do legislador constitucional e pela leitura dos doutos, já é fora de dúvida que relação de trabalho é uma relação jurídica muito mais ampla do que a relação de emprego. Está última é apenas uma das suas espécies, a qual indica a existência do elemento subordinação; quando não há subordinação trata-se de relação de trabalho lato sensu. Logo, a relação de emprego é uma relação de trabalho caracterizada pelo elemento subordinação.

Com efeito, cumprida esta primeira etapa de reconhecimento de real ampliação da competência da Justiça do Trabalho, cumpre-nos agora delimitar qual o alcance do termo relação de trabalho e as dúvidas que poderão surgir em face de seu contato com outros institutos jurídicos similares.

Para o inigualável ARNALDO SUSSEKIND [05]: "Toda energia humana, física ou intelectual, empregada com um fim produtivo, constitui trabalho.".

Já para DAPHNIS FERREIRA SOUTO [06]: "todo esforço que o homem, no exercício de sua capacidade física e mental, executa para atingir seus objetivos em consonância com princípios éticos e juridicamente; corresponde a atividade física ou intelectual exercitada pelo homem com o fim de realizar uma produção ou o exercício efetivo de uma profissão, um emprego ou uma ocupação.".

Ao lado das definições jurídicas e sociológicas citadas, tem-se como grande ponto de apoio o critério contratual, em relação ao qual colho da lição do mestre ORLANDO GOMES [07], para quem os contratos classificam-se quanto ao seu objeto: "de troca, associativos, de prevenção de riscos, de crédito e de atividade.".

Os últimos contratos da sobredita classificação, os ditos de atividade, representam obrigações de fazer relacionadas com a prestação de um serviço.

O Código Civil faz importante distinção para que possamos chegar à conclusão de que o conceito de relação de trabalho sempre pressupõe trabalho humano intuito personae, isto é, prestado por pessoa física certa e definida no contrato. Vejamos a redação artigo 605 do Código Civil atual: "Nem aquele a quem os serviços são prestados, poderá transferir a outrem o direito aos serviços ajustados, nem o prestador de serviços, sem aprazimento da outra parte, dar substituto que os preste." (grifamos e sublinhamos).

No Direito Comparado, verificamos idêntica conclusão no Código de Processo Civil italiano quando este atribui competência aos juizes que solucionam dissídios individuais não só em questões de trabalho subordinado, mas, também, nas "relações de agência, de representação comercial e outras relações de colaboração que se concretizem através de uma prestação de trabalho continuado e coordenado, prevalentemente pessoal, ainda que não subordinado." (artigo 409).

Por fim, merece análise a Recomendação nº 198 de 2006, editada recentemente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual trouxe entre as características para definição do que seja a relação de trabalho o labor prestado por uma pessoa física.

Com isso, uma segunda conclusão poderá ser alcançada:

- Relação de trabalho é toda atividade humana, física ou intelectual, remunerada ou não, executada para obtenção de resultados produtivos. Em todos os contratos de atividade, em que existam obrigações de fazer, realizadas por uma pessoa natural, existe relação de trabalho em sentido lato.

Excluem-se, por lógico, da competência da Justiça do Trabalho os contratos em que o prestador de serviços seja uma pessoa jurídica, por se revelar contrato de natureza civil/comercial, escapando da definição de trabalho humano. Alguns estudiosos, com os quais concordamos, ressalvam que as paraempresas (firma individual, micro-empresa etc.) e todas as situações em que formalmente uma pessoa jurídica é a prestadora dos serviços, mas que na verdade esta foi contratada em razão das características personalíssimas do prestador de serviços, que não se faz substituir por outrem, a competência também seria da Justiça do Trabalho, por aí estar vincado o trabalho humano pessoal como elemento fundamental da relação.

Merece ressalto que em muitos casos os prestadores de serviço são forçados pelo tomador a constituírem empresas, normalmente sociedades limitadas, e após os trabalhadores buscam o Poder Judiciário para declaração da fraude e conseqüente reconhecimento de vínculo de emprego. Aqui, nada obstante a forma de contratação se deu com uma pessoa jurídica, o autor da ação será o prestador pessoa física, pleiteando a nulidade do contrato e o reconhecimento do vínculo, por lógico a competência é da Justiça Especializada.

Excluem-se, também, da competência material os agentes políticos (Deputados, Senadores, Chefes do Executivo, Magistrados etc.), pois estes não mantêm com o Estado uma relação de natureza profissional, mas sim política, eles exercem múnus público de representação do Estado e não uma relação de trabalho.

No entanto, por apego ao debate jurídico, registro que existem vozes abalizadas, como a de JÚLIO CÉSAR BEBBER [08], que diz que os limites objetivos da competência material abarcariam as relações com as pessoas jurídicas na condição de prestadora de serviços, desde que o trabalho fosse "prestado por pessoa natural ou jurídica para outra pessoa natural ou jurídica, porque a Constituição Federal não limita quem deve ser o prestador e tomador de serviço.".

É bom que se diga que entendemos que a competência da Justiça do Trabalho não alcança as pessoas jurídicas prestadoras de serviços porque, para nós, esta não desenvolve trabalho humano pessoal, característica essencial para a fixação do conceito de relação de trabalho e não porque estivéssemos fazendo uma distinção onde o constituinte não tenha feito. Em palavras diversas, entendemos de igual forma que o constituinte não fez a ressalva, mas que as relações mantidas com pessoas jurídicas na condição de prestadora não se enquadra no conceito exigido de relação de trabalho em sentido lato, como quer o legislador constituinte.

Por fim, vale asseverar que grande cizânia doutrinária também ocorre quanto aos diretores de sociedade anônima, para saber se as lides que tenham como autores estes em desfavor da sociedade são de competência da Justiça do Trabalho ou não, pois sequer há consenso se se trata de relação de trabalho ou não.

Cumpre distinguir dois tipos de sociedade: personificada e de ações. Na primeira os seus administradores são designados no contrato social entre um ou alguns de seus sócios, nada impedindo que seja designado terceiro, quando a relação entre este e a sociedade constituirá contrato de mandato, sujeito à jurisdição da Justiça do Trabalho por refletir relação de trabalho.

Por outro lado, os dirigentes que representam a sociedade no tipo por ações (sociedade anônima) serão escolhidos pela assembléia geral e praticarão atos de administração como se a própria pessoa jurídica fossem, por isso são considerados como órgão da instituição, não se configurando mandatários, pelo que a competência para analise dos pleitos entre os administradores e a sociedade é da Justiça Comum, por não se configurar uma relação de trabalho.

Fixadas estas pilastras, passamos à definição de um critério.


3 - Critério científico para definição da competência material

Fixadas as pedras angulares de que relação de trabalho é muito mais ampla que relação de emprego e que àquela é toda atividade exercida por pessoa física em favor de pessoa física ou jurídica para obtenção de um resultado útil, verificando a celebração de contrato de atividade com obrigações de fazer, mister é criarmos um critério científico para o enquadramento processual competencial.

É de aceitação unânime na doutrina processual que o pedido e a causa de pedir definem a natureza da lide e, por corolário, a competência material para dirimi-la: se a causa de pedir remota (fatos de que resulte o litígio) se ampara em uma relação de trabalho é de competência da Justiça Especializada dirimir o conflito, mesmo que para tanto utilize normas dispostas em outros ordenamentos que não a CLT (causa de pedir próxima), tais quais o Código Civil, Código de Defesa do Consumidor, legislação extravagante etc., inclusive a utilização subsidiária da legislação comum tem indicação da própria CLT (parágrafo único do artigo 8º).

O STF, em julgamento histórico [09], já pontuou em igual diapasão:

"A determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil, mas sim, no caso, que a promessa de contratar, cujo alegado conteúdo é o fundamento do pedido, tenha sido feita em razão da relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho.

(...)

Para saber se a lide decorre da relação de trabalho não tenho como decisivo, data vênia, que a sua composição judicial penda ou não de solução de temas jurídicos de direito comum, e não, especificamente, de direito do trabalho. O fundamental é que a relação jurídica alegada como suporte do pedido esteja vinculada, como o efeito à causa, à relação empregatícia, como me parece in questionável que se passa aqui, não obstante o seu conteúdo específico seja o de uma promessa de venda, instituto de direito civil.".

O raciocínio exposto tem por fundamento a adoção em nossa ciência processual da teoria da substanciação, incumbindo ao autor indicar em sua petição inicial a causa de pedir próxima (fundamentos jurídicos do pedido) e a causa de pedir remota (fatos de que resulte o litígio), conforme artigo 282 do CPC. Da mesma forma o § 1º do artigo 840 da CLT também exige a exposição dos fatos de que resulte o litígio (causa de pedir remota), a indicar, com isso, se o litígio posto sob apreciação da Justiça do Trabalho tem como causa de pedir remota uma relação de trabalho, para poder com isso ser reafirmada ou declinada a competência.

Ressalto que a competência é firmada no momento da propositura da ação (artigo 86 do CPC), verificando-se in statu assertionis a causa de pedir remota exposta na inicial para fixação da competência. Desse modo, pouco importa se após a apresentação da defesa ou mesmo após a instrução processual verificar-se que não se trata de uma relação de trabalho, pois a competência já terá sido fixada e a alteração posterior deverá levar ao julgamento de fundo com a conseqüente rejeição do pedido e não remessa dos autos para o juízo competente. O único requisito que realmente importa para a fixação de competência é que a petição inicial traga como causa de pedir remota uma relação de trabalho, pouco importando se essa relação será ou não afirmada quando da instrução do feito.

Trago lição do emérito mestre do Largo do São Francisco, Professor Doutor CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO [10], em alento à nossa tese:

"A determinação da competência faz-se sempre a partir do modo como a demanda foi concretamente concebida – quer se trate de impor critérios colhidos nos elementos da demanda (partes, causa de pedir, pedido), quer relacionados com o processo (tutelas diferenciadas: mandado de segurança, processo dos juizados especiais cíveis etc.), quer se esteja na busca do órgão competente originariamente ou para os recursos. Não importa se o demandante postulou adequadamente ou não, se indicou para figurar como réu a pessoa adequada ou não (parte legítima ou ilegítima), se poderia ou deveria ter pedido coisa diferente da que pediu etc. Questões como essas não influem na determinação da competência e, se algum erro dessa ordem houver sido cometido, a conseqüência jurídica será outra e não a incompetência. Esta afere-se invariavelmente pela natureza do processo concretamente instaurado e pelos elementos da demanda proposta, in statu assertionis.

A Justiça Federal é competente para uma causa proposta em face da União, ainda que esta seja parte ilegítima e a demanda devesse ter outro réu e não ela: o juiz federal extinguirá o processo por força dessa ilegitimidade ad causam (CPC, art. 267, inc. VI), mas a competência parta fazê-lo é dele, pelo simples fato de a União figurar como ré no processo (Const., art. 109, inc. I).".

E este parâmetro científico-processual é utilizado em toda e qualquer ação, pois o autor está obrigado a trazer explicitamente na petição inicial quais são os fatos essenciais que formam a causa de pedir remota, conforme exigência dos artigos 282 do CPC e 840, § 1º, da CLT, sob pena de em assim não fazendo tê-la indeferida liminarmente (inciso I e parágrafo único, inciso I, do artigo 295 do CPC).

- Destarte, para definição da competência da Justiça do Trabalho não importa quais serão os dispositivos de direito material usados para resolução da lide (causa de pedir próxima), mas sim apenas se os fatos de que resulte o litígio (causa de pedir remota) estão vincados em uma relação de trabalho, esta como fato essencial da causa de pedir.

Contudo, o imbróglio não está totalmente resolvido, na medida em que a Constituição Federal não define qual é o alcance da terminologia "oriundas da relação de trabalho". Esta decorrência seria apenas direta ou se admitiria a ligação reflexa ou indireta dos termos da lide com a relação de trabalho?

Em outras palavras: é de competência da Justiça do Trabalho a lide que tenha a relação de trabalho apenas como fundamento indireto, em situações como a de um empregado que recebe sua esposa no trabalho para conversar e esta é agredida moralmente pelo empregador, sob a alegação de que ela atrapalha o trabalho do marido, prejudicando os interesses da empresa? Se a esposa fosse propor uma ação de ressarcimento por danos morais seria na Justiça do Trabalho?

Não há dúvida de que se o sujeito não fosse empregado da empresa nunca haveria a sobredita agressão verbal, por isso o possível dano moral nasceu em razão de uma relação de trabalho existente, mesmo que a relação não seja entre a ofendida e o ofensor. Haveria competência da Justiça do Trabalho?

Pensamos que não. O alcance do termo oriundo deve ser direto, ou seja, os pedidos devem ter como causa de pedir direta a relação de trabalho, não importando que esta seja sustentáculo indireto ou reflexivo para outros pedidos. Somente àqueles, que tem a relação de trabalho como seu núcleo central (fato essencial da causa de pedir), estão sujeitas à jurisdição da Justiça do Trabalho. Como disse o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE no julgado histórico já citado: "O fundamental é que a relação jurídica alegada como suporte do pedido esteja vinculada, como o efeito à causa, à relação empregatícia (rectius: relação de trabalho, agora após a EC 45/2004)".

A ação proposta pela esposa ofendida em face do empregador seria perante a Justiça Comum Estadual, na medida em que as causas de pedir seriam a agressão sofrida (causa remota) e os artigos 186 do CC/2002 e os incisos V e X do artigo 5º da CF/88 (causa próxima), em nada alterando o fato do agressor ser ou não empregador de seu marido, pois a relação de trabalho não é fato essencial da causa de pedir, pois a petição inicial é plenamente apta mesmo que não mencione que a agressão ocorreu em ambiente de trabalho do seu esposo. Logo, conforme nosso critério exposto linhas atrás, não há na petição inicial a relação de trabalho como fato essencial da causa de pedir que possa atrair a competência especializada da Justiça do Trabalho. Para obter a indenização, pouco importa quem foi o ofensor.

Com esta sistematização, pensamos que fica plenamente justificada a inclusão do inciso IX no mesmo artigo 114, sem que haja qualquer incongruência, pois o inciso I abarca as lides diretamente oriundas da relação de trabalho, tendo essa como fato essencial da causa de pedir; já o inciso IX permite que o legislador infraconstitucional traga para a Justiça do Trabalho outras lides em que a relação de trabalho seja sua causa indireta ou reflexa, como no exemplo citado da indenização por danos morais. A competência da Justiça do Trabalho somente irá colher as lides em que a decorrência seja direta da relação de trabalho, delegando-se ao alvedrio do legislador ordinário, por meio da cláusula aberta do inciso IX, trazer à Justiça do Trabalho demais ações indiretamente decorrentes da relação de trabalho.

A não ser assim, ter-se-ia de admitir que o inciso IX do artigo 114 é inútil, pois todas as lides direta ou indiretamente já estariam alcançadas pela regra do inciso I do mesmo artigo. Como a lei não contém palavras inúteis, a interpretação que melhor se amolda a emprestar máxima efetividade aos dois incisos é aquela que defendemos, salvo melhor juízo.

Há que se ressaltar que a redação anterior falava em lide decorrente da relação de trabalho, mas a novel redação vaticina no inciso I em lide oriunda de relação de trabalho. É certo que houve uma alteração gramatical dos termos, isso porque oriunda quer significar algo diretamente relacionado, umbilicalmente ligado, mas já o termo decorrente reflete um maior distanciamento, a indicar que a relação de trabalho pode ser fato reflexo ou indireto da controvérsia, mas nessas situações a competência da Justiça do Trabalho deve ser dada pelo legislador ordinário por meio da "janela" ou cláusula aberta do inciso IX [11].


4 – Relação de trabalho X Relação de consumo

Após a edição da emenda, a doutrina nacional entrou em caloroso debate acerca da inclusão das relações de consumo entre as relações de trabalho e, por corolário, sua vinda para os limites de competência da Justiça do Trabalho.

Quase a unanimidade dos estudiosos entendeu que a relação de consumo não se confunde com a relação de trabalho, motivo pelo qual não estaria sujeita ao alcance da competência material reformada. O argumento era de que a relação de consumo tem como objetivo principal o produto ou serviço consumível, colocado à disposição do consumidor no mercado, tendo como pólos o fornecedor e o consumidor, que podem ser pessoas físicas ou jurídicas, enquanto a relação de trabalho tem como principal foco a força de trabalho propriamente dita.

Acrescentou-se, como JOSÉ AFFONSO DALLEGRAVE NETO [12], que a norma do § 2º do artigo 3º do CDC (Lei 8.078/90) diz expressamente que relação de consumo não se confunde com relação de trabalho; o princípio da incindibilidade da competência material não poderia autorizar que a Justiça do Trabalho julgasse as ações de relação de consumo calcada em prestação de serviços, quando não há dúvida que continuará a Justiça Comum Estadual julgando as relações de consumo cujo objeto seja a comercialização de produtos.

Passo a desafiar ambos os entraves postos.

Primeiramente, cito o artigo 3º Código de Defesa do Consumidor:

"Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.".

Importante, também, trazer a redação do artigo 593 do Código Civil: "A prestação de serviços, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo.".

Por uma leitura sistemática dos artigos 593 do CC/2002 e 3º do CDC, tem-se claramente que estas legislações excluíram seu arcabouço de aplicação para as relações de emprego, pois o termo contrato de trabalho era utilizado como termo sinônimo de relação de emprego, isso porque o artigo 442 da CLT assevera que "Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.".

Como ambos os dispositivos vieram à lume antes da EC 45 de 2004, e sob a égide da interpretação do artigo 442 da CLT, este que fazia confusão entre os termos relação de trabalho e relação de emprego, é plenamente justificável que o legislador civil e o consumerista tenham utilizado o termo relação de trabalho para excluir os contratos de emprego do arcabouço de aplicação dos dois diplomas.

Como foi a EC 45 de 2004 que inaugurou real diferenciação entre os termos relação de trabalho e relação de emprego, os dois estatutos citados devem se amoldar à nova ordem constitucional e receber interpretação conforme. Veja-se que a própria Carta Maior, quando de sua redação originária, ainda fazia a confusão acima esquadrinhada, na medida em que no caput do artigo 7º dizia que os direitos dos incisos seguintes seriam pertencentes a todos os trabalhadores, quando nunca ocorreu dúvida que FGTS, décimo terceiro salário, adicional de insalubridade, entre outros, sempre pertenceu à categoria dos empregados e não a dos demais trabalhadores sem subordinação e sem vínculo de emprego.

Querer interpretar os artigos 593 do Código Civil e 3º do Código de Defesa do Consumidor com os olhos voltados no passado e em sua redação apenas gramatical, além de causar diversos inconvenientes de ordem prática, afronta a força normativa de nossa Constituição Federal e as alterações feitas pelo constituinte, como foi a adequação terminológica dada pela Reforma do Judiciário, emprestando os verdadeiros contornos científicos às terminologias trabalho e emprego.

Excluem-se, pois, da incidência do Código Civil e do Consumidor as relações de emprego que são regidas pela CLT, nada além disso.

Havendo relação de trabalho, como já dizemos exaustivamente, é o que basta para fixação da competência da Justiça do Trabalho, pouco importando que se apliquem na resolução da controvérsia regras civis ou consumeristas. Logo, no julgamento das ações oriundas da relação de trabalho sob os cuidados da Justiça Especializada poder-se-á aplicar as seguintes legislações: a) nas relações emprego a CLT e subsidiariamente as demais disposições da legislação comum (artigo 8º); b) nas relações de trabalho sem subordinação, aplicar-se-á o CDC, o CC/2002 ou a legislação extravagante, conforme a relação com que estaria lidando, sem que haja alteração de competência em razão de aplicação de uma norma ou outra.

Competência, questão preliminar, não se confunde com mérito.

Soaria de todo absurdo que após receber a contestação e realizar a instrução processual, o magistrado trabalhista, verificando que terá de aplicar as regras do CDC na solução do caso, declinasse de sua competência. É exatamente a mesma situação, ainda em tempos de competência restrita, se o magistrado após a instrução do feito, verificando que não há relação de emprego, remete-se os autos para julgamento da relação de trabalho pela Justiça Comum, quando deveria apenas rejeitar, no mérito, o pedido de reconhecimento de vínculo e seus consectários.

Equívocos processuais dessa natureza não podem ser admitidos.

O magistrado REGINALDO MELHADO [13] adverte que: "É irrelevante a distinção entre relação de consumo e relação de trabalho, que muitos têm buscado identificar como excludente da hipótese competencial fixada no inciso I do art. 114 da Constituição. Um mesmo fenômeno jurídico pode estar sob o influxo simultâneo de mais de uma norma.".

Já quanto à alardeada cisão da competência, somente por apego à formalidade a as instituições do passado é que se reluta em atribuir a dois ramos do Poder Judiciário a aplicação de uma mesma norma. Não há no Código de Defesa do Consumidor qualquer disposição específica que regula a competência material do órgão jurisdicional para sua aplicação. Muito ao contrário, o CDC deve ser aplicado sempre que houver relação de consumo, independentemente do ramo do Judiciário que está julgando o processo. A jurisdição é una. Não nos esqueçamos disso.

A se pensar da mesma forma que a doutrina citada, chegar-se-ia ao absurdo de dizer que somente a Justiça Comum poderia aplicar o Código Civil, sob pena de, outro órgão o aplicando, ferir o princípio da incindibilidade da competência material. Nada mais absurdo, convenhamos.

O ilustre colega e amigo JOSÉ HORTÊNCIO RIBEIRO JÚNIOR [14] traz novos e engenhosos argumentos para dirimir esta questão, ao asseverar que a relação de consumo é uma relação jurídica secundária, sempre necessitando de uma relação jurídica principal, a qual lhe é antecedente lógico. Em outras palavras: a relação de consumo sempre ocorre posteriormente ao surgimento de uma relação anterior, como no caso da compra de uma televisão, onde antes de se formar a relação de consumo, surgiu a relação civil de compra e venda, de igual forma na contratação de uma corrida de táxi, antes de se estabelecer a relação de consumo ocorre contrato de transporte, e assim em diante quanto a prestação de serviços, mandato, corretagem etc. Em hipóteses que, nada obstante a relação secundária seja uma relação de consumo, mas a relação principal é uma relação de trabalho, nos limites expostos nos tópicos anteriores, a competência é da Justiça do Trabalho.

Com esta definição teórica, passa a ser de fácil diferenciação entre as relações de consumo, àquelas que serão afetas à competência da Justiça do Trabalho, bastando para tanto observar se a relação jurídica primária é ou não uma relação de trabalho. Se for, a competência da Justiça Laboral está configurada, nada obstante no julgamento de mérito possam invocar regras de direito material da legislação civil ou do Código de Defesa do Consumidor.


5 - Lides de natureza previdenciária em face do INSS

Não mais existindo a restrição constitucional em razão das partes que compõe o litígio, como queria a anterior redação do artigo 114 da CF/88, ampliando-se para todas as lides que tenham como causa de pedir remota um contrato de trabalho, agora em tempos de Emenda Constitucional 45 de 2004, afigura-se completamente defensável a competência da Justiça do Trabalho para as lides entre trabalhador ou tomador e o INSS, desde que a controvérsia seja oriunda de uma relação de trabalho.

Para isso é preciso fazer uma interpretação sistemática do inciso I do artigo 109 da CF/88 e do inciso I do artigo 114 da mesma Carta Política, verbis:

"Art. 109 Aos juízes federais compete processar e julgar:

I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

(...)

§ 3º. Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem partes instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.".

A Súmula 689 do STF prevê que: "O segurado pode ajuizar ação contra a instituição de previdenciária perante o juízo federal do seu domicílio ou nas varas federais da Capital do Estado-Membro.".

Pela leitura da regra do artigo 109, constatamos que a competência da Justiça Federal é firmada em razão das pessoas e dos interesses em litígio, pois em todas as vezes que a União ou entidade autárquica, como é o nosso exemplo, for parte na lide, a competência será da Justiça Federal. Essa é a regra geral. No entanto, mesmo que sejam parte no litígio as entidades descritas no caput, falecerá competência à Justiça Federal se as ações versarem sobre falência, acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

Com efeito, a competência da Justiça Federal é residual, na medida em que somente serão de sua competência os litígios que envolvam interesse dos entes alinhados e quando esta lide não for de competência da Justiça do Trabalho. Como a redação anterior do artigo 114 não admitia outro litigante que não fosse o empregador no pólo da ação, não havia a possibilidade do INSS figurar em uma ação trabalhista, salvo em raríssimos casos em que alegado ser o empregador.

O itinerário para fixação da competência da Justiça Federal é em primeiro plano questionar se uma das partes do litígio é a União, entidade autárquica ou empresa pública federal. Se afirmativa a resposta, dever-se-á passar para uma segunda pergunta: Essa ação refere-se à falência, acidente de trabalho ou é sujeita à Justiça Eleitoral ou à Justiça do Trabalho. Se negativa a resposta, aí que se fixará a competência federal; caso contrário, se a competência se enquadrar em um dos incisos do artigo 114, a competência será da Justiça do Trabalho, não havendo espaço qualquer para competência residual federal comum.

A alteração do artigo 114 deu novos ares e alterou, reflexivamente, a regra de competência da Justiça Federal Comum. Como a competência trabalhista era mais restrita, os casos de ações em face do INSS de competência da Justiça do Trabalho também eram restritos. Como aumentou significativamente a competência da Justiça do Trabalho, por corolário existem tantas outras ações que são de sua competência, afastando a regra residual da parte final do caput do artigo 109.

Destarte, caso o litígio entre um tomador ou um prestador de serviços em face do INSS decorrer diretamente de uma relação de trabalho, estará fixada a competência da Justiça Especializada.

Em interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais citados, sempre com vistas nos princípios da máxima efetividade e da inexistência teórica de conflito de normas constitucionais, teríamos a plena convivência dos artigos 109 e 114 da Constituição Federal desde que para os litígios entre o INSS e os segurados ou beneficiários estes sejam decorrentes diretamente da relação de trabalho (v. g. valores devidos por auxílio-doença acidentário, contagem de tempo de serviço, pleito de concessão de aposentadoria por invalidez, liberação das parcelas do seguro-desemprego etc.); de outra banda, quanto a todos os demais pleitos em face da entidade de previdência oficial em que não se discute questão ligada à relação de trabalho (v. g. pensão por morte, auxílio reclusão etc.) será de competência da Justiça Comum, Federal ou Estadual, conforme o caso.

O STF sinaliza neste sentido, pois uma das sete primeiras propostas de Súmulas Vinculantes contempla o entendimento de que a Justiça do Trabalho tem competência para as lides em que se requer o reconhecimento do acidente de trabalho em face do INSS apenas para fins previdenciários, que antes era de indiscutível competência da Justiça Comum.


6 - Relação de trabalho e servidores públicos (estatutários)

Durante a vigência das Constituições anteriores, mormente a Carta de 1967, o Estado mantinha três regimes para seus servidores: o celetista, o estatutário e o especial, este último para os servidores admitidos em serviços de caráter temporário ou contratados para funções de natureza técnica especializada, ex vi do artigo 106 da Constituição de 1967, com redação dada pela Emenda de 69.

Em razão das celeumas interpretativas que surgiam naquele período, o legislador constitucional originário de 1988 resolveu extirpar tal situação, batizando em nosso ordenamento a previsão de dois regimes para os servidores públicos: o regime celetista, para os empregados públicos, e o regime único, para os servidores públicos stricto sensu. Os contratados por prazo determinado para atender situação de excepcional interesse público poderiam ser enquadrados em um ou outro dos regimes jurídicos, cabendo a legislação ordinária de cada ente federal, quando da disciplina das hipóteses de contratação, o enquadramento em um deles.

Após a promulgação da atual Constituição Federal, a doutrina e a jurisprudência mergulharam em caloroso debate acerca da definição da competência da Justiça do Trabalho para dirimir as controvérsias entre os trabalhadores dos dois regimes e os entes da administração pública direta e indireta.

O c. Supremo Tribunal Federal foi instado a se manifestar sobre o problema, tendo nos termos do voto condutor do Ministro CARLOS VELLOSO, na ação direta de inconstitucionalidade nº 492-1, pronunciado pela competência da Justiça Comum para conhecer e julgar as controvérsias entre os servidores estatutários e a Administração Pública, englobados os ocupantes das funções de excepcional interesse público, desde que sujeitos ao estatuto.

Pois bem.

Recentemente, com a publicação da Emenda Constitucional 45/2004, tal sistemática parecia ter sido mudada, em razão da clara redação do inciso I do novel artigo 114 da CF/88, que prescreve que a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar:

"As ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;".

A redação aprovada na Câmara dos Deputados, a qual foi publicada, foi emendada pelo Senado Federal para incluir regra de exceção. A Casa Alta ressalvou a competência da Justiça do Trabalho, para nela não incluir "os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos referidos entes da federação".

Ocorre que a alteração do Senado retornou para nova votação na Câmara, motivo pelo qual foi publicada a emenda sem a ressalva imposta pela casa revisora, contudo a Associação dos Juízes Federais (AJUFE), com apoio político dos servidores públicos estatutários, ajuizou ação direta questionando questão formal da emenda e requerendo interpretação conforme.

Por intermédio de decisão liminar na ADIn nº 3.395-DF, de fevereiro de 2005, o Presidente do Supremo Tribunal Federal reconheceu a competência da Justiça Comum para processar e julgar as ações envolvendo servidores públicos estatutários e o Poder Público, mesmo após a edição da emenda.

Recentemente a liminar foi referendada pelo Plenário do STF.

Oportuno ressaltar que a ação direta de inconstitucionalidade 3.395-DF foi proposta pela Associação dos Juizes Federais (AJUFE), entidade de classe de âmbito nacional que representa os interesses dos juizes federais, como quer a norma do inciso IX do artigo 103 da CF/88 que traz o rol de legitimados ativos.

Como corolário da legitimação ativa para a propositura da ação direta, o Supremo Tribunal Federal, jurisprudencialmente, dividiu o rol de legitimados ativos em dois grupos, quais sejam: legitimados gerais e especiais. Aqueles podem propor a ação direta em qualquer situação; estes somente podem propor a ação direta quando a matéria questionada estiver de acordo com seus fins institucionais, é a chamada pertinência temática do requerimento.

Trago acórdão paradigma relatado pelo e. Ministro MOREIRA ALVES que bem explica essa questão da legitimidade [15], verbis:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS PROFISSÕES LIBERAIS. CNPL. FALTA DE LEGITIMIDADE ATIVA. Na ADI 1.792, a mesma Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNPL não teve reconhecida sua legitimidade para propô-la por falta de pertinência temática entre a matéria disciplinada nos dispositivos então impugnados e os objetivos institucionais específicos dela, por se ter entendido que os notários e registradores não podem enquadrar-se no conceito de profissionais liberais. – Sendo a pertinência temática requisito implícito da legitimação, entre outros, das Confederações e entidades de classe, e requisito que não decorreu de disposição legal, mas da interpretação que esta Corte fez diretamente do texto constitucional, esse requisito persiste não obstante ter sido vetado o parágrafo único do artigo 2º da Lei 9.868, de 10.11.99. É de aplicar-se, portanto, no caso, o precedente acima referido. Ação Direta de Inconstitucionalidade não conhecida.".

Lastreado no posicionamento exposto pelo Excelso Pretório, a ilação lógica é que a Associação dos Juizes Federais não tem legitimação genérica para ajuizar a ADIn em qualquer hipótese, deverá, pois, demonstrar a pertinência temática entre o pedido feito e os fins institucionais da própria associação.

Como a AJUFE defende institucionalmente os interesses dos juizes federais, não teria, por lógico, pertinência temática o seu pleito de declaração de inconstitucionalidade do inciso I do novel artigo 114 da Constituição para declarar a competência da Justiça Estadual para julgar as lides envolvendo servidores públicos estaduais e municipais e os órgãos da Administração dos Estados e Municípios.

Logo, permanecem restritos os efeitos da liminar proferida pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, e referendada pelo Plenário, nos autos da ADIn 3.395-DF, apenas quanto à competência da Justiça Comum Federal para julgar os processos envolvendo servidores estatutários da União. Os servidores públicos estaduais e municipais continuam de competência da Justiça do Trabalho, por falta de pertinência temática da AJUFE no pleito realizado em sede de controle concentrado de constitucionalidade.

E mais. A citada EC 45/2004 também alterou a redação do § 2º do artigo 102 da CF/88 para advertir que, atualmente, somente as decisões definitivas de mérito em ação direta possuem efeitos vinculantes, diversamente da redação anterior que admitia os efeitos erga omnes em sede liminar. Logo, a liminar proferida pelo d. Presidente do STF não possui efeito vinculante para os demais juízes e tribunais do país, somente assim será após seu julgamento definitivo de mérito pelo plenário do Excelso Pretório.

Veja-se a citada novel disposição constitucional do § 2º do artigo 102, verbis: "As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.".

Como não houve decisão definitiva de mérito, não há vinculação, de lege lata. No entanto, a decisão do Excelso Pretório vem sendo observada por todos os órgãos da Justiça do Trabalho, nada obstante as ressalvas que lançamos.

Um último ponto que merece destaque é que a redação publicada não contempla a ressalva feita pelo Senado quanto aos estatutários. Um exemplo simples pode demonstrar o nosso raciocínio. Imagine que a Câmara dos Deputados aprovasse uma emenda atribuindo à Justiça do Trabalho competência para todos os empregados que utilizassem uniforme azul. Todos eles. Já o Senado Federal lança uma ressalva para dizer que concorda que todos os trabalhadores que usam roupa azul no trabalho, salvo os que utilizam azul turquesa. Como a ressalva em relação aqueles que utilizam azul turquesa não foi apreciada pela Câmara, publicou-se o texto geral, que foi por ambas as casas aprovado, incluindo todos os trabalhadores de azul, retornando a ressalva para a apreciação da Câmara dos Deputados.

Enquanto a ressalva que voltou para apreciação da Câmara não for aprovada e publicada, fica a competência geral, ou seja, todos os trabalhadores que usam todos os tons de azul no uniforme são de competência da Justiça do Trabalho. Somente se e quando for aprovada a ressalva é que se autorizará interpretação de forma restrita e seletiva em relação aos que utilizam uniforme azul turquesa.

É exatamente o que ocorreu na hipótese da Emenda 45 de 2004.

A ressalva do Senado Federal em relação aos estatutários ainda não foi apreciada pela Câmara dos Deputados, mas o Supremo Tribunal Federal, data máxima venia, já se apressou em interpretar a regra do inciso I com a ressalva não aprovada, fazendo as vezes de legislador positivo, prática condenada pelo próprio Tribunal. E se, por acaso, a Câmara resolver rejeitar a ressalva do Senado, será que o Excelso Pretório vai rever sua decisão? E as situações já consolidadas durante o período de vigência e vinculação [16] da decisão liminar?


7 - Jurisdição internacional e imunidades: jurisdição e execução.

É princípio comezinho do direito das gentes que os entes soberanos não se submetem às ditames de outro ente igualmente soberano. A partir desta idéia as relações internacionais passaram a se desenvolver.

Nada obstante o princípio em comento, a Constituição Federal, desde a redação originária do artigo 114, atribuiu à Justiça do Trabalho competência para julgar as ações envolvendo os entes de direito público externo. Variadas posições surgiram para questionar e restringir essa competência constitucional.

Nessa linha de raciocínio, passou a ser de entendimento corriqueiro a existência de imunidades de jurisdição e execução de entes internacionais, de modo que a jurisprudência que primeiro se firmou foi pela impossibilidade de submissão dos entes ao Poder Judiciário nacional. Somente com expressa renúncia destes às imunidades é que se admitia a jurisdição. Em um segundo passo, firmou-se posição pela possibilidade de julgamento, sem necessidade de renúncia, mas para os atos de execução, que importariam ataque à soberania dos entes externos, a renúncia expressa continua a ser exigida pela maioria dos Tribunais e pelo c. STF.

Vejamos o posicionamento prevalente da maioria dos Tribunais:

"IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO - AÇÃO DE CONHECIMENTO E DE EXECUÇÃO TRABALHISTA E OS ENTES DE DIREITO PÚBLICO EXTERNO - A Constituição Federal de 1988, em seu art. 114, estabeleceu a competência da Justiça do Trabalho para conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo. Como se denota, a partir da nova ordem constitucional, os entes de direito público externo sujeitam-se à jurisdição trabalhista brasileira. Portanto, quanto ao processo de conhecimento à competência é incontroversa, o que não ocorre quanto à execução trabalhista. Será que é possível a execução da sentença diante da impenhorabilidade pela jurisdição trabalhista quanto aos bens de uma embaixada brasileira? O art. 114 da Constituição Federal só assegura a jurisdição trabalhista para a ação de conhecimento, não se justificando a execução forçada contra o ente de direito público externo. Não há como se impor à execução forçada, com a penhora de bens do recorrente, sob pena de violação do seu território. A competência trabalhista, no máximo, estará circunscrita até o momento da exata liquidação do presente feito, com a prolação da sentença de liquidação pelo MM. Juízo a quo e com a expedição do ofício, observando-se o procedimento diplomático cabível." (TRT 2ª R. - RO 02791199644502006 - 4ª T. - Rel. Juiz Paulo Augusto Camara - DJSP 12.03.2004 - p. 227).

Muito embora o entendimento dominante da doutrina e jurisprudência seja pela imunidade de execução, salvo em caso de renúncia expressa, muitos dos organismos internacionais passaram a celebrar com o Brasil Tratados Internacionais com o escopo de positivar essa posição, entre eles a Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, da qual o Brasil é signatário e de igual forma a incorporou em nosso ordenamento por intermédio do Decreto 27.784/50.

Com objetivo de questionar a posição decantada, sempre fazemos a indigação se os referidos tratados internacionais, ratificados pelo Brasil, estão em consonância com o ordenamento constitucional?

Tentando responder esta pergunta, julguei ação deveras curiosa, na qual entendi pela inconstitucionalidade do referido tratado, motivo pelo qual conclui pela possibilidade de submeter os entes internacionais à jurisdição e execução.

Segue o resumo de minha fundamentação [17]:

É ponto pacífico na doutrina e jurisprudência pátria que os tratados internacionais que o Brasil seja signatário, após ratificados pelo Decreto Executivo e incorporados em nosso ordenamento, adquirem status de lei ordinária, vale dizer, mesmo após a sua admissão em nosso ordenamento, as normas internacionais devem guardar relação de dependência com as normas constitucionais, face à teoria triangular de HANS KELSEN, de onde a Carta Política de um povo irradia efeitos de validade para todas as demais normas do sistema.

Com efeito, se os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como é o caso do invocado pelo requerente (Decreto 27.784/50), afrontam qualquer norma ou princípio da Constituição Federal, estes devem ser declarados inconstitucionais, sem que isso signifique a denúncia internacional da avença.

O magistrado condutor do feito tem garantida a faculdade de analisar incidentalmente (incidenter tantum), em controle difuso de constitucionalidade, a compatibilidade material e formal hierárquica da legislação ordinária com à Carta Magna de 1988 e, em se constatando a incompatibilidade, declarar com efeitos inter partes a inconstitucionalidade do dispositivo invocado.

Na hipótese, a indigitada imunidade prevista no Decreto 27.784/50 – Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas – afronta as normas e princípios mais comezinhos de proteção à pessoa do trabalhador, senão vejamos:

A dignidade da pessoa humana (inciso III do artigo 1º); os valores sociais do trabalho (inciso IV do artigo 1º); valorização do trabalho e justiça social (artigo 170); função social da propriedade (inciso III do artigo 170); busca do pleno emprego (inciso VIII do artigo 170), entre tantos outros.

A toda evidência a normatização ordinária afronta os ditames da Constituição, quando quer obter o benefício de aproveitar da força de trabalho do operário e após invoca a imunidade para não quitar as verbas devidas, razão pela qual não há outra conclusão que não àquela que a imunidade de jurisdição e execução, além de ser deveras discutível juridicamente, por isso a existência de decisões vacilantes, é flagrantemente inconstitucional.

Nesse particular, faço minhas as lições de CARLOS MAXIMILIANO [18]:

"A Constituição é a ossatura de um sistema de governo, um esqueleto de idéias e princípios gerais, que formam o núcleo, o credo, o dogma fundamental de um regime, o diálogo político de um povo. Não pode especificar todos os direitos, nem mencionar todas as liberdades. A lei ordinária, a doutrina e a jurisprudência completam a obra, sem desnaturá-la, revestindo e não deformando, o arcabouço primitivo. Nenhuma inovação se tolera em antagonismo com a índole de regime, nem com os princípios firmados pelo código supremo. Portanto, não é constitucional apenas o que está escrito no estatuto básico, e sim o que deduz do sistema por ele elastecido, bem como o conjunto de franquias dos indivíduos e dos povos universalmente considerados.".

De outro giro, acrescento que a idéia de imunidade está vincada na garantia da soberania territorial dos Estados internacionais, de forma que é vedada a interferência da jurisdição alienígena nos limites territoriais do ente internacional, o qual não se submete à execução da Justiça brasileira, quando esta pretenda adentrar em território internacional, assim também considerados as embaixadas e demais bens imóveis fincados em solo nacional.

Ocorre que a presente execução se processa em território nacional, sem determinação de qualquer ordem que golpeie a soberania do ente internacional, pelo que é juridicamente possível o seu prosseguimento.

Logo, não há falar em imunidade de jurisdição ou de execução do requerente, com muito mais razão quando tal questão já foi exaustivamente discutida na fase cognitiva, inclusive com abuso de medias judiciais para obstar à atividade executiva estatal, quando alcançou o status de coisa julgada material.

Ressalto, por oportuno, que o magistrado condutor do feito está adstrito apenas à sua consciência e as norma legais para proferir sua decisão (livre convencimento motivado), não lhe sendo imperativo obediência à qualquer precedente jurisprudencial, sequer do e. STF, muito menos de qualquer outro Tribunal, pelo que a existência de sentenças divergentes é aceita em nossa processualística, fundamento de validade este para a uniformização pelos pretórios, razão pela qual não tem qualquer peso jurídico as decisões juntadas.

Contudo, a posição por nós externada no julgado citado foi objeto de recurso, cuja medida cautelar chegou a julgamento do STF. A d. Presidente do STF concedeu a liminar para liberação dos numerários bloqueados. Mas, com grande felicidade, consegui ver no julgamento Plenário o e. Ministro CELSO DE MELLO rever seu posicionamento e alinhar-se à nossa tese, mantendo a decisão, de igual forma o Ministro CARLOS BRITTO após votar com a maioria, refluiu em sua posição e também votou com a divergência, pedindo vista para fundamentar seu voto. Os dois ilustres Ministros votaram pelo afastamento das ditas imunidades.

Oxalá que, brevemente, a jurisprudência do STF possa ser revista.

Alguns Tribunais do Trabalho tem avançado neste diapasão:

"ORGANISMOS INTERNACIONAIS - IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO TRABALHISTA - INEXISTÊNCIA - Considerando a modificação dos paradigmas em que se sedimentou a postura delineadora das imunidades, é exigida a atuação do Estado no sentido de garantir ao trabalhador o acesso ao Poder Judiciário pelo malferimento aos preceitos básicos aplicáveis aos contratos de emprego firmados no âmbito nacional e em garantia aos valores de cidadania, à luz da propalada democracia, independentemente de figurar no pólo ativo da avença Estado estrangeiro ou Organismo Internacional, por não se aplicar a jurisdição nacional do Estado estrangeiro ou a do Tribunal Administrativo das Nações Unidas (TANU), uma vez que não se está a discutir questões peculiares ou regras próprias a que se submetem as relações de referidos funcionários, mas sim as regras mínimas de proteção ao trabalho vigentes no país da contratação e execução dos serviços." (TRT 20ª R. - RO 00911-2004-005-20-00-1 - (1398/05) - Rel. Juiz Eliseu Pereira do Nascimento - J. 24.05.2005).


8 - Alteração de competência: conhecimento e execução.

Para as ações que tramitam na fase de conhecimento, aplica-se a regra do artigo 87 do CPC, o qual adverte que a competência se firma no momento da propositura da ação, sendo irrelevante qualquer alteração posterior, consagrando o princípio da perpetuatio jurisdictionis. Contudo, o dispositivo legal invocado traz duas exceções à regra: quando as alterações posteriores abarcarem modificação de competência material ou competência hierárquica. Por se tratar as alterações da Emenda 45 de 2004 de competência material, por corolário, todos os processos que tramitam em outros ramos do Poder Judiciário, e que se encontram em fase de conhecimento, devem ser remetidos para a Justiça do Trabalho, a qual aproveitando os atos processuais dará seguimento ao feito.

A doutrina ensina que referida regra não se aplica, no entanto, aos processos em fase de execução, pois quanto a estes o artigo 87 do CPC cede passo ao artigo 575 do mesmo diploma processual. A regra geral da competência para a execução dos títulos executivos judiciais é de que o mesmo juízo que proferiu a decisão em primeiro grau de jurisdição, na fase de conhecimento, é o competente para executar o título, conforme inciso II do artigo 575 do CPC:

"Art. 575 A execução, fundada em título judicial, processar-se-á perante: (...) II - o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição.".

Nesse sentido, a unanimidade da doutrina entende pela manutenção dos processos em execução nos limites da Justiça Comum, sem haver remessa dos processos afetos a nova competência do artigo 114 para a Justiça do Trabalho.

Todavia, divirjo de tal posicionamento, por uma razão muito simples.

Durante muito tempo debateu-se na doutrina e jurisprudência pátria a natureza do critério competencial citado; se é relativo, passível de deslocamento, ou se é absoluto, insuscetível de modificação. Caminhavam no sentido da possibilidade de modificação vários doutrinadores de nomeada, entre os quais PONTES DE MIRANDA [19] e AMÍLCAR DE CASTRO [20], defendendo que o título poderia ser executado em juízo diverso daquele que proferiu a decisão da fase cognitiva, pois a mens legis era a facilitação do acesso ao judiciário para o exeqüente.

Com fundamento na possibilidade de modificação de competência do inciso II do artigo 575 do CPC, muitas decisões passaram a admitir a execução em juízo diverso, com muito mais razão naquelas hipóteses de modificação do critério material da competência, como é a situação desvendada pela EC 45/2004, passando-se a admitir a execução no ramo do Poder Judiciário que posteriormente à formação do título passou a ser materialmente competente.

Leciona neste sentido o ilustre Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI [21], senão vejamos: "Há situações concretas em que a competência – absoluta – do ‘juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição’ (CPC, art. 575, II), é inconciliável com regra de competência – também absoluta – prevista na Constituição, caso em que o dispositivo do Código cede passo à norma hierarquicamente superior.".

As novas alterações do CPC refletem com exatidão essa tendência outrora já ressaltada por PONTES DE MIRANDA quanto ao caráter relativo da competência executiva, quando no novel artigo 475-P reafirma a competência do juízo que processou a causa no primeiro grau de jurisdição para a execução, mas no parágrafo único traz a seguinte relativização:

"No caso do inciso II do caput deste artigo, o exeqüente poderá optar pelo juízo do local onde se encontram bens sujeitos à expropriação ou pelo do atual domicílio do executado, casos em que a remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem.".

A jurisprudência mais atual do STJ, mesmo anterior às alterações do CPC, já se manifestava neste diapasão:

"I – No confronto entre a competência do juiz que julgou a causa em primeiro grau, para os julgados que proferiu, e a competência ratione personae da Justiça Federal, fixada na Constituição, deve prevalecer esta última. II – A competência da Justiça Federal é definida em sede constitucional em razão das pessoas que figuram na relação processual como autor, réu, assistente ou oponente, não logrando ser ampliada por qualquer razão. III – Conforme afirmou esta Seção no CC 16.397-7-RJ, por mim relatado, com suporte principalmente na doutrina de Amílcar de Castro, somente na hipótese do inciso I a competência para a execução, prevista no art. 575, CPC, é absoluta." (STJ – CC 17897/SC – 2ª Seção – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – DJU 02.08.1999).

Para finalizar, colho da lição nascida da pena genial do maior dos constitucionalistas, o Professor JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO [22], verbis:

"Um dos mais importantes princípios constitucionais a assinalar nesta matéria é o princípio da indisponibilidade de competências ao qual está associado o princípio da tipicidade de competências. Daí que: de acordo com esse último, as competências dos órgãos constitucionais sejam, em regra, apenas as expressamente enumeradas na Constituição; de acordo com o primeiro, as competências constitucionalmente fixadas não possam ser transferidas para órgãos diferentes daqueles a quem a Constituição as atribuiu.

Dada a convergência destes dois princípios, compreende-se que, pelo menos em relação aos órgãos de soberania, as competências legais, ou seja, as competências atribuídas por via de lei, devam ter fundamento constitucional expresso.".

Logo, estamos convencidos que em relação aos processos em que a competência cognitiva tenha sido de ramo diverso do Poder Judiciário, mesmo após o trânsito em julgado, mas que após a publicação da EC 45/2004 a matéria tratada foi alcançada pela ampliação de competência da Justiça do Trabalho, deve ser por este órgão executado o título, pois a norma geral, de natureza infraconstitucional, do Código de Processo Civil (inciso II do artigo 575), deve ceder espaço à norma específica prevista na Constituição Federal (inciso I do artigo 114), em obediência aos princípios da máxima efetividade das normas constitucionais, da tipicidade e da indisponibilidade de competências constitucionais.

Não nos esqueçamos que é a legislação infraconstitucional que deve ser interpretada com os olhos voltados para a Constituição e não o contrário, como faz a maioria, que nada obstante a novel regra do inciso I do artigo 114 da CF/88 continua colhendo no artigo 575 do CPC fundamento para manter a execução nos limites do ramo do Judiciário que formou o título. Se este posicionamento antes se observava sem maiores discussões, é fora de dúvida que a alteração competencial da Carta Maior deve refletir juízo de inconstitucionalidade a todas as interpretações que visem tolher a competência constitucional com base na legislação ordinária.

Esse posicionamento não significa dizer que o artigo 575 do CPC não foi recepcionado pelo inciso I do artigo 114 da CF, mas apenas que a aplicação dele na fixação de competência trabalhista não deve ser observada, utilizando-se da técnica da interpretação conforme à constituição, pois a sua aplicação para as ações de competência da Justiça do Trabalho é inconstitucional, em nada alterando a sua plena vigência em relação ao processo civil.


9 - Competência criminal da Justiça do Trabalho.

Existia competência penal antes da EC 45 de 2004?

O entrave da competência em razão das pessoas, firmada na anterior redação, não deixava caminhar neste sentido, pois sempre foi o Ministério Público o órgão legitimado para propor a persecução penal, mesmo nas hipóteses em que a ação penal fosse privada, dependendo de manifestação do ofendido (queixa-crime). Mesmo assim, a doutrina penal é unânime que nada obstante o ofendido pudesse propor a ação penal privada, era o Parquet sua titular; neste caso, ocorria mera substituição processual, extraordinária e prevista expressamente em lei.

Com a extinção do entrave da competência em razão das pessoas, parece, a princípio, que o novel artigo 114 não mais apresenta qualquer ressalva quanto a competência penal da Justiça do Trabalho. Que fique bem claro: desde que a lide tenha nascido diretamente de uma relação de trabalho.

A redação atual da Constituição, atribuindo competência em razão da matéria, é justamente uma das formas de atribuição de competência penal.

Vejamos o artigo 69 do CPP:

"Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:

I - o lugar da infração;

II - o domicílio ou residência do réu;

III - a natureza da infração;

IV - a distribuição;

V - a conexão ou continência;

VI - a prevenção;" (grifei e sublinhei).

Não se deve confundir o princípio da reserva legal do direito material penal com a inexistência deste princípio em sede de direito processual penal.

Mesmo que para alguns, com os quais não concordamos, não vejam no texto do inciso I do artigo 114 a competência criminal da Justiça do Trabalho, ainda assim o inciso IX é de grande valia, pois legitima a integração da norma constitucional, com a utilização de normas processuais penais (v. g. art. 69 do CPC), para, indiscutivelmente, atribuir jurisdição penal à Justiça Laboral.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do CC 6979-1, já decidiu que o habeas corpus, mesmo quando de sua utilização para questionar prisão civil, tem natureza jurídica desenganadamente penal, de sorte que este remédio heróico, de indiscutível competência da Justiça do Trabalho, aponta no sentido de que pelo menos, em alguns casos, pode sim a Justiça do Trabalho julgar ações penais.

Mais um dado é esclarecedor, vez que no mesmo artigo 114, o inciso II prevê expressamente que a Justiça do Trabalho é competente para julgar as ações que envolvam o exercício do direito de greve. Por conseqüência, ao verificar a lei de greve (Lei 7.783/89), é de clareza solar a disposição de seu artigo 15 que atribuí competência criminal à Justiça do Trabalho, verbo ad verbum:

"Art. 15 A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal.

Parágrafo único. Deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura de competente inquérito e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito.".

Logo, certo estamos da competência criminal da Justiça do Trabalho.

Qual o limite desta competência criminal? Qualquer crime decorrente da relação de trabalho será de competência da Justiça do Trabalho? O patrão que mata um empregado em razão de discussão acalorada durante o serviço será julgado em Tribunal do Júri a ser realizado na Justiça Laboral?

Pensamos que não.

Para nós, conforme a mais abalizada doutrina penal, somente será de competência da Justiça do Trabalho os crimes que dependam, hipoteticamente, do elemento relação de trabalho para sua configuração criminal típica.

Como conclusão coerente, pensamos que somente se configuraria competência criminal da Justiça do Trabalho quando a existência da relação de trabalho fosse necessária elementar do tipo penal (fato típico) e não mera circunstância do crime, como nos casos dos artigos 149, 197 a 207, 216-A do Código Penal, onde o crime sequer em tese se aperfeiçoaria (tipicidade) se não houvesse a relação de trabalho como elemento essencial.

Com esta conclusão, fácil fica fazermos uma necessária delimitação: é de competência da Justiça do Trabalho o delito penal-trabalhista e não os crimes comuns decorrentes mediata ou imediatamente da relação de trabalho.

Por último, poder-se-iam objetar alguns mais conservadores que o inciso VI do artigo 109 da CF/88 estaria, de forma expressa, a atribuir competência para julgamento dos crimes contra a organização do trabalho para a Justiça Federal.

Vejamos a norma constitucional:

"Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

(...)

VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;".

No entanto, a doutrina e jurisprudência pátria, após longos debates, já interpretaram o referido dispositivo, atribuindo competência para a Justiça Federal apenas nos casos de violação penal de transcendência coletiva e com repercussão geral na organização do trabalho (Súmula 115 do extinto TRF).

Destarte, os crimes de natureza individual contra a organização do trabalho deslocar-se-iam da Justiça Comum Estadual para a Justiça do Trabalho, em alento ao que acabamos de defender algures.

Entendemos, também, que norma ordinária infraconstitucional poderá integrar o inciso IX do artigo 114, atribuindo para a Justiça do Trabalho competência para julgar ações que nada obstante a relação de trabalho não seja elementar do tipo (delitos penais-trabalhistas) a relação de trabalho esteja em conexão com a ocorrência do delito (crimes comuns decorrentes da relação de trabalho).

E este parece ser o posicionamento do c. Supremo Tribunal Federal, que em julgamento recente em ação direta, entendeu que não se colhe competência penal direta do inciso I do artigo 114 da CF/88, mas nada obsta que o legislador crie legislação que atribua essa competência, utilizando-se do permissivo do inciso IX do citado artigo 114 da Carta Magna. Por ora, a posição que defendemos não encontra ressonância prática, diante da liminar concedida pelo Excelso Pretório.


10 - Reflexos da emenda nas questões processuais.

Questão secundária, mais não menos importante, que surgiu com a ampliação da competência foi a aplicabilidade do sistema processual trabalhista ou comum para as novas ações alheias à relação de emprego.

Após os primeiros debates, chegou-se a conclusão quase unânime, com as qual comungamos, que todos os processos que tramitarão perante a Justiça Especializada, seja de que natureza for, trabalhista, administrativa ou civil, obedecerão, no que couber, o procedimento previsto na CLT (artigo 763), com a única exceção quanto aos procedimentos dispostos em leis especiais, como são os remédios heróicos do inciso IV do artigo 114 da CF/88. Em conclusão: se existe procedimento especial, aplicar-se-á este; se o procedimento utilizado é o ordinário do Código de Processo Civil, passará a se utilizar o procedimento disposto na Consolidação das Leis do Trabalho, notadamente quanto à prazos, hipóteses recursais, custas, depósito recursal etc. Continua aplicável de forma subsidiária a legislação processual ordinária quando omissa a Consolidação (artigo 769).

A Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 5ª Região, em importante seminário para discussão das questões afetas à nova competência da Justiça do Trabalho, extraiu dos debates travados importantes conclusões. Uma das quais, representada pelo verbete nº 12, que coaduna com a sistematização processual feita no parágrafo supra. Vejamos o que diz o TRT baiano:

"RITO APLICÁVEL EM RELAÇÃO ÀS AÇÕES OBJETO DA NOVA COMPETÊNCIA. Aplicam-se os procedimentos previstos na CLT, mais consentâneos com os princípios de celeridade, simplicidade e gratuidade, ressalvados os ritos especiais previstos em legislação específica.".

O Tribunal Superior do Trabalho publicou a Instrução Normativa 27 de 2005, que em seu artigo 1º adverte:

"As ações ajuizadas na Justiça do Trabalho tramitarão pelo rito ordinário ou sumaríssimo, conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, excepcionando-se, apenas, as que, por disciplina legal expressa, estejam sujeitas a rito especial, tais como o mandado de segurança, o habeas corpus, o habeas data, a ação rescisória, a ação cautelar e a ação de consignação em pagamento.".

Esvaiu-se, pois, as discussões, com a pacificação de procedimentos.


11 – Intervenção de Terceiros na Justiça do Trabalho

Pela antiga redação do artigo 114 da CF/88 era extreme de dúvidas que a Justiça do Trabalho era competente apenas para solucionar as lides oriundas da relação de trabalho (competência material), desde que os litigantes fossem os trabalhadores e empregadores (competência em razão das pessoas), motivo pelo qual não se admitia as modalidades de intervenção de terceiros, regra geral, visto que, normalmente, a lide conexa tinha em um de seus pólos partes estranhas aos dos empregados e empregadores. No entanto, em hipóteses especialíssimas, caso em que o terceiro era empregado ou empregador, era admitida a intervenção.

Contudo, após a EC 45/2004, a restrição em razão das pessoas dos trabalhadores e empregadores foi suprimida do texto do novel artigo 114 da CF/88, razão pela qual, hodiernamente, em nível constitucional não há qualquer vedação para a aceitação de pessoas que não os empregados e empregadores em litígios na Justiça do Trabalho, abrindo a possibilidade, por conseguinte, da aplicação do CPC quanto às modalidades de intervenção de terceiros no processo do trabalho, vez que a CLT é omissa e o artigo 769 autoriza a subsidiariedade.

Com efeito, não basta apenas a omissão da CLT para dar ensejo a aceitação irrestrita das modalidades de intervenção de terceiros do CPC no processo do trabalho, isso porque o artigo 769 da Consolidação é cristalino ao advertir que: "Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.". (grifei).

Pela redação legal, tem-se que não basta a mera omissão na CLT, mas também que os institutos importados do processo comum sejam compatíveis com as normas do processo do trabalho, quais sejam celeridade, efetividade etc.

A intervenção de terceiros em muitos casos acaba por prejudicar a celeridade do processo, princípio este ora assegurado constitucionalmente (inciso LXXVIII do artigo 5º da CF/88), causando tumulto desmedido ao processo, devendo ser analisada, por isso, com ressalvas.

Em suma, em cada caso concreto, o magistrado poderá analisar se a modalidade de intervenção de terceiros requerida é compatível ou não com as normas da CLT e os princípios do processo do trabalho. A rejeição do pedido por se revelar decisão de natureza interlocutória não desafia recurso imediato, salvo em casos excepcionais em que o mandado de segurança pode atacar a decisão.


Notas

  1. A Reforma do Judiciário e os Novos Marcos da Competência Material da Justiça do Trabalho no Brasil. In Nova Competência da Justiça do Trabalho, Coordenadores Grijalbo Fernandes Coutinho e Marcos Neves Fava, LTr, 2005, pág. 151.
  2. Relação de Trabalho: Enfim, o Paradoxo Superado. in Nova Competência da Justiça do Trabalho, Coordenadores Grijalbo Fernandes Coutinho e Marcos Neves Fava, LTr, 2005, pág. 54.
  3. Curso de Direito do Trabalho, 3ª edição, LTr, 2002, pág. 279/280.
  4. Curso de Direito do Trabalho, 19ª edição, Saraiva, 2005, pág. 25.
  5. Curso de Direito do Trabalho, 2ª edição, Renovar, 2002, pág. 03.
  6. Saúde no Trabalho: uma revolução em andamento, SENAC, 2003, pág. 37.
  7. Contratos, Forense, 1990, pág. 93/94.
  8. A Competência da Justiça do Trabalho e a Nova Ordem Constitucional. in Nova Competência da Justiça do Trabalho, Coordenadores Grijalbo Fernandes Coutinho e Marcos Neves Fava, LTr, 2005, pág. 255.
  9. STF – Pleno – CC 6.959-6 – Rel. Ministro Sepúlveda Pertence – DJU 23.05.1990.
  10. Instituições de Direito Processual Civil, volume I, 5ª edição, Malheiros, 2005, pág. 446/447.
  11. A título de exemplo e como reforço de nossa fundamentação, vide tópico final deste artigo, quando trazemos projeto de lei que visa regulamentar o citado inciso IX do artigo 114, estendendo a competência material trabalhista para outras controvérsias decorrentes (reflexamente) da relação de trabalho (§ 2º do artigo 683-A da CLT), as quais não possuem a relação de trabalho como fato essencial da causa de pedir da ação.
  12. A Nova Competência Trabalhista para Julgar Ações Oriundas da Relação de Trabalho, in Revista do Tribunal Superior do Trabalho, vol. 71, nº 1, jan/abr 2005, pág. 246 e seguintes.
  13. Da Dicotomia ao Conceito Aberto: As Novas Competências da Justiça do Trabalho. in Nova Competência da Justiça do Trabalho, Coordenadores Grijalbo Fernandes Coutinho e Marcos Neves Fava, LTr, 2005, pág. 324.
  14. Competência laboral – Aspectos processuais, in Nova Competência da Justiça do Trabalho, Coordenadores Grijalbo Fernandes Coutinho e Marcos Neves Fava, LTr, 2005, pág. 240/243.
  15. STF – ADI 2482 – MG – Rel. Min. Moreira Alves – DJU 25.04.2003 – p. 32.
  16. Discutível, pois, conforme já defendemos.
  17. 01699.2001.003.23.00-8 do TRT da 23ª Região.
  18. Comentários à Constituição Brasileira de 1946, Freitas Bastos, 4ª edição, vol. III, pág. 175.
  19. Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, Tomo IX, pág. 161.
  20. Comentários ao Código de Processo Civil, 3ª edição, Revista dos Tribunais, pág. 33.
  21. Processo de Execução, 3ª edição, Revista dos Tribunais, 2004, pág. 128.
  22. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, Livraria Almedina, 2004, pág. 546/547.

Autor

  • André Araújo Molina

    André Araújo Molina

    Doutorando em Filosofia do Direito (PUC-SP), Mestre em Direito do Trabalho (PUC-SP), Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual Civil (UCB-RJ), Bacharel em Direito (UFMT), Professor da Escola Superior da Magistratura Trabalhista de Mato Grosso e Juiz do Trabalho Titular na 23ª Região.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOLINA, André Araújo. Competência material trabalhista. Critério científico para interpretação do inciso I do artigo 114 da CF/88. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2128, 29 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12723. Acesso em: 26 abr. 2024.