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O idoso e o regime de bens no casamento.

Críticas à opção legislativa do Código Civil de 2002

O idoso e o regime de bens no casamento. Críticas à opção legislativa do Código Civil de 2002

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Não mais se justifica impor ao idoso o regime da separação de bens, pois não é plausível admitir, com base apenas no fator idade, que a pessoa não tenha capacidade de escolher o regime de bens que melhor lhe atenda.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A autonomia privada está presente em todos os ramos do Direito Civil e se revela em vários aspectos no Direito de Família. O que interessa ao presente trabalho diz respeito à manifestação da autonomia privada dos cônjuges quando da escolha do regime de bens que vigorará no casamento, que pode ser considerado como o contrato que determina as regras incidentes sobre as questões patrimoniais relacionadas ao casamento.

Serão apresentados breves e concisos apontamentos sobre as principais características que envolvem o instituto jurídico em exame, os princípios que o regem e as modificações apresentadas no Código Civil de 2002. Questões polêmicas serão abordadas, como a vigência da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, o procedimento de modificação do regime de bens e a ausência de tal imposição na união estável.

Como tema central deste trabalho, está o regime da separação obrigatória de bens, que é imposto a toda pessoa maior de 60 (sessenta) anos que queira realizar casamento.

Serão vistos os possíveis motivos que fundamentaram a opção legislativa de se impor tal regime ao sexagenário. O objetivo deste trabalho é demonstrar que, nos dias atuais, não mais se justifica impor ao idoso o regime da separação de bens, pois não é plausível admitir, com base apenas no fator idade, que a pessoa não tenha capacidade de escolher o regime de bens que melhor lhe atenda.

Em complemento, o estudo objetiva verificar que o artigo 1.641, II, do Código Civil ofende direitos constitucionais básicos, como dignidade, igualdade, liberdade e isonomia, pois retira do idoso a sua possibilidade de autodeterminação quando da realização do casamento. Ou seja, com base em um único fator, a idade, a lei conclui que o idoso não detém discernimento pleno para o exercício de suas atividades. Pode praticar vários atos, mas não pode simplesmente escolher o regime de bens que melhor atenda aos seus interesses.

Será visto que tramitam no Congresso Nacional diversos Projetos de Lei que visam a revogação do citado dispositivo, justamente pela sua flagrante inconstitucionalidade.

Ao final, este trabalho defende que é possível ao idoso pretender a alteração do regime da separação obrigatória após o enlace matrimonial, através de ação judicial proposta por ambos os cônjuges, onde fique provada a plena capacidade de exercícios dos atos da vida civil, tudo com base na regra geral de modificação do regime de bens, presente no artigo 1.639, § 2º do Código Civil.


2. PRINCIPAIS APONTAMENTOS SOBRE O REGIME DE BENS NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

Com a realização do casamento, surge para os cônjuges direitos e deveres de ordem pessoal e patrimonial. Com relação a esta última, que é a que interessa ao presente trabalho, se verifica a necessidade de estipular quais serão as regras que irão regulamentar os aspectos econômicos e patrimoniais da sociedade conjugal.

Em especial, é preciso estabelecer normas para disciplinar, entre outras situações, a eventual partilha de bens decorrente da dissolução da sociedade conjugal, a aquisição de bens na constância do casamento, ainda que fruto de doação ou herança, a alienação desses bens, a necessidade de outorga do cônjuge, entre outras situações envolvendo o patrimônio do casal.

Além disso, é preciso estabelecer se os bens adquiridos na constância da sociedade conjugal irão ou não compor o patrimônio do casal ou se, ao contrário, irão compor apenas o patrimônio individual de cada cônjuge.

Para que todas essas situações possam ser solucionadas, o legislador criou o chamado regime de bens, cuja disciplina está prevista a partir do artigo 1.639 do Código Civil de 2002. Grande parte da doutrina leciona que o regime de bens pode ser entendido como o estatuto ou complexo de normas que regulamentam os interesses patrimoniais dos cônjuges. [01]

Pode-se concluir que não há casamento sem prévia estipulação quanto ao regime de bens, sendo importante registrar que também na união estável o legislador determinou que a relação entre os companheiros, no que diz respeito ao aspecto patrimonial, deve ser disciplinada através do regime de bens, conforme se verifica no artigo 1.725 do Código Civil. Na ausência de contrato de convivência, prevalece o regime da comunhão parcial.

O Código Civil de 2002 apresenta como opção aos nubentes quatro diferentes regimes de bens: comunhão universal, comunhão parcial, separação de bens e participação final dos aquestos. Os cônjuges podem escolher entre um desses regimes, como também podem promover a escolha de regimes mistos, que tenham suporte nas características dos regimes previstos no Código. É o que se extrai, sem nenhuma dificuldade, do artigo 1.639 do C.C/2002, quando estabelece que aos nubentes é lícito estipular, quanto aos bens, o que melhor atender às necessidades do casal, desde que a escolha seja adequada às regras previstas na lei.

Não há dúvidas que mais uma vez o legislador privilegiou a autonomia privada [02] dos cônjuges, quando lhes permite escolher um dos regimes tipificados no Código ou mesclar as regras desses regimes, criando um regime misto, adequado às necessidades e conveniências do casal.

O Código Civil de 1.916 trazia a previsão do regime dotal, que não se verifica mais no Código Civil de 2002. Como novidade, está o regime da participação final dos aquestos. Outra novidade do Código de 2002 em relação ao de 1.916 é a opção legislativa de se adotar o regime da comunhão parcial como o regime legal. No Código de 1.916, prevalecia a comunhão universal.

Regime legal é aquele que prevalece diante da inércia dos nubentes na escolha do regime de bens ou no caso de nulidade ou ineficácia da convenção. Tal conclusão é extraída do caput do artigo 1.640 do C.C/2002, quando determina que "não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial".

O mesmo pode ser dito da união estável, uma vez que o artigo 1.725 estabelece que "na união estável, salvo contrato escrito entre os cônjuges, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens".

Dessa forma, não havendo por parte dos nubentes a escolha quanto ao regime de bens, prevalecerá o regime da comunhão parcial de bens. O parágrafo único do artigo 1.640 estabelece que a opção pelos demais regimes deverá ser precedida de pacto antenupcial, lavrado através de escritura pública.

O pacto antenupcial é disciplinado nos artigos 1.653 a 1.657 do C.C/2002 e pode ser entendido como o contrato solene, já que exige a escritura pública como requisito de validade, que precede o casamento e no qual as partes acertam o regime de bens que vigorará entre elas durante o matrimônio. [03]

O pacto antenupcial deve ser lavrado perante o Cartório de Notas e encaminhado ao Cartório de Registro Civil onde se realizará o casamento. Feito isto, o artigo 1.657 do C.C/2002 determina que é necessária a averbação do pacto junto ao Cartório de Registro de Imóveis para que os efeitos da convenção tenha validade perante terceiros.

Maria Helena Diniz traz interessante abordagem sobre os princípios que norteiam o regime de bens. Segundo a festejada professora, o regime de bens está envolto pelos princípios da variedade de regime de bens, liberdade dos pactos antenupciais e mutabilidade justificada do regime adotado. [04]

Os dois primeiros se fazem bem claros, já que o Código Civil dá quatro opções de regime aos nubentes, possibilitando, ressalvadas as hipóteses do artigo 1.641, a total liberdade de escolha, seja pelos regimes previstos expressamente, seja pela adoção de regimes mistos.

Quanto ao terceiro princípio citado pela doutrinadora, o da mutabilidade motivada do regime adotado, cumpre registrar que se trata de novidade do Código atual em relação ao Diploma de 1.916. Com efeito, o Código Bevilácqua não permitia a alteração do regime de bens, sendo a escolha irrevogável, conforme determinava o artigo 230.

O Código de 1.916 elegeu o princípio da irrevogabilidade do regime de bens com o objetivo de garantir segurança aos interesses dos cônjuges (em especial da mulher, já que por muito tempo prevaleceu a ideia de que a mulher era um ser frágil, que poderia ser ludibriada e prejudicada pelo marido) e também interesses de terceiros. Segundo Carlos Roberto Gonçalves, é uma forma de se evitar que um cônjuge tente fraudar o outro, ou que o casal tente fraudar terceiros. [05]

Maria Helena Diniz e Washington de Barros Monteiro informam que na vigência do Código de 1.916 já se verificavam exceções às regras da imutabilidade. Isso porque o Supremo Tribunal Federal adotava entendimento segundo o qual o princípio da inalterabilidade era preterido na situação em que o casal estipulasse no pacto antenupcial que em caso de nascimento de filhos o regime se convertesse de separação para comunhão. E também porque a Súmula 377 STF admitia a comunicação dos bens adquiridos na vigência do casamento, decorrentes do esforço comum. [06]

Agora, o § 2º do artigo 1.639 do Código de 2002 estabelece que o regime de bens pode ser alterado. Para tanto, exige autorização judicial, precedida de pedido motivado e fundamentado de ambos os cônjuges, ficando ressalvados eventuais direitos de terceiros. Arnaldo Rizzardo também leciona que com o Código Civil de 2002 vigora o princípio da mutabilidade. [07]

Carlos Roberto Gonçalves, por sua vez, defende que a inalterabilidade continua sendo a regra e a mutabilidade a exceção, pois a alteração só pode ser obtida em casos especiais. [08]

Merece elogios a opção do legislador do Código Civil de 2002. Com efeito, os casais nem sempre se sentem à vontade para discutir e escolher o regime de bens, podendo ser adotado um regime que não irá atender às conveniências e interesses dos nubentes. Lado outro, pode haver simplesmente a inércia, o desconhecimento, a falta de informação por parte dos nubentes, que acarretará a adoção automática pelo regime legal da comunhão parcial.

Após algum tempo de convivência conjugal, com o crescimento da afinidade entre o casal e melhor elucidação para os projetos do futuro (até mesmo no que diz respeito ao planejamento sucessório), pode ocorrer que os cônjuges queiram alterar o regime inicialmente eleito.

A possibilidade de alteração privilegia a autonomia privada dos cônjuges e contribui para a preservação da dignidade do casal. Com efeito, é por demais constrangedor se manter vinculado a um regime de bens, quando se sabe que ele não é o que melhor atenderá ao casal e aos filhos, no caso de futura abertura da sucessão. Registre-se ainda que a Constituição da República, em seu artigo 226, § 7º, determina que o planejamento familiar é de livre estipulação do casal, e não se pode desconsiderar que a escolha do regime de bens também está inserido na ideia de planejamento familiar.

Além disso, conforme se verá ao final deste trabalho, a possibilidade de alteração significa uma saída para aqueles que foram obrigados a contrair casamento pelo regime da separação de bens.

Sílvio Rodrigues, com a clareza que lhe é peculiar, demonstra que a possibilidade de alteração do regime de bens não representa quebra da segurança jurídica, pois o pedido deverá ser motivado, formulando por ambos os cônjuges e não poderá trazer prejuízo ao casal, aos filhos e a terceiros. [09]

Dessa forma, não há outro caminho senão aplaudir e concordar com a possibilidade de alteração do regime de bens.

Questão que vem sendo bastante discutida na doutrina diz respeito à necessidade do pedido de alteração ser feita pela via judicial e também necessitar de motivação (exposição dos fundamentos) por parte dos cônjuges. Contrária à opinião de Sílvio Rodrigues, Érica Verícia de Oliveira Canuto defende que o pedido de alteração deveria se processar extrajudicialmente (da mesma forma que a escolha do regime), cabendo ao juiz tão somente homologar a vontade do casal. [10]

A citada Professora ainda anota que a obrigatoriedade de exposição dos motivos, por parte dos cônjuges, é inconstitucional porque fere os direitos a intimidade e privacidade:

"No entanto, a Lei prevê que o pedido deverá ser submetido à apreciação judicial. Em sendo judicial o pedido, asseguro não deve competir ao Estado a análise ou mesmo o conhecimento dos motivos e das razões por que o casal deseja alterar o regime de bens que rege sua comunhão plena de vida. É questão de foro íntimo, privado, que diz respeito às questões subjetivas da vida daquela família. Embora interpretando de modo diverso de tantos que têm doutrinado a respeito, considero incabível, impertinente, inconstitucional e, ainda, ilegal a intromissão do Estado.

(...)

Interpreto, ainda, como inconstitucional a obrigatoriedade de exposição dos motivos do pedido de alteração de regime de bens no curso do casamento, já que vai de encontro ao fundamento da República de "dignidade da pessoa humana", ferindo assim, os direitos da personalidade, bem como não observando os direitos e as garantias constitucionais de "intimidade" e "privacidade" (art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988)." [11]

A opinião da professora potiguar parece ser extremamente acertada. O procedimento de alteração de regime precisa ser simplificado, a exemplo do que ocorreu com o inventário, partilha e separação judicial através da promulgação da Lei n. 11.441, de 4 de janeiro de 2007. Dessa forma, indo até mais longe, é plausível defender que a alteração do regime se processe pela via extrajudicial (através do Cartório de Notas), surtindo efeitos independentemente de homologação judicial, que se afigura prescindível.

Da mesma forma, não há que se exigir motivação do pedido, pois de fato fere o direito à intimidade e privacidade do casal. Basta que haja pedido de ambos os cônjuges e, ademais, sendo a alteração de regime um negócio jurídico, este poderá ser anulado por qualquer vício de consentimento e também quando objetivar fraudar terceiros.

Dessa forma, verifica-se que a possibilidade de alteração do regime de bens importa em significativo avanço legislativo, mas que poderia ter sido simplificado, autorizando o ato pela via extrajudicial e sem a necessidade da exposição dos motivos.

Convém trazer à discussão, para encerrar esta parte introdutória, a regra de transição do artigo 2.039 do C.C/2002: "o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1.916, é o por ele estabelecido".

A questão que se coloca é se seria possível a mudança de regime para aquelas pessoas que realizaram casamento durante a vigência do Código anterior, quando reinava a regra da imutabilidade do regime.

Uma interpretação afoita do dispositivo leva à conclusão de que o regime escolhido na égide do Código de 1.916 continua sendo imutável. Arnaldo Rizzardo, por exemplo, defende que o artigo 2.039 determina que os casamentos celebrados durante a vigência do Código de 1.916 não são abrangidos pela regra do artigo 1.639, § 2º do C.C/2002. [12]

Washington de Barros, por sua vez, defende a possibilidade de alteração do regime de bens dos casamentos realizados na vigência do Código anterior. Para tanto, se utiliza da regra de transição do artigo 2.045. [13]

Sílvio Rodrigues também admite a alteração do regime para os casamentos realizados antes da entrada em vigor do Novo Código, apesar de se valer de outros fundamentos, quais sejam, o de que o artigo 2.039 é uma regra de caráter geral, e que a alteração interessa unicamente a família, não havendo que se falar em ofensa a ato jurídico perfeito e direito adquirido, se os próprios titulares querem efetivar a mudança. [14]

Não há dúvidas, portanto, que a interpretação mais adequada e que respeita a autonomia privada do casal, sem que isso represente ofensa a direito adquirido, é esta última, vale dizer, que permite a alteração também para os casamentos realizados sob a égide do Código de 1.916.


3. O REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS

Foi visto que o instituto jurídico do regime de bens no casamento é norteado pelos princípios da variedade, mutabilidade motivada e livre escolha. Os cônjuges têm a ampla liberdade para escolher o regime que melhor atenda aos interesses do casal e também podem pretender modificar o regime após a realização do casamento, direito imprescritível e que não está sujeito à verificação de lapso temporal para o seu exercício.

O legislador do Código Civil, portanto, privilegiou a ampla liberdade dos nubentes. Esta é a regra e, como toda regra tem a sua exceção, principalmente no Direito, no caso do regime de bens foi previsto, a exemplo do que já se verificava no Código Civil de 1.916, o regime da separação obrigatória de bens.

Diz-se obrigatória porque estando os nubentes (ou apenas um deles) em determinadas situações previstas em lei, não se permitirá que haja livre escolha do regime de bens. Ao contrário, a lei, taxativamente, determina que vigore, para aquele casal, o regime da separação de bens.

A imposição legal tem como fundamento ou justificativa a proteção que o legislador quis dar ao cônjuge ou a seus familiares. A imposição também se vislumbra como uma punição às pessoas que realizarem casamento contrariando causas suspensivas da celebração, previstas no artigo 1.523 do C.C/2002.

De acordo com Sílvio Rodrigues:

"E evidente o intuito protetivo do legislador, ao promulgar o dispositivo. Trata-se, em cada um dos casos compendiados no texto, de pessoas que, pela posição em que se encontram, poderiam ser conduzidos ao casamento pela atração que sua fortuna exerce. Assim, o legislador, para impedir que o interesse material venha a constituir o elemento principal a mover a vontade do outro consorte, procura, por meio do regime obrigatório da separação, eliminar essa espécie de incentivo." [15]

Maria Berenice Dias reconhece ao menos que parcialmente, alguma justificativa para a imposição legal, excetuada a situação do idoso. Mas afirma que o regime da separação obrigatória de bens se constitui em mera tentativa do legislador em limitar o direito dos nubentes, impondo sanções patrimoniais. [16]

Pois bem. A matéria está disciplinada no artigo 1.641 do Código Civil de 2002:

"Art. 1.641 – É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 60 (sessenta) anos;

III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Houve algumas alterações nas hipóteses de imposição do regime da separação quando se compara o Código de 2002 com o de 1.916. Os incisos do parágrafo único do artigo 258 deste último traziam as seguintes previsões:

"Art. 258 – Não havendo convenção, ou sendo nula, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime de comunhão parcial.

Parágrafo único. É, porém, obrigatório a separação de bens no casamento:

I – das pessoas que o celebrarem com infração do estatuído no art. 183, XI a XVI (art. 216);

II – do maior de 60 (sessenta) e da maior de 50 (cinqüenta) anos;

III – do órfão de pai e mãe, ou do menor, nos termos dos arts. 394 e 395, embora case, nos termos do art. 183, XI, com o consentimento do tutor;

IV – de todos os que dependerem, para casar, de autorização judicial (arts. 183, XI, 384, II, 426, I, e 453)."

Não há dúvidas que a principal modificação legislativa foi igualar a idade do homem e da mulher para 60 (sessenta) anos, o que segundo alguns privilegia o princípio da plena igualdade. No mais, foi retirada a hipótese do órfão de pai e mãe, que era prevista no inciso III, parágrafo único do art. 258 do Código de 1.916.

No regime da separação de bens os cônjuges preservam no patrimônio individual os bens que possuíam antes do casamento, bem como aqueles adquiridos na constância do casamento. O mesmo se diga das dívidas anteriores e posteriores ao casamento. Existem dois patrimônios distintos, o do marido e o da esposa, havendo total incomunicabilidade em relação aos bens adquiridos antes e após o casamento. O artigo 1.687 do C.C/2002 determina que os bens permaneçam sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, podendo ser livremente alienados ou gravados de ônus. O artigo 1.688, por sua vez, estabelece que os cônjuges devem contribuir para as despesas do casal, na proporção dos respectivos rendimentos, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial.

As principais características do regime da separação de bens são as seguintes: propriedade exclusiva pelos cônjuges em relação aos bens anteriores e posteriores ao casamento; administração exclusiva desses bens; livre disposição desses bens, sem necessidade de outorga do outro cônjuge; responsabilidade patrimonial individual do cônjuge pelas obrigações por ele contraídas, salvo dívidas revertidas em proveito do casal; contribuição de ambos os cônjuges para as despesas da família, de acordo com os rendimentos. [17]

A primeira hipótese que o legislador entende merecedora da "proteção/imposição" do regime da separação de bens está relacionada às pessoas que realizarem casamento com violação das causas suspensivas (art. 1641, I). As causas suspensivas estão previstas no artigo 1.523 do C.C/2002:

"Art. 1523 – Não devem casar:

I – O viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;

II – a viúva ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até 10 (dez) meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;

III – o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;

IV – o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas."

Nos incisos I e III, o legislador quer evitar confusão de patrimônio e prejuízo aos filhos do primeiro leito. Com efeito, se não é realizada a partilha, pode ocorrer confusão entre o patrimônio angariado no primeiro casamento e aquele adquirido na segunda união. O inciso II quer evitar a "confusio sanguinis", em especial para que não haja dúvidas sobre a paternidade do filho nascido no lapso de 10 (dez) meses após o começo da viuvez ou da dissolução da sociedade. Por fim, o inciso IV objetiva proteger as pessoas que se achem em poder de outrem (tutela e curatela).

Como o artigo 1.523 aponta situações fáticas que podem deixar de existir após certo tempo, com muito acerto o legislador (parágrafo único do art. 1523) previu a possibilidade de afastamento, pelo juiz, das causas suspensivas, desde que se prove a ausência de prejuízo para o herdeiro, ex-cônjuge e pessoa tutelada ou curatelada (respectivamente incisos I, III e IV), e no caso do inciso II, seja provada a inexistência de gravidez na fluência do prazo ali indicado.

Quanto à segunda hipótese de imposição do regime da separação de bens, prevista no inciso II do art. 1.641, ou seja, da pessoa maior de 60 (sessenta) anos, que é objeto de questionamento desse trabalho, por ora cumpre dizer que quando um dos nubentes contar com mais de 60 (sessenta) anos, o regime de bens será o da separação obrigatória. Ou seja, o idoso não poder estipular livremente o regime que melhor lhe atenda.

Por fim, o inciso III do art. 1.641 estabelece que todos aqueles que dependerem de suprimento judicial para casar, deverão fazê-lo através do regime da separação de bens.

Portanto, foi visto que o legislador do Código Civil de 2002 optou em manter a imposição do regime da separação obrigatória, sendo que a doutrina apresenta como justificativa a tal imposição a necessidade de proteger o cônjuge e seus herdeiros (nos casos dos incisos I e II do art. 1.641), bem como garantir ao nubente que realize casamento mediante suprimento judicial a possibilidade de escolher, depois de adquirida a maioridade, o regime que melhor lhe aprouver.


4. A SÚMULA 377 DO STF – AINDA APLICÁVEL?

A Súmula 377 foi promulgada pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 1964. Eis o seu conteúdo: "no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento".

A súmula surgiu a partir dos questionamentos judiciais que envolviam a comunicabilidade dos bens na constância da sociedade conjugal, quando o regime era o da separação obrigatória. Já foi dito que, no regime da separação de bens, os cônjuges preservam o patrimônio individual, formado por bens, direitos e obrigações adquiridos antes e depois do casamento.

Contudo, na separação obrigatória, os cônjuges não tiveram liberdade de escolha do regime de bens. A separação lhes é imposta, por razões legislativas já ventiladas neste trabalho (proteção ao cônjuge e herdeiros). E as controvérsias judiciais que começaram a surgir, em relação à comunicabilidade ou não dos bens adquiridos na constância do casamento, fizeram com que o Supremo Tribunal Federal, enfrentando a questão, editasse a Súmula 377.

Sílvio Rodrigues [18] explica que a súmula ampliava a interpretação do revogado artigo 259 do Código de 1.916, que dispunha que "embora o regime não seja o da comunhão de bens, prevalecerão, no silêncio do contrato, os princípios dela, quanto à comunicação dos adquiridos na constância do casamento".

Segundo o autor, acontecia que, embora os nubentes tenham escolhido o regime da separação de bens, haveria a comunicação dos aquestos (princípio da comunhão universal), a menos que existisse no pacto antenupcial disposição expressa acerca da incomunicabilidade. Silvio Rodrigues ainda esclarece que a disposição legal do art. 259 só existia devido a preferência do legislador pelo regime da comunhão.

A interpretação literal do art. 259 não deixava dúvidas que ele se aplicava apenas ao regime da separação convencional, mesmo porque se falava em "silêncio do contrato". Contudo, a jurisprudência começou a enfrentar a tese segundo a qual o citado artigo também gerava efeitos nos casamentos realizados sob o regime da separação obrigatória de bens. Assim, no ano de 1964 o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 377, quando começou a reinar nos Tribunais do País o entendimento segundo o qual na separação obrigatória, os bens adquiridos na constância da sociedade conjugal se comunicavam.

Caio Mário sempre rejeitou a ideia da Súmula, afirmando que o legislador, se quisesse, teria ampliado o efeito da comunicabilidade também para o regime legal. [19] Certo é que, apesar da respeitada opinião de Caio Mário da Silva Pereira, majoritariamente os Tribunais do País passaram a adotar a Súmula 377 do STF, essencialmente convencidos da ideia de que, mesmo no regime da separação de bens, estabelecia-se uma sociedade entre os cônjuges e os bens havidos após esse casamento pertenciam a essa sociedade. Da mesma forma, não seria razoável permitir o enriquecimento de um cônjuge, em detrimento do outro, simplesmente pela forma do regime do casamento.

Além disso, os Tribunais tinham que decidir sobre a necessidade ou não de prova do esforço comum dos cônjuges. Assim é que existiam partidários que defendiam a comunicabilidade dos bens, desde que houvesse prova do esforço comum dos cônjuges, bem como havia aqueles que dispensavam a prova do esforço comum, pois este é presumido numa sociedade conjugal.

Com o advento do Código Civil de 2002, onde não se verifica disposição semelhante ao artigo 259 do Código de 1.916, a questão que se coloca é sobre a manutenção do entendimento da Súmula 377 STF.

Com efeito, o legislador manteve o regime da separação obrigatória. Contudo, não avançou na questão relacionada à comunicabilidade dos aquestos. Poderia tê-lo feito, o que eliminaria a dúvida acerca da vigência da Súmula.

Assim, as opiniões que se verificam hoje são aquelas que defendem a revogação da Súmula 377 e outros que afirmam a vigência de seu conteúdo. É plenamente viável entender pela revogação da Súmula, diante da inércia e do silêncio do legislador acerca do tema da comunicabilidade dos aquestos na separação obrigatória. Se quisesse admitir a comunicabilidade, poderia ter disciplinado a matéria de forma especifica no Novo Código.

Lado outro, é também plenamente viável defender a manutenção da Súmula, já que privilegiar o esforço comum do casal e evitar o enriquecimento sem causa de um dos cônjuges ainda se apresenta como medida necessária, principalmente quando a lei se silencia nesse aspecto.

Podemos citar, como partidário do primeiro entendimento, o da revogação da Súmula, Sílvio Rodrigues [20], alegando que como o C.C/2002l não reproduziu o artigo 259 do Código de 1.916, a Súmula 377 do STF não mais se justifica e deve ser rejeitada. Arnaldo Rizzardo [21], a seu turno, defende a manutenção da Súmula, desde que haja prova do esforço comum do casal na aquisição dos bens durante o casamento. Opinião semelhante é a de Washington de Barros. [22].

Rolf Madaleno [23], sagaz crítico do regime da separação obrigatória, sustenta que o artigo 1.641 do Código Civil de 2002 viola princípios elementares de Direito Constitucional, em especial, a dignidade humana, e que tal ofensa já era combatida pela Súmula 377 do STF, razão pela qual ela se mantém vigente. Érica Verícia de Oliveira Canuto [24] vai mais longe. Além de afirmar a vigência da Súmula 377 defende que no Brasil não existe regime da separação obrigatória, já que os bens adquiridos na constância do casamento se comunicam. Registre-se ainda que a professora potiguar não cogita da prova do esforço comum, ou seja, este é presumido na aquisição dos bens na vigência da sociedade conjugal.

O casamento, conforme estabelece o artigo 1.511 do Código Civil, institui comunhão plena de vida e igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. A Constituição da República, por sua vez, estabelece no artigo 226, § 5º, que os direitos e deveres da sociedade conjugal são exercidos igualmente pelos cônjuges. O que se extrai desses dois dispositivos é que o casamento se fundamenta na ideia de mútua assistência entre cônjuges. Os nubentes se unem mediante casamento porque querem estabelecer uma comunhão de vida. Desejam os mesmos objetivos e vislumbram os mesmos planos para o futuro.

Por isso a interpretação que se mostra mais adequada é aquela que defende a manutenção da Súmula 377 do STF, pois ela se coaduna com os princípios norteadores do casamento e privilegia a divisão do patrimônio que tenha sido adquirido após a união. Vale lembrar que no regime da separação obrigatória os cônjuges não dispõem de liberdade de escolha do regime. A separação lhes é imposta. Se quiserem realmente estabelecer incomunicabilidade total dos bens, basta firmar pacto antenupcial nesse sentido, ou seja, basta realizar casamento adotando o regime da separação convencional.

Se não o fazem é porque de certa medida não querem firmar separação de bens, e só observam este regime porque ele é imposto pela lei. Ademais, pelas características inerentes ao casamento, é mais razoável defender que os aquestos adquiridos na vigência da sociedade conjugal se comuniquem, pois eles se materializaram através da união do casal. Por oportuno, cabe dizer que a prova do esforço comum é prescindível, já que implícito na relação conjugal.

No casamento os cônjuges se ajudam mutuamente, no aspecto material e imaterial. Por isso é mais aceitável que não seja necessário prova do esforço comum. Não se deve sequer cogitar deste elemento/requisito. Não se pode esquecer que esta interpretação evita ainda o enriquecimento indevido de um cônjuge em detrimento do outro.

Ou seja, tratando-se de regime de separação obrigatória, comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento, o que leva à mesma conclusão defendida pela Professora Érica Canuto: no Brasil, qual seja, não existe regime da separação obrigatória de bens, diante da complementação interpretativa da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal.


5. O MAIOR DE 60 ANOS E A IMPOSSIBILIDADE DE ESCOLHA DO REGIME DE BENS

Através do artigo 1.641, II, o C.C/2002 determina que o regime de bens será o da separação, quando um dos nubentes contar com mais de sessenta anos. A regra é incisiva e clara, não deixa dúvidas: se um dos nubentes tiver idade superior a sessenta anos, o casal não poderá escolher o regime de bens que melhor atenda aos seus interesses.

O Código de 1.916 trazia a mesma regra, apenas diferenciando a idade em função do sexo, sessenta anos para o homem e cinquenta anos para a mulher. Em atendimento às diretrizes constitucionais, especialmente a vedação de qualquer tipo de discriminação em função do sexo, o legislador do novel Código igualou a idade para homem e mulher, passando a 60 (sessenta) anos para ambos.

É flagrante a preocupação patrimonial do legislador: evitar o casamento por interesse, o vulgarmente chamado "golpe do baú". Para isso, protege o patrimônio do cônjuge que contar mais de 60 (sessenta) anos. A lei também protege os herdeiros, quando o cônjuge idoso, por exemplo, contrai segundas núpcias.

Na doutrina clássica, merece destaque a opinião de Pontes de Miranda, que lecionava da seguinte maneira:

"8.Idade alta. O maior de sessenta anos e a maior de cinqüenta anos podem casar. Nenhum impedimento existe. Todavia, para evitar explorações, consistentes em levar-se ao casamento, para fins de comunhão de bens, mulheres em idade vulnerável, ou homens em fase de crise afetiva, a lei cortou a possibilidade das estipulações convencionais de ordem matrimonial e excluiu o regime comum. É cogente o da separação." [25]

Registre-se ainda a opinião de Clóvis Bevilácqua, citado por Carvalho Santos:

"Essas pessoas já passaram da idade em que o casamento se realiza por impulso afetivo. Receando que os interêsses (sic) subalternos ou especulações pouco escrupulosas arrastem sexagenários e quinquagenárias a enlaces inadequados e inconvenientes, a lei, põe um entrave à ambições, não permitindo que os seus haveres passem ao outro cônjuge por comunhão". [26]

Percebe-se claramente que a doutrina interpretava a regra como sendo medida necessária à proteção da pessoa idosa que quisesse contrair casamento, justamente para que o enlace não fosse motivado pelo interesse econômico da jovem mulher que escolhesse um senhor de idade para ser seu marido, ou do jovem rapaz, que externasse a intenção de convolar núpcias com uma senhora de idade um pouco já avançada.

Constata-se que a doutrina concordava com a regra. Os tempos eram outros, e a postura do Código de 1.916, enraizada na valorização do patrimônio (cunho eminentemente liberalista), transpunha para o texto legal regras extremas para a proteção do acervo patrimonial e garantia aos herdeiros.

Mas os tempos mudaram. A sociedade evoluiu e, principalmente, a noção de família evoluiu. A mulher conseguiu a sua emancipação econômica e social, passou a ser permitido o divórcio, regulamentou-se a união estável, não há mais discriminação entre filhos havidos ou não do casamento, a entidade familiar não se limita àquela formada apenas pelo casamento, homem e mulher possuem direitos e deveres iguais na administração familiar, caminha-se, atualmente, para a legalização das relações homoafetivas, entre outras quebras de paradigmas que poderiam aqui ser citadas.

Contudo, o Código Civil de 2002 deixou de acompanhar essa evolução, quando tratou do regime de bens, pois preferiu manter vigente uma regra que limita a autonomia privada, a igualdade e a dignidade do nubente idoso.

Na doutrina mais atual, a pesquisa ora realizada conseguiu encontrar opinião favorável à separação obrigatória para o idoso, na Professora Regina Beatriz Tavares da Silva, atualizadora da obra de Washington de Barros Monteiro. Segundo ela, não há qualquer violação constitucional na imposição legal. Para melhor compreensão, vale colacionar o seu entendimento:

"Com o devido respeito pelas posições contrárias ao regime da separação de bens e sua aplicabilidade obrigatória aos casamentos daqueles que contam mais de sessenta anos de idade, é preciso lembrar que o direito à liberdade, tutelado na Lei Maior, em vários incisos de seu art. 5º, é o poder de fazer tudo o que se quer, nos limites resultantes do ordenamento jurídico. Portanto, os limites à liberdade individual existem em várias regras desse ordenamento, especialmente no direito de família, que vão dos impedimentos matrimoniais (art. 1.521, n. I a VII), que vedam o casamento de certas pessoas, até a fidelidade, que limita a liberdade sexual fora do casamento (art. 1.566, n. I). É ainda de salientar-se que não pode o direito de família aceitar que, se reconhecidos maiores atrativos de quem tem fortuna, um casamento seja realizado por meros interesses financeiros, em prejuízo do cônjuge idoso e de seus familiares de sangue". [27]

Há ainda a opinião intermediária de Arnaldo Rizzardo [28], que defende o afastamento da imposição legal quando ambos os nubentes tiverem mais de 60 (sessenta) anos, pois se presumiria que o casamento não estaria se realizando por interesse. Ou seja, este doutrinador ainda entende como válida a proteção em face do perigo do "golpe do baú", o que não ocorreria, por presunção, quando ambos os nubentes forem idosos.

Mas grande parte da doutrina comunga do entendimento segundo o qual a imposição do regime da separação ao nubente maior de sessenta anos fere flagrantemente direitos constitucionais básicos, como a dignidade da pessoa humana, a liberdade e a igualdade. Será pertinente tal posição? É o que o presente trabalho passa a responder.


6. A OFENSA A DIREITOS CONSTITUCIONAIS BÁSICOS

Chega-se finalmente à conclusão de que a imposição do regime da separação obrigatória ao maior de sessenta anos fere direitos constitucionais básicos, como dignidade, igualdade, liberdade e isonomia.

A pergunta que deve ser feita é se, nos dias atuais, se justifica impor tal restrição a um idoso? É razoável presumir que uma pessoa, porque tem mais de 60 (sessenta) anos, possui incapacidade para escolher o regime de bens, caso deseje realizar casamento?

Nos dias atuais, em que as informações são processadas com extrema velocidade, onde a população tem livre acesso ao consumo de bens e à aquisição de produtos, onde todos são livres para manifestação, onde as uniões conjugais podem ser iniciadas e dissolvidas com facilidade e rapidez e, principalmente, quando a população brasileira apresenta, a cada dia, maior expectativa de vida, tanto que se privilegiou a promulgação de um Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741 de 1º de outubro de 2003), indaga-se se é razoável não permitir que um idoso possa escolher o regime de bens para o seu casamento?

Muito se tem dito que o Direito Civil moderno deve sempre ser interpretado sob a perspectiva do respeito à dignidade da pessoa humana. Não se trata de apenas um direito fundamental, mas de verdadeiro fundamento da República, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição.

A dificuldade que se apresenta é encontrar uma definição de dignidade. Trata-se de conceito aberto, de difícil precisão. Por isso, para concluir que o artigo 1.641, II do C.C/2002 é contrário à dignidade da pessoa humana, é preciso estabelecer, minimamente, o que seja dignidade.

A dignidade da pessoa humana parece trazer em si todos os direitos fundamentais (como liberdade, igualdade, intimidade, honra, moral, etc.) e o fato de tal garantia ser fundamento da República, significa dizer, apoiado em Celso Ribeiro de Bastos, que um dos fins do Estado Brasileiro é propiciar as condições para que os cidadãos possam viver com dignidade. [29]

O Constitucionalista André Ramos Tavares [30], apoiado nos obras de Kant, Fábio Konder Comparato e Jorge Miranda, consegue extrair importante noção de dignidade:

"A dignidade do homem não abarcaria tão somente a questão de o homem não poder ser um instrumento, mas também em decorrência deste fato, de o homem ser capaz de escolher seu próprio caminho, efetivar suas próprias decisões, sem que haja interferência direta de terceiros em seu pensar e decidir".

Arremata, colacionando o ensinamento de Jorge Miranda, que defende que a dignidade pressupõe autonomia, autodeterminação perante o Estado e às demais pessoas. Ou seja, não pode haver qualquer causa capaz de cercear a capacidade de decisão do homem, a sua racionalidade. Em resumo, o homem preserva sua dignidade quando consegue desenvolver a sua personalidade a partir da possibilidade de tomada de decisões.

A dignidade pressupõe a autonomia, a autodeterminação do indivíduo, que pode e deve ter a liberdade e a possibilidade de escolher sobre as questões que envolvem a sua vida, no aspecto material ou imaterial. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que lhe dá poder de decisão sobre sua vida e sobre seus negócios.

Dignidade significa pleno exercício dos direitos fundamentais, só sendo razoável a restrição desse exercício em casos onde realmente o Estado deve agir para garantir um fim maior, que seja suficientemente importante para justificar o tolhimento da autonomia do indivíduo. A autonomia privada não pode ser extirpada do idoso, por não haver qualquer justificativa para a opção legislativa do Código Civil de 2002.

Em se tratando de Direito de Família, a Constituição da República ainda determinou que o planejamento familiar é de livre decisão do casal, sendo vedada qualquer forma de coerção a entidade familiar. Ou seja, mais uma vez o ordenamento jurídico brasileiro privilegia a autonomia privada do indivíduo, outorgando-lhe proteção para a construção do planejamento familiar, que não abrange somente a criação da prole, mas também o planejamento sucessório, que se, principalmente, pela análise e escolha do regime de bens do casamento.

Não é plausível que o idoso seja cerceado do direito de poder escolher o regime de bens que melhor atender aos seus interesses no casamento. A imposição do regime de bens da separação ao sexagenário não se justifica. Contraria a dignidade da pessoa humana, sem que haja qualquer substrato para tanto.

Por isso, não há outro caminho se não concordar com Érica Verícia de Oliveira Canuto [31], que defende a inconstitucionalidade do citado dispositivo de lei:

"Entretanto, a sanção que impõe o regime de separação obrigatória de bens aos maiores de 60 anos, limitando a autonomia da vontade, exclusivamente calcada em razão da idade, deve ser interpretada como uma norma restritiva de direitos, que fere o fundamento da dignidade da pessoa humana e presume indevidamente, a incapacidade dos maiores de 60 anos, indo de encontro, inclusive, ao princípio da isonomia, já que á previsão de disciplina diversa para pessoas de idade inferior e garantia de liberdade.

A limitação da vontade, em razão da idade, impondo regime de separação obrigatório de bens, longe de se constituir uma precaução (norma protetiva), constitui-se em verdadeira sanção ou restrição de direitos.

A lei permite a realização do casamento do casamento das pessoais maiores de 60 anos, que diz respeito à questão relativa ao estado da pessoa, constituindo-se em direito indisponível. Sem qualquer motivação justificável, limita a vontade dessas pessoas – apenas em razão da idade – no aspecto patrimonial do casamento, que é direito totalmente disponível.

O que faz o dispositivo é criar uma hipossuficiência objetiva em razão da idade. O que é de todo descabida e inconstitucional"

Não é coerente nos dias atuais, ainda mais após a promulgação do Estatuto do Idoso, que exista limitação para o exercício de uma liberdade individual apenas em razão da idade. Tal situação realmente fere a Constituição da República.

Fere porque a imposição do artigo 1.641, II do C.C/2002 desrespeita o direito a dignidade, e também os direitos a ele ligados, quais sejam, a liberdade, igualdade e isonomia. Ora, a restrição à liberdade de contratar o regime de bens, simplesmente pelo fator idade, presume que o idoso não tenha capacidade para contratar. A par disso, tal regra não existe para indivíduos que tenham menos de 60 (sessenta) anos, o que ofende o direito à igualdade.

Outro problema que se verifica no dispositivo é a ofensa à isonomia, já que na entidade familiar união estável não existe regra semelhante. Quer dizer, que um casal que queira viver em união estável, mesmo se um dos nubentes for maior de 60 (sessenta) anos, poderá fazê-lo, escolhendo o regime que bem entender, ou tão somente não escolhendo regime algum, o que levará à adoção da comunhão parcial.

Vale registro as posições doutrinárias que seguem o mesmo raciocínio, como a de Rolf Madaleno:

"Em face do direito à igualdade e à liberdade ninguém pode ser discriminado em função do seu sexo ou da sua idade, como se fossem causas naturais de incapacidade civil. Atinge direito cravado na porta de entrada da Carta Política de 1988, cuja nova tábua de valores coloca em linha de prioridade o princípio da dignidade humana, diretriz que já vinha sendo preconizados pela Súmula n. 377 do STF, ao ordenar a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento, como se estivesse tratando da comunhão parcial de bens."

Trocando em miúdos, a Constituição Federal garante a todos os cidadãos o direito a liberdade, igualdade e estabelece como fundamento da República a dignidade da pessoa humana. E o que o dispositivo do Código Civil em comento mostra é um total desrespeito a esses direitos.

Não se sustenta a alegação de que o idoso deve ser protegido dos "aventureiros" que possam querer contrair um casamento com fins meramente patrimoniais. Ora, o idoso tem condições de decidir e adotar o melhor regime de bens para o seu casamento, da mesma forma que tem condições de escolher o seu cônjuge, a pessoa com que queira se casar.

Ademais, como bem ponderado pelo professor Rolf Madaleno, ninguém pode ser discriminado em razão da sua idade. E o artigo 1.641, II, do C.C/2002 é um claro exemplo de discriminação por idade. Quer dizer, que todas as pessoas têm a liberdade de escolher o regime de bens, exceto o idoso, porque ele, coitado, deve ser protegido (ou ter o seu patrimônio protegido) dos prováveis aproveitadores.

O idoso, pessoa que tanto já contribuiu para o desenvolvimento da sociedade, da família, pessoa que sem sombra de dúvida detém grande experiência de vida, precisa ser protegido de atos arbitrários, que violam a sua dignidade e liberdade. Frise-se ainda, que o dispositivo, que ora se conclui como inconstitucional, está na contramão dos direitos fundamentais que foram reafirmados no Estatuto do Idoso, que em seu artigo 2º estabelece que o idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana.

Em complemento, o artigo 10 do mesmo diploma legal, que vem inserido no Capítulo intitulado "do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade" preconiza que "é obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis".

Portanto, não há como defender a manutenção do artigo 1.641, II do C.C/2002. Tal dispositivo é inconstitucional e deve ser extirpado do corpo do Código. Enquanto isso não ocorre, vale registro às manifestações já existentes nesse sentido, em especial, o que vem sendo discutido nas Jornadas de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal.

Na III Jornada de Direito Civil, se colhe a seguinte proposta e justificativa, de autoria do Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Luiz Felipe Brasil Santos:

"A obrigatoriedade do regime da separação de bens para as pessoas que celebrarem matrimônio a partir de determinada faixa etária (seja ela qual for), atenta contra o princípio maior da dignidade da pessoa humana, fundamento da República. Nos dias que correm não mais se justifica essa odiosa regra restritiva, fruto de um superado Código marcadamente patrimonialista, como o de 1916, e incompatível com o espírito da legislação codificada hoje vigente, que sobreleva a dignidade da pessoa humana.

Nessa perspectiva, havendo incapacidade do idoso para casar, a situação resolve-se pela interdição. Porém, sendo plenamente capaz, deve sê-lo para a prática de todos os atos da vida civil, inclusive para suportar as conseqüências patrimoniais do casamento, nenhuma razão existindo para essa capitis diminutio, resultante de uma inconsistente presunção de incapacidade, que, para esses efeitos, torna-se até absoluta". [32]

O Desemb. Luiz Felipe traça a compreensão adequada do tema: se o idoso for incapaz, o será para todos os atos da vida civil e tal situação se resolve através da via judicial da interdição. Contudo, se o idoso é plenamente capaz, também será capaz de contrair casamento e, como não podia ser diferente, de escolher o regime de bens que melhor lhe atender.

Fica demonstrado e abalizado que o artigo 1.641, II, do C.C/2002 é inconstitucional, pois fere direitos e garantias fundamentais preconizados na Constituição Federal, notadamente, dignidade, liberdade, igualdade e isonomia, não existindo, nos dias atuais, justificativa para essa restrição da autonomia do idoso.


7. OS PROJETOS DE LEI QUE VERSAM SOBRE A MATÉRIA

Após pesquisa sobre o tema, foram encontrados alguns projetos de lei que pretendem dar nova roupagem à obrigatoriedade do regime de bens para o sexagenário que queira realizar casamento.

O Deputado Federal Ricardo Fiúza (PTB-PE) apresentou para aprovação o projeto de lei que altera o artigo 1.641, II do Código Civil (PL 6.960/02) [33], na sessão plenária da Câmara dos Deputados de 12/06/2002. Nele, é defendido que o regime da separação obrigatória seja imposto ao maior de 70 (setenta) anos. A justificativa do projeto se baseia no aumento da expectativa de vida do brasileiro.

Projeto de lei idêntico (PL 108/2007) [34] foi apresentado pela Deputada Federal Solange Amaral (PFL, atual DEM-RJ). Nele, também é pretendido que a imposição do regime da separação seja afeto apenas ao maior de 70 (setenta) anos. A parlamentar justifica o projeto na maior longevidade do brasileiro, que acaba sendo traduzida numa expectativa média de vida caracterizada pela higidez física e mental superior a 70 (setenta) anos. Assim, aumentando a idade para 70 (setenta) anos, estar-se-ia adequando o artigo 1.641, II, à nova realidade da sociedade brasileira.

Com o devido respeito aos projetos, aumentar a idade de 60 (sessenta) para 70 (setenta) anos não irá sanar a inconstitucionalidade do artigo 1.641, II, do C.C/2002. Isso porque o citado preceito continuará sendo atentatório à dignidade, igualdade e liberdade dos cônjuges.

Nada impede que uma pessoa com idade igual ou superior a 70 (setenta) anos esteja em plena atividade física e intelectual, com pleno discernimento para tomada de decisões em sua vida, especialmente, em relação à administração do seu patrimônio e escolha do regime de bens.

Vale registro o projeto de lei apresentado pelo Deputado Sergio Barradas Carneiro (PT-BA), elaborado a partir de estudos do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. O PL 2285/2007 [35] propõe a criação do chamado "Estatuto das Famílias", que representará a revogação de dispositivos do Código Civil, Código de Processo Civil, Lei do Divórcio, Lei de Registros Públicos, entre outros diplomas.

O projeto representa revogação completa do artigo 1.641 do C.C/2002, o que significa dizer que a legislação não mais contará com o regime da separação obrigatória de bens. A proposição é justificada com base no caráter discriminatório e atentatório à dignidade dos cônjuges, realidade que já vem sendo observada pela aplicação da Súmula 377 do STF.

Em outro projeto de lei (PL 507/2007) [36], também de autoria do Deputado Sergio Barradas, mais uma vez é proposta a revogação do artigo 1.641, II, do Código Civil, pelos mesmos motivos alinhavados acima.

Através da I Jornada de Direito Civil, foi apresentada a proposta de modificação do Código Civil nº. 125, segundo a qual o artigo 1.641, II deve ser revogado. A justificativa é a seguinte:

"Justificativa: A norma que torna obrigatório o regime da separação absoluta de bens em razão da idade dos nubentes não leva em consideração a alteração da expectativa de vida com qualidade, que se tem alterado drasticamente nos últimos anos. Também mantém um preconceito quanto às pessoas idosas que, somente pelo fato de ultrapassarem patamar etário, passam a gozar da presunção absoluta de incapacidade para alguns atos, como contrair matrimônio pelo regime de bens que melhor consultar seus interesses". [37]

Conforme visto, vale a torcida para que os projetos sejam discutidos e aprovados pelo Congresso Nacional, especialmente aqueles que propõem a revogação do artigo 1.641, II, do C.C/2002, providência que será adequada à interpretação moderna do Direito Civil, privilegiando a dignidade e a liberdade do idoso.


8. EXCEÇÃO À REGRA DO ARTIGO 1.641, II, DO CÓDIGO CIVIL: IDOSO QUE CONTRAI CASAMENTO SEGUIDO DE RECONHECIDA UNIÃO ESTÁVEL

A lei n. 6.515/77 traz em seu artigo 45 a seguinte regra: "Quando o casamento se seguir a uma comunhão de vida entre os nubentes, existente antes de 28 de junho de 1977, que haja perdurado por 10 (dez) anos consecutivos ou da qual tenha resultado filhos, o regime matrimonial de bens será estabelecido livremente, não se lhe aplicando o disposto no art. 258, parágrafo único, II, do Código Civil".

O dispositivo faz referência ao regime da separação obrigatória do Código de 1.916. Com a entrada em vigor da lei do divórcio, foi apresentada esta regra de transição, visando não prejudicar o casal que vinha de uma união estável (ainda não era utilizado este termo).

Está claro que a regra acima foi transitória, já que serviu apenas àqueles casamentos que seguiram a uniões existentes antes de 28/06/77. Contudo, atualmente se discute se o princípio interpretativo desta regra ainda seria aplicável, ou seja, se o casamento do idoso for precedido de uma reconhecida união estável, justificaria impor a restrição da escolha do regime de bens?

Através da III Jornada de Direito Civil, foi aprovado o enunciado 261, que dispõe o seguinte: "A obrigatoriedade do regime da separação de bens não se aplica a pessoa maior de sessenta anos, quando o casamento for precedido de união estável iniciada antes dessa idade". [38]

Se o matrimônio a ser contraído é precedido por uma união estável, iniciada antes que um dos nubentes contasse com 60 (sessenta) anos, é bem justo e razoável que prevaleça a interpretação segundo a qual, para este casal, não seja imposto o regime da separação obrigatória, caso haja o interesse em realizar casamento.

Dessa forma, a regra de hermenêutica parece ser apropriada, merecendo ser seguida pelos Tribunais do País.


9. A POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA COM BASE NO ARTIGO 1.639, § 2º DO CÓDIGO CIVIL

Já foi visto neste trabalho que o Código Civil de 2002 inovou em matéria de regime de bens, ao possibilitar a alteração do regime inicialmente escolhido pelos nubentes. Na égide do Código de 1.916 vigorava o princípio da imutabilidade, ao passo que pelo novo Código é possível a modificação. A matéria é tratada no artigo 1.639, § 2º, que traça os requisitos para o exercício da pretensão de modificação.

Questão que se coloca em pauta é a possibilidade de alteração do regime da separação obrigatória, por outro disciplinado no Código. Isso porque a separação de bens obrigatória, prevista nos incisos do artigo 1.641 é norma cogente, impositiva, fruto da intenção do legislador em "proteger" determinadas pessoas.

Em relação às hipóteses dos incisos I e III do artigo 1.641 (inobservância de causas suspensivas do casamento e suprimento judicial), partindo de uma interpretação sistemática, especialmente em conjunto com o artigo 1.523, caput, é possível concluir, sem qualquer dificuldade, que pode haver a alteração do regime da separação, desde que superada a causa que motivou a imposição legal. Como as situações previstas no artigo 1.523 podem se modificar com o tempo, ao passo que o caput deste artigo permite ao juiz afastar as causas suspensivas ali indicadas, uma vez superadas, o melhor entendimento é aquele que defende a modificação. Ora, se não há mais causa suspensiva, não há motivo para que se mantenha o regime da separação para o casal.

Em relação ao casamento realizado através de suprimento judicial, havendo manifestação do casal, por exemplo, ratificando a vontade de realizar casamento, depois de completada a maioridade civil de um ou de ambos os nubentes, não há como negar a este casal a possibilidade de alterar o regime de bens. O regime da separação de bens havia sido imposto porque o legislador entende que, em virtude do suprimento judicial, poderia haver vício ou dúvida na manifestação de vontade dos cônjuges. Se esta vontade de realizar casamento é reafirmada posteriormente, deve-se permitir que o casal também possa alterar, se quiserem, o regime de bens.

A controvérsia maior diz respeito ao casamento do sexagenário, quando a lei lhe impõe o regime da separação de bens, com base apenas no fator idade, situação que não desaparecerá com o tempo.

A possibilidade de alteração do regime de bens para o maior de 60 (sessenta) anos se mostra plenamente viável. Trata-se de solução interpretativa, que conjuga direitos fundamentais e a regra geral do artigo 1.639, § 2º. Mesmo que se admita a manutenção do artigo 1.641, II do Código Civil, é possível defender a posterior modificação do regime imposto pela lei.

Na doutrina que dá suporte ao presente trabalho, não foi encontrado defensores desta ideia. Arnaldo Rizzardo [39], por exemplo, não admite a alteração para todas as hipóteses do artigo 1.641, mas apenas para o casamento realizado com inobservância à causa suspensiva. Sílvio Rodrigues [40], também apresenta o mesmo entendimento, lecionando que a modificação se mostra possível apenas em caso de desaparecimento das causas suspensivas.

Noutro rumo, Regina Beatriz Tavares da Silva, ao atualizar a obra de Washington de Barros Monteiro [41], defende que a mutabilidade do regime de bens não alcança a separação obrigatória.

Até mesmo a Professora Potiguar Érica Verícia de Oliveira Canuto [42], que tece enérgicas críticas ao artigo 1.641, II, do C.C/2002, não consegue vislumbrar a possibilidade de alteração do regime, quando se tratar da hipótese do maior de 60 (sessenta) anos. A citada doutrinadora entende que apenas as hipóteses dos incisos I e III do artigo 1.641 convalescem diante do artigo 1.639, § 2º.

As interpretações acima, com o devido respeito aos seus autores, são simplistas e apegadas ao texto frio da lei, nítida interpretação literal do Código Civil. Sob essa perspectiva de interpretação, não há dúvida que a alteração do regime não é possível para aquelas pessoas que se enquadram no inciso II do artigo 1.641. Significa dizer que o legislador fixou regra cogente ao sexagenário que queira realizar casamento e este simplesmente deve acatar o comando legal, diante da irrefragável preocupação patrimonial acerca do assunto.

Mas o caso concreto pode trazer elementos aptos a justificar a alteração de regime, mesmo para o sexagenário que tenha contraído casamento, afastando a incidência do regime da separação de bens. Por exemplo, podem os nubentes, através de ação judicial, manifestar, inequivocamente, o desejo pela alteração do regime, reafirmando e demonstrando o discernimento e a capacidade plena para os atos da vida civil, inclusive para realizar casamento e escolher o regime de bens que melhor atender ao casal.

Ora, como fechar os olhos para tal realidade e para a manifestação de vontade conjunta dos cônjuges, sem qualquer vício, que será, então, verificada pelo Poder Judiciário. A mesma autonomia privada que permite aos cônjuges a escolha de qualquer dos regimes de bens também deve socorrer o sexagenário, em seu intento de promover a alteração do regime. Não pode o Judiciário negar tal tutela, ainda mais quando for invocada a inconstitucionalidade do inciso II do artigo 1.641, que conforme restou demonstrado neste trabalho, ofende os direitos à dignidade da pessoa humana, liberdade e igualdade.

Possibilitar a alteração significa devolver ao idoso esses direitos, que lhe foram arbitrariamente retirados quando da realização do casamento e da imposição do regime da separação de bens.

Em decisão arrojada e paradigmática, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou procedente o pedido de modificação de regime de bens formulado por casal que contraiu casamento adotando o regime da separação de bens devido à incidência do inciso II do artigo 1.641. Ambos os nubentes eram sexagenários, e manifestaram perante o Poder Judiciário desejo em alterar o regime de bens.

O acórdão, que deu provimento ao recurso de apelação apresentado pelo casal, foi relatado pelo Desembargador Ricardo Raupp Ruschel, e seu voto foi acompanhado pelos demais integrantes da Câmara, os Desembargadores Luiz Felipe Brasil Santos e Maria Berenice Dias.

O acórdão, que possui sua íntegra no Anexo deste trabalho, representa um novo modo de pensar sobre este problema e evidencia a preocupação em garantir ao idoso dignidade, liberdade e igualdade. No voto, o relator fundamentou que o casal tinha o direito de postular a alteração do regime, não sendo o pedido juridicamente impossível, ao contrário do que ficou decidido em primeira instância, mesmo porque o artigo 1.641, em seu inciso II, se constitui em norma de caráter genérico, que convalesce diante da manifestação das partes pela alteração.

Além disso, o artigo 1.641, II é duramente criticado pela sua inconstitucionalidade, argumento que também serve para fundamentar a alteração. O que se extrai desta importante decisão é que o direito de família não pode ser analisado sob a perspectiva patrimonialista, tão presente no Código de 1.916 e que se repete em inúmeros dispositivos do Código de 2002. Não é essa a função do direito de família, que traz em seu bojo a preocupação em garantir a necessária dignidade às pessoas, nas mais diversas relações que são por ele disciplinadas.

Acerca da possibilidade de alteração do regime compulsório, Silvio de Salvo Venosa [43] alerta que o direito de família não deve ser interpretado e aplicado de forma fria e fechada, não possuindo em sua essência cunho patrimonial. Assim, defende que a inalterabilidade não é a melhor solução, já que o direito de família rege-se por princípios diversos daqueles presentes no campo obrigacional.

Por isso, merece elogios a coragem dos Desembargadores do TJRS, que diante de um caso concreto, conseguiram visualizar a vontade e a manifestação isenta de vícios do casal sexagenário, que pretendeu alterar o regime compulsório. Espera-se que esta decisão seja acompanhada pelos demais tribunais do País e que sirva também de motivação para que as pessoas ajuízem demandas desta natureza.

Com essas atitudes, quem sabe o Congresso Nacional se mobiliza pela aprovação dos projetos de lei que defendem a revogação do malsinado e inconstitucional inciso II, do artigo 1.641 do Código Civil.


10.CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo procurou apresentar uma abordagem simplificada e didática sobre os fundamentos que permeiam o instituto do regime de bens no casamento. Inicialmente, foram apresentadas ao leitor as principais questões relacionadas à escolha do regime de bens, principalmente sobre a liberdade de escolha, a forma em que se dá esta escolha e quais as hipóteses em que a lei extirpa esta liberdade.

Foi discutida a principal alteração do Código Civil de 2002 em relação ao Código de 1.916 em matéria de regime de bens, que é justamente a possibilidade de alteração do regime após a realização do casamento, além da regra de transição do artigo 2.039 do C.C. Além disso, pôde-se concluir que a Súmula 377 do STF, segundo a opinião majoritária da doutrina, ainda encontra-se vigente, o que implica em dizer que, no Brasil, não existe regime da separação obrigatória de bens, tendo em vista que a Súmula atenua os efeitos do regime da separação, transformando-o em comunhão parcial.

A partir dos estudos realizados, verificou-se que vedar ao idoso a possibilidade de escolha do regime de bens no casamento implica ofensa a direitos constitucionais básicos, como dignidade, liberdade e igualdade, além de significar impedimento ao pleno exercício da autonomia privada.

Isso porque a limitação de liberdade ao idoso não se justifica nos dias atuais, já que estas pessoas contam com pleno discernimento para a realização de todos os atos da vida civil, não sendo plausível que o legislador pretenda proteger o idoso de um casamento por interesse. A escolha do regime de bens é reflexo da autonomia privada do casal e deve prevalecer, mesmo em caso de idade avançada de algum dos cônjuges.

A Constituição traz como fundamento da República a dignidade da pessoa humana, podendo esta ser entendida como a capacidade de autodeterminação do indivíduo. Se o idoso deseja realizar casamento e não pode escolher o regime de bens que melhor lhe atenda, fica evidenciado que a dignidade desta pessoa não é respeitada.

Em complemento, pode-se dizer que a regra do artigo 1.641, II se mostra ofensiva aos direitos constitucionais à liberdade, igualdade e isonomia. Ora, o maior de 60 (sessenta) anos sofre restrição que não existe para as pessoas mais jovens e que não é prevista para os casos de caracterização de união estável. Foi visto que tramitam no Congresso Nacional vários projetos de lei, alguns que defendem o aumento da idade de 60 (sessenta) para 70 (setenta) anos, outros que lutam pela revogação do artigo 1.641 do Código Civil.

Por isso, no caso do idoso que contrai casamento, mesmo diante da imposição legal do regime da separação obrigatória, existe a possibilidade do casal pretender judicialmente a alteração do regime, com base na regra geral do artigo 1.639, § 2º, do Código Civil, a partir dos fundamentos apresentados pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, conforme visto, pedido motivado e isento de vícios de ambos os cônjuges e também pelo fato do artigo 1.641, II estar envolto em flagrante inconstitucionalidade.

Compartilhando da opinião majoritária da doutrina, pode-se emitir conclusão pela total ausência de justificativa para se impor ao idoso, que queira realizar casamento, o regime da separação de bens, principalmente quando dados estatísticos mostram que a população brasileira conta com maior expectativa de vida, ou seja, a cada dia o País conta com mais idosos, e estas pessoas não podem sofrer restrição arbitrária no exercício pleno de suas faculdades.

Não se sustenta a opção patrimonialista do legislador do Código Civil de 2002, que manteve o regime da separação obrigatória, a exemplo do que já ocorria no Diploma de 1.916, quando o moderno Direito Civil defende a interpretação e leitura constitucional das relações civis, principalmente no direito de família.

Espera-se que os projetos de lei que lutam pela revogação do regime da separação legal sejam apreciados, discutidos e aprovados pelo Congresso Nacional, e até que isso ocorra, que o Poder Judiciário tenha sensibilidade e ousadia, a exemplo do Tribunal Gaúcho, para autorizar a modificação do regime da separação obrigatória, quando os cônjuges apresentarem tal pretensão de forma idônea e isenta de vícios.


11. BIBLIOGRAFIA

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Notas

  1. Nesse sentido: RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito de família: volume 6, 28. ed. rev. e atual. por Francisco José Cahali de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406 de 10.1.2002). São Paulo: Saraiva, 2004, p. 135; MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, v. 2. direito de família. 37. ed. ver. e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva. 2004, p. 183; DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 5º volume: direito de família. 20. ed. ver. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406 de 10.1.2002) e o Projeto de Lei n. 6.960/2002. São Paulo: Saraiva. 2005, p. 155.
  2. A autonomia privada, nas palavras de Francisco Amaral corresponde a "A autonomia privada é o poder que os particulares têm de regular, pelo exercício de sua própria vontade, as relação de que participam, estabelecendo-lhes o conteúdo e a respectiva disciplina jurídica. Sinônimo de autonomia da vontade para grande parte da doutrina contemporânea, com ela porém não se confunde, existindo entre ambas sensível diferença. A expressão autonomia da vontade tem uma conotação subjetiva, psicológica, enquanto a autonomia privada marca o poder da vontade no direito de um modo objetivo, concreto e real" (AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 345).
  3. RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito de família: volume 6, 28. ed. rev. e atual. por Francisco José Cahali de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406 de 10.1.2002). São Paulo: Saraiva, 2004, p.137.
  4. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 5º volume: direito de família. 20. ed. ver. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406 de 10.1.2002) e o Projeto de Lei n. 6.960/2002. São Paulo: Saraiva. 2005, p. 156/161.
  5. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. 2. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 383.
  6. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 5º volume: direito de família. 20. ed. ver. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406 de 10.1.2002) e o Projeto de Lei n. 6.960/2002. São Paulo: Saraiva. 2005, pág 156/161; Monteiro, Washington de Barros. Curso de direito civil, v. 2. direito de família. 37. ed. ver. e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva. 2004, p. 187.
  7. RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 618.
  8. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. 2. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 385.
  9. RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito de família: volume 6. 28. ed. rev. e atual. por Francisco José Cahali de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406 de 10.1.2002). São Paulo: Saraiva. 2004, p. 150/151. Anota o eminente Professor que: "(...) O regime aqui adotado foi de autorização para mudança, não homologação judicial da alteração, como se faz em algumas legislações referidas. Prevendo o requerimento conjunto, vale dizer, consensual, parece adequado os cônjuges utilizarem-se do procedimento de jurisdição voluntária, ensejando daí a intervenção do Ministério Público, formulando a pretensão em uma das varas especializadas de família, quando houver. O pedido há que ser fundamentado, cabendo ao juiz verificar se a pretensão, embora conjunta, atende aos interesses da família, pois se em prejuízo de qualquer dos cônjuges ou dos filhos, deve ser rejeitada. E por prejuízo, entenda-se impor a um deles situação de miséria, ou extrema desvantagem patrimonial, e não apenas redução de vantagens ou privilégios. Assim, o fato de, pela mudança do regime, o cônjuge vir a ser privado de uma herança futura é insuficiente a objeção, até porque só existiria expectativa de um direito. Neste contexto, em nosso sentir, pertinente se mostra, como regra, a oitiva das partes em Juízo, tomando por termo a pretensão, oportunidade em que o julgador estará mais bem habilitado à análise dos motivos declinados pelas partes. Porém a audiência presencial não é requisito à apreciação do pedido, de tal sorte que fica ao elevado critério do juiz dispensar o comparecimento dos cônjuges quando entende-lo desnecessário. Terceiros são totalmente estranhos à pretensão, sendo, pois, obstada a sua intervenção, até pela expressa previsão na norma: "ressalvados direitos de terceiros".
  10. CANUTO, Érica Verícia de Oliveira. Regime de bens: Mutabilidade do regime patrimonial de bens no casamento e na união estável – conflito de normas. In Revista Brasileira de Direito de Família, v.5, n. 22, Fev./Mar., 2004. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM. p. 153.
  11. CANUTO, Érica Verícia de Oliveira. Regime de bens: Mutabilidade do regime patrimonial de bens no casamento e na união estável – conflito de normas. In Revista Brasileira de Direito de Família, v.5, n. 22, Fev./Mar., 2004. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM. p. 154.
  12. RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 630.
  13. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, v. 2. direito de família. 37. ed. ver. e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva. 2004, p. 188. De acordo com o Nobre Professor: "Deve-se, no entanto, ter presente o disposto no art. 2.035 do novo Código Civil, pelo qual A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no artigo 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução". Portanto, se levado em conta que a irretroatividade das normas sobre regime tem em vista evitar a aplicação de lei nova pela vontade de apenas uma das partes, ou seja, proteger o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, de modo a ser aplicado o ordenamento jurídico vigente à sua época contra as investidas de uma das partes, em adequação ao que dispõem os arts. 5º, XXXVI, e 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, entende-se que, por exigir pedido de ambos os cônjuges, a mutabilidade do regime de bens deve ser possibilitada também em casamentos celebrados antes da entrada em vigor do novo Código Civil".
  14. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família: volume 6. 28. ed. rev. e atual. por Francisco José Cahali de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406 de 10.1.2002). São Paulo: Saraiva, 2004, p. 152/153.
  15. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família: volume 6, 28. ed. rev. e atual. por Francisco José Cahali de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406 de 10.1.2002). São Paulo: Saraiva, 2004, p. 143.
  16. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 229.
  17. RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 659.
  18. RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito de família: volume 6. 28. ed. rev. e atual. por Francisco José Cahali de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406 de 10.1.2002). São Paulo: Saraiva, 2004, p. 169.
  19. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil: volume 5: direito de família. 13. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002. Caio Mário doutrinava o seguinte: "A nós nos parece que se o Código instituiu a comunicabilidade "no silêncio do contrato", somente teve em vista a situação contratual, pois, se desejasse abranger, no mesmo efeito, a separação compulsória, aludiria à espécie em termos amplos, e não restritivos ao caso, em que o contrato é admitido. Não o fez, e ainda proibiu a doação de um cônjuge a outro, o que revela o propósito, interdizendo as liberalidades, de querer uma separação pura de patrimônios. Este objetivo ainda vem corroborando pela legislação subseqüente: no momento em que votou a Lei nº 4.121 de 1962, e conhecendo a controvérsia, podia o legislador estatuir desde logo a comunhão de aquestos, nos casos de separação obrigatória. Longe disto, ao revés, preferiu atribuir à viúva o usufruto de parte do espólio a romper as linhas do regime de separação. Apesar de todas as opiniões em contrário, continuamos fiel à tese que defendemos".
  20. RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito de família: volume 6. 28. ed. rev. e atual. por Francisco José Cahali de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406 de 10.1.2002). São Paulo: Saraiva, 2004, p. 173.
  21. RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 663.
  22. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, v. 2. direito de família. 37. ed. ver. e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva. 2004, p. 222.
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  38. Jornadas de Direito Civil I, III e IV / Organização Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. – Brasília: CJF, 2007, pág. 34.
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  41. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, v. 2. direito de família. 37. ed. ver. e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva. 2004, p. 188.
  42. CANUTO, Érica Verícia de Oliveira. Regime de bens: Mutabilidade do regime patrimonial de bens no casamento e na união estável – conflito de normas. In Revista Brasileira de Direito de Família, V.5, n. 22, Fev./Mar., 2004. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM. p. 162.
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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Michel Carlos Rocha. O idoso e o regime de bens no casamento. Críticas à opção legislativa do Código Civil de 2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2357, 14 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14009. Acesso em: 26 abr. 2024.