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O reconhecimento do vínculo empregatício entre supostos "motoristas-auxiliares" e proprietários autônomos de táxis

O reconhecimento do vínculo empregatício entre supostos "motoristas-auxiliares" e proprietários autônomos de táxis

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O não-reconhecimento da prática recorrente em todo o país de instituir supostos regimes de colaboração fundados na Lei n. 6.094/74 como relação de emprego afronta o princípio da primazia da realidade, do Direito do Trabalho.

Resumo: Por meio do presente trabalho, pretendemos comprovar a existência de vínculo empregatício entre os chamados "motoristas-auxiliares" e os proprietários autônomos de táxis. O não-reconhecimento da prática recorrente em todo o país de instituir supostos regimes de colaboração fundados na Lei n. 6.094/74 como relação de emprego afronta o princípio da primazia da realidade, do Direito do Trabalho. É especialmente com base nesse princípio que procuraremos demonstrar a relação empregatícia escamoteada por um falso regime de colaboração embasado na lei.

Palavras-chave: Motorista-auxiliar. Proprietário autônomo. Táxi. Princípio da primazia da realidade. Vínculo empregatício.

Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Requisitos do vínculo empregatício. 2.1. Pessoalidade. 2.2. Habitualidade. 2.3. Subordinação. 2.4. Onerosidade. 3. O caso dos "motoristas-auxiliares". 4. Caracterização do vínculo de emprego entre "motorista-auxiliar" e proprietário autônomo. 4.1. Pessoalidade. 4.2. Habitualidade. 4.3. Subordinação. 4.4. Onerosidade. 5. Conclusão. 6. Bibliografia.


1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A caracterização do vínculo empregatício entre duas partes contratantes e, consequentemente, do contrato de trabalho desempenha papel fundamental no reconhecimento dos direitos trabalhistas do empregado, tais como hora extra, décimo terceiro salário, férias remuneradas, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), aviso prévio, seguro-desemprego etc.

O enquadramento da situação fática nos requisitos da relação de emprego (examinados infra) significa a garantia da aplicação de todas as normas inerentes ao trabalhador. [01] Não podemos permitir que contratos de trabalho dissimulados em contratos civis deixem de produzir seus efeitos naturais [02]. A prática é recorrente em todo o país, e milhares de taxistas que fazem jus aos seus direitos trabalhistas deixam de auferir os seus benefícios em virtude de artimanhas dos empregadores, que procuram formas de burlar a lei trabalhista.

O homem, aliás, sempre buscou formas de transpassar leis para obter vantagens. Exemplo claro disso são os "contratos de cessão de uso de imagem" (entre aspas porque são simulações, enquadráveis no art. 167 do Código Civil) celebrados entre clubes de futebol e jogadores. Para escapar do Fisco, a maioria dos clubes brasileiros registra um salário ínfimo (para os padrões do jogador) no contrato de trabalho e um valor exorbitante (o verdadeiro salário) no "contrato de cessão de uso de imagem" (de natureza supostamente civil). Ora, na verdade esse último contrato é uma simulação. A essa situação os tribunais aplicam tranquilamente o art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho combinado com o art. 167 do Código Civil. [03] Resultado disso é a consideração do "contrato de cessão de uso de imagem" como integrante do contrato de trabalho; seus valores, portanto, são entendidos como componentes do salário do jogador. [04]

A percepção dessa manobra fraudulenta dos clubes pelos tribunais foi extremamente importante, porquanto a partir dessas decisões os direitos trabalhistas dos jogadores passaram a ser concedidos com base no salário composto dos valores somados do contrato de trabalho e do de "cessão do uso de imagem". Há aí grande diferença tanto para o jogador quanto para o Estado, pois o FGTS e o INSS, por exemplo, são diretamente proporcionais ao salário.

Pretendemos demonstrar a existência de simulação também na hipótese dos chamados "motoristas-auxiliares" (ou defensores), que na realidade não são auxiliares, mas certamente subordinados. Tomando como premissa basilar de nosso raciocínio o princípio da primazia da realidade, [05] examinaremos cada aspecto dos contratos pactuados entre defensores e proprietários para, ao final, concluirmos que se trata de pactos laborais propriamente ditos.


2. REQUISITOS DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO

As atividades humanas desempenhadas em uma relação de trabalho são o fator impulsionador de todo um sistema econômico capitalista e que determinam os direcionamentos que deve o legislador observar para regular da forma mais eficaz e justa as relações sociais. As atividades humanas podem ser divididas em duas categorias marcadamente diversas, o contrato individual de trabalho [06], que mais corretamente deveria ser chamado de contrato de emprego, mas, por apego ao usual utilizaremos a expressão amplamente adotada pela doutrina, que denota a relação de emprego, nos lindes do art. 442 da Consolidação das Leis Trabalhistas [07], e a prestação de serviço, que emerge como a prestação de um serviço, de um trabalho autônomo.

Dessa feita, os serviços oriundos da atividade laborativa podem ser prestados de duas formas peculiares, quais sejam, o trabalho autônomo e o trabalho subordinado. A primeira forma de manifestação do labor humano, a prestação de serviços, é marcada pela liberdade que possui o prestador para escolher os meios que utilizará para prestar o serviço a que se comprometeu, além de ditar as regras que seguirá nessa relação de trabalho, não se podendo reconhecer na simples observância de instruções uma dependência, subordinação ao empregador. Nessa modalidade podemos verificar que o fator preponderante da relação contratual é mais a eficácia do serviço do que os meios que os métodos utilizados pelo autônomo na consecução desse fim. Na segunda forma de manifestação, no contrato de trabalho, o subordinado (empregado, por conseguinte) está inteiramente vinculado às decisões do empregador em todas as etapas do seu processo laborativo, isto é, sujeito à vontade de outra pessoa, que o dirige e coordena suas atividades.

Inegável que o vínculo estabelecido entre empregado e empregador é uma relação jurídica regida pela norma jurídica, tratando-se, pois, de um complexo de direitos e deveres que se estabelece entre as partes quando ambos aceitam aderir às cláusulas do contrato de trabalho, decorrendo, portanto, o vínculo empregatício da vontade das partes – autonomia da vontade.

A manifestação do contrato de trabalho [08] traz a lume a hipótese da relação de emprego, [09] que passa a existir entre empregador e empregado com a prestação dos serviços de forma subordinada. Nesse tocante precisas são as lições de Amauri Mascaro Nascimento quando assevera: "Definimos relação de emprego como a relação jurídica de natureza contratual tendo como sujeitos o empregado e o empregador e como objeto o trabalho subordinado, continuado e assalariado". [10]

A partir desse conceito, podemos observar três dos quatro elementos que caracterizam a relação de emprego, quais sejam, a subordinação, a não-eventualidade e a onerosidade, representada pela percepção de salários. O outro requisito imprescindível para a configuração a relação de emprego e, consequentemente, para o reconhecimento do vínculo empregatício, é a pessoalidade.

Analisaremos em abstrato cada um dos requisitos para o reconhecimento do vínculo empregatício.

2.1. Pessoalidade

Somente podemos enquadrar como empregado, o qual faz jus ao reconhecimento do vínculo empregatício, aquele trabalhador que presta seus serviços pessoalmente a terceiros, exercendo de per si uma atividade direta, sem poder delegar para outrem essa atividade [11]. Podemos vislumbrar nesse requisito a presença do elemento intuitu personae [12] que liga empregador e empregado, ou seja, o vínculo moral e psicológico que se estabelece entre ambos de modo a haver aí uma relação de confiança entre as partes. Fica evidente também a indissociabilidade entre o empregador e o empregado, pois aquele contrata o serviço deste levando em consideração suas qualificações, seus atributos. Podemos concluir disso que a relação de emprego é uma obrigação personalíssima, em que o empregado não se pode fazer substituir por outrem.

A obrigação principal contida em um contrato de trabalho é que o empregado coloque suas forças, sua energia pessoal, para a realização de determinado serviço. Observamos, pois, que esse atributo intrínseco da pessoa é elevado a objeto do contrato, sendo levadas pelo empregador em consideração as características subjetivas de cada pessoa para contratar aquela que, em seu juízo, é a mais hábil e eficiente para a consecução das tarefas a serem exercidas [13]. Essa escolha com base em atributo personalíssimo do empregado é que caracteriza a pessoalidade do contrato de trabalho.

Surge com a contratação um vínculo de colaboração, em que o trabalhador se compromete a utilizar de suas forças para promover o desenvolvimento das atividades do empregador para quem prestará seus serviços, até mesmo por depender o trabalhador do crescimento das atividades de seu empregador para a sua subsistência, pois sem o desenvolvimento há o fechamento dos postos de trabalho. Se ele não se empenhar, descumprindo o dever de lealdade e de colaboração que surge com a contratação, o empregador deixa de ter meios suficientes para cumprir a sua parte do contrato de trabalho, qual seja, remunerar o trabalhador pela atividade desempenhada.

É importante salientar que, para o reconhecimento da figura do trabalhador como um empregado, necessário se faz a presença concomitante dos quatro requisitos para a configuração do vínculo empregatício, em cuja análise persistimos, de modo que, se um deles não estiver presente, descaracterizada fica a relação de emprego. [14]

2.2. Habitualidade

Para a configuração do vínculo empregatício, a prestação dos serviços não pode ocorrer de forma descontínua, interrupta, ou seja, com afastamentos temporários razoáveis, fragmentação durante um período de trabalho e outro para o mesmo empregador. Não estamos querendo dizer com isso que a prestação de serviço deve ocorrer sem intervalos entre prestações, o que seria falacioso e atentaria contra a realidade usual dos contratos de trabalho, haja vista não serem poucos os trabalhadores que laboram em regime de escala, e que, portanto, não estão laborando diariamente, mas sim com um intervalo entre as atividades por ele desempenhadas, o que nem de longe desconfigura a relação de emprego. A habitualidade está na prestação contínua dos serviços a um tomador (com animus de definitividade [15]), na verdade na continuidade do vínculo com o empregador. [16]

A prestação não pode estar condicionada a um evento, a uma realização esporádica, ficando adstrita à realização e duração de determinado evento [17]. Essa assertiva deve ser sempre vista com cautela, uma vez que o trabalho temporário é uma relação de emprego, com a presença de todos os elementos caracterizadores do vínculo empregatício, inclusive a habitualidade. Assim, o que temos que concluir é que a natureza do trabalho não pode ser concernente a e dependente de evento esporádico. [18]

Basta que o trabalhador exerça as suas funções para um determinado empregador sem que suas atividades sejam esporádicas e sem que sejam somente exigidas quando do acontecimento de determinado evento.

2.3. Subordinação [19]

A subordinação implica a sujeição do empregado às normas pré-estabelecidas pelo empregador e às coordenadas de comando da atividade a ser exercida. O empregado aceita as condições e as modalidades que o empregador impõe para a realização da atividade laboral. O trabalhador consente, assim, com as normas determinantes do modo como deve prestar os seus serviços delimitadas pelo empregador. [20]

Cumpre destacar que não é o trabalhador que é subordinado às normas diretivas do empregador, e sim o modus operandi da sua atividade laboral, a maneira como deve ser exercida a atividade na prestação do serviço. [21] Há o que a doutrina convenciona chamar de subordinação jurídica do empregado ao empregador. [22]

Podemos concluir que o trabalhador sujeita a sua atuação, o modo como exercerá as suas atividades, às normas diretivas, à política adotada pelo empregador, e aos comandos determinativos da maneira a ser exercida a tarefa, impondo-se uma limitação à autonomia do empregado. Ocorre, dessa forma, uma imposição de limites por parte do empregador no tocante à atuação e à coordenação das atividades. O patrão supervisiona as atividades laborais de seus empregados, determinando-lhes todo um complexo normativo para que possam realizar suas atividades. [23]

2.4. Onerosidade

O contrato de trabalho implica uma alienação, por parte do trabalhador, de suas atividades, de modo que recebe do empregador parte daquilo que produz com o emprego de suas forças na consecução da atividade produtiva. Assim, o trabalhador transfere a titularidade daquilo que produz com suas forças, em teoria a ele pertencente, ao empregador, que o recompensa com parte do produto da atividade laborativa, mas que não equivale ao montante por ele produzido, o que caracteriza a remuneração, a onerosidade do contrato de trabalho. [24]

Caso não houvesse a remuneração como resultado (contraprestação) da alienação do trabalho do empregado, estaria presente aquilo que por tempos perdurou de modo institucionalizado no Estado brasileiro e que, infelizmente, perdura, apesar de sua ilegalidade, até a modernidade: a escravidão – a não ser que os serviços gratuitos assim o fossem por vontade própria do seu prestador, caso de trabalho voluntário. [25]

Com a remuneração, ocorre o fenômeno da alienação, em que o empregador transfere a titularidade do produto de sua força produtiva para o empregado em troca de uma recompensa. O trabalhador troca os futuros produtos do seu labor, incertos, por um montante prefixado no contrato de trabalho, que caracteriza o salário [26]. No caso do ordenamento jurídico brasileiro, ainda que haja a possibilidade de percepção de recompensa de terceira pessoa, e não diretamente do empregador, como a gorjeta, exige-se que o empregado receba uma quantia prefixada, a que se dá o nome de salário-mínimo. O salário-mínimo representa o básico, o essencial, para que o ser humano possa sobreviver e desenvolver-se em sua plenitude. Vale destacar as precisas lições do preclaro mestre Arnaldo Süssekind quando assevera que "[...] não é a falta de estipulação do quantum do salário ou o seu pagamento sob a forma indireta que desfiguram a condição do empregado, e sim a intenção de prestar o serviço desinteressadamente, por mera benevolência", [27] ou, acrescentamos, por exploração ilegal de suas forças.


3. O CASO DOS "MOTORISTAS-AUXILIARES"

Em alguns lugares são chamados de motoristas-auxiliares; em outros, de defensores. O certo é que desde há um bom tempo os motoristas de táxi vêm reclamando das condições em que trabalham. Para pagarem as diárias a que estão sujeitos – em grande parte dos casos o sistema é de diárias, mas há também a divisão da receita auferida no dia em porcentagens (40% para o proprietário e 60% para o motorista, por exemplo) –, os "auxiliares" têm que trabalhar exaustivamente. Chegamos ao ponto de haver declarações de vários motoristas afirmando que trabalhavam como escravos!

Ora, precisamos acordar pra uma realidade que não corresponde ao pacto formal celebrado entre o proprietário e o motorista [28]. O art. 1º da Lei n. 6.094/74 é claro quando determina que "é facultada ao Condutor Autônomo de Veículo Rodoviário a cessão do seu automóvel, em regime de colaboração, no máximo a dois outros profissionais". Há aí dois pontos a serem observados: a) "condutor autônomo de veículo rodoviário" pressupõe que o proprietário também dirige o veículo, e b) "regime de colaboração" nos induz à ideia de esforço mútuo e correspectivo. O que observamos rotineiramente são, em sua maioria, proprietários de veículos de táxi com uma verdadeira empresa. Muitos proprietários não são motoristas, mas têm a licença para seu veículo transitar na função de táxi e concedem o uso desse veículo a terceiros na forma de "contrato de locação". [29]

Está claro e evidente que o proprietário exerce, de fato, atividade empresária. Ele não colabora com os seus "auxiliares" justamente porque não há regime de colaboração, mas patente subordinação. É um sistema em que o proprietário é o dono dos meios de produção, e o empregador aliena sua força de trabalho para receber seu salário na medida da sua produção diária. [30] Apesar de o dono do táxi ostentar o meio de produção, a manutenção e o combustível do veículo geralmente ficam a cargo do defensor! De qualquer forma, o art. 2º, § 1º, da CLT alberga com perfeição a figura de que ora tratamos: "Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência [...]".


4. CARACTERIZAÇÃO DO VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE "MOTORISTA-AUXILIAR" E PROPRIETÁRIO AUTÔNOMO

Para que haja a caracterização do vínculo empregatício, vimos que a relação entre o obreiro e o empregador não prescinde da presença dos requisitos da pessoalidade, da habitualidade, da subordinação e da onerosidade. Como o escopo deste trabalho é demonstrar a existência de relação de emprego entre "motorista-auxiliar" e proprietário autônomo de táxi, faz-se mister que enquadremos a situação fática em cada um desses requisitos.

4.1. Pessoalidade

Quando o motorista de táxi é contratado por empresa, por mais que o contrato firmado escamoteie a situação, passando-se por "contrato de locação" do táxi, os tribunais já vêm entendendo pacificamente a existência de vínculo empregatício. Depreende-se isso do enunciado n. 5.1, alínea t, da Orientação Normativa n. 8, cujo texto assim determina: "5.1. É considerado empregado: [...] t) o motorista de táxi que firma contrato de locação de veículo com empresa de táxi (Parecer-MPS/CJ/Nº 18/93)".

Ora, se é reconhecido o vínculo empregatício em casos tais, por conseqüência lógica também se reconhece a pessoalidade e com muito mais razão se a deve reconhecer no caso do defensor, contratado pelo proprietário autônomo. Explicamos. É sabido de todos que essas empresas mantêm todo um aparato voltado especialmente à contratação de motoristas. Essa contratação ocorre de forma massiva, de maneira que não há preocupação com quem, especificamente, está dirigindo cada veículo, mas sim com determinada quantidade de motoristas devidamente habilitados conduzindo certo número de veículos. É claro que aí há pessoalidade, pois a empresa não quer que maus motoristas dirijam seus carros, por isso os contratados não se podem fazer substituir por outra pessoa.

Ocorre que, nas relações interpessoais, esse aspecto da pessoalidade fica ainda mais patente. É manifesto o caráter intuitu personae do contrato em questão. Um proprietário de veículo de transporte individual de pessoas, pelo fato de possuir um só automóvel, tem uma preocupação muito maior com a pessoa que conduzirá seu táxi do que a sociedade empresária cuja atividade gira em torno desse mesmo ramo empresarial. Isso porque, nessa linha de pensamento, qualquer prejuízo que o proprietário (permissionário) vier a ter em virtude de um comportamento de um defensor ser-lhe-á, sem dúvida, muito mais danoso do que seria a uma sociedade empresária com vários empregados. A confiança que o permissionário deposita no "auxiliar" é mais evidente nesse caso, pois o primeiro confia a manutenção da sua única fonte de renda a um ou, no máximo, dois defensores (o art. 1º da Lei n. 6.094/74 permite um máximo de dois, e o proprietário, como quer, mais do que ninguém, manter a farsa da "colaboração", obedece à lei).

4.2. Habitualidade

Os dias de trabalho dos motoristas variam, mas normalmente trabalham no mínimo de segunda a sexta-feira, com jornada diária de pelo menos oito horas (normalmente é maior). Ora, é inescondível a presença do requisito da habitualidade. Se o proprietário tem a certeza de que o motorista voltará no dia seguinte para trabalhar, está caracterizada a não-eventualidade da prestação do serviço. Ademais, Francisco de Mattos Rangel adverte que "[...] nunca é eventual o trabalho relativo à finalidade da empresa". [31]

Pelo fato de o contrato de trabalho ser um pacto de trato sucessivo, a camuflagem se dá, em grande parte das vezes, por meio de contrato de locação, de execução também diferida. Ocorre que, uma vez observada a presença dos outros requisitos do pacto laboral, caracteriza-se o contrato de trabalho, mesmo no caso de contrato que se diz "de cessão de automóvel em regime de colaboração" nos termos da Lei n. 6.094/74.

A mencionada lei se aplica à situação em que um condutor e o proprietário autônomo de um táxi contratam, inexistindo subordinação jurídica e salário, uma vez que os lucros são divididos igualmente, apesar de normalmente haver pessoalidade e continuidade, características comuns a praticamente todos os contratos de execução diferida. É inegável que, concorrendo todos os requisitos para a constituição de um contrato de trabalho (pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade), a realidade não mais se conforma à fattispecie prevista no art. 1º da Lei n. 6.094/74, pois apresenta algo a mais. É justamente esse o caso em tela, em que o defensor está plenamente enquadrado na posição de empregado perante o proprietário do táxi, como continuamos a expor. Não há apenas pessoalidade e continuidade, mas também subordinação e onerosidade.

4.3. Subordinação

Em reforço de nossa argumentação – contudo sem emitir qualquer juízo de valor a respeito da situação, a não ser aquele que pertine ao caso –, foi amplamente discutida no Rio de Janeiro (e o assunto chegou até ao Supremo Tribunal Federal mediante o RE 359.444/RJ) a questão dos "motoristas-auxiliares". A Lei Municipal n. 3.123/00, de autoria do vereador Pedro Porfírio, teve sua constitucionalidade questionada no Supremo, o qual, em sessão plenária, por 10 votos a 1 (vencido o relator Min. Velloso) reputou-a quase integralmente constitucional (apenas dispositivos poucos e menos relevantes para o nosso caso foram considerados inconstitucionais, como um que concernia a direito penal). Todos os votos vencedores seguiram linha argumentativa no sentido sociológico, julgando a lei uma importante conquista para os motoristas-auxiliares.

A lei transformou os motoristas-auxiliares em permissionários, isto é, passou-os à mesma condição jurídica dos proprietários dos veículos. Essa lei foi tão comemorada pela comunidade dos motoristas-auxiliares do Rio de Janeiro justamente pelo fato de que trabalhavam excessivamente para conseguirem pagar as diárias aos proprietários. Com a lei, ter-se-iam libertado desse vínculo, que os prendia aos proprietários em virtude da obrigação de lhe pagarem uma média de 150 a 170 reais por dia. Ora, que vínculo é esse? Inegável que um vínculo de subordinação, de dependência. O vínculo é tão forte que se chegou a compará-lo à escravidão! Se não há subordinação numa relação dessa índole, não podemos reconhecê-la em nenhuma outra.

Percebemos que os motoristas são completamente dependentes dessa atividade. O capital que auferem com esse labor é de onde eles retiram o sustento seu e de sua família. O defensor está evidentemente subordinado ao permissionário, na medida em que se submete a horário previamente estipulado. Não trabalha no horário que lhe mais apraz – afinal, o proprietário mantém dois motoristas em "regime de colaboração", cada um ficando responsável por exercer a atividade de taxista em um período do dia –, não fica com todo o dinheiro que recebe com o produto do seu esforço e, economicamente, depende deveras da remuneração percebida com esse emprego.

Imaginemos uma situação em que o proprietário decida que não mais necessita dos serviços do defensor. Seria catastrófica para o último a perda dessa fonte de renda, visto que boa parte dos defensores exerceu essa profissão durante grande parte de sua vida, não tendo gozado de oportunidade de desenvolver habilidades em outras profissões. Dessa forma, ficaria à deriva até mesmo no que tange aos benefícios a que teria direito qualquer outro empregado (hora extra, décimo terceiro salário, FGTS, férias etc.). Pode não haver, formalmente (contratualmente), subordinação jurídica, contudo a realidade demonstra que, além da subordinação ao horário, também a dependência econômica é enorme e evidente. [32]

Muitos motoristas-auxiliares são dispensados em caso de doenças ou de acidentes, pois não conseguem pagar as diárias. É justamente por motivos dessa natureza que deputados federais já apresentaram projetos de lei no sentido de impedir essa tentativa de camuflar o vínculo empregatício do motorista-auxiliar com o proprietário do táxi por meio de um regime supostamente "de colaboração", nos termos da Lei n. 6.094/74. Os projetos de lei de que falamos são o 3953/04, o 3272/04 e o 3232/04, de autoria dos deputados Selma Schons (PT-PR), Eduardo Valverde (PT-RO) e Confúcio Moura (PMDB-RO), respectivamente, propostas essas que pretendem alterar a Lei 6.094/74, para permitir a contratação de motoristas-auxiliares pela CLT. São projetos com o fito de reconhecer juridicamente o que de fato já se comprova há um bom tempo.

4.4. Onerosidade

Os defensores prestam o serviço de motorista aos permissionários e em troca disso recebem um salário. Não é dado ao motorista se apropriar de todo o dinheiro oriundo dos pagamentos recebidos pelas corridas que fez. Isso porque o contrato estipula que ao produto pecuniário diário da sua atividade deve ser dado determinado destino, para que só então possa desfrutar do seu salário. Ele é remunerado pelo dono do veículo, haja vista que não retira sua renda do pagamento efetuado pelos passageiros para quem realiza corridas. [33] Quando o sistema é de diárias, ele paga parte do valor auferido durante o dia para somente depois perceber o seu real salário; se o sistema é de porcentagem, também o motorista apenas recebe a sua remuneração após pagar a cota que pertence ao dono do táxi. É cediço que o salário, via de regra, é pago de forma mensal e com pelo menos uma base fixa, mas não necessariamente, como podemos depreender do art. 444, da CLT.

A remuneração percebida pelos "auxiliares", apesar de paga não-mensalmente, está estipulada contratualmente, com seu cálculo, sua forma de pagamento e suas demais condições. Também não é um valor fixo, em virtude da peculiaridade de que se reveste a situação. O aspecto que aqui deve saltar aos olhos é a natureza contraprestativa do salário. [34] Há correspectividade entre a atividade que o defensor exerce e a remuneração que percebe: se trabalha mais, recebe mais. Como o emprego de taxista é naturalmente suscetível a essas variações, também o é o salário; nada disso, contudo, desnatura a qualificação dessa renda como salarial. [35] Vale dizer que na remuneração estão incluídas também as gorjetas, consoante o art. 457, caput, da CLT.


5. CONCLUSÃO

O Direito do Trabalho é um sub-ramo do Direito construído para promover o desenvolvimento do homem no tocante às suas relações de trabalho. Busca resguardar à pessoa humana a dignidade e um mínimo indispensável de condições para que se possa desenvolver. Nesse sentido, garante direitos ao homem na sua relação de trabalho, sempre visando a atingir o bem-estar social.

Outrossim, os direitos trabalhistas são reconhecidos para que o trabalhador tenha garantias maiores e condições de alcançar o seu pleno desenvolvimento, garantindo-se-lhe um mínimo essencial [36]. Para que faça jus a esses direitos, é necessário que a relação de trabalho preencha alguns requisitos para se configurarem o vínculo empregatício e, assim, a relação de emprego.

A relação dos defensores com aqueles que contratam o seu trabalho para prestar o serviço de taxista, analisada neste trabalho, deve ser vista com espeque na teleologia do desenvolvimento do Direito do Trabalho. Tendo em vista as precárias condições de trabalho dessa categoria e o espírito do ordenamento no que concerne à garantia aos trabalhadores, sempre que possível, dos direitos básicos para se desenvolverem – conjugada, é claro, com o preenchimento dos requisitos de configuração do vínculo empregatício –, somos forçados a concluir que aos defensores (ou "motoristas-auxiliares") devem ser reconhecidos a condição de empregados (consoante o caso, é claro) e os direitos resultantes desse reconhecimento.


6. BIBLIOGRAFIA

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Notas

  1. Bezerra Leite, Curso de direito do trabalho, v. I, p. 203.
  2. Amauri Mascaro Nascimento, Curso de direito do trabalho, p. 506-507, assim preleciona: "O contrato de trabalho é um contrato à parte, isto é, não equiparável aos demais, como o de compra e venda, o de aluguel, o mútuo, etc. A dignidade humana, frisa Fernando Guerrero, é dificilmente assimilável a uma coisa, sob o ponto de vista ético. O trabalho é algo inerente ao trabalhador, ao seu próprio ser. Quando o homem trabalha para outrem, dá um pouco de si. Não é o mesmo que ocorre quando alguém fornece a outrem uma mercadoria. A matéria ou objeto do contrato de trabalho, portanto é muito especial. ‘Não é uma mercadoria qualquer, senão uma coisa de homem’, diz Jollivet. É o rendimento humano do operário que o empregador utiliza; e essa riqueza pertence a um ser humano que pretende viver e cumprir o seu destino."
  3. Art. 9º. Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
  4. Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

  5. Nesse sentido, por exemplo, estão os seguintes arestos: TRT-2, RO-01249-2002-491-02-00, 4ª T., rel. Juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros, j. 23.8.2005, DOESP 2.9.2005; TRT-3, RO-00171-2002-004-03-00, 3ª T., rel. Juiz José Eduardo de Resende Chaves Júnior, j. 28.8.2002, DJMG 7.9.2002, p. 5; TRT-7, RO-1433-2004-011-07-00-0, 1ª T., rel. Juiz José Antonio Parente da Silva, j. 31.7.2006, DOECE 23.8.2006.
  6. Consoante o princípio da primazia da realidade, o contrato de trabalho é um contrato-realidade. Dessarte, em havendo desconcerto entre os fatos e o conteúdo dos documentos trabalhistas, prevalecerá o ocorrido no âmbito fático. Nesse sentido, Francisco Jorge Neto e Jouberto Cavalcante, Direito do trabalho, t. I, p. 100. Bezerra Leite, Curso de direito do trabalho, p. 43-44, discorda da aplicação do conceito de contrato-realidade, criado por Mario de la Cueva, ao princípio da primazia da realidade.
  7. "No Brasil, tendo em conta o disposto nos artigos 2º e 3º da CLT, o contrato individual de trabalho pode ser definido como o negócio jurídico em virtude do qual um trabalhador obriga-se a prestar pessoalmente serviços não eventuais a uma pessoa física ou jurídica, subordinado ao seu poder de comando, dele recebendo os salários ajustados". Süssekind, Curso de direito do trabalho, p. 215.
  8. CLT – Decreto-Lei n. 5.542/93:
  9. "Art. 442. Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego."

  10. Contrato individual de trabalho, para nós, é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa física se propõe a prestar pessoalmente serviço não-eventual, subordinado e remunerado a outra pessoa física ou jurídica, detentora de um empreendimento econômico, e de que assume os riscos, ou legalmente declarada empregador ou equiparada a este. Ivan Dias Rodrigues Alves e Christóvão Piragibe Tostes Malta, Você conhece direito do trabalho?, p. 37.
  11. "Relação de emprego é um contrato, cujo conteúdo mínimo é a lei, possuindo como sujeitos, de um lado, o empregado (pessoa natural), que presta serviços e, de outro lado, o empregador, em função de quem os serviços são prestados de forma subordinada, habitual e mediante salário." Francisco Jorge Neto e Jouberto Cavalcante, Direito do trabalho, t. I, p. 239.
  12. Amauri Mascaro Nascimento, Curso de direito do trabalho, p. 510.
  13. "(...) significa que o contrato de trabalho é intuitu personae com relação ao empregado, pelo que fica excluída qualquer espécie de delegação da prestação do serviço por parte deste a outro trabalhador, a menos que para tal haja consentimento do empregador." Bezerra Leite, Curso de direito do trabalho, v. I, p. 71.
  14. "Camerlyck também salienta como um dos caracteres de execução da prestação de serviços a pessoalidade. Frisa que o caráter pessoal da obrigação do empregado decorre da natureza mesma das relações de trabalho e do intuitu personae que preside sua conclusão e execução. (...) Assim, entende que o trabalhador não pode se fazer substituir por terceira pessoa sem o consentimento do empregador." Amauri Mascaro Nascimento, Curso de direito do trabalho, p. 593.
  15. "A prestação do trabalhador é estritamente personalíssima, e o é em duplo sentido. Primeiramente, porque pelo seu trabalho compromete o trabalhador sua própria pessoa, enquanto destina parte de das energias físicas e mentais que dele emanam e que são constitutivas de sua personalidade à execução do contrato, isto é, ao cumprimento da obrigação que assumiu contratualmente. Em segundo lugar, sendo cada pessoa um indivíduo distinto dos demais, cada trabalhador difere de outro qualquer, diferindo também as prestações de cada um deles, enquanto expressão de cada personalidade em singular. Em vista disso, o contrato de trabalho não conserva sua identidade se ocorrer qualquer alteração na pessoa do trabalhador." Manuel Alonso Olea, Introdução ao direito do trabalho, in Amauri Mascaro Nascimento, Curso de direito do trabalho, p. 594.
  16. "Para ser empregado, pois, é imprescindível a presença concomitante de todos os elementos subjetivos e objetivos supracitados, aliados à circunstância de que a relação há de ser necessariamente de natureza privada e não-estatutária, ou seja, decorrente de um contrato de trabalho." Bezerra Leite, Curso de direito do trabalho, v. I, p. 73.
  17. Nesse sentido Valentim Carrion, in Comentários à consolidação das leis do trabalho, p. 35,
  18. "O fato de não se tratar de trabalho executado dia a dia não importa na conceituação do serviço como de natureza eventual. O objetivo específico da legislação trabalhista consiste em outorgar um amparo àqueles que se encontram num estado de subordinação continuada frente ao seu empregador, devendo exigir-se o elemento continuidade mais quanto ao vínculo do que às prestações". Süssekind, Curso de direito do trabalho, p. 220.
  19. "Para ser empregado é preciso que o serviço por ele prestado não seja um trabalho eventual, isto é, em caráter transitório, acidental, esporádico ou não necessário como serviço permanente por exigência do tomador." Bezerra Leite, Curso de direito do trabalho, v. I, p. 72.
  20. "Na caracterização do trabalho eventual, Maurício Godinho Delgado afirma que não é razoável partir de um único critério e sim da combinação de todas as teorias, propondo, assim, os seguintes elementos característicos: ’a) descontinuidade da prestação do trabalho, entendida como a não permanência em uma organização com ânimo definitivo; b) não fixação jurídica a uma única fonte de trabalho, como pluralidade variável de tomadores de serviços; c) curta duração do trabalho prestado; d) natureza do trabalho tende a ser concernente a evento certo, determinado e episódico no tocante a regular dinâmica do empreendimento tomador dos serviços; e) em conseqüência, a natureza do trabalho prestado tenderá a não corresponder, também, ao padrão dos fins normais do empreendimento’." Francisco Jorge Neto e Jouberto Cavalcante, Direito do trabalho, t. I, p. 276.
  21. "Podemos dizer, então, que a subordinação jurídica é ainda o elemento fundamental, entre os demais, para o trabalhador (gênero) ser considerado empregado (espécie)." Bezerra Leite, Curso de direito do trabalho, v. I, p. 72.
  22. "Significa um estado de dependência real, decorrente de um contrato e produzido por um direito, o direito do empregador de comandar, de dar ordens, donde a obrigação correspondente para o empregado de se submeter a essas ordens." Bezerra Leite, Curso de direito do trabalho, v. I, p. 72.
  23. "Vale dizer, não é a sua pessoa que fica sujeita ao poder do empregador, mas o modo como seu trabalho é prestado àquele, ou seja a subordinação incide sobre a sua atividade e não sobre a sua pessoa. Subordinação é, pois, o objeto do contrato de trabalho. É a limitação à autonomia do empregado." Bezerra Leite, Curso de direito do trabalho, v. I, p. 72.
  24. "A subordinação jurídica de que tratamos não representa simplesmente um estado de fato, mas um estado jurídico oriundo da típica contratualidade da relação de emprego. Ela não transforma o trabalhador em servo,numa relação senhorial em que sujeite à ilimitada vontade do empregador (status subjetiones). Na feliz síntese do emérito Perez Botija, essa dependência significa que uma pessoa está submetida à vontade da outra, porém, não através de uma submissão psicológica, de uma vinculação social, de uma obediência pessoal cega, ao justo capricho subjetivo do que manda, senão por meio de uma submissão funcional, em virtude da qual se unificam ou coordenam atividades diversas. E referindo-se ao poder hierárquico resultante dessa dependência, adverte que ele é um poder de disposição sobre homens livres. O trabalhador na abdica da sua condição de cidadão." Süssekind, Curso de direito do trabalho, p. 218-219.
  25. Para Maurício Godinho Delgado, Curso de direito do trabalho, p. 302, "A subordinação corresponde ao pólo antitético e combinado do poder de direção existente no contexto da relação de emprego. Consiste, assim, na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o empregado comprometer-se-ia a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços."
  26. "Não há contrato de trabalho a título gratuito, ou seja, sem encargos e vantagens recíprocas. O contrato de trabalho é bilateral e oneroso, isto é, o empregado presta os serviços, tendo direito aos salários. Representa o ganho periódico e habitual percebido pelo trabalhador que presta serviços continuados e subordinados a outrem." Francisco Jorge Neto e Jouberto Cavalcante, Direito do trabalho, t. I, p. 279.
  27. "A remuneração, também estudada por alguns no sentido mais amplo, como onerosidade, é a totalidade das percepções econômicas a serem creditadas ao empregado em virtude do contrato de trabalho. O trabalho de favor ou gracioso descaracteriza o trabalhador como empregado." Bezerra Leite, Curso de direito do trabalho, v. I, p. 72.
  28. Nesse sentido, Russomano, O empregado e o empregador no direito brasileiro, p. 111.
  29. Süssekind, Comentários à CLT e à legislação complementar, Rio-São Paulo, Freitas Bastos, 1964, v. I, in Amauri Mascaro Nascimento, Curso de direito do trabalho, p. 597.
  30. É conveniente, por outro lado, pôr em relevo a acentuada tendência da doutrina mais moderna sobre Direito do Trabalho, no sentido de chegar a um neo-anticontratualismo. Por outras palavras, abandona-se ou tenta-se abandonar a noção de contrato de trabalho como fonte da relação de emprego e, portanto, dos direitos e das obrigações de ambas as parte, para chegar à identificação concreta ou fática da relação de emprego, objetivamente considerada como realidade, desligada de qualquer ato jurídico que seja sua fonte, de modo a que derivem, diretamente, pelo simples fato de ser essa relação estabelecida entre o trabalhador e o empresário, direitos e obrigações para as partes dessa relação. Russomano, Comentários à consolidação das leis do trabalho, p. 469.
  31. Já decidiu o TRT-9 (PR) pela impossibilidade do reconhecimento da autonomia no caso de proprietário que não dirige, no RO-12676-2006-012-09-00-0, 5ª T., rel. Juiz Dirceu Buyz Pinto Júnior, DJPR 14.10.2008: "Motorista de táxi. Colaborador. Impossibilidade quando o proprietário não é condutor. Vínculo de emprego que se reconhece. A Lei 6.094/74 atinge apenas situação em que o proprietário do veículo atua como condutor, compartilhando a exploração do táxi com outros motoristas. Raciocínio contrário possibilitaria que o proprietário de diversas licenças de táxi explorasse a atividade através de inúmeros colaboradores (dois por veículo) sem responder pelo pagamento de quaisquer créditos trabalhistas. Afastada a possibilidade de o autor ser enquadrado como motorista colaborador, deve ser reconhecido o vínculo empregatício." No mesmo sentido, RO-19056-2003-004-09-00-5, 4ª T., rel. Juiz Ney Fernando Olive Malhadas, DJPR 14.2.2006.
  32. Para Marx, O trabalho alienado, Manuscritos econômico-filosóficos, p. 169, a propriedade privada dos meios de produção é "o meio através do qual o trabalho se aliena, a realização da alienação".
  33. Francisco de Mattos Rangel, Lições de direito do trabalho, p. 66.
  34. É oportuno ressaltarmos aqui a lembrança do ilustre Orlando Gomes, Curso de direito do trabalho, p. 133, no sentido de que o critério unicamente econômico não é suficiente para a caracterização do elemento subordinativo, pois há dependência econômica também em outras relações jurídicas, e "não pode ser característico de um contrato elemento que pode existir ou não existir nesse contrato, que pretende caracterizar". No mesmo sentido, Délio Maranhão, Direito do trabalho, p. 55.
  35. Ressaltam Sussekind, Délio Maranhão e Segadas Viana, Instituições do direito do trabalho, v. I, p. 264, que "salário é a retribuição dos serviços prestados pelo empregado, por fôrça do contrato de trabalho, sendo devido e pago diretamente pelo empregador que dêles se utiliza para a realização dos fins colimados pela emprêsa" (grifo no original).
  36. Délio Maranhão, Direito do trabalho, p. 57, ressalta que "[...] A falta de estipulação do quantum salarial não basta, por si só, para afastar a existência da relação de emprego". Ora, se a ausência de determinação do quantum não afasta o vínculo empregatício, é forçoso reconhecer que um salário estabelecido, posto que não nos moldes convencionais, digamos assim, reforça esse liame.
  37. Esse tipo de salário é enquadrável, na classificação proposta por Orlando Gomes, Curso de direito do trabalho, p. 227, como "salário por tarefa", caracterizado pela combinação do "salário por unidade de tempo" com o "salário por unidade de obra", uma vez que o defensor tem horário fixado, mas recebe em conformidade com o número de tarefas que realiza. No mesmo sentido, Bezerra Leite, Curso de direito do trabalho, v. I, p. 257.
  38. Recordamos Carnelutti ao declarar que, no Direito moderno, não há outra espécie de contrato de significação maior que a do contrato de trabalho. Eduardo Gabriel Saad, Consolidação das leis do trabalho comentada, p. 275.

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FRANCO, João Vitor Sias; TIRONI, Rommero Cometti. O reconhecimento do vínculo empregatício entre supostos "motoristas-auxiliares" e proprietários autônomos de táxis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2453, 20 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14551. Acesso em: 26 abr. 2024.