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Responsabilidade penal da pessoa coletiva.

O ordenamento jurídico português e o brasileiro

Responsabilidade penal da pessoa coletiva. O ordenamento jurídico português e o brasileiro

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RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo o exame da responsabilidade penal das pessoas coletivas no ordenamento jurídico português e no brasileiro. Primeiramente será analisada a evolução histórica da responsabilidade penal, com os dispositivos legais do ordenamento jurídico português e posteriormente do ordenamento jurídico brasileiro e a jurisprudência sobre o tema. Serão demonstrados os argumentos de doutrinadores que defendem a irresponsabilidade das pessoas coletivas e de outros que defendem a responsabilidade e, por fim, a partir da apresentação da legislação portuguesa e brasileira, conclui-se pela aceitação da responsabilidade penal das pessoas coletivas.

PALAVRAS-CHAVE: 1. Responsabilidade penal da pessoa coletiva. 2 Responsabilidade penal da pessoa coletiva no ordenamento jurídico português 3. Responsabilidade penal da pessoa jurídica no ordenamento jurídico brasileiro.


INTRODUÇÃO

No Estado de Direito Democrático [01], em respeito à dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º da Constituição da República Portuguesa de 1976, o objetivo de proteção dos direitos e garantias fundamentais [02] torna perfeitamente exigível que o ordenamento jurídico tenha mecanismos de proteção aos cidadãos para que a impunidade em favor das pessoas físicas e das pessoas coletivas ou jurídicas seja evitada [03].

Nos crimes ambientais, econômicos e tributários cometidos pela pessoa coletiva, muitas vezes não é fácil identificar as pessoas físicas que devem ser responsabilizadas e, em muitas situações, a responsabilização civil não é suficiente para prevenir a ofensa a bens jurídicos.

Uma análise histórica permite afirmar que os argumentos sobre a responsabilização penal ou a não responsabilização da pessoa jurídica estão pautados em torno da formação da ideia de pessoa coletiva e do princípio da culpabilidade. Em certos ordenamentos como na Alemanha, Espanha, Itália, Grécia, Polônia, Colômbia, Costa Rica, Equador, Honduras, México, Panamá, Uruguai vige o princípio societas delinquere non potest, ou seja, é inadmissível a punibilidade penal das pessoas jurídicas, havendo a previsão de aplicação somente de sanções administrativas ou civis [04].

Os países anglo-saxões e os que receberam suas influências, nos quais vigora o common law, admitem a responsabilidade penal da pessoa jurídica [05], como Inglaterra, Portugal, Brasil e Estados Unidos [06], pois com o desenvolvimento e com a descoberta de novas tecnologias para prática de crime, e com a utilização da pessoa jurídica como meio para elidir a responsabilização, verificaram-se efeitos devastadores e irreparáveis aos bens de terceiros e a bens difusos, demonstrando a necessidade de responsabilização da pessoa coletiva.

Mesmo após a lei nº 59, de 04 de setembro de 2007, que alterou o Código Penal Português e leis extravagantes que aceitam a responsabilização penal da pessoa coletiva, assim como o artigo 173, § 5º e artigo 225, § 3º da Constituição Brasileira de 1988 e a Lei nº 9605, de 12 de fevereiro de 1998, que instituiu no Brasil sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente praticadas por pessoas jurídicas, verifica-se a necessidade de revelar a profundidade e alcance do tema, pela importância que a responsabilidade penal da pessoa coletiva tem para a manutenção da segurança jurídica e da ordem e pela contribuição que ela oferece à perenidade dos direitos e garantias proporcionados pelas Constituições Portuguesa e Brasileira.

Para tanto, dividiu-se o artigo em quatro partes. Na primeira, estabelecem-se marcos históricos relativos à responsabilidade penal da pessoa coletiva, tendo por base a formação da pessoa coletiva. Em seguida, será analisada a responsabilidade no ordenamento jurídico português e no ordenamento brasileiro, assim como a respectiva jurisprudência dominante. Na terceira parte, serão demonstrados os argumentos favoráveis e desfavoráveis à responsabilidade penal da pessoa coletiva. Na ultima parte, sintetiza-se a discussão, realizando-se uma reflexão sobre o tema.


1 Evolução histórica da responsabilidade penal da pessoa coletiva

No direito romano não se conhecia a responsabilidade criminal das pessoas coletivas. Era o princípio societas delinquere non potest, ou seja, a sociedade não comete crimes. O jurisconsulto Ulpiano, com a intenção de responsabilizar o município por cobranças indevidas, iniciava a ideia de responsabilização da pessoa coletiva. Entretanto, já havia certa responsabilidade delitiva de uma corporação [07] e também já se separava nitidamente a responsabilidade coletiva da responsabilidade individual [08].

No início da Idade Média, os glosadores, em virtude da relevância das corporações, consideravam-nas responsáveis por suas ações civil e penalmente. Para eles, diferentemente dos romanos, os direitos das corporações eram ao mesmo tempo direitos de seus membros, pois quando estes agiam em seu nome, eram atos e vontades destas, e começaram a admitir a responsabilidade criminal das pessoas coletivas de forma mais patente [09].

O Direito Canônico sustenta que os titulares dos direitos eclesiásticos não são os membros da comunidade religiosa, e sim Deus. Dessa forma, surge o conceito de instituição eclesiástica, distinto do conceito de corporação adotado pelos glosadores. A pessoa coletiva era vista como pessoa sujeito de direito. Então, pela primeira vez, se faz a distinção entre o conceito jurídico de pessoa e conceito real de pessoa como ser humano, dando origem ao conceito de pessoa jurídica que, por ficção jurídica, passa a ter capacidade jurídica [10].

No Iluminismo, em razão da mudança na forma de pensar, a responsabilidade coletiva era incompatível com a nova ideia de liberdade e de autodeterminação do indivíduo, direcionando apenas à responsabilidade individual, em detrimento da responsabilidade coletiva. Figueiredo Dias afirma que, na transição do século XVIII para o XIX, passou-se a entender o princípio societas delinquere non potest praticamente como um dogma, especialmente em razão das teorias da ficção [11] sobre a essência das pessoas morais. [12] Nesse período, então, reafirmou-se este princípio, e somente nas esferas civil e administrativa a pessoa coletiva poderia ser responsabilizada.

Contudo, com o crescimento da criminalidade, principalmente por grandes empresas a partir do século XIX, a dogmática penal verificou a necessidade de punir as pessoas coletivas, diante da impunidade em relação àquelas pessoas físicas cuja participação não se podia comprovar. É neste sentido que o ordenamento jurídico português e brasileiro definem as normas e critérios de responsabilização penal da pessoa coletiva.


2 Responsabilidade penal da pessoa coletiva no ordenamento jurídico português e brasileiro

Primeiramente, na Constituição da República Portuguesa não há dispositivo que se refira à responsabilidade penal da pessoa coletiva, muito menos ao princípio da individualidade da responsabilidade criminal, o que demonstra não haver impedimento constitucional em serem responsabilizadas penalmente as pessoas coletivas.

A partir da Lei 59/2007, o Direito penal português passou a reconhecer o princípio geral da responsabilidade criminal da pessoa coletiva. Contudo, o início da responsabilidade se deu em 1976, com o Dec.-Lei 630/76, de 28 de julho, e depois com o Dec.-Lei 28, de 20 de janeiro de 1984, que trata das infrações antieconômicas e contra a saúde pública. Posteriormente surgiram mais leis para punir criminalmente as pessoas coletivas, a exemplo da Lei da Criminalidade Informática (nº 109/1991); Lei de Regime Geral das Infrações Tributárias (nº 15/2001), Lei da Criminalidade Organizada e Econômico-Financeira (nº 05/2002), Código da Propriedade Industrial (Dec.-Lei 36/2003); Lei de Combate ao Terrorismo (nº 52/2003); Código do Trabalho (nº 99/2003) e o Regime Jurídico de Armas (nº 05/2006) [13].

O Código Penal Português foi alterado pela lei 59/2007, de 04 de setembro, e no artigo 11º [14] passou a tratar do Princípio Geral da Responsabilidade Criminal das Pessoas Coletivas, ampliando os crimes que podem ser cometidos por pessoas coletivas. A regra é a responsabilização criminal da pessoa individual, conforme o art. 11, nº 1, do CP português, exceto nos crimes arrolados no art. 11, nº 2 e em outros casos especialmente previstos em lei, em que a pessoa coletiva poderá ser responsabilizada [15].

Entretanto, é necessário que a pessoa singular cometa o crime em nome e no interesse coletivo e que exerça posição de liderança, podendo o crime ser decorrente de violação dos deveres de vigilância ou controle que a incumbe. O código adotou a teoria da responsabilidade ou identificação (modelo vicarial ou vicarius liablity) em que há responsabilidade da pessoa coletiva pelos fatos cometidos por um órgão ou administrador no exercício das suas funções, ou seja, a empresa assume o papel de dirigente, e, por conseguinte, responde pelos crimes cometidos pelos seus órgãos ou representantes que atuaram em seu nome e no interesse coletivo. Nesse sentido Inês Fernandes [16]

"Os órgãos dirigentes eram, assim, considerados como o ‘cérebro’ da pessoa colectiva, razão pela qual as suas acções e a sua culpa seriam aquelas da própria empresa, motivo que, consequentemente, levava a que lhe fossem imputadas."

Importante ressaltar que se deve responsabilizar a pessoa coletiva por atos das pessoas que atuam como representantes de fato e de direito, pois do contrário, a impunidade das pessoas coletivas seria certa. Isto porque poderiam ter nos seus estatutos pessoas desconhecidas [17] ou inexistentes, que perante a jurisdição penal de um determinado Estado seria impossível punir, visto que muitas empresas utilizam-se deste artifício para elidir a responsabilização dos reais representantes.

Com base no Código Penal Português, as pessoas que podem cometer crimes em nome da pessoa coletiva não são necessariamente titulares de órgãos ou não são os representantes em sentido estrito das pessoas coletivas (presidente, vice-presidente, administrador, diretor-geral, etc.), mas são os que recebem atribuições para, em situações concretas e específicas, decidirem em nome da pessoa coletiva, ou porque têm autoridade para exercer o controle dessa atividade específica ou porque agem sob a autoridade de uma pessoa que tem posição de liderança.

A pessoa coletiva responderá criminalmente em virtude de violar os deveres de vigilância ou controle que lhes incumbem. Portanto, responderá por atos de seus representantes oficiais, representantes de fato, ou por atos de qualquer pessoa que na empresa tenha o poder de controle, seja titular ou não do órgão, seja representante ou não da pessoa coletiva. A responsabilidade da pessoa coletiva também poderá ser concretizada através de uma ação ou de uma omissão do representante e o elemento subjetivo poderá ser tanto por dolo como por negligência. A comissão direta ocorre quando o líder da pessoa coletiva atua no nome e no interesse dela com dolo.

Entretanto, para que a pessoa coletiva seja responsabilizada criminalmente, conforme o art. 11 nºs 2 e 4, torna-se necessário que as pessoas físicas atuem em posição de liderança, que independente do direito de regresso, serão subsidiária e solidariamente responsáveis pelo pagamento de multas, bem como indenizações no período em que exerceram o cargo, ou em que agiram sob a autoridade dessas pessoas, em virtude de violação dos deveres de vigilância ou controle.

Indaga-se se a partir do momento em que a infração for cometida por pessoas que não atuam em posição de liderança, se a pessoa coletiva ficará à margem de qualquer responsabilização criminal? Acredito que a pessoa coletiva só tem vinculação com os seus representantes (pessoas físicas) que estão no exercício de suas respectivas funções, pois se eles agirem para além de suas funções, a pessoa jurídica não poderá ser responsabilizada, e sim somente a pessoa física.

A lei portuguesa não exige que a responsabilidade criminal da pessoa coletiva seja cumulada com a pessoa individual, apenas não exclui essa possibilidade, podendo responsabilizar criminalmente somente a pessoa coletiva, somente os seus representantes, ou ambos, conforme nº 7 do artigo 11º do Código Penal [18]. O órgão ou a pessoa singular titular do órgão precisa atuar com vontade (culpa) própria, e pelo vínculo e interesse coletivo, agindo no exercício de sua função, transmitindo a vontade (culpa) à pessoa coletiva, surgindo, então, vontade (culpa) da pessoa coletiva [19].

No que diz respeito as penas, o regime previsto no Decreto- Lei nº 28/84 e no artigo 90º - A e seguintes do Código Penal existem três categorias de penas aplicáveis às pessoas coletivas, as principais, as acessórias e as de substituição. As principais são as de multa ou de dissolução, conforme artigo 90º - A. nº 1; as penas de substituição estão previstas no artigo 90º C, como a admoestação, pena de substituição da pena de multa, a caução de boa conduta no artigo 90º - D, e a de vigilância judiciária (artigo 90º - E). As penas acessórias são a injunção judiciária, a proibição de celebrar contratos, a privação do direito a subsídios e subvenções ou incentivos, a interdição do exercício de atividade, o encerramento do estabelecimento e a publicidade da decisão condenatória, previstas nos artigos 90º - G a 90ª – M do Código Penal Português. [20]

Por fim, no que tange a jurisprudência, o Tribunal Constitucional Português declarou que não há vício de constitucionalidade em punir criminalmente as pessoas coletivas. [21]

2.2 Ordenamento jurídico brasileiro

No Brasil, a previsão dos artigos 173, § 5º e 225, § 3º [22] da Constituição Federal de 1988, por outros já denominada de obscura relativamente ao meio ambiente, tem levado alguma parte da doutrina a sustentar que a Carta Magna consagrou a responsabilidade penal da pessoa jurídica independente da responsabilidade de seus dirigentes, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza a partir de atos praticados contra a ordem econômica que tem como um de seus princípios a defesa do meio ambiente [23].

No caso brasileiro, há discussões sobre estes dispositivos na Constituição Federal, porque não há possibilidade de se sancionar penalmente a pessoa jurídica, pois as penas compatíveis com a natureza da pessoa jurídica, previstas no § 5º, são de ordem administrativa ou civil, e não de natureza penal. Também discute-se pelo fato de a responsabilidade penal continuar ser pessoal, conforme o teor dos incisos XLV e XLVI [24] do artigo 5º da Constituição Federal que define a responsabilização individual, sem admitir exceção.

Para reforçar o dispositivo constitucional, a Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 empreendeu uma abordagem mais eficaz quanto à tutela do meio ambiente, prevendo uma diversidade de crimes ambientais e de penas aplicáveis a pessoa jurídica. Apesar de ser criticada, a lei cumpriu seu objetivo de tutelar a proteção do meio ambiente. Entretanto, entende-se que a mesma eficácia legislativa poderia ter sido obtida sem que se utilizasse o direito penal, visto que o ordenamento jurídico contém sanções de outras naturezas, como as civis e administrativas, que seriam bem mais eficazes na proteção dos bens jurídicos do que a tutela penal.

Isto quer dizer que seria prescindível a previsão de sanções penais as pessoas jurídicas, visto que medidas sancionadoras extrapenais, de ordem administrativa ou civil são eficazes na punição de entes coletivos em atividades delituosas, como ao meio ambiente, ao consumidor e à economia, havendo previsão para a efetiva aplicação de sanções extrapenais como a Lei do Mercado de Capitais (Lei 4.728/65), a Lei de Sonegação Fiscal (Lei 4.729/65), Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro (Lei 7.492/86), Lei de Fauna (Lei 5.197/67), Decreto – Lei sobre a produção, o comércio e o transporte clandestino de açúcar e do álcool (Dec.-Lei 16/66) e a própria Lei 9.605/98 que dispõe sobre as sanções administrativas derivadas de condutas e de atividades lesivas ao meio ambiente.

Porém, a responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio ambiente, mas como forma de prevenção geral e especial, estabelecendo penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica, conforme o artigo 8º [25] da Lei 9605/1998.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça Brasileiros entende que é perfeitamente cabível a responsabilização da pessoa jurídica, contudo desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio. [26]


3. Não responsabilidade ou responsabilidade penal da pessoa coletiva?

Os argumentos contra a responsabilidade penal da pessoa jurídica estão baseados na concepção tradicional do Direito Penal, construída em alicerces que há séculos vem sustentando a Teoria Geral do Crime. Isto porque a função ético-social e preventiva do Direito penal funciona, inicialmente para garantir a segurança e a estabilidade da sociedade e num segundo plano, reage diante do caso concreto, contra a violação ao ordenamento jurídico com a imposição da pena correspondente.

Assim, a sanção penal seria a ultima ratio, devendo ser utilizada apenas em hipóteses muito graves, exercendo função auxiliar, subsidiária ou de garantia de preceitos administrativos. Portanto, existindo sanções civis e administrativas à pessoa jurídica, não se justifica a previsão de sanções penais, pois responsabilizariam da mesma forma [27].

Ademais da Teoria Geral do crime, a teoria da ficção, de autoria de Savigny, afirma que as pessoas jurídicas têm existência fictícia, irreal ou de pura abstração sendo, portanto, incapazes de delinquir, carecendo de vontade e de ação. Desse modo, para a teoria da ficção, só o homem é capaz de ser sujeito de direitos, e consequentemente de ser responsabilizado criminalmente.

Na teoria finalista da ação o único sujeito com capacidade de ação é o indivíduo, quer se tenha em conta o conceito causal, quer o conceito final de ação. Para ambos o essencial é o ato de vontade, ou seja, o comportamento humano voluntário conscientemente dirigido a um fim. A ação se manifesta por um comportamento exterior, de conteúdo psicológico, que é a vontade dirigida a um fim, fato que impossibilita a responsabilização de pessoa coletiva por inexistência de conteúdo psicilógico, inerente à pessoa humana [28].

O princípio da culpabilidade [29] consiste na reprovabilidade do fato antijurídico individual, cujo conteúdo material e finalista tem como base a capacidade de livre autodeterminação, isto é, o poder ou faculdade de atuar de modo distinto de como atuou.

Ocorre que inexiste responsabilidade sem culpa, vez que o sistema penal trabalha com a noção de culpabilidade individual. O fato de a pessoa jurídica ser desprovida de inteligência e vontade, ela é incapaz de cometer um crime, necessitando sempre recorrer a seus órgãos integrados por pessoas físicas, estas sim, com consciência e vontade de infringir a lei. [30] 

A exigibilidade da conduta conforme o direito também não é exigível da pessoa jurídica, visto que não é imputável e que não possui consciência sobre a ilicitude do fato, o que, por fim, torna inexistente a culpabilidade, e por conseguinte, a responsabilização da pessoa jurídica.

3.2 Argumentos a favor da responsabilidade penal da pessoa coletiva

Primeiramente, Figueiredo Dias defende que as pessoas coletivas devem ser punidas criminalmente, pelo fato de a responsabilização da pessoa coletiva ter por fundamento política criminal, visto que a dogmática penal é subordinada à política criminal, não podendo subvertê-la. Afirma também que a ação e a culpa embasam-se na liberdade do homem individual, porém as organizações humano-sociais são como o próprio homem individual ‘obras da liberdade’ ou ‘realizações do ser livre’. Assim, as obras e realizações coletivas podem substituir as do homem individual, abrindo-se caminho para a responsabilização criminal das pessoas coletivas [31].

Também, Faria Costa complementa ser "insuficiente fundamentar a punibilidade das pessoas colectivas em um modo de argumentação cesgado à idéia de necessidade", ou seja, é insuficiente justificar apenas com base de política criminal. Assim complementa que antropologicamente os menores cometem as mesmas condutas que os imputáveis, porém, o ordenamento jurídico-penal estabelece que os menores não podem receber imputação de pena [32]. Assim, discorre:

[…] enquanto na imputabilidade formal (idade) o direito penal esquece, esmaga ou ficciona a inexistência de uma liberdade onto-antropológica [...] que o menor jamais deixa de ter, na responsabilidade penal das pessoas coletivas, inversamente, o direito penal liberta, cria, expande aquilo que os órgãos das pessoas coletivas assumem como vontade própria e, por isso, tem legitimidade para as responsabilizar penalmente. [33]

Também, baseado na Teoria da Realidade [34], pessoa moral é um ente real (vivo e ativo), independente dos indivíduos que a compõem. Nesse sentido, a pessoa física atua como o indivíduo, ainda que mediante procedimentos diferentes e pode, por conseguinte, atuar mal, delinquir e ser punida. Entretanto, a pessoa coletiva possui uma personalidade real, dotada de vontade própria, com capacidade de ação e de praticar ilícitos penais, ou seja, é uma realidade social, possuindo direitos, deveres e dupla responsabilidade: civil e penal.

Na realidade, embora tal teoria tenha sofrido críticas, a pessoa jurídica não é uma ficção, mas um verdadeiro ente social que surge da realidade concreta e que não pode ser desconhecida pela realidade jurídica. A mudança a nível mundial das funções de direito penal, a dispersão das atividades operativas das empresas, o poder de decisão e acúmulo de informações por parte de seus representantes e a tendência internacional em favor da sanção penal das organizações, justificam a necessidade de responsabilizar a pessoa jurídica [35].

No Brasil, a teoria da responsabilidade da pessoa jurídica é prestigiada com base nos dispositivos constitucionais e na lei de crimes ambientais. Contudo, haveria necessidade de serem cumpridos certos requisitos. O primeiro é que a infração há de ser praticada em favor da pessoa coletiva e dentro da atividade da empresa, ou seja, deve ser realizada dentro do domínio normal de atividade da empresa [36].

O Código Penal português, no artigo 11º, nº 9, define melhor a atuação da pessoa física para que ela e a pessoa jurídica sejam responsabilizadas, diferentemente no Brasil em que a doutrina e a jurisprudência [37] dispõem que a infração deve ser praticada por alguém que se encontre ligado à pessoa jurídica, a exemplo do empregado ou preposto, no exercício de suas funções, ou até aquele que beneficiando-se diretamente da infração, possa não estar vinculado oficialmente a empresa. Apesar de que, ao meu entender, em ambos os ordenamentos, a pessoa que estiver de alguma forma vinculada a pessoa jurídica e realizar infrações em nome desta, deve ser punida criminalmente.

Entendo que é fator para responsabilização a utilização da infraestrutura da empresa para o cometimento do crime, por meio da reunião de esforços de várias pessoas, que por vezes, utilizam a pessoa jurídica como meio de elidir a responsabilidade pessoal. Nesse sentido, Sérgio Sheicara afirma que o poder se oculta por detrás da pessoa jurídica e por meio da concentração de forças econômicas agrupadas que permite dizer que tais infrações tem uma robustez e força orgânica impensáveis em uma pessoa física [38].

A partir de medidas de política criminal, da análise da teoria da realidade, da inversão do instituto da imputabilidade do menor ininputável e a necessidade do combate a impunidade, justifica-se a responsabilização da pessoa jurídica. Dessa forma, a teoria da ficção do direito penal clássico não é motivo suficiente para evitar a responsabilização da pessoa coletiva.


4. Conclusão

No final do século XIX e início do século XX, com o desenvolvimento da economia, da tecnologia e das intervenções danosas ao meio ambiente, parece que a pessoa coletiva se torna um instrumento para que a pessoa física atue tendo por objetivo seu crescimento econômico, financeiro e social. Nesse sentido, relativizando o princípio "societas delinquere non potest", o artigo 11º Código Penal Português alterado pela lei 59/2007 e outras leis extravagantes, assim como a lei brasileira por meio do artigo 173º e artigo 225º § 3º da Constituição de 1988 e a Lei 9.605, de 12 de Fevereiro de 1998 acolhem a responsabilidade penal da pessoa jurídica, visando, com isso, reprimir a criminalidade.

A teoria de que a pessoa jurídica é uma ficção e que ficções não podem ser responsabilizadas, e a teoria finalista da ação em que a responsabilização da pessoa coletiva não se efetiva pelo fato de inexistir culpabilidade, consciência sobre a ilicitude do fato e exigibilidade de conduta diversa são obstáculos à aplicação da legislação portuguesa e brasileira sobre a responsabilidade penal da pessoa coletiva, uma vez que foi criada por quem tem legitimidade para tanto, o legislador, e encontra-se em profunda sintonia com a Constituição Portuguesa e a Constituição Brasileira e com a vontade geral das nações, seja portuguesa ou brasileira.

A capacidade de atribuir à a pessoa jurídica o crime com base nos dispositivos legais acima mencionados é a mesma capacidade de atribuir a culpabilidade à pessoa física que, por vezes utiliza a ficção jurídica para elidir sua responsabilidade, visando o proveito econômico, efetivo ou potencial em conjugação com os interesses da empresa. Sendo perfeitamente cabível e aplicável a responsabilização das pessoas jurídicas.

Se Direito é fato, valor e norma, conforme ensina Miguel Reale, a responsabilização da pessoa jurídica é legítima de pleno Direito, pois a necessidade de proteção do sistema econômico, tributário e ambiental, amplamente lesado por entes coletivos, é uma realidade. O valor do equilíbrio financeiro e ecônomico e da preservação do meio ambiente são respeitados.

Portanto, não se pode falar no princípio da subsidiariedade, ou da ultima ratio do Direito Penal diante da atual criminalidade das pessoas individuais que utilizam a pessoa coletiva como um "escudo", pois é preciso orientar-se pelo perigo, uma vez que a repercussão do dano ao sistema econômico ou ao meio ambiente, por exemplo, poderá ser de grande intensidade que certamente medidas administrativas e civis do ente estatal não serão eficazes.


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Notas

  1. Estado de Direito Democrático é conceituado por J.J.Gomes Canotilho e Vital Moreira a partir de duas componentes, a componente do Estado de direito e a componente do Estado Democrático e não podem ser separadas uma da outra. Assim dispõe que o Estado de Direito é "sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a idéia de sujeição do poder a princípios e regras jurídicas , garantindo aos cidadãos, liberdade, igualdade e segurança." E o Estado democrático "está baseado na soberania popular (art. 1º), porque o poder político é exercido através do sufrágio universal, igual, directo e secreto (art. 10º); é-o também porque assente na participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais (art. 9º/c), através de variadas formas e instâncias; é-o finalmente porque é um Estado descentralizado, através da autonomia local e regional (arts. 255º-2 e 235º-1). Mas o princípio democrático da CRP não se esgota nestas três componentes formal-organizatórias (democracia política); ele exige o seu desenvolvimento em outros campos: a democracia econômica, a social e a cultural." CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª Ed., vol. 1, Coimbra, 2007, p. 204-206.
  2. Relevante mencionar os artigos destinados a proteção e garantia dos direitos fundamentais, como o direito à vida, à segurança, à integridade física e ao bem-estar social previstos nos artigos 24º e ss da Constituição da República Portuguesa de 1976 e artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
  3. Pessoa jurídica é a nomenclatura utilizada pela doutrina e pelo ordenamento jurídico brasileiro.
  4. BACIGALUPO, Silvina, Las personas jurídicas como sujetos del derecho penal?, in Revista Peruana de Ciências Penales, nº 14, p. 30.
  5. A exemplo de Holanda, França e Dinamarca, em que a responsabilidade criminal das pessoas coletivas se encontra prevista nos respectivos códigos penais. BRANDÃO, Nuno. O regime sancionatório das pessoas colectivas na revisão do código penal. Separata da Revista do CEJ, 1º semestre, n. 8, edição especial, Almedina, 2008.
  6. MAURACH, Reinhart. Derecho penal : parte geral. Reinhart Maurach, Karl Heinz Gössel, Heinz Zipf; trad. Jorge Bofill Genzsch, Enrique Aimone Gibson, 1994.
  7. No direito romano as corporações eram denominadas de universitas e os seus membros de singuli.
  8. BITTENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica, in Coleção Temas Atuais de Direito Criminal, v. 2, São Paulo : Revistas dos Tribunais, 1999, p. 50 e ss.
  9. BITTENCOURT, Cezar Roberto, 1999, ob. Cit. P. 50 ss.
  10. GODINHO, Inês Fernandes, A responsabilidade solidária das pessoas coletivas em direito penal econômico, p. 102 e ss, Coimbra Editora, 2007. SCHECAIRA, Sérgio Salomão, Responsabilidade penal da pessoa jurídica, p. 22 e ss, RT, São Paulo, 1998, e BACIGALUPO, Silvina. La Responsabilidad penal de las personas jurídicas, Barcelona: Bosch, p. 50 e ss, 1998
  11. Teorias da Ficção da personalidade jurídica justificavam a impossibilidade de responsabilização penal das pessoas coletivas, porque as pessoas coletivas não possuíam capacidade de ação, pois sempre agiam por meio da pessoa física e o fato de a culpabilidade ser um juízo de censura ético-profissional oriunda da liberdade humana, da vontade livre, a culpa é própria das pessoas físicas.
  12. DIAS, Jorge de Figueiredo, Para uma dogmática do direito penal secundário, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, nº 3714, p. 263 e s e nº 3720, p. 72.
  13. ANTUNES, Maria João. Responsabilidade Criminal das Pessoas Colectivas e Entidades Equiparadas – Alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007. Estudos do Direito do Consumidor. Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Centro de Direito do Consumo. Edição n. 8, setembro, 2006, p. 166.
  14. Código Penal Português art. 11º: "Responsabilidade das pessoas singulares e colectivas
  15. 1 — Salvo o disposto no número seguinte e nos casos especialmente previstos na lei, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal.

    2 — As pessoas colectivas e entidades equiparadas, com excepção do Estado, de outras pessoas colectivas públicas e de organizações internacionais de direito público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 152.º -A e 152.º -B, nos artigos 159.º e 160.º, nos artigos 163.º a 166.º, sendo a vítima menor, e nos artigos 168.º , 169.º, 171.º a 176.º, 217.º a 222.º, 240.º, 256.º, 258.º, 262.º a 283.º, 285.º, 299.º, 335.º, 348.º, 353.º, 363.º, 367.º, 368.º -A e 372.º a 374.º, quando cometidos:

    a)Em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou

    b)Por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem.

    3 — Para efeitos da lei penal a expressão pessoas colectivas públicas abrange:

    a)Pessoas colectivas de direito público, nas quais se incluem as entidades públicas empresariais;

    b)Entidades concessionárias de serviços públicos, independentemente da sua titularidade;

    c)Demais pessoas colectivas que exerçam prerrogativas de poder público.

    4 — Entende-se que ocupam uma posição de liderança os órgãos e representantes da pessoa colectiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua actividade.

    5 — Para efeitos de responsabilidade criminal consideram-se entidades equiparadas a pessoas colectivas as sociedades civis e as associações de facto.

    6 — A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito.

    7 — A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes nem depende da responsabilização destes.

    8 — A cisão e a fusão não determinam a extinção da responsabilidade criminal da pessoa colectiva ou entidade equiparada, respondendo pela prática do crime:

    a)A pessoa colectiva ou entidade equiparada em que a fusão se tiver efectivado; e

    b)As pessoas colectivas ou entidades equiparadas que resultaram da cisão.

    9 — Sem prejuízo do direito de regresso, as pessoas que ocupem uma posição de liderança são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das multas e indemnizações em que a pessoa colectiva ou entidade equiparada for condenada, relativamente aos crimes:

    a)Praticados no período de exercício do seu cargo, sem a sua oposição expressa;

    b)Praticados anteriormente, quando tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou entidade equiparada se tornou insuficiente para o respectivo pagamento; ou

    c)Praticados anteriormente, quando a decisão definitiva de as aplicar tiver sido notificada durante o período de exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.

    10 — Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos do número anterior, é solidária a sua responsabilidade.

    11 — Se as multas ou indemnizações forem aplicadas a uma entidade sem personalidade jurídica, responde por elas o património comum e, na sua falta ou insuficiência, solidariamente, o património de cada um dos associados."

  16. O regime geral do código penal pode ser aplicado em legislações específicas, como é o caso da Lei nº 50/2007 que estabelece o novo regime de responsabilidade penal por comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva. BRANDÃO, Nuno, ob. Cit. P. 43.
  17. GODINHO, Inês Fernandes, 2007, ob. cit. P. 110.
  18. No direito brasileiro é comum empresas disporem nos seus estatutos pessoas responsáveis que não residem naquele município ou estado, ou pessoas que não possuem patrimônio suficiente para suportar as penas civis e administrativas da infração. O processos da 3ª Vara Criminal da Justiça Federal Brasileira, na Seção Judiciária do Estado do Pará, revelam que os responsáveis pela empresas de exportação de madeira falsificavam documentos de autorização para o seu devido transporte, entretanto só era possível responsabilizar a pessoa jurídica e as vezes, os responsáveis de fato, pois o estatuto da empresa não revelava os responsáveis de direito ou quando as vezes eram apenas empresas falsamente constituídas.
  19. ANTUNES, Maria João, ob. Cit. P.167.
  20. SILVA, Germano Marques da, Responsabilidade penal das pessoas colectivas – alterações do Código Penal introduzidas pela Lei nº 59/2007, de 4 de setembro, in Revista do CEJ – Jornadas sobre a revisão do Código Penal, VIII, p.87.
  21. BRANDÃO, Nuno, ob. Cit. P.43 - 50.
  22. Acórdão do TC nº 651/93 e nº 213/95, de 20.4.1995 que incidiu sobre o art. 3º do Dec.-Lei 28/84.
  23. "Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em Lei. § 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular." E o "Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
  24. § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados, aplicando-se relativamente os crimes contra o meio ambiente, o disposto no art. 202, parágrafo 5º."

  25. José Afonso da Silva, Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins em SILVA, José Afonso da, Curso de direito constitucional positivo, São Paulo : Malheiros, 1994, p. 718.
  26. |Artigo 5º, inciso XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; E XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e)suspensão ou interdição de direitos"
  27. "Art. 8º As penas restritivas de direito são:I - prestação de serviços à comunidade;II - interdição temporária de direitos; III - suspensão parcial ou total de atividades; IV - prestação pecuniária; V - recolhimento domiciliar."
  28. Habeas Corpus 94.842-1, Rio Grande do Sul, de 26/05/2009, Relator Ministro Eros Grau, Recurso especial nº 865864 / Paraná, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma Diário da Justiça de 13/10/2009, e Recurso Especial nº 889.528/SC, Relator Ministro Felix Ficher, Quinta Turma, Diário da Justiça de18/6/07.
  29. PRADO, Luiz Regis. Crimes contra o Meio Ambiente. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1998, p. 17. E ROBALDO, José Carlos de Oliveira, A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: Direito Penal na Contramão da História, in Coleção Temas Atuais de Direito Criminal, v. 2, São Paulo : Revistas dos Tribunais, 1999, p. 100.
  30. DOTTI, René Ariel, A incapacidade criminal da pessoa jurídica (Uma perspectiva do Direito brasileiro), RBCCrim, n. 11 (julho-setembro de 1995), p. 191.
  31. "A vontade do agente dirigida à prática do fato punível torna-se uma vontade ilícita, uma vontade que o agente não deveria ter, porque viola o dever jurídica resultante da norma, e capaz, então, de provocar a reprovação da ordem jurídica. Culpabilidade é essa reprovabilidade. Reprovabilidade que vem recair sobre o agente, porque a este cumpria conformar o seu comportamento com o imperativo da ordem de Direito, porque tinha a possibilidade de fazê-lo e porque realmente não o fez, revelando no fato de não o ter feito uma vontade contrária àquele dever, isto é, no fato se exprime uma contradição entre a vontade do sujeito e a vontade da norma." BRUNO, Aníbal, Direito Penal, Parte Geral, t. II, Rio de Janeiro : Forense, 1967, p. 29.
  32. ROBALDO, José Carlos de Oliveira, 1999, ob. Cit. p. 12 e SS. E BLASCO, Bernardo del Rosal e VALERO, Ignácio Pérez. Responsabilidad penal de las personas jurídicas y consequencias accesorias en el Código penal español in POZO, José Hurtado, BLASCO, Bernardo del Rosal e VALLEJO, Rafael Simons, La Responsabilidad criminal de las personas jurídicas: una perspectiva comparada. Universidade de Alicante. Ed. Tirant lo blanch, Valencia, 2001.
  33. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal – Parte geral- Tomo I, Questões fundamentais: a doutrina geral do crime, p. 33-38 e 298, São Paulo: Editora RT, 1ª edição, Portugal: Coimbra Editora, 2ª edição, 2007.
  34. COSTA, José de Faria. A responsabilidade jurídico-penal da empresa e dos seus órgãos: ou uma reflexão sobre a alteridade nas pessoas colectivas, à luz do direito penal, in Revista Portuguesa de Ciências Criminais, 1992, nº 2, p. 547.
  35. COSTA, José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal: Fragmenta iuris poenalis, 2ª edição, p. 245, Coimbra Editora, 2009.
  36. GIERKE, Otto, apud PRADO, Luiz Regis, 1992, ob. Cit, p. 81
  37. HEINE, Günter, La responsabilidad penal de las empresas: evolución y consecuencias nacionales, p.51-54 e PRADEL, Jean. La responasabilidad penal de la persona jurídica. P. 135-138. In POZO, José Hurtado, BLASCO, Bernardo del Rosal e VALLEJO, Rafael Simons, La Responsabilidad criminal de las personas jurídicas: una perspectiva comparada. Universidade de Alicante. Ed. Tirant lo blanch, Valencia, 2001.
  38. SHECAIRA, Sérgio Salomão, Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica (De acordo com a Lei 9.605/98), 1ª ed., São Paulo : Revista dos Tribunais, 1998, p. 100
  39. Recurso Especial nº 889.528/SC, Relator Ministro Felix Ficher, Quinta Turma, Diário da Justiça de18/6/07.
  40. SHECAIRA, Sérgio Salomão, 1998, ob. Cit. P. 100.

Autor

  • Natalia Mascarenhas Simões

    Natalia Mascarenhas Simões

    Graduada em Direito pela Universidade Federal do Pará, Brasil. Advogada. Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Católica Dom Bosco/ CPC Marcato (lato sensu), Goiânia, Goiás, Brasil. Mestranda em Direito na área de especialização jurídico-política pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Portugal. Doutoranda na área de especialização de Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIMÕES, Natalia Mascarenhas. Responsabilidade penal da pessoa coletiva. O ordenamento jurídico português e o brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2478, 14 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14682. Acesso em: 26 abr. 2024.