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Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria tributária.

A progressividade do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria tributária. A progressividade do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

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1. INTRODUÇÃO

O IPTU, imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, segundo o disposto no artigo 156, inciso I, da Constituição Federal, pode ser instituído pelos Municípios. Prevê a Constituição, também, a possibilidade de progressividade do IPTU, quando presentes as hipóteses delineadas nos seus art. 156, parágrafo 1o e art. 182, parágrafo 4º.

Conforme a redação original do art. 156, parágrafo 1º, da Constituição Federal, o IPTU poderia ser progressivo, nos termos de lei municipal, para assegurar o cumprimento da função social da propriedade. Estava estabelecida a progressividade extrafiscal do imposto, pois baseada em parâmetro externo ao direito tributário, com a finalidade de alcançar um objetivo social.

O art. 182, parágrafo 4º, por sua vez, facultava ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos de lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, a promoção do seu adequado aproveitamento, sob pena de o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana ser progressivo no tempo. Nesse caso, portanto, somente poderia ser instituído o IPTU progressivo no tempo se houvesse a edição de lei federal, além da previsão da hipótese no plano diretor e da edição de lei específica municipal. A Lei Federal exigida pelo mencionado dispositivo veio a lume apenas em 2001 (Lei nº 10.257, de 2001: "Estatuto da Cidade").

Dessa forma, aos municípios, antes do advento da Lei nº 10.257/2001, que no seu art. 7º disciplinou a progressividade no tempo do IPTU [01], era vedado instituir a progressividade extrafiscal do IPTU prevista no art. 182, parágrafo 4º, da Constituição Federal.

A par dessas hipóteses, muitos municípios estabeleceram a progressividade fiscal das alíquotas do IPTU, fundados exclusivamente no princípio da capacidade contributiva, insculpido no art. 145, parágrafo 1º, da Constituição [02], ou conjugando-o com o mencionado art. 156, parágrafo 1º.

A questão era tormentosa na doutrina e na jurisprudência, tendo em vista que o princípio da capacidade contributiva, para muitos, não podia ser aplicado ao IPTU, um imposto real e não pessoal.

A Emenda Constitucional 29/2000 alterou o texto constitucional e admitiu expressamente a progressividade desse imposto também em razão do valor do imóvel, além de admitir a instituição de alíquotas diferenciadas conforme sua localização e seu uso. Criou-se expressamente, assim, a possibilidade de instituição da progressividade fiscal em função da base de cálculo do tributo.

O debate sobre a constitucionalidade da instituição da progressividade das alíquotas em função do valor do imóvel, todavia, permaneceu, eis que muitos sustentavam ser incompatível com os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, pelo fato de o IPTU ter como base de cálculo o valor do bem, sem considerar as condições do sujeito passivo da obrigação tributária.

O propósito deste trabalho é analisar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a questão, antes e após a promulgação da Emenda 29/2000.


2. O TEXTO ORIGINAL DO ART. 156 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O PRINCÍPIO CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

O princípio da capacidade contributiva (art. 145, parágrafo 1º, da Constituição Federal) é desdobramento do princípio da igualdade, previsto no art. 5º da Constituição Federal. Informa ele que cada pessoa deve contribuir para as despesas da coletividade conforme a sua aptidão econômica, porque, segundo ensina Roque Antônio Carrazza, "realmente, é justo é jurídico que quem, em termos econômicos, tem muito pague, proporcionalmente, mais imposto do que quem tem pouco" (1998,p.65). Busca-se alcançar, dessa forma, a justiça tributária.

Do princípio da capacidade contributiva deriva, ainda, o princípio do não-confisco, previsto no art. 150, inc. IV, da Constituição Federal, porque impede que o legislador obrigue os contribuintes a colaborar com os gastos públicos além de suas possibilidades, esgotando a riqueza tributável das pessoas.

O legislador comumente utiliza duas técnicas para graduar os impostos conforme a capacidade contributiva. Uma é a autorização de dedução de despesas pessoais essenciais da base de cálculo do imposto, como saúde, educação e moradia. A outra técnica é denominada progressividade fiscal, consubstanciada no aumento das alíquotas em função do valor da base de cálculo do imposto (Paulo e Alexandrino, 2006, p.21).

O princípio da contributiva está assim inscrito na Constituição Federal:

"Art. 145 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

....

parágrafo 1º: sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte

...." (g.n)

Duas interpretações foram emprestadas à expressão "sempre que possível" contida no dispositivo.

Conforme a primeira, por ser o princípio da capacidade contributiva corolário lógico do princípio da igualdade, sua aplicação seria imperativa para todos os impostos. A capacidade contributiva seria, nesse caso, objetiva, pois teriam relevância apenas as manifestações objetivas de riqueza do contribuinte, como possuir um imóvel, um automóvel, (Carrazza, 1998). Sempre que possível, ou seja, apenas quando o arquétipo tributário permitisse (Carraza, 1998), os impostos teriam caráter pessoal, pois há impostos cuja estrutura é incompatível com a pessoalidade, como aqueles classificados como indiretos, nos quais a carga tributária não é suportada pelo sujeito passivo da obrigação, mas transferida para um terceiro (ICMS e o IOF, por exemplo).

A outra interpretação, de forma diversa, indica que a expressão "sempre que possível" restringe a aplicação do princípio da capacidade contributiva apenas aos casos em que é factível aferir a capacidade econômica do contribuinte. Dessa forma, o princípio incide apenas sobre os impostos classificados como pessoais, quais sejam, aqueles que levam em conta as condições pessoais do sujeito passivo para suportar a carga econômica do imposto, enquanto os impostos reais, que recaem objetivamente sobre determinado bem, receita ou operação, independentemente da situação econômica ou condição social do proprietário, devem ser necessariamente proporcionais [03].

O Supremo Tribunal Federal, em várias oportunidades, assentou que a Constituição refere-se, no art. 145, parágrafo 1º, à capacidade contributiva subjetiva, pois afirmou que não se aplicam aos impostos de caráter real a progressividade fiscal, apenas a progressividade extrafiscal quando expressamente admitida. A ementa que se transcreve ilustra bem essa assertiva:

"IPTU. Não se admite a progressividade fiscal decorrente da capacidade econômica do contribuinte, dada a natureza real do imposto. A progressividade da alíquota do IPTU, com base no valor venal do imóvel, só é admissível para o fim extrafiscal de assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana (art. 156, I, § 1º e art. 182, § 4º, II, CF)." (AI 468.801-AgR, Rel. Min. Eros Grau, DJ 15/10/04)

No mesmo sentido, citamos a ementa:

"CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE IMÓVEIS, INTER VIVOS - ITBI. ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS. C.F., art. 156, II, § 2º. Lei nº 11.154, de 30.12.91, do Município de São Paulo, SP. I. - Imposto de transmissão de imóveis, inter vivos - ITBI: alíquotas progressivas: a Constituição Federal não autoriza a progressividade das alíquotas, realizando-se o princípio da capacidade contributiva proporcionalmente ao preço da venda. II. - R.E. conhecido e provido" (RE 234105 / SP - SÃO PAULO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Julgamento: 08/04/1999,Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação DJ 31-03-2000 PP-00061EMENT VOL-1985-04 PP-00823)".

Conforme o Supremo Tribunal Federal, não seria aplicável ao IPTU, portanto, a progressividade fiscal instituída para atender ao princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1.º, da Constituição), por ser um imposto de caráter real.

Por essa razão, foi editada, em 2003, a súmula 668 do Supremo Tribunal Federal: "É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da emenda constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana".


3. PROGRESSIVIDADE EXTRAFISCAL DO IPTU

Antes da edição da Emenda Constitucional nº 29/2000, a Constituição previa, no caso do IPTU, a possibilidade de sua aplicação extrafiscal, para disciplinar comportamentos dos contribuintes em nada relacionados com a finalidade de arrecadação de recursos.

Determinava-se que as alíquotas do IPTU seriam progressivas para assegurar o cumprimento da função social da propriedade (art.156, parágrafo 1º) e o seu adequado aproveitamento, quando o solo urbano for não edificado, subutilizado ou não utilizado (art. 182, parágrafo 4º).

A função social da propriedade estava revelada pelo plano diretor do Município, conforme disposto no art. 182, § 2.º, da Constituição Federal, segundo o qual "a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais da ordenação da cidade expressas no plano diretor".

Determinava o parágrafo 1º do art.156, na sua redação original:

"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

...

...

...

...

§ 1º - O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade"

O art. 182, que não sofreu alterações, por sua vez, dispõe que:

"Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais." (g.n.)

Parte da doutrina diferenciava a progressividade fiscal, imposta pela Constituição para atender ao princípio da capacidade contributiva (art. 145, parágrafo 1º), de duas espécies de progressividade extrafiscal do IPTU.

A primeira das modalidades de progressividade do IPTU, cujo objetivo era atender a função social da propriedade (art. 156, parágrafo 1º), dependia, para sua implementação, apenas da edição de lei municipal.

A segunda espécie, denominada também de progressividade-sanção ou progressividade no tempo (art. 182, parágrafo 4º), teria por fim garantir o adequado aproveitamento do solo urbano e somente poderia ser criada pelos municípios após edição de lei federal estabelecendo, de forma uniforme para o território nacional, os requisitos para a aplicação das sanções previstas no art. 182, parágrafo 4º da Constituição Federal.

Não obstante a previsão da progressividade extrafiscal em dois dispositivos distintos da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no Recurso Especial 153.771-0/MG, que a função social da propriedade urbana, por se tratar de limitação ao exercício do direito de propriedade constitucionalmente garantido (art. 5º, inc. XXIII), somente poderia ser estabelecida na própria Carta Magna, ou em lei federal, posto que não se poderia admitir a variação desse conceito conforme as concepções políticas dos mais de 5.000 municípios do país:

" IPTU. Progressividade.

- No sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real. - Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo 156, § 1º (específico).

- A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no artigo 156, I, § 1º.

- Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal.

Recurso extraordinário conhecido e provido, declarando-se inconstitucional o sub-item 2.2.3 do setor II da Tabela III da Lei 5.641, de 22.12.89, no município de Belo Horizonte.

Decisão

- Por maioria de votos, o Tribunal conheceu do recurso e lhe deu provimento para deferir o mandado de segurança e declarar a inconstitucionalidade do sub-item 2.2.3 do Setor II da Tabela III, da Lei nº 5.641, de 22.12.89, do Município de Belo Horizonte, vencido o Ministro Carlos Velloso (Relator), que não conhecia do recurso. Votou o Presidente. Relator para o acórdão o Ministro Moreira Alves. Ausente, justificadamente, o Ministro Marco Aurélio. Plenário, 20.11.96".(g.n.)

(RE 153771 / MG - MINAS GERAIS- RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator: Min. MOREIRA ALVES, Julgamento: 05/09/1997, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação DJ 05-09-1997 PP-41892, EMENT VOL-01881-03 PP-0049, RTJ VOL-00162-02 PP-00726)

O Ministro Moreira Alves, autor do voto condutor do acórdão, esclareceu que:

"... A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no artigo 156, I, § 1º, até porque não tem sentido que se admitam, no mesmo texto constitucional, com a finalidade extrafiscal de atender à mesma função social da propriedade, um IPTU sem limitações que não as decorrentes da vontade de cada município e outro IPTU com as limitações expressamente estabelecidas na Carta Magna, podendo um excluir o outro, ou ser instituídos cumulativamente. Por outro lado, essa exegese não é infirmada pela circunstância de a Constituição, no parágrafo 4º do artigo 182, haver limitado a finalidade extrafiscal do IPTU ao solo urbano não edificado, seja ele subutilizado, seja ele não utilizado, porque foi essa a opção adotada pelo constituinte, como o foi também a de estabelecer a progressividade extrafiscal, em se tratando de IPTU, como progressividade temporal."

Estabeleceu-se, assim, que o IPTU somente admitia uma forma de progressividade, a extrafiscal, derivada da interpretação conjugada dos arts.156, parágrafo 1º e 182, parágrafo 4º, da Constituição Federal.

Por essa razão, a exemplo da lei do Município de Santo André, as leis municipais impugnadas pela via do controle difuso, que instituíram a progressividade extrafiscal do IPTU fundadas apenas no art. 156 da Constituição, foram declaradas inconstitucionais:

"MUNICÍPIO DE SANTO ANDRÉ. TRIBUTÁRIO. ARTIGOS 2 E 3º DA LEI Nº 6.747, DE 21.12.90. IPTU CALCULADO COM BASE EM ALÍQUOTA PROGRESSIVA, EM RAZÃO DA ÁREA DO TERRENO E DO VALOR VENAL DO IMÓVEL E DAS EDIFICAÇÕES. Ilegitimidade da exigência, nos moldes explicitados, por ofensa ao art. 182, § 4º, II, da Constituição Federal, que limita a faculdade contida no art. 156, § 1º, à observância do disposto em lei federal e à utilização do fator tempo para a graduação do tributo. Recurso conhecido e provido, declarando-se a inconstitucionalidade dos arts. 2º e 3º da Lei Municipal nº 6.747, de 1990" (RE 194036 / SP - SÃO PAULO, RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Julgamento: 24/04/1997, Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO, Publicação DJ 20-06-1997 PP-28490 EMENT VOL-01874-08 PP-01627)


4. A DIVERSIDADE DE ALÍQUOTAS EM RAZÃO DA EDIFICAÇÃO OU NÃO – NÃO CARACTERIZAÇÃO DA PROGRESSIVIDADE

Conforme o exposto, o Supremo Tribunal Federal, diante da redação original da Constituição Federal, afirmou que apenas se admitia a progressividade extrafiscal do IPTU na hipótese do seu art. 156, parágrafo 1º (assegurar o cumprimento da função social da propriedade), cujos requisitos estavam relacionados no art. 182, parágrafo 4º, do próprio texto constitucional.

Não se pode perder de vista, todavia, que o IPTU poderia ser instituído de forma não progressiva, tanto para atender a sua função primordial, de arrecadação de recursos para as despesas ordinárias do ente federativo, como para alcançar finalidades extrafiscais. Muitos municípios, de fato, assim o fizeram, criando alíquotas diferenciadas para imóveis residenciais e não residenciais, ou para imóveis edificados e não edificados.

Não obstante nesses casos muitos sustentassem tratar-se de progressividade de alíquotas não permitida, enquanto não cumpridos os requisitos do art. 182, parágrafo 4º, da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal esclareceu que as alíquotas diferenciadas não se confundiam com a progressividade:

"TRIBUTÁRIO. IPTU. MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO. LEI Nº 5.447/93, ART. 25, REDAÇÃO DA LEI Nº 5.722/94. ALEGADA OFENSA AO ART. 156 DA CONSTITUIÇÃO. Simples duplicidade de alíquotas, em razão de encontrar-se, ou não, edificado o imóvel urbano, que não se confunde com a progressividade do tributo, que o STF tem por inconstitucional quando não atendido o disposto no art. 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do art. 182 da Carta de 1988. Recurso não conhecido." (RE 229233 / SP - SÃO PAULO, RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Julgamento: 26/03/1999, Órgão Julgador: Primeira Turma, Publicação DJ 25-06-1999 PP-00033, EMENT VOL-01956-09 PP-01895)

O Ministro Ilmar Galvão, ao votar no RE nº 229.233-7/SP, cuja ementa foi transcrita a cima, explanou sobre a diferença, asseverando:

"Com efeito, não há confundir a existência de alíquotas diversas, em razão de encontrar-se, ou não, o imóvel edificado, caso sob exame, com a progressividade, que se caracteriza pelo cálculo do tributo com base em índices que aumentam ou diminuem, gradualmente, ora em atenção à pessoa do proprietário – vedada pela Constituição – ora em face do imóvel, hipótese em que o STF declarou inconstitucional, quando não atendido o disposto no art. 156, parágrafo 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos parágrafos 2º e 4º do art. 182 da Carta Federal."

A mesma solução foi adotada, pelo Supremo Tribunal Federal, para as alíquotas diversas fixadas para imóveis residenciais e não residenciais:

"IPTU: L. 691/84 do Município do Rio de Janeiro. 1.O não recebimento do art. 67 da L. 691/84 do Município do Rio de Janeiro foi declarado expressamente no julgamento do RE 248.892, Maurício Corrêa, RTJ 175/37, atingindo apenas a progressividade do IPTU, na forma da jurisprudência do STF, que só a admite na hipótese do art. 182, § 4º, II, da Constituição, quando destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana. 2. A criação de alíquotas diferentes para imóveis residenciais e não-residenciais não fere a Constituição Federal (v.g. RE 229.233, 26.3.1999, Ilmar Galvão, DJ 25.6.1999)". (AI-AgR 541221 / RJ - RIO DE JANEIRO, AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 09/08/2005, Órgão Julgador: Primeira Turma, Publicação DJ 02-09-2005 PP-00022 EMENT VOL-02203-08 PP-01674)

Dessa forma, a duplicidade de alíquotas, instituída com a finalidade de assegurar a função social da propriedade, não era vedada pela redação original do texto da Carta Magna, por não se tratar de progressividade.


5. A EMENDA CONSTITUCIONAL nº 29/2000 E A NOVA REDAÇÃO DO ART. 156 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Após restar assentado pelo pretório excelso, em 1997 [04], que a progressividade fiscal do IPTU não era permitida, sendo admitida somente a progressividade extrafiscal expressamente estabelecida na Constituição Federal, derivada da interpretação conjugada do seu art. 156, parágrafo 1º com o art. 182, parágrafo 4º, o Poder Reformador introduziu, com a Emenda 29/2000, dispositivos que visavam superar essas limitações e permitir aos Municípios ampliar sua capacidade de arrecadação.

O art. 156 da Constituição Federal, sofreu, então, alterações no seu texto:

"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

II -. ..

§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

§ 2º -..."

Essa nova redação reacendeu os debates sobre a constitucionalidade da instituição de alíquotas progressivas para o IPTU. Muitos discorreram sobre a duvidosa constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 29/2000, por desrespeitar os limites insertos no artigo 60, § 4º, da Constituição Federal [05]. Afirmaram, ainda, que aviltava o princípio do não-confisco, eis que o princípio da capacidade tributária, nos impostos reais, somente seria atendido através da cobrança proporcional ao valor do patrimônio.

A questão encontra-se em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 423.768-7 [06], interposto pelo Município de São Paulo contra decisão do extinto Tribunal de Alçada Civil, que declarou a inconstitucionalidade da Lei Municipal 13.250/01 [07], sob o fundamento de que um tributo de caráter real não pode ter alíquotas progressivas, sob pena de ofensa aos princípios da capacidade contributiva e isonomia.

Para o relator do recurso, o ministro Marco Aurélio, a Emenda Constitucional nº 29/2000 não afastou direito ou garantia individual, enquanto a Lei Municipal nº 13.250/2001 apenas concretizou a previsão constitucional. Acompanharam o voto do relator os ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Eros Grau e Sepúlveda Pertence. O julgamento foi suspenso com o pedido de vista do ministro Carlos Ayres.

Até o momento, portanto, cinco, dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, admitiram a progressividade da alíquota na cobrança do IPTU, na forma como contemplada pela EC 29/2000. Está impedido de votar o ministro Ricardo Lewandowski.

No seu voto, o relator enfatiza que a gradação dos tributos, que faz com que os que têm maior capacidade paguem mais impostos, contribui para a Justiça tributária e não ofende nenhuma cláusula pétrea:

"Eis a questão que se coloca à Corte: é possível dizer-se que a Emenda Constitucional nº 29/2000 veio a afastar cláusula pétrea? Tenho como cláusula pétrea toda e qualquer previsão abrangida pela norma do artigo 60 da Constituição Federal. Se, prevendo o § 4º do artigo 60 que não será sequer objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais, forçoso é concluir que textos da Carta passíveis de serem enquadrados nos incisos do § 4º em comento encerram cláusulas pétreas. Ora, a Emenda Constitucional nº 29/2000 não afastou direito ou garantia individual. E não o fez porquanto texto primitivo da Carta já versava a progressividade dos impostos, a consideração da capacidade econômica do contribuinte, não se cuidando, portanto, de inovação a afastar algo que pudesse ser tido como integrado a patrimônio. O que decidido pelo Tribunal de origem implica extensão, ao conceito de cláusula pétrea, incompatível com a ordem natural das coisas, com o preceito do § 1º do artigo 145 e o do artigo 156, § 1º, na redação primitiva. Nem se diga que esta Corte, apreciando texto da Carta anterior à Emenda nº 29/2000, assentou a impossibilidade de se ter, no tocante ao instituto da progressão do IPTU, a consideração do valor venal do imóvel, apenas indicando a possibilidade de haver a progressão no tempo de que cogita o inciso II do § 4º do artigo 182 da Constituição Federal. Atuou o Colegiado, em primeiro lugar, interpretando o todo constitucional e, em segundo, diante da ausência de explicitação quanto a se levar em conta, para social distribuição da carga tributária, outros elementos, como são o valor do imóvel, a localização e o uso.

Em síntese, esses dados não vieram a implicar o afastamento do que se pode ter como cláusula pétrea, mas simplesmente dar o real significado ao que disposto anteriormente sobre a graduação dos tributos. Daí concluir no sentido de conhecer e prover o extraordinário para afastar a pecha atribuída à Emenda Constitucional nº 29/2000 e, com isso, ter como harmônica com a Carta da República, na redação decorrente da citada Emenda, a Lei do Município de São Paulo nº 6.989, de 29 de dezembro de 1966, na redação imprimida pela Lei nº 13.250, de 27 de dezembro de 2001. O provimento do recurso resulta na improcedência do pedido formulado na inicial, ficando restabelecido o indeferimento da segurança, aliás resultado de julgamento procedido pelo Juízo."

A questão, à luz da nova redação da Constituição, dada pela EC 29/2000, portanto, ainda não está definida, eis que faltam votar cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (Carlos Ayres, Celso de Mello, Gilmar Mendes, César Peluzzo e Ellen Gracie).


6. CONCLUSÃO

Antes do advento da Emenda Constitucional nº 29/2000, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento segundo o qual os impostos reais não eram compatíveis com a progressividade de alíquotas com vistas a atender o princípio da capacidade contributiva, previsto no art. 145, parágrafo 1º, da Constituição Federal. Assentou, ainda, que, para os impostos reais, somente seria admitida a progressividade extrafiscal nas hipóteses expressamente previstas na Constituição.

Dessa forma, pela via do controle difuso de constitucionalidade, muitas leis municipais que previram a progressividade fiscal do IPTU foram declaradas inconstitucionais.

A progressividade extrafiscal contida no art. 156, parágrafo 1º, da Constituição, por outro lado, somente foi admitida pela excelsa corte se presentes todos os requisitos insertos no art. 182, parágrafo 4º, da Carta Magna. Assim, antes da promulgação do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257, de 2001), não era autorizada, aos Municípios, a criação da progressividade no tempo, ou progressividade-sanção, com o fim de compelir o proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, a promover seu adequado aproveitamento.

Não obstante essas considerações, a previsão de alíquotas diferenciadas para tributar imóveis edificados ou não edificados, residenciais ou não residenciais, foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, pois, como assentou, a mera duplicidade de alíquotas não se confundia com a progressividade vedada pelo texto original da Constituição Federal.

A interpretação restritiva emprestada ao texto constitucional, pelo Supremo Tribunal Federal implicou sua alteração pelo Poder de Reforma, devido aos reclamos dos municípios, ávidos por ampliar seus recursos, em sua maior parte obtidos por meio da arrecadação do IPTU. Esse movimento culminou com a edição da Emenda Constitucional nº 29/2000, que previu expressamente a aplicação da progressividade fiscal e da seletividade ao IPTU, ao autorizar a evolução de suas alíquotas, em razão do valor do imóvel, e alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.

A nova redação do art. 156, parágrafo 1º, determinada pela Emenda Constitucional 29/2000, renovou a discussão sobre a aplicação do princípio da capacidade contributiva aos impostos reais.

Baseados na jurisprudência pacificada no Supremo Tribunal Federal, quanto à não aplicação da progressividade fiscal aos impostos reais, bem como afirmando haver ofensa ao núcleo imutável da Constituição Federal, por considerarem incluídas nessas garantias as que asseguram aos contribuintes o direito de só serem submetidos à progressividade quanto aos impostos pessoais, muitos doutrinadores afirmaram ser inconstitucionais as alterações introduzidas pela Emenda 29/2000 ao art. 156 da Constituição.

O ministro Marco Aurélio, contudo, em julgamento que ainda não se encerrou (Recurso Extraordinário 423.768-7/SP), afirmou que a Emenda Constitucional nº 29/2000 não afastou direito ou garantia individual, eis que o texto primitivo da Carta já versava a progressividade dos impostos, dentro do princípio da capacidade econômica do contribuinte, não se cuidando, portanto, de inovação a afastar algo que pudesse ser tido como integrado a patrimônio. Acompanharam o seu voto os ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Eros Grau e Sepúlveda Pertence.

A constitucionalidade da progressividade fiscal do IPTU, à luz da nova redação da Constituição, dada pela EC 29/2000, portanto, ainda não está definida, eis que faltam votar cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (Carlos Ayres, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Cesar Peluzzo e Ellen Gracie), estando impedido o ministro Ricardo Lewandowski.


9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARRETO, Aires F. IPTU: Progressividade e Diferenciação. in Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo/SP, nº 76, ( 7-11p), janeiro/2002

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, 11ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1998

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 14ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2002.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: Sistema Tributário, 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1990.

CONTI, José Maurício. Princípios Tributários da Capacidade Contributiva e da Progressividade. São Paulo: Dialética, 1996

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, 19ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.

PAULO, Vicente e Alexandrino, Marcelo. Direito tributário na Constituição e no STF. Rio de Janeiro: Editora Ímpetus, 2006.


Notas

  1. Art. 7º Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5º desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5º do art. 5º desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.
  2. § 1º O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5º desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.

    § 2º Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8º.

    § 3º É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata este artigo.

  3. "Art. 145 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
  4. ....

    parágrafo 1º : sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

    ..."

  5. Como exemplo de imposto pessoal cita-se o imposto de renda. Impostos reais são o IPTU, IPVA, ITR.
  6. Ano do julgamento, pelo Plenário do STF, do RE 153771/MG
  7. Para Aires F. Barreto, por exemplo, as alterações introduzidas pela Emenda 29/2000 são inconstitucionais por não observarem as cláusulas pétreas existentes na Carta Maior, porque considera, incluída nessas as que garantem aos contribuintes o direito de só serem submetidos à progressividade, em face de impostos pessoais (BARRETO, Aires F. IPTU: Progressividade e Diferenciação. in Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo/SP, nº 76, ( 7-11p), janeiro/2002.)
  8. Os demais julgamentos sobre a matéria foram sobrestados.
  9. A Lei Municipal 13250/2001 estabeleceu alíquota progressiva para o IPTU, com base no valor venal do imóvel.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GIBILINI, Lilian Fernandes. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria tributária. A progressividade do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2493, 29 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14771. Acesso em: 4 maio 2024.