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Direito penal da loucura.

A questão da inimputabilidade penal por doença mental e a aplicação das medidas de segurança no ordenamento jurídico brasileiro

Direito penal da loucura. A questão da inimputabilidade penal por doença mental e a aplicação das medidas de segurança no ordenamento jurídico brasileiro

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O presente estudo explana acerca da visão histórica da loucura na humanidade, apresenta a imputabilidade como requisito para a responsabilidade penal, expõe as patologias mentais que possuem aplicação forense e discorre sobre a aplicação das medidas de segurança aos inimputáveis e semi-inimputáveis.

“Todos nós temos dentro de nós um pequeno diabo a necessitar de água benta”

(Johann Wolfgang Von Goethe)


RESUMO

O presente trabalho faz uma reflexão crítica acerca do instituto jurídico da inimputabilidade penal por doença mental prevista no artigo 26 e parágrafo único do código penal, seus aspectos legais e aplicação no ordenamento jurídico pátrio, buscando identificar quem são os inimputáveis por doença mental e qual o tratamento aplicado a eles, bem como verificar se a realidade social está de acordo com a norma legal.

Parte-se primeiramente de uma análise histórica, buscando compreender como os indivíduos com patologias mentais foram vistos ao longo da evolução da humanidade, de maneira que a compreensão do passado possa nos iluminar na busca de soluções para um tema tão importante e tão pouco valorizado no campo penal brasileiro.

Em seguida, faz-se uma síntese sobre o sistema adotado pela nossa legislação penal para apurar a capacidade de sanidade mental do agente que pratica uma conduta atentatória aos bens jurídicos protegidos pelo ordenamento.

Após, reflete-se também acerca das doenças mentais em espécie e sua capacidade de retirar a consciência do agente ou a sua capacidade de determinação a ponto que ele não possa ser responsabilizado pelo crime cometido. Desse modo, busca-se uma aproximação entre a ciência médica e a jurídica, para conferir melhores resultados ao tratamento do delinqüente inimputável.

É discutida também a aplicação das medidas de segurança, verificando se estas são adequadas ao tratamento curativo daqueles que são a elas submetidos, conforme previsto na lei penal.

Por fim, é dada especial atenção ao laudo pericial que determina a incapacidade mental do agente, bem como à idéia formada pela população a respeito da internação do delinqüente em estabelecimento diverso do presídio comum e se tais estabelecimentos são de fato melhores que as já decadentes penitenciárias.

Palavras-chave: Inimputabilidade. Doença mental. Medidas de segurança.


1 INTRODUÇÃO

O tema proposto tem como objetivo estudar a prática delitiva que tem como sujeito ativo alguém que não possui sanidade mental suficiente para entender o caráter ilícito do fato, ou para determinar-se de acordo com esse entendimento. Tal pessoa seria classificada como doente mental.

Cumpre esclarecer que a normalidade mental não é uma linha divisória que separa a loucura da lucidez.Todos nós possuímos inclinação em praticar atos que podem ser vistos como estranhos pelo outro, isso porque cada ser é um estranho ímpar e temos idéias, pensamentos e sentimentos que são únicos, e só existem porque nós existimos como ser individual.

A anormalidade seria então uma faixa que abarcaria comportamentos cujos traços que diferem dos demais inviabilizam a vida comum.

Quando a maneira de entender o outro, de atuar, de se determinar no mundo interfere de maneira decisiva na sociabilização do agente, nasce a anormalidade patológica, da qual trata o presente trabalho.

Segundo estimativas da OMS, no Brasil 450 milhões de pessoas sofrem de transtorno mental, é claro que nem todas elas são criminosos em potencial. Porém, diante das atrocidades que presenciamos na mídia todos os dias, das rebeliões e organizações criminosas que atormentam o cidadão de bem, surgem indagações a respeito da eficácia do direito penal e a punição que o estado propõe a um sujeito que pratica atos tão chocantes e desumanos.

O presente trabalho não tem a intenção de defender o doente mental criminoso, mas sim de buscar soluções para a impunidade no Brasil.

É evidente o descaso político do estado em relação ao delinqüente com patologia mental, o princípio da individualização da pena é esquecido e indivíduos com alto grau de periculosidade acabam sendo jogados nas penitenciárias comuns, sem receber o tratamento adequado ao seu caso.

Desse modo, além da impossibilidade desse sujeito receber especial tratamento curativo, a sociedade é ameaçada, visto que na volta ao convívio social, certamente ele voltará a delinqüir e a ameaçar a paz social.

O presente estudo explana acerca da visão da loucura durante o desenvolvimento histórico da humanidade, apresenta a imputabilidade como elemento determinante para a responsabilidade penal, expõe as patologias mentais que possuem aplicação forense, discorre sobre a aplicação das medidas de segurança aos inimputáveis e semi-inimputáveis, culminando na aplicação prática desses institutos à realidade brasileira.

Assim, procura-se encontrar soluções possíveis para o problema da criminalidade oriunda de disfunções mentais, integrando as ciências médica e penal.


2 HISTÓRIA DA LOUCURA NO DIREITO PENAL

A loucura é uma característica inerente ao ser humano, ou seja, ela nasce com o homem e com ele permanece ao longo de sua evolução, porém, não o acompanha de maneira linear, de forma concatenada e harmônica, mas passa por diferentes compreensões de acordo com o momento sócio-histórico da humanidade e a cultura da época.

Aqueles que hoje são considerados como portadores de doença mental já foram vistos como seres divinos que mereciam grande respeito e adoração. Em outras épocas eram tidos como representantes dos conflitos racionais do homem, e em períodos menos felizes, espelhavam criaturas demoníacas que deveriam ser separadas do restante considerado “normal”.

A visão patológica predominante no nosso século é fruto da evolução cientifica, em especial, da evolução da psiquiatria para o patamar da ciência, a qual tomou o louco como seu objeto de estudo, atrelando a noção de perigo com a busca do bem-estar social.

2.1 Pré-história

A Pré-história, como período que vai do surgimento do ser humano até o ano 4.000 a.c, representa o homem que não conhecia a grafia e, portanto, a ausência de fontes históricas escritas dificulta a compreensão do ser primitivo e suas crenças, e até mesmo seu padrão de comportamento. Todo o relato observado atualmente surge de fontes materiais e visuais deixadas à humanidade como herança.

No período primitivo, a inexistência do conhecimento metódico obtido mediante a observação e a experiência, o que conhecemos hoje por ciência, levava todas as perguntas que maculavam o homem a serem respondidas através do pensamento mítico. E não foi diferente com a loucura.

Segundo Maximiliano Ernersto Fuhrer (2000, p.16)

“Para os povos primitivos o louco era um ser sagrado, que merecia grande respeito e distinção. Seus atos eram considerados manifestações divinas. Os índios americanos demonstravam respeito e veneração pelos perturbados mentais, preparando cerimônias religiosas em sua homenagem”

O louco era tido como ser sagrado, divino, digno de admiração, louvor e adoração chegando muitas vezes a receber cultos em sua homenagem. O seu comportamento anormal era explicado por ação dos deuses na maneira de agir do homem, como se forças externas determinassem o seu pensamento. Essa interferência divina seria passageira e a cura obtida através de rituais religiosos.

2.2 Antiguidade

A Idade Antiga, como o período que vai do século 4.000 a.c a 476, representa um rompimento brusco da visão sobre a loucura e suas causas. Aqui, toda a glória que o mentalmente enfermo recebeu durante a pré-história cai por terra. A imagem ligada ao sobrenatural ainda permanece, porém, dando lugar a visões malignas e diabólicas acerca dos desprovidos de razão.

Segundo Marco Antonio Praxedes de Moraes Filho, nessa época não havia preocupação alguma por parte do poder público com os loucos, por isso eles ficavam confinados ao redor do seio familiar, como forma de esconder da sociedade uma praga divina, e os que nem essa sorte tinham, ficavam jogados às ruas, sobrevivendo de migalhas da população, e sendo alvo de discriminação, zombaria e desrespeito.

Tradicionalmente, os romanos também deixavam a guarda do enfermo mental com a família, porém, aqui se nota uma evolução em relação ao comportamento do poder público, que estava presente quando não fosse possível ao seio familiar arcar com os cuidados que o louco necessitasse, ou quando este era abandonado, ficando a margem de qualquer cautela.

Não há dúvidas de que a preocupação maior do direito romano para com a questão loucura estava voltada para o direito civil, especialmente com a capacidade civil, o que é de se entender, porque a área penal fica restrita a prática de infrações penais, enquanto a ausência de discernimento macula quase que a totalidade dos atos da vida civil.

Relata Maximiliano Ernersto Fuhrer (2000, p.18/19)

“Embora o Direito Romano tenha se preocupado quase que exclusivamente com os aspectos civis, em especial com a capacidade civil do louco, alguns institutos do Direito Penal moderno tiveram ali a sua origem. É daquela época a idéia de que a punição ao louco seria incabível, além de iníqua, pois a doença já se encarregara de puni-lo. O louco deveria ser contido com cuidado, acorrentado, se necessário, para preservar a segurança das pessoas. Já se preocupavam os doutos com a simulação da loucura e com a sua prova”

Logo, algumas concepções modernas do Direito Penal envolvendo a questão da loucura tiveram origem em Roma, como, por exemplo, a idéia de que a punição não era medida cabível ao louco. Primeiramente, porque a própria enfermidade já era vista como castigo e, em segundo plano, ficava a constatação da ausência de discernimento daquele que cometia o ato infracional, deixando de lado a idéia de culpa.

Na Grécia deu-se início ao estudo da loucura como terapêutica médica. Vários foram os estudiosos que procuraram dar uma explicação racional ao fenômeno da insensatez, com destaque a Hipócrates, que elaborou uma classificação das enfermidades mentais, dando especial atenção à Epilepsia, a qual ele reputava como o “mal sagrado”.

2.3 Idade Média

A Idade Média (período considerado entre 476 a 1453) tomou a loucura sobre dois enfoques completamente distintos.

Sob o primeiro enfoque, temos a idéia de “loucura livre”, considerada como simples fato do cotidiano, onde o louco estava presente de forma natural na vida em sociedade, participando de todos os acontecimentos sociais, sem sofrer qualquer forma de segregação.

Secundariamente, veio a idéia da exclusão, tomada com base nos princípios eclesiásticos, que interpretavam de forma errônea as escrituras sagradas e regrediram à idéia da loucura vista como possessão maligna e diabólica.

Os loucos eram então submetidos a métodos inescrupulosos e extremamente violentos de castigo, como forma de repressão por suas descomposturas, além da idéia predominante de que a própria doutrina da exclusão seria a responsável pela salvação dos “irmãos”.

A Igreja também proibia a entrada de qualquer enfermo mental em suas cerimônias e templos religiosos, pois não eram dignos de comparecer à casa de Deus, e se assim o fizessem, eram retirados a força dos locais sagrados.

É importante destacar também que a postura da igreja era contra qualquer pensamento que pudesse explicar a loucura de maneira cientifica e não mais mística, com raízes no sobrenatural, por isso, em razão de ser a grande força política dos tempos medievais, pouco se evoluiu em relação à compreensão da doença mental neste período.

Foi ao fim da Idade Média que surgiu um aspecto curioso e cruel da relação sociedade – loucura, que é conhecido como “nau dos loucos”.

Relata Michael Foucault (1988, p.9)

“... esses barcos que levavam sua carga insana de uma cidade para a outra. Os loucos tinham então uma existência facilmente errante. As cidades escorraçavam-nos de seus muros; deixava-se que corressem pelos campos distantes, quando não eram confiados a grupos de mercadores e peregrinos...”

Esses barcos foram construídos na idéia de retirar do convívio social todos aqueles que eram marginalizados pela sociedade, e aí não estavam presentes somente os enfermos mentais, mas toda a espécie de desabrigados, bêbados e desequilibrados que não tinham a honra de permanecer no convívio social. O mar era a maneira encontrada de exilar a população dos considerados insanos.

Segundo o referido autor, o desaparecimento da lepra deu lugar a novas maneiras de exclusão social. Em primeiro plano, os novos “excluídos” foram os portadores de doenças venéreas e mais tarde os alienados mentais herdaram toda a terapêutica dispensada aos considerados como “escórias da sociedade”.

Ainda Michel Foucault (1988, p.6)

“A lepra se retira deixando sem utilidade esses lugares obscuros e esses ritos que não estavam destinados a suprimi-la, mas sim a mantê-la a uma distância sacramentada, a fixá-la numa exaltação inversa. Aquilo que sem dúvida vai permanecer por muito mais tempo que a lepra, e que se manterá ainda numa época em que, há anos, os leprosários estavam vazios, são os valores e as imagens que tinham aderido à personagem do leproso; é o sentido dessa exclusão, a importância no grupo social dessa figura insistente e temida que não se põe de lado sem se traçar à sua volta num circulo sagrado.

Essa herança se encontra principalmente no aspecto da estrutura física, que agora, deu origem aos primeiros locais para entocar os desabrigados, surgindo então os primeiros hospitais psiquiátricos e secundariamente no aspecto cultural de valoração e imagem que recaia sobre todos aqueles que ficavam a margem do que era considerado “normal”. A visão permaneceu imutável, só que agora, trocando o personagem.

2.4 Idade Moderna

A Idade Moderna compreende o período histórico que vai de 1.453 a 1.789, e é a época de grande valorização do homem, onde surgiram grandes movimentos artísticos e literários, tendo como berço principal a Itália.

O tema da loucura seguiu de certo modo o engajamento social da época, emergiram, então, várias obras literárias que levavam a insanidade humana como conteúdo. Muitas dessas consideradas clássicos legados à humanidade.

Podemos citar como exemplo Erasmo de Roterdã e seu ensaio “Elogio da loucura”, nesta obra o autor compara a loucura a uma deusa que impulsionava as ações humanas de maneira benéfica, como fator que permitia o crescimento do homem em todas as fases da vida.

Porém, esse período de tolerância teve seu fim a partir do século XVI. Relatos históricos comprovam que nessa época as raízes da medicina passaram a se encontrar com as raízes da loucura, a qual era considerada artística e positiva aos homens, mas essa encruzilhada, a priori, não veio como forma terapêutica, mas sim para dar lugar à segregação e ao preconceito. Isso se justifica, pois o indivíduo portador de insanidade mental passou a ser visto como “doente mental”, o que em épocas anteriores era deduzido em meras observações externas da realidade sensível.

Surgiram então os primeiros estabelecimentos direcionados à correção e educação dos indivíduos perturbados, são os “hospitais gerais e “santas casas”, os quais revelam o interesse estatal de retirar da sociedade todos aqueles que eram considerados desordeiros e perturbadores da harmonia social.

De acordo com Antônio Carlos da Ponte (2001, p.16) apud Franco Basaglia (1989, p.21)

“A prática da segregação também foi adotada pelos hospitais gerais criados na França por ordem do rei – a partir de 1656, com a fundação por decreto do Hospital Geral de Paris-com o objetivo de aprisionar não apenas a loucura, mas todos os pobres da cidade. A partir de 1657, tal gigantesco hospital concentra todos os marginalizados da época: mendigos, desocupados, criminosos e loucos. Concomitantemente construíram-se estabelecimentos idênticos na Alemanha e Inglaterra. A razão de Estado justificava o confinamento neste tipo de hospital, em casas de caridade destinadas aos pobres e abandonados, além do cárcere destinado aos devedores, sem critérios legais coerentes. Bastavam os princípios médicos”

Esses locais não abrigavam somente os alienados, mas também toda espécie de desocupados, bandidos, bêbados, prostitutas, mendigos e demais marginalizados. O que deixa extremamente claro que o interesse não estava na recuperação do homem, mas sim em manter a ordem pública e punir a imoralidade social.

Para atingir esse fim, eram utilizados métodos violentos e cruéis que geravam maus tratos e tortura. Instrumentos típicos de controle eram prisões, celas, correntes de ferro.

2.5 Idade contemporânea

A Idade Contemporânea, período que tem seu início em 1.789 e vem até os dias atuais, representa uma grande modificação na maneira de enxergar e tratar o louco, caracterizando-se pelo fim do tratamento supersticioso e verdadeira expansão do tratamento cientifico.

Através da Revolução Francesa (1789 a 1799) os homens embevecidos pelas máximas de liberdade, igualdade e fraternidade, passaram a pensar mais em seus direitos e isso culminou na derrubada da monarquia Francesa. Este foi um fato de extrema importância para toda a humanidade, pois repercutiu em todas as esferas sociais, dando origem a novas concepções acerca de valores éticos e morais, atingindo também a concepção da loucura e suas origens.

Philippe Pinel, em 1801, publicou o clássico “Tratado médico-filosófico sobre alienação ou mania”, onde cria novas idéias a cerca da loucura humana.

Este médico francês abalou todos os pilares que sustentavam a idéia de insanidade, defendendo que as doenças mentais eram resultado de fatores como: pressões sociais e psicológicas, herança genética ou lesões fisiológicas.

Por acreditar na loucura totalmente apartada do misticismo, ele defendeu o fim do tratamento violento com os enfermos mentais, empreendendo medidas como o fim das correntes e camisas de força, a eliminação do tratamento com sangria, purgantes, vesicatórios e vomitivos, defendendo a idéia de que a maneira como os loucos eram tratados repercutiam de forma direta no aumento ou diminuição de sua infâmia.

O fim do século XVII marca a concepção da necessidade em criar estabelecimentos para internação de doentes mentais, mesmo que o isolamento já tenha sido idealizado muito tempo antes.

No Brasil, não foi diferente, a inspiração com o trabalho de Jean Étienne Dominique Esquirol, e sua criação de cursos para tratamentos com doentes mentais e a revolução empenhada pelo mesmo a fim de criar a primeira lei dos alienados, fez nascer aqui o primeiro hospício brasileiro, denominado “Hospício Pedro II”, localizado no Rio de Janeiro.

Sigmund Freud, verdadeiro ícone da psiquiatria, trouxe a noção do homem movido pelo inconsciente e provocou uma verdadeira revolução na concepção sobre a loucura e suas vertentes, como, por exemplo, o tratamento das neuroses de gravidade mediana e leve.

Por fim, já no século XX, a reforma psiquiátrica, como movimento que busca a luta pela dignidade e libertação do doente mental, traz a idéia do tratamento psicológico embasado na eliminação de medidas institucionais de tratamento e procura promover uma aproximação entre médico e paciente, com objetivo de dirimir a exclusão social e promover a interação entre o enfermo e a sociedade, como ser inerente a ela que o mesmo é.

A respeito disto relata Antônio Carlos da Ponte (2001, p.17) apud Alfred Jorge Kraut (1997, p.311)

“No curso dos anos sessenta, a psiquiatria entra em crise, especialmente no que se refere ao modelo hospitalar e as internações prolongadas. As críticas provêm do campo da própria psiquiatria (Laing, Cooper, Esterson, Berk na Inglaterra, Basaglia na Itália, Szasz nos Estados Unidos, Deleuze e Guatarri na França) e da sociologia (Goffman e Scheff). Os primeiros – conhecidos como expoentes da chamada ‘antipsiquiatria” – questionam todas as bases da psiquiatria tradicional, a instituição psiquiátrica, e defendem o louco em face da sociedade”.

Porém, mesmo com todas as evoluções na psiquiatria, farmacologia, e psicologia, a questão da loucura ainda é um campo muito obscuro para a ciência, visto que se trata de uma patologia muito complexa,

O louco, de uma maneira geral, evoluiu de patamar no conceito social, em razão de sua doença ser vista como um problema bioquímico, porém, não podemos negar o fato que no inconsciente coletivo, a visão de um homem portador de uma doença mental nos remete a uma imagem de incoerência, insensatez, e contradição, ao passo que, em razão da vida atribulada que acomete o homem moderno, cada dia surgem novas modalidades de patologias mentais.

Dispõe Michel Foucault (1988, p.14)

“Se a loucura conduz todos a um estado de cegueira onde todos se perdem, o louco, pelo contrário, lembra a cada um sua verdade; na comédia em que todos enganam aos outros e iludem a si próprios, ele é a comédia em segundo grau, o engano do engano. Ele pronuncia em sua linguagem de parvo, que não se parece com a da razão, as palavras racionais que fazem a comédia desatar no cômico: ele diz o amor para os enamorados, a verdade da vida aos jovens, a medíocre realidade das coisas para os orgulhosos, os insolentes e os mentirosos”.

A idéia de doença mental deve ser repensada e olhada com mais cautela, pois estabelecer um marco que separa a loucura da lucidez é praticamente impossível. E ao mesmo tempo em que essa separação é irrealizável, ela é fundamental para o direito, em especial para a ciência criminal. Afinal, o que é normalidade? Até que ponto uma atitude extraordinária pode classificar um ser humano como louco? Qual a punição adequada? Fica a dúvida.


2.0 LOUCURA E DOENÇA MENTAL

Não existe um conceito de loucura que seja universalmente aceito, porém, a Organização Mundial da Saúde define como saudável uma pessoa em estado de completo bem estar físico, mental e social. Partindo dessa idéia, podemos constatar que um quadro de anormalidade surge quando as atitudes, o pensamento e a maneira de agir de determinado indivíduo começam a atrapalhar a vida social, inviabilizando a vida comum.

É cediço que a visão da loucura passa por diferentes compreensões de acordo com o momento histórico e a ótica estabelecida. Do ponto de vista jurídico, a avaliação da doença mental depende também da verificação dos aspectos culturais do momento, observando-se a média do comportamento da maioria tida como hígida.

Ainda que assimiladas tais premissas, estas são insuficientes para dissecar a razão da loucura e compreender sua real implicação na vida em sociedade e, conseqüentemente, no âmbito jurídico.

A respeito desta questão, relata Foucault (1988 p.85): “Nunca a psicologia poderá dizer a verdade sobre a loucura, já que esta detém a verdade da psicologia”

Em sua célebre frase, o referido autor demonstra que a psicologia surgiu em função da loucura, como uma maneira de entendê-la e explicá-la, porém, por mais que a psicologia se esforce para atingir seu objetivo, este nunca será maior que a sua força criadora.

Nessa dificuldade de compreender tema tão complexo devemos criar parâmetros para definir a zona obscura que separa a loucura da lucidez, a fim de criarmos ferramentas para promover o convívio social entre desequilibrados e sãos.

Em linguagem simples, o louco seria aquele que adota condutas que vão de encontro com as regras estabelecidas por um determinado grupo social, denotando ausência de razão.

Porém, nem todo ato que denota irracionalidade é apto a considerar determinado ser humano como doente mental. Se pensássemos dessa maneira, todo aquele que comete um crime seria considerado como louco. Isso porque, toda a parte especial do Código Penal descreve condutas que afrontam o conceito de normalidade, visto sob uma ótica social. Entretanto, todos os delitos estampados no Código Penal nada mais são do que condutas tipicamente humanas, que, embora confrontem a ordem jurídica, não implicam, em princípio, na caracterização da insanidade.

Embora isso demonstre que o crime é passível de ser cometido por todos, não é verdade dizer que todos os homens cometem delitos. O ser humano, desde o seu nascimento, toma resistência em praticar atos aos quais possui aversão moral ou que não são aptos a promoverem a harmonia social.

Dessa maneira, para o desvio grave de conduta cometido por um indivíduo mentalmente sadio, comina-se a pena criminal.

De contrapartida, existem casos que, em razão de doença mental, o homem fica privado de sua consciência e perde a noção de que determinadas condutas são criminosas ou, no caso de saber o caráter criminoso de seu ato, ele fica impossibilitado de agir conforme esse entendimento.

Não podemos deixar de lado o caráter cíclico ou eventual das manifestações de algumas doenças mentais, o que significa dizer que determinada pessoa pode estar doente hoje, e amanhã não, e que a pessoa que hoje denota um comportamento absolutamente sadio, pode não ter nada a ver com a pessoa que cometeu determinado ato ontem.

E, no âmbito penal, para os desvios de comportamento praticados por um homem mentalmente enfermo, geradores de uma conduta delitiva é aplicada a medida de segurança.

Dessa maneira, com o escopo de punir o agente em sua esfera pessoal, recaindo o juízo de reprovabilidade sobre a conduta do agente, surge a inimputabilidade penal.

2.1 DA IMPUTABILIDADE PENAL

A imputabilidade é uma condição de caráter pessoal que estabelece que todo aquele que possui maturidade e sanidade mental para entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento deve responder pelos seus atos.

Nos dizeres de Luiz Regis Prado (2002, p. 249)

“É a plena capacidade (estado ou condição) de culpabilidade, entendida como capacidade de entender e querer, e, por conseguinte, de responsabilidade criminal (o imputável responde por seus atos). Costuma ser definida como “conjunto das condições de maturidade e sanidade mental que permitem ao agente conhecer o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento”. Essa capacidade possui, logo, dois aspectos: cognoscivo ou intelectivo (capacidade de compreender a ilicitude do fato); e volitivo ou de determinação da vontade (atuar conforme essa compreensão).”

Portanto, para o referido autor a imputabilidade possui dois elementos, o primeiro é o discernimento do agente em entender que o fato que esta sendo praticado é contrário ao ordenamento jurídico, o segundo consubstancia-se na capacidade de agir de acordo com essa compreensão.

2.1.1 Sistemas de aferição da imputabilidade

A doutrina penalista estabelece três sistemas ou métodos que explicam a imputabilidade, são eles:

Sistema biológico ou etiológico: Leva em conta a doença mental, isto é, o estado anormal do agente. Este sistema é de inspiração francesa e considera a inimputabilidade apenas do ponto de vista das causas biológicas. Dessa maneira, ele peca em não indagar se essa anomalia causou alguma perturbação que limitou a inteligência ou a vontade do agente, deixando impune aquele que, embora portador de doença mental, possua discernimento e capacidade de determinação.

Sistema psicológico: este sistema tem em conta apenas as condições psicológicas do agente à época do fato. Aqui, não há necessidade de demonstração de insanidade mental ou de distúrbio psíquico patológico. Trata-se de um critério pouco cientifico e de difícil averiguação.

Sistema biopsicológico: é um sistema híbrido, misto, uma combinação dos dois sistemas anteriores. Exige, de um lado, a presença de anomalias mentais, e de outro, a completa incapacidade de entendimento. Dessa forma, o agente só será considerado inimputável se em função de enfermidade ou retardamento mental era, no momento da ação, incapaz de entender o caráter criminoso do fato e de se comportar conforme essa compreensão.

O Código Penal brasileiro adotou esse terceiro sistema, sendo a imputabilidade excluída, e em conseqüência a culpabilidade, em razão de doença mental e desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26), menoridade penal (que nada mais é do que um desenvolvimento mental incompleto presumido) e a embriaguez fortuita completa (art. 28, parágrafo primeiro).

2.12 Diferenças entre imputabilidade e responsabilidade penal

O Código Penal de 1940, em sua redação original, empregava o termo “responsabilidade penal”, para introduzir os artigos 22 e 24, que tratavam da imputabilidade penal. Em decorrência disto, surgiu um debate doutrinário para averiguar se os termos eram sinônimos.

Na realidade, imputabilidade e responsabilidade penal são aspectos distintos relacionados ao mesmo fenômeno jurídico.

A imputabilidade, como já conceituada no tópico acima, consiste na capacidade psíquica de alguém ser responsabilizado por um fato descrito na norma penal, já a responsabilidade penal surge diante do efetivo cometimento de um delito, como um aspecto concreto da imputabilidade.

Para Basileu Garcia (1982, p. 358),

“Responsabilidade não se considera como sinônimo de imputabilidade e sim, mais precisamente, como uma decorrência da imputabilidade. Esta representa um pressuposto daquela, tal qual acontece com a ilicitude do comportamento, a qual também constitui pressuposto da responsabilidade, ou seja, uma condição para que o agente responda pelo seu ato e sofra as correspondentes conseqüências penais”

Responsabilidade e imputabilidade possuem significados parecidos pois ambos os institutos dizem respeito à presença de condições de saúde mental mínimas para que uma pessoa possa responder pelo ato praticado. A diferença se dá pois a imputabilidade é um dos elementos da culpabilidade, do juízo de reprovação da conduta, enquanto a responsabilidade reside em um liame que une o sujeito ativo do delito e as conseqüências do cometimento do fato típico.

Com a reforma da parte geral do Código Penal (lei 7.209/84), o legislador substituiu o termo responsabilidade por imputabilidade como titulo de introdução aos artigos 26 a 28, os quais tratam da referida matéria.

2.3) ELEMENTOS DA INIMPUTABILIDADE PENAL

2.3.1) Incapacidade de entender o caráter ilícito do fato

Uma das situações que caracteriza a inimputabilidade do agente é a impossibilidade de conhecer o caráter ilícito da sua ação. Tal conhecimento é meramente potencial, ou seja, não se exige a possibilidade real de conhecimento da ilicitude. Basta apenas o conhecimento profano, leigo, que qualquer homem comum do povo possui.

Esse conhecimento potencial refere-se a um fato ilícito, que contraria o ordenamento jurídico, e não ao conhecimento específico da legislação penal. Se o agente soubesse ou tivesse a possibilidade de saber que aquela determinada ação contrariava o ordenamento jurídico, ele não será considerado inimputável, ressalvada a situação tratada no tópico seguinte

É importante esclarecer que o conhecimento do caráter ilícito do fato não se confunde com a imoralidade ou a falta de ética de determinado comportamento, pois o ordenamento jurídico penal abarca condutas que são consideradas imorais, porém, nem todas as condutas que podem ser tidas como imorais e antiéticas são consideradas como ilícito penal.

Tal elemento da inimputabilidade penal tem especial relevância quando se levam em conta os intervalos lúcidos e os intersurtos, isso porque, embora muitas vezes o estado patológico persista, nem sempre este é apto a retirar o discernimento daquele que pratica a conduta ilícita.

Enfim, a inimputabilidade só pode subsistir quando o individuo tem sua consciência maculada em razão de distúrbios na área da vontade, que o impede de entender o caráter ilícito de sua conduta.

2.3.2) Incapacidade de determinar-se de acordo com o entendimento do caráter ilícito do fato

Sem prejuízo das considerações feitas no tópico acima, ainda que o sujeito praticante de uma conduta ilícita entenda plenamente o caráter ilícito de sua conduta, poderá não possuir capacidade de autodeterminação, assim, o individuo sabe que esta praticando uma conduta tipificada no ordenamento jurídico como crime, porém é incapaz de evitá-la.

A simples vontade de praticar o crime não é suficiente para ensejar a incapacidade de autodeterminação. Só ocorrerá a exclusão da culpabilidade por inimputabilidade se a patologia do agente provocar grave adulteração da vontade. Essa adulteração, por sua vez, pode ocorrer de três modos, quais sejam: eversão, adversão ou perversão.

Segundo Maximiliano Ernesto Fuhrer (2000, P. 53)

“Eversão é a subversão das atividades volitivas. Ocorre na psicose maníaco-depressiva e nas demais manias. Adversão é a redução ou ablação daquelas atividades, como, por exemplo, acontece nas depressões em geral, no autismo e nas síndromes de diminuição do impulso vital. Perversão é todo desvio mórbido da vontade que atinge o caráter, especialmente no que se refere aos limites esperados como normais. É encontrável amiúde nas personalidades psicopáticas”.

Logo, referido elemento da inimputabilidade trata da capacidade mental de resistência e abstenção da pratica do crime, estando presente quando, embora o caráter criminoso seja totalmente conhecido, o agente não consegue agir de acordo com esta compreensão, se tornando escravo de um impulso irresistível.

2.4 A semi-imputabilidade

Assim prevê o Código Penal brasileiro em seu artigo 26, parágrafo único:

“A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”

No citado o artigo o Código Penal adotou expressamente a semi-imputabilidade, ou semi-responsabilidade ou culpabilidade diminuída, onde o agente ativo do crime tem sua pena reduzida em razão de condições de caráter pessoal.

Referido tema gera muita insegurança no cenário jurídico, eis que existem aqueles que admitem a semi-imputabilidade e aqueles que a rejeitam veemente.

Para os que a rejeitam, não pode haver semi-responsabilidade, pois não existe o meio-entendimento, ou o agente entende o caráter ilícito de sua conduta, ou não entende. Desse modo, como defende Nelson Hungria (1983, p 273), “Como os estados contrários são excludentes entre si, é logicamente impossível o meio-termo”.

Para os que a aclamam, é admitida a semi-responsabilidade, pois o agente pode estar num estado de evolução, como acontece com o estágio de desenvolvimento entre a infância e a adolescência, e Segundo Basileu Garcia (1954, p. 332), “a vida não evolui em saltos”.

Na realidade, tal instituto surgiu em decorrência da necessidade de dar uma resposta aos casos de zona fronteiriça, onde não se sabe em qual categoria o agente se enquadra.

Nestes casos, será facultado ao juiz optar pela redução da pena ou pela medida de internação ou tratamento ambulatorial, lembrando que, no caso de substituição da sanção penal pela medida de segurança, o sentenciado estará vinculado as mesmas regras que são impostas ao inimputável, devendo ser submetido a perícia médica para averiguar a cessação da periculosidade e cessação do tratamento.

2.5 Inimputabilidade por doença mental

O Código Penal, em seu artigo 26, dispõe que a doença mental é uma das causas que podem determinar a irresponsabilidade penal. Cumpre esclarecer que doença mental é um termo muito abrangente, e tal expressão, no mundo jurídico, vai além das classificações médicas, abrangendo todos os estados mentais capazes de gerar um estado patológico.

Segundo Maximiliano Ernesto Fuhrer (2000, p. 55):

“Doença mental é toda manifestação nosológica, de cunho orgânico, funcional ou psíquico, episódica ou crônica, que pode, eventualmente, ter como efeito a situação de incapacidade psicológica do agente de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Não é necessário que cause os dois efeitos (falta de entendimento e impossibilidade de autodeterminação) ao mesmo tempo, basta um.”

Portanto, segundo referido autor, a imputabilidade poderá ser diminuída ou excluída, toda vez que a enfermidade mental seja capaz de causar um vício na manifestação da vontade ou no entendimento do agente acometido pela patologia, não sendo suficiente somente a presença da doença, mas que ela seja determinante para macular a vontade ou a compreensão do agente praticante da conduta delitiva.

A respeito do mesmo tema, esclarece Antônio José Fabrício Leiria, (1980, p.240):

“A doença mental, para os efeitos da norma jurídica, apresenta-se como um estado morboso da psique, capaz de produzir profundas inibições na Inteligência ou na vontade, no momento da ação ou da omissão. Por outro ângulo, é de se ter presente que o conceito psiquiátrico de doença mental, embora sirva de base para a formulação do conceito jurídico, nem sempre coincide exatamente com este. Igualmente, não é de se confundir a perturbação da saúde mental, com a doença mental propriamente dita. Nas enfermidades psíquicas, há sempre uma perturbação da saúde mental, mas, tais perturbações nem sempre decorrem de uma doença mental, na concepção científica do termo”

Dessa maneira, o conceito jurídico de doença mental não é igual ao conceito psiquiátrico, sendo que o primeiro pode abarcar inclusive desmaios e delírios febris, desde que estes sejam capazes de gerar perturbação da saúde mental, ou qualquer vício na manifestação psíquica.

A imoralidade, ou a mera anormalidade de caráter, não são suficientes para ensejar a irresponsabilidade penal, o Direito Penal exige, para tanto, que haja uma verdadeira perturbação da saúde mental, capaz de gerar um estado patológico que retire a consciência ou a determinação do indivíduo.


3.0 DOENÇAS MENTAIS EM ESPÉCIE

O Código penal brasileiro, ao mencionar a expressão “doença mental”, está se referindo a todo estado de perturbação mental que possa interferir na capacidade de entendimento do agente no momento da pratica delitiva, ou que mesmo não alterando a capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato, impeça-o de agir conforme esse entendimento.

As tentativas psiquiátricas de classificação das doenças mentais não são exatas e mesmo as classificações já existentes são por vezes inseguras, visto que as manifestações mentais de caráter patológico nem sempre obedecem as formas esperadas.

Já dispõe neste sentido Veloso França (2001, p.385):

“O conceito de normalidade psíquica é relativo, e não absoluto. Esse estado tem uma conotação que implica fatores sociais, culturais e estatísticos. Pode-se dizer que a normalidade psíquica é um estado de clarividência centralizado por um ideal excepcional, mas cujos limites periféricos, indistinguíveis e obscuros, vão-se ofuscando até a anormalidade.”

Porém, embora a classificação seja insegura e variável, ela faz-se necessária para uma melhor compreensão acerca do tema. Dessa maneira, as doenças mentais seriam divididas em três grupos: O grupo que compreende as psicoses, o grupo que compreende as perturbações da saúde mental e o grupo das oligofrênias. Posteriormente a esses grupos podemos abordar os silvícolas e os surdos-mudos como representantes do denominado desenvolvimento mental incompleto, nesse caso não seria uma doença mental propriamente dita, mas sim um atraso pedagógico que influi na imputabilidade do agente.

3.1 Psicoses

As psicoses são o grupo de doenças mentais que alteram a personalidade do indivíduo e desestruturam a sua consciência, sendo desta maneira, mais graves e visíveis.

Segundo entendimento de Hygino de C. Hércules (2008, p.664):

“As psicoses em geral são transtornos mentais em que o doente perde o juízo de realidade, passando a perceber o mundo por uma ótica distorcida, caracterizada por distúrbios graves da percepção, como alucinações, como idéias delirantes, desagregação e roubo do pensamento e da vida afetiva, como estados depressivos, paratimias, neotimias e ambitimias ”

As psicoses podem ser de origem orgânica ou funcional. A primeira tem início em razão de disfunções cerebrais e a segunda tem origem psicológica ou comportamental.

3.1.1 Epilepsia

A Epilepsia é a primeira doença mental que se tem registro no mundo, já que atingiu não só o homem, mas também outros mamíferos que o precederam. Sua nomenclatura vem do grego “epi” – o que está acima e “lepsis” – abater, desta forma, acreditavam os povos mais primitivos que o diabo vinha por cima e abatia o indivíduo.

Ela pode ter origem tanto psiquiátrica como neurológica, é transitória e súbita, e geralmente repetitiva. Pode ocorrer na modalidade de “grande mal” – quando ocorrem os ataques epiléticos, caracterizados pela perda da consciência, seguida de contrações musculares e alterações das funções motoras, sendo mais comuns as convulsões. Na modalidade de “pequeno mal” encontram-se os chamados estados crepusculares que podem preceder ou ocorrer após a crise e se caracterizam por serem episódios confusionais, de duração variável que turbam a consciência.

Relata Maximiliano Roberto Ernesto Fuhrer (2000, p 58):

“O ataque epilético pode ser precedido de um conjunto de manifestações características, conhecido como aura. O paciente sente pronunciado cheiro de terra molhada e experimenta várias outras sensações peculiares. Involuntariamente, emite um urro animalesco, conhecido como “grito do leão” ou “grito do pavão”. Seguem-se normalmente, a queda ao chão e o início das convulsões. Durante as crises o paciente pode ser tomado de grande agressividade. Fora do surto a consciência e a vontade são restabelecidas plena ou parcialmente”

Entende-se que o indivíduo em meio de uma crise epilética não pode cometer um delito comissivo em razão de sua própria condição, porém, poderá cometer um delito omissivo se a perda da consciência colocar em grave risco a vida ou a integridade física de outras pessoas.

Após ou antes da crise epilética o crime pode se verificar em razão da agressividade e incoerência de pensamentos que afligem o paciente, levando-o a uma experiência angustiante e de intensa agitação, a qual determina a violência e os ímpetos de raiva.

Porém, não se pode dizer que a epilepsia é sempre um motivo causador de inimputabilidade penal, já que isso somente é possível com a avaliação do grau da doença e a análise do caso concreto. Tanto é verdade que ilustres personalidades mundiais foram acometidas pela citada doença, tais como: Gustave Flaubert, Machado de Assis, Isaac Newton, Dostoievski, Napoleão, entre outros.

3.1.2 Esquizofrenia

A esquizofrenia é a mais freqüente das psicoses, abrangendo cerca de 50% das populações manicomiais. Sua terminologia vem do grego esquizo – fenda e phren – mente, significando mente fendida.

Antigamente, era conhecida como demência precoce, pois na maioria das vezes, ela surge ainda na juventude, entre os 15 e os 25 anos, porém pode ocorrer desde a infância.

Esta doença se caracteriza por uma grande desordem psicótica, um grande desarranjo da personalidade. Inicialmente, o doente se isola do convívio social, passa a descuidar de sua aparência e vive num mundo apartado, ligado somente as suas fantasias e imaginações. Posteriormente passa a ter alucinações, onde os seus sentidos e estímulos sensoriais entram em conflito com a realidade. O paciente entra então numa chamada “mania de perseguição”, acreditando que tudo que acontece no meio em que ele vive diz respeito à ele.

Segundo Guido Arturo Palomba (2003, p.640):

“A doença evolui por surtos, isto é, existem períodos de exacerbação dos sintomas mórbidos e existem períodos de acalmia. Porém, mesmo remitido o surto agudo, no período intervalar o paciente continua apresentando desordens mentais, que se chamam defeito esquizofrênico, caracterizado por embotamento afetivo, ensimesmamento, falta de auto e de heterocrítica, distúrbios do pensamento, etc., que podem manifestar-se isoladamente ou em conjunto. Os surtos não têm freqüência constante. Podem ocorrer várias vezes ao ano ou uma só vez na vida (muito raro), mas se eles são irregulares quanto a freqüência, não o são quanto ao desarranjo psicopatológico que engendram na mente do sofredor. São sempre graves, muitas vezes de difícil abordagem terapêutica, e quanto mais amiúde ocorrem mais rapidamente levam o paciente ao comprometimento total das esferas psíquicas, à demência propriamente dita”

Segundo estatísticas médicas apenas um terço dos pacientes esquizofrênicos conseguem se curar, um terço se curam, porém não de forma total e o um terço nunca se cura, onde seu quadro patológico se agrava dia a dia.

A esquizofrenia comporta alguns tipos:

1)           Esquizofrenia catatônica – Este tipo de esquizofrenia comporta estados de estupor ou de hiperatividade. O estupor se caracteriza pela imobilidade do paciente, podendo acarretar da pequena diminuição de movimentos até a chamada “rigidez cérica”, onde o individuo não se move, não fala, comportando – se como um boneco de cera. A hiperatividade, por sua vez, se caracteriza por uma intensa agitação, onde o paciente se movimenta constantemente e se torna agressivo. Por fim, a esquizofrenia catatônica gera comportamentos bizzaros como a repetição de frases sem sentido, a repetição de movimentos, e os chamados maneirismos.

2)           Esquizofrenia paranóide – é a esquizofrenia que mais leva o individuo a delinqüência pois causa delírios e alucinações esquematizas, onde o individuo se sente perseguido por pessoas ou entidades. A maioria das alucinações são auditivas, em forma de ordens, as quais o falam mal, ameaçam e interpõe qualquer obstáculo ou distancia. Geralmente, a inteligência se mantém intacta, porém o doente perde toda a capacidade de percepção do mal que sofre, e por mais que as pessoas tentem alertá-lo de suas alucinações ele ira achar que pararam de falar dele naquele momento, se esconderam, ou estão invisíveis.

3)           Esquizofrenia hebefrênica – esta forma de esquizofrenia se instala precocemente, entre os 12 e 16 anos e consiste em um abobamento infantil, onde o paciente tem uma enorme confusão mental, associada a distúrbios do humor. Ocorre uma grande exacerbação psicomotora, com a pratica de atos impulsivos, aliados à depressão e perda da afetividade.

4)           Esquizofrenia simples – é forma de esquizofrenia mais difícil de ser identificada, pois o indivíduo não aparenta ser acometido por uma doença mental. Inicialmente, nota-se a diminuição da afetividade, isolamento, falta de remorso. Não há crises, ela se manifesta de forma lenta e gradual.

3.1.3 – Psicose Maníaco depressiva

A psicose maníaco depressiva, também conhecida como transtorno bipolar, é a psicose que cicla estados maníacos, com estados normais e com estados depressivos.

O estado maníaco seria uma fase de muita euforia e excitação, o indivíduo se sente grandioso, poderoso, e por vezes, um ser único, dotado de poderes especiais. Isso pode levar a prática de atos abusivos, prepotentes, originados por uma sensação de poder imaginária.

A fase depressiva, por sua vez, se caracteriza por uma tristeza profunda e sem motivo, o doente se sente cansado, inferior, com pouco vigor físico. Possui dificuldade de concentração e seus pensamentos são mais lentos. Pode haver também muita irritabilidade e intolerância, o que levar a pratica de condutas delitivas como o homicídio e o suicídio.

Esse transtorno tem início geralmente entre os 20 e 30 anos, porém, pode iniciar-se tardiamente, depois dos 60. E, em alguns casos, não ocorre a alternância do humor de fases maníacas para depressivas, é o que se chama “de doença afetiva unipolar”, onde o humor varia apenas para fases maníacas ou para fases depressivas.

3.1.4 – Demência senil

A demência senil se caracteriza pela deterioração mental de uma pessoa que era considerada “normal”. O portador da patologia começa a perder a memória recente e não adquirir, nem fixar novos conhecimentos. Ela costuma apresentar seus primeiros sintomas por volta dos 70 anos.

Neste sentido dispõe Hygino de C. Hércules (2008, p. 664):

“As demências resultam do acometimento cerebral de pessoas que até então eram consideradas normais e que, por motivo da doença, foram perdendo gradualmente os atributos cognitivos, basicamente da memória e da orientação, com repercussão nos aspectos volitivos e afetivos. Entre os estados demenciais podemos destacar as doenças pré-senis (por exemplo, doença de Alzheimer, doença de Pick) e as formas senis (por exemplo, por arteriosclerose)”

A implicação jurídica da demência senil esta mais voltada para o direito civil, do que para o penal. Porém, quando ocorre uma infração penal, geralmente ela está associada aos delitos sexuais.

3.2 Perturbação da saúde mental

O código penal utiliza-se da expressão “perturbação da saúde mental” quando se refere aos semi-imputáveis. Tal expressão se refere as psicopatias e as neuroses, onde o agente teria meia consciência da ilicitude ou da capacidade de autodeterminação. Alguns autores, porém, tem entendido que tal expressão também abarcaria as doenças mentais em fase inicial da doença, onde ainda não se verifica um comprometimento mental completo.

Nestes casos, o código determina a redução da pena de um a dois terços, ou a sua substituição por medida de segurança

Segundo Antônio Carlos da Ponte (2002, p.41)

“Cabe frisar que não há uma categoria de semi-loucos ou semi-responsáveis, há sim, entre a zona de sanidade psíquica ou normal e a loucura, estados psíquicos que representam uma variação mórbida, fazendo com que seus portadores sejam responsáveis, embora com menor culpabilidade, justamente por apresentarem uma capacidade reduzida de discernimento ético – social ou auto-inibição ao impulso criminoso”

Dessa forma, a semi-imputabilidade determinada pela perturbação da saúde mental abrange aqueles casos denominados “fronteiriços”, que turbam parcialmente a capacidade de entendimento e determinação.

É importante destacar que o código penal brasileiro foi um dos primeiros a adotar a semi-imputabilidade, fenômeno hoje que vem se alargando pelo mundo.

3.2.1 – Neuroses

A neurose é um distúrbio da personalidade, causado por um desconforto existencial, dessa maneira, a neurose esta ligada à resposta que o indivíduo dá ao seu modo de vida.

Essa patologia tem um fundo psíquico, emocional e afetivo e não interfere na capacidade de discernimento do agente.

O indivíduo neurótico não sente tristeza, mas uma ausência de alegria, uma ausência de descontração, causada em grande parte por preocupação excessiva. Alguns somatizam, exteriorizando para o físico, alguns são mais neuróticos que os outros, e alguns inconscientemente gostam de sua neurose, já que ela é uma forma de chamar a atenção.

A neurose não compromete a inteligência do individuo, não tira sua capacidade de entendimento e nem de autodeterminação, e por isso ela não induz a inimputabilidade. Porém, o indivíduo neurótico é uma pessoa extremamente sensível e se difere dos normais por apresentar um estado emocional exagerado, dessa forma, um neurótico poderia apresentar uma resposta mais agressiva ou mais intensa em uma situação desagradável, nesses casos, poderia se admitir ao máximo a redução da pena devido à emoção ou paixão.

3.2.2 Personalidades psicopáticas

A lei penal brasileira não traz a expressão “personalidades psicopáticas”, porém ela está inserida dentro do artigo 26, parágrafo único, do código penal, como uma das perturbações da saúde mental. Modernamente, essa categoria também vem sendo chamada de personalidades anti-sociais, sociopatas, entre outros.

Os psicopatas são pessoas de inteligência média, competitivos e sociáveis, mantém bons contatos com as pessoas, são empreendedores, costumam fazer sucesso na vida social, política. Eles se caracterizam, sobretudo pela ausência de sentimentos, pois não tem afetos, amizades, amores, gratidão, humanismo e não tem remorso dos seus atos.

O psicopata se enxerga no centro de um mundo que é só seu onde os outros são apenas os outros. Só ele é que possui desejos, vontades e ambições, as outras pessoas seriam apenas instrumentos para chegar aonde ele almeja.

De acordo com Guido Arturo Palomba (2003, p.546):

“... a diferença entre o psicótico e o neurótico é que no primeiro a patologia mental brota do nada, simplesmente nasce na mente, enquanto que no neurótico o estado mental alterado está baseado em vivências dolorosas do passado, próximo ou remoto. O neurótico sabe que é problemático, tanto é que às vezes chega a achar que está ficando louco, ao passo que o psicótico, que é louco propriamente dito, nunca acha que está doente da psique: vive o seu delírio como se fosse uma realidade inquestionável e não é possível convencê-lo do contrário”

Dessa maneira, o neurótico tem consciência de sua patologia, enquanto o sociopata, nunca enxergará problema algum em sua saúde mental.

O estudo da personalidade anti-social é de grande importância não só para o direito, mas para diversas ciências, tais como, a sociologia, a filosofia e a política, visto que os níveis assustadores de corrupção, a extrema violência e agressividade que surpreendem a sociedade a cada dia, podem estar por traz de problemas psicopáticos.

3.3 Oligofrenias

As oligofrenias compreendem o grupo das doenças mentais que afetam a inteligência do indivíduo. São também chamados de “retardos mentais”, e sua nomenclatura vem do grego (oligo = pouco; phreno = espírito).

Relata Hygino de C. Hércules (2008, p.669):

“As oligofrenias não são doenças com sinais e sintomas característicos. Formam um grupo heterogêneo no qual se encontram pessoas acometidas por vários tipos de doenças de diversas etiologias cuja ação patogênica se faz antes do nascimento, durante o parto ou ao longo dos primeiros anos de vida.

O grau de comprometimento intelectual desses indivíduos tem sido avaliado por meio de escalas, das quais a mais referida é o quociente intelectual, que pode ser aferido através de testes psicológicos. Alguns preferem comparar o grau de desenvolvimento mental do oligofrenico com o das crianças para estabelecer a gravidade do retardo mental que representam. Mas é preciso levar também em consideração o seu grau de ajustamento social.

Podemos classificar os doentes mentais em três grupos mais ou menos definidos:

3.3.1 – Débil Mental

O débil mental se divide em três graus: débil mental leve, moderado e grave.

Pelo sistema do quociente intelectual, a normalidade mental se instalaria a partir do QI 90, dessa maneira. O débil mental leve seria aquele com um QI um pouco abaixo do grau de normalidade.

Esse grupo de indivíduos são portadores de retardo mental brandos, visto que possuem um grau de inteligência baixo, mas que não compromete de maneira determinante a realização de suas tarefas habituais e necessárias para a manutenção de sua vida.

Neste sentido Veloso França (2001,p.395):

“Há determinados tipos de deficientes mentais leves com grande astúcia e habilidade, podendo, na via prática, cargos importantes, principalmente na administração pública. Estudando com muito sacrifício e obstinação, existem deficientes mentais leves que tem acesso à Universidade e se formam. Conhecemos um que, com certa argúcia e atileza, fazendo parte de diversas confrarias religiosas e sociedades beneficentes, tomando pessoas influentes como compadres, jamais abandonou sua fidelidade ao Governo, seja o Governo de que partido for, e, por isso, sempre esteve “de cima’.”

Portanto, por via de regra, o indivíduo que possui retardo mental leve é imputável, pois o grau de comprometimento de sua inteligência é baixo e não impede o conhecimento da ilicitude e a capacidade de agir conforme esse entendimento.

O débil mental moderado possui um comprometimento intelectual mais aprofundado, ele pode aprender a ler e a escrever, porém com grande dificuldade. Pode também ser treinado, realizando alguns ofícios que não exijam raciocínio, mas jamais poderá ser educado. Alguns possuem instinto sexual aguçado, realizando atos lascivos em público ou contra menores. Possui dificuldade e compreender as normas jurídicas e sociais, portanto sua imputabilidade depende da avaliação no caso concreto, variando da semi-imputabilidade à inimputabilidade.

O débil mental grave tem grande dificuldade de fala, de manifestação e reação à estímulos externos, são totalmente dependentes e inertes. São incapazes de se defenderem, ou de se determinarem sem ajuda alheia. Geralmente possuem vida curta e sua capacidade intelectiva pode ser inferior em relação a alguns animais superiores, dessa forma, são inimputáveis pois não possuem qualquer capacidade de raciocínio e entendimento.

3.3.2 – Imbecil

O imbecil apresenta uma forma de retardo mental extremamente grave, não são capazes de apreender nada, são extremamente frágeis e dependentes e precisam ser tutelados para qualquer ato da vida civil. Alguns podem interagir com o meio social dentro de suas limitações, outros são totalmente apáticos. São inimputáveis.

3.3.3 – Idiota

Representam a forma mais profunda da dificuldade intelectiva, não falam, não andam, não entendem, nem sequer são capazes de fechar o olho sem que alguém previamente ordene, pois são totalmente desprovidos de capacidade de entendimento. Dada sua impossibilidade de interação, são inimputáveis.

3.4 Desenvolvimento mental incompleto

Por esta expressão entende-se o atrasado pedagógico, ou seja, aquele que não recebeu a educação necessária para um convívio social harmônico e pleno, seja porque não foi possível em razão de limitações genéticas, seja porque não foi educado de acordo com os valores morais vigentes em determinado grupo social. Encontramos nesse campo os silvícolas e o surdo – mudos.

3.4.1 – Silvícolas

Os silvícolas representam um grupo social com senso ético e social que difere do homem civilizado. É importante destacar que essa diferença não surge em decorrência de um desenvolvimento intelectual inferior, mas devido a possuírem um modo de vida rudimentar quando comparado ao civil.

Dispõe Hygino de C. Hércules (2008, p.659):

“Ao cometer um ato previsto como ilícito pelo nosso sistema jurídico, o silvícola não pode ser penalizado justamente por não ter tido a oportunidade de conhecer as normas civilizadas. Mas, dentro de seu mundo cultural, o conceito de imputabilidade de Von Liszt é válido também para o índio, desde que consideremos seus valores morais e as penas que a sua comunidade impõe para os que violem as suas regras de conduta. Contudo, de acordo com o nosso código penal, ele tem que ser considerado mentalmente não desenvolvido e enquadrado no artigo 26”.

Desse modo, o grau de imputabilidade do índio está estritamente ligado com o grau do conhecimento das regras impostas pela vida civilizada. Quanto maior for a sua compreensão das normas sociais, maior será a sua capacidade de entendimento do caráter ilícito do fato e de autodeterminação. Por outro lado, se ele nunca teve contato com o homem civilizado não poderá ser responsabilizado por sua prática criminal.

3.4.2 – Surdimutismo

O surdo-mudo é aquele que não possui dois sentidos vitais dos seres humanos, quais sejam a fala e audição. O indivíduo que não escuta fica impossibilitado de adquirir idéias e conhecimentos e sem falar ele não pode expressar suas vontades, seus sentimentos e ter qualquer reação de reciprocidade por meio da comunicação oral. Assim, a inclinação para o isolamento é natural.

Para Maximiliano Roberto Ernesto fuhrer (2000,p. 70):

“O problema básico não é de saúde mental, mas sim de educação e, muitas vezes, de falta de entendimento e de compreensão pela sociedade. Assim, o surdo-mudo educado chega a compensar adequadamente a falta daquelas funções. Por outro lado, a ausência delas, mesmo sem educação especial, não implica necessário desconhecimento das regras sociais, nem incapacidade de agir conforme as convicções próprias”

A determinação da inimputabilidade para os surdos-mudos ficará adstrita ao caso concreto, dependendo da análise do nexo de causalidade entre o crime praticado e o grau de deficiência.


4.0 DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA

A prática delitiva cometida por um indivíduo imputável em regra implica na imposição da sanção penal, por sua vez, o injusto penal cometido por um indivíduo semi-imputável ou inimputável enseja a aplicação das denominadas medidas de segurança, que estão disciplinadas no Código Penal, em seus artigos 96, 97,98 e 99.

Discute-se doutrinariamente qual seria a natureza jurídica das medidas de segurança, onde se constata a existência de duas correntes.

A primeira corrente, defendida pela grande maioria dos doutrinadores, tais como: Julio Fabrinni Mirabete, Guilherme de Souza Nucci, Damásio de Jesus e Bruno de Moraes Ribeiro, apregoa que a medida de segurança é uma modalidade de sanção penal e a ela se aplicariam todos os princípios da pena. Dessa maneira, ela seria um mecanismo de defesa social que atuaria na proteção da sociedade em face do indivíduo considerado inimputável ou semi-imputável.

Neste sentido Damásio de Jesus (2010, p.589): ver regra de citação

“As penas e as medidas de segurança constituem as duas formas de sanção penal. Enquanto a pena é retributiva-preventiva, tendendo hoje a readaptar a sociedade o delinqüente, a medida de segurança possui natureza essencialmente preventiva, no sentido de evitar que um sujeito que praticou um crime e se mostra perigoso venha a cometer novas infrações penais.

Uma corrente minoritária defendida por Luiz Vicente Cernicchiaro e Assis Toledo, defende que a medida de segurança seria um instituto meramente terapêutico, visando dar tratamento e recuperação para o indivíduo que não possui higidez-mental.

Independentemente da natureza jurídica adotada, é importante esclarecer que às medidas de segurança devem ser assegurados todos os princípios relativos à aplicação da pena.

Assim, só será possível a aplicação das medidas de segurança nos casos estabelecidos e nas modalidades previamente descritas por lei, em obediência ao princípio da legalidade. Será assegurada também a retroatividade da lei mais benéfica e a irretroatividade da lei mais severa. Ainda, segundo entendimento de Júlio Fabbrini Mirabette (2007, p.376), “a medida de segurança, tal qual a pena em suas espécies, somente é aplicável através de providência jurisdicional”, em respeito ao princípio da jurisdicionalidade.

4.1 – Sistemas de aplicação das medidas de segurança

 O Código Penal de 1940, anteriormente à reforma de 1984, adotava o sistema conhecido por duplo-binário, que admitia a aplicação de pena e medida de segurança concomitantemente.

Estabelece Guilherme de Souza Nucci (2007, p.549):

“Quando o réu praticava delito grave e violento, sendo considerado perigoso, recebia pena e medida de segurança. Assim, terminada a pena privativa de liberdade, continuava detido até que houvesse o exame de cessação da periculosidade. Na prática, para a maioria dos sentenciados, a prisão indefinida afigurava-se profundamente injusta – afinal, na época do delito, fora considerado imputável, não havendo sentido para sofrer dupla penalidade.”

Desta maneira, o referido sistema, ao mesmo tempo em que buscava a “cura” do indivíduo considerado doente mental, não abria mão da sua punição, o que determinava a dupla penalização e poderia retardar ainda mais a busca pela recuperação da saúde mental.

Atualmente, após a vigência da lei 7.209 de 11/07/1984, que reformou a parte geral do Código Penal, é adotado o sistema denominado vicariante, que não permite a acumulação de pena com medida de segurança, devendo ser aplicada uma ou outra.

Assim, se no momento da prática delitiva o agente era imputável, será aplicada pena, por sua vez, se o agente era inimputável ao momento da ação, será aplicada a medida de segurança. Se o sujeito for considerado semi-inimputável, situando-se numa zona fronteiriça entre a loucura e a lucidez, como estabelecido no artigo 26, parágrafo único do Código Penal, o juiz se utilizará do sistema vicariante, escolhendo entre a aplicação da pena ou da medida de segurança. Caso seja aplicada a pena, esta será reduzida de 1/3 a 2/3.

Para a aplicação das medidas de segurança deverão concorrer dois pressupostos: a prática de um fato típico e antijurídico, ensejador do tipo de injusto, e a potencialidade para a prática de novas ações danosas.

4.2 – Espécies de medidas de segurança

O artigo 96 do Código Penal estabelece duas modalidades de medidas de segurança: a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e a sujeição a tratamento ambulatorial.

A primeira espécie é também conhecida por medida de segurança detentiva, onde o sujeito apenado com reclusão fica totalmente isolado em hospital psiquiátrico.

Relata Julio Fabbrini Mirabete (2007, p.381):

“A internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico representa, a rigor, a fusão de medidas de segurança previstas na legislação anterior: internação em manicômio judiciário e internação em casa de custódia e tratamento. Estabeleceu-se uma medida idêntica para os inimputáveis e semi-imputáveis, que deverão ser submetidos a tratamento, assegurada a custódia dos internados (art. 99). Não há qualquer finalidade expiatória na medida de internação, substituído o fim pela medida terapêutica e pedagógica destinada a um processo de adaptação e readaptação à vida social”

Na falta de hospital de custódia, tal internação poderá ocorrer em outro estabelecimento adequado.

A segunda espécie de medida de segurança guarda similitudes com a pena restritiva de direitos, tratando-se do denominado tratamento ambulatorial, e é estabelecida quando o crime for punido com detenção, ou, segundo alguns entendimentos, quando for apenado com reclusão, mas não for indicada a internação.

Para César Roberto Bittencourt (2010, p.783):

“O tratamento ambulatorial é apenas uma possibilidade de que as circunstâncias pessoais e fáticas indicarão ou não à sua conveniência. A punibilidade com pena de detenção, por si só, não é suficiente para determinar a conversão da internação em tratamento ambulatorial. É necessário examinar as condições pessoais do agente para verificar a sua compatibilidade ou incompatibilidade com a medida mais liberal. Claro, se tais condições forem favoráveis, a substituição se impõe”

De acordo com o artigo 101 da LEP, o sujeito submetido a tratamento ambulatorial deverá comparecer em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico em dias estabelecidos pelo psiquiatra com a finalidade de ser submetido ao tratamento adequado a sua periculosidade.

É permitida a internação do agente, por determinação judicial, em qualquer fase do tratamento ambulatorial, se essa providência for necessária para fins curativos, por previsão expressa do parágrafo quarto do artigo 97 do Código Penal.

4.3 – Periculosidade real e presumida

O gênero sanção representa as conseqüências jurídico-penais impostas a quem descumpre o mandamento contido no ordenamento jurídico.Dentro deste gênero encontramos duas espécies, quais sejam, a pena e a medida de segurança.

Segundo Magalhães Noronha (1999, p.316)

“A pena tem como principal parâmetro de graduação a gravidade do delito e as circunstancias de caráter objetivo com que foi realizado; já a medida de segurança, por sua vez, gradua-se pela intensidade da periculosidade, reconhecida quando se apresenta, não só a possibilidade de vir a cometer um delito, mas o estado subjetivo de criminalidade latente”

Dessa maneira, enquanto a culpabilidade se funda no juízo de culpabilidade, a medida de segurança tem como fundamento a periculosidade do agente.

A periculosidade se baseia na probabilidade de que o agente venha a delinqüir novamente De acordo com Damásio de Jesus (2010, p.590), “a verificação da periculosidade se faz por intermédio de um juízo sobre o futuro, ao contrário do juízo de culpabilidade, que se projeta sobre o passado”.

Para que o magistrado aplique uma medida de segurança a um indivíduo considerado semi-imputável, ele deverá constatar a periculosidade real do agente, sendo que quanto maior for a gravidade e a quantidade de delitos praticados no passado, maior será a possibilidade de que esse agente volte a delinqüir no futuro.

Por sua vez, a periculosidade será presumida nos casos de inimputabilidade, quando a própria lei estabelece que a sanção penal aplicada será a medida de segurança, cabendo ao juiz apenas concluir que o inimputável cometeu um injusto penal.

Cumpre esclarecer ainda que a periculosidade sempre deverá estar presente durante a vigência da medida de segurança, pois a internação somente se justifica enquanto o indivíduo representar perigo real para a sociedade

4.4 – Sentença absolutória imprópria

A sentença que impõe a medida de segurança recebe o nome de absolutória imprópria. Trata-se de uma absolvição, mas que implica na imposição de uma medida de segurança, sendo conhecida também por sentença mista ou híbrida.

Aqui, o juiz reconhece a procedência da imputação, contudo, não pode aplicar a pena, já que o agente é inimputável. Porém, mesmo sendo ele desprovido da capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, aconteceu o tipo de injusto e contatou-se que o indivíduo é perigoso – “periculosidade”, por isso, aplica-se uma sanção penal, que não é a pena, mas sim a medida de segurança.

4.5 - Liberação condicional do acusado

Dispõe o artigo 97, § 3° do Código Penal:

“A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano , pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade”

A desinternação (no caso de imposição de tratamento em hospital de custódia) e a liberação (no caso de tratamento ambulatorial) serão autorizadas somente se cessada a periculosidade do agente. Assim, decretada a desinternação ou a liberação por decisão judicial, esta só fará coisa julgada se após um ano da revogação da medida, o agente à ela submetido não comete nenhum fato que demonstre a presença de periculosidade.

4.6 – Limite temporal de duração da medida de segurança

A grande polêmica que se põe a respeito das medidas de segurança diz respeito aos limites de sua duração.

O artigo 97, § 1 do código penal, assim dispõe:

“A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo, deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos”

Observa-se então que, independentemente de sua espécie, internação em hospital de custódia ou tratamento ambulatorial, a medida de segurança não possui um prazo de duração definido, subsistindo enquanto a perícia médica não contatar a cessação da periculosidade do agente.

O prazo mínimo ao qual se refere o artigo (um a três anos) é aquele fixado para a realização do primeiro exame de cessação da periculosidade.

A proibição de penas de caráter perpétuo é assegurada pela Constituição Federal como cláusula pétrea em seu artigo 5º, XLVII, “b”, e considerando que pena e medida de segurança são espécies do gênero sanção penal, surge um grande embate doutrinário acerca da perpetuidade e do limite máximo de duração das medidas de segurança.

César Roberto Bittencourt, 2010, p. 785 toma a seguinte posição:

“Sustentamos que em obediência ao postulado que proíbe a pena de prisão perpétua dever-se – ia, necessariamente, limitar o cumprimento das medidas de segurança a prazo não superior a trinta anos, que é o lapso temporal permitido de privação da liberdade do infrator (art. 75 do CP)”

Deste modo, para o renomado doutrinador, a duração da medida de segurança não poderia ser superior ao prazo máximo cominado para a duração das penas privativas de liberdade.

Cumpre esclarecer que, para aqueles que sustentam a natureza jurídica de sanção penal da medida de segurança, tal entendimento seria o mais acertado, considerando-se os fins da pena.

Porém, para aqueles que defendem que a medida de segurança teria finalidade unicamente terapêutica, a limitação da medida de segurança seria insuficiente, caso não tenha sido constatada a cessação da periculosidade e a recuperação do agente portador de doença mental ao fim do prazo máximo estabelecido para a sua duração.

Eduardo Reale Ferrari, 2001, p.158, dispõe

“Ainda que admitida como exceção, a maioria das medidas de segurança sujeitavam-se à regra quanto a ausência de limites mínimos ou máximos de duração. Tanto em Portugal como nos demais países europeus, notava-se que tal posicionamento justificava por três espécies de razões: a primeira decorria da própria sistematização das medidas de segurança. Com fulcro na necessidade de diferenciar-se penas de medidas terapêuticas, entendiam ser da natureza das medidas de segurança o caráter indeterminado quanto aos prazos de duração, sendo as penas sempre determinadas.

A segunda razão resultava da compreensão profilática da medida de internamento. Negando qualquer caráter de aflitividade às medidas de segurança, compreendiam desnecessário estabelecer seus prazos, já que inexistente o caráter aflitivo, configurando uma medida exclusivamente preventiva, legitimando a perenidade em sua execução até a cessação da periculosidade.

O terceiro motivo baseava-se no fato de que penas e medidas de segurança seguiam critérios diferenciados a suas fundamentações. Enquanto os limites das penas deveriam ser determinados por um critério de justiça, e portanto obedeciam a princípios éticos e determinados, as medidas de segurança derivariam de um critério puramente utilitário, eticamente neutro e sem nenhuma obediência a critérios de justiça ou a limites de duração.”

Levando-se em consideração a classificação feita acerca das doenças mentais, seria possível concluir que em algumas espécies de doenças mentais, como a psicopatia, a periculosidade do agente nunca será cessada, enquanto em outras espécies, como o transtorno bipolar, o nível de periculosidade pode mudar.

Neste contexto, haveria aqueles casos em que o limite estabelecido para o cumprimento da medida de segurança seria cabível e, em outros, a determinação da duração da medida de segurança representaria perigo real e concreto para a sociedade.

Ao revés, tomando-se por base o Estado Democrático de Direito e deixando de lado qualquer conclusão médica, a inexistência de limite temporal às medidas de segurança representaria grave violação aos direitos humanos, o que tornaria tal medida desumana e inconstitucional.

Fazendo-se uma ponderação de valores, a proteção da sociedade e o oferecimento de tratamento curativo ao doente mental, mesmo que por tempo indeterminado, seria a melhor solução.

Isso porque, não há razão de se colocar um enfermo mental de volta ao convívio social, se não se verificou a cessação de sua periculosidade, já que essa conduta seria um desatino, pois certa seriam as ocorrências de novas praticas delitivas.

Ademais, a internação em hospital de custódia, mesmo para aqueles que atribuem à pena o caráter de sanção penal, tem como escopo primordial a busca pela recuperação e, se possível, a cura, não se justificando a alegação de que o individuo estaria sendo punido.

A lei não prevê o prazo máximo de duração da medida de segurança, pois não se pode afirmar quanto tempo será necessário para a cura do enfermo mental.

Deste modo, a inexistência de prazo definido para o cumprimento da medida de segurança é decisão acertada da lei penal.


6.0 A DIFICULDADE DA APLICAÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA NO BRASIL

Como já foi discutido, no sistema penal brasileiro, o indivíduo portador de uma moléstia mental que pratica um ato delitivo, e é dado como inimputável ou semi-imputável, não fica sujeito à pena, mas sim a uma medida de segurança.

Diante das falhas do sistema penitenciário comum, faz-se uma reflexão de como funciona a aplicação das medidas de segurança no Brasil, e se os antigos manicômios judiciários, hoje denominados “hospitais de custódia e tratamento” são adequados e aptos a promoverem a cura de anomalias mentais que levam o individuo à prática de condutas delitivas.

Reflete-se também qual o grau de conhecimento que a população possui acerca dos estabelecimentos destinados aos inimputáveis e semi-imputáveis e se a internação nos mencionados estabelecimentos provoca ou não segurança social.

6.1 – O laudo médico pericial

Para que o juiz possa proferir uma sentença justa, muitas vezes são necessários conhecimentos científicos que são estranhos ao mundo do Direito, é ai que surge a figura dos peritos, como sujeitos capacitados para esclarecer questões de saber específico, necessários ao julgamento da causa.

De acordo com Fernando da Costa tourinho Filho (2009, p.254):

“Entende-se por perícia o exame procedido por pessoa que tenha determinados conhecimentos técnicos, científicos, artísticos ou práticos acerca de fatos, circunstâncias ou condições pessoais inerentes ao fato punível, a fim de comprová-los”

O laudo médico pericial é o documento elaborado pelo perito que traz respostas para questões específicas necessárias ao processo e servem como prova no Processo Penal.

No sistema processual brasileiro vige o princípio do livre convencimento motivado, pelo qual o juiz não está adstrito a prova, pois é dada a ele a permissão para decidir a causa de acordo com o seu livre convencimento, desde que fundamentado.

Ademais, o artigo 182 do CPP determina que o juiz tem liberdade para aceitar ou rejeitar o laudo pericial no todo ou em parte.

Porém, para que um laudo pericial seja acatado ou rejeitado pelo magistrado, deve estar devidamente fundamentado, ainda mais em sede de inimputabilidade penal, visto que tal questão é de profunda complexidade e a conclusão pericial é determinante para estabelecer qual será a responsabilização do acusado.

O laudo pericial pode ser de várias espécies, sendo conhecido por “laudo de sanidade mental”, aquele especifico para a verificação da sanidade mental do agente e o seu grau de periculosidade.

O psiquiatra forense deve elaborar um laudo inteligível e solidamente motivado, que esclareça qual a patologia mental que recai sobre o examinado, se esta patologia estava presente no momento do fato gerador da perícia e o grau da periculosidade do agente.

Segundo informações constantes no site http://virtualpsy.locaweb.com.br/index.php?art=170&sec=78 não existe um modelo acabado que determine a forma do exame pericial, mas há requisitos que são necessários e servem de parâmetro para a realização de um laudo pericial satisfatório. São eles:

1)           Identificação do examinado: Deve-se fazer uma identificação completa, estabelecendo os dados físicos do acusado, seus documentos de identificação, a data de seu nascimento, sua filiação e tudo quanto for possível a fim de individualizá – lo.

2)           Condições do exame: devem ser relatadas todas as condições em que se encontrava o examinado, o espaço físico em que foi realizada a perícia, a maneira adotada para proceder ao exame, porém de maneira breve e sucinta.

3)           Histórico: é necessário detalhar a razão pela qual esta se procedendo ao laudo e fazer referência aos antecedentes neuropsiquiátricos, os momentos de crise mental, como (ou se) o examinado já foi submetido a tratamento psiquiátrico e como reagiu ao mesmo, bem como fazer referência ao seu padrão de comportamento, social, profissional e familiar.

4)           Exame clínico: é a inspeção, onde o médico se utiliza de sua visão, seus sentidos e seu conhecimento para avaliar o doente mental, são feitos exames neurológicos e psicopatológicos que devem ser relatados de forma clara.

5)           Exames complementares: Se houver exames complementares, tais como: exames funcionais cerebrais, exames baseados em imagem e testes aplicados pelo perito eles deverão ser descritos de forma que não seja técnica

6)           Diagnóstico: Aqui o perito deve expor as conclusões que ele obteve com exame pericial de maneira objetiva, sem fazer nenhum juízo de valor. Este diagnóstico não precisa ser único, podendo relatar todas as patologias mentais observadas no examinado. O perito deve formular o diagnóstico com base na classificação estabelecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), conhecida por CID 10.

7)           Comentários e conclusões: O perito vai destacar sua opinião técnica como forma de orientar a aplicação da justiça. Ele pode oferecer sugestões e fazer observações para melhor elucidar a autoridade judicial.

8)           Resposta aos quesitos: deve ser dada resposta aos quesitos oferecidos pela promotoria de justiça. Existem alguns quesitos que são obrigatórios e outros que são determinados para o caso concreto. A autoridade judicial também pode formular os quesitos que julgar pertinentes.

Os peritos forenses são de fundamental importância para a efetiva aplicação da justiça no campo penal, porém, o Brasil é escasso em profissionais dessa espécie, de modo que a demora na realização do laudo pericial acaba colaborando de forma relevante com o atraso no trâmite dos feitos.

De acordo com uma análise comparativa realizada pelos pesquisadores Elias Abdalla Filho e Wolfram Engelhardt:

“não existe um modelo homogêneo de psiquiatria forense brasileira e as instituições oficiais que realizam perícias psiquiátricas na área criminal nos diversos estados estão subordinadas a diferentes órgãos”.

Ao final do estudo os pesquisadores fazem uma crítica à dificuldade da aproximação entre o campo jurídico e o campo psiquiátrico, afirmando que se as abordagens dos dois campos de conhecimento fossem mais próximas, o resultado seria um trabalho integrado e de maior qualidade.

O fato é que o Brasil ainda é um país muito atrasado quando o assunto é inimputabilidade por doença mental, seja pela escassez de peritos forenses, seja pela falta de incentivos governamentais, seja pela insuficiência de conhecimento da população acerca do tema, razão pela qual milhares de psicóticos encontram-se amontoados nas penitenciárias brasileiras, conforme se demonstrará a seguir.

6.2 - Medidas de Segurança e o Sentimento de Injustiça Social

Segundo o dicionário Aurélio, a palavra justiça é definida como:

“1. A virtude de dar a cada um o que é seu. 2. A faculdade de julgar segundo o direito e melhor consciência. 3. Magistratura. 4. Conjunto de magistrados judiciais e pessoas que servem 5. O pessoal dum tribunal. 6. O poder judiciário”

A partir daí, podemos tirar a conclusão que “justiça” poderá ser interpretada de diversas formas dependendo do foco que se toma, do grupo social em que se vive, de acordo com os valores adquiridos por cada um de nós ou com a situação predominante em um determinado momento.

Indaga- se então se o sentimento de justiça está presente no meio social quando uma sentença declaratória imprópria determina a aplicação de uma medida de segurança para um sujeito que cometeu um crime considerado bárbaro (Será que a sociedade está apta para compreender tal decisão? Será que a justiça é feita? Será que tratar tal questão de forma trivial seria mais confortável?)

A resposta para tais perguntas com certeza é muito difícil, mas devemos refletir sobre este tema, pois o Direito é um fenômeno da vida coletiva, não se compreende sociedade sem direito “ubi societas, ibi jus”.

Neste sentido podemos observar a reportagem publicada no site www.cadaminuto.com.br, no dia 10/03/2010 e acessado no dia 15/10/2010:

Possível transferência de estuprador de irmãs para Manicômio revolta familiares

"Ele não é louco. Estamos revoltados com isso", desabafa avó das crianças

por Anna Cláudia Almeida

Familiares das irmãs Vitória Galdino dos Santos (Cassandra), 6 anos, e Jaciara Galdino dos Santos, 4 anos, encontradas mortas no dia 07 de outubro do ano passado, após serem estupradas pelo servente de pedreiro José Roberto Bezerra da Silva, co-cunhado do pai, estão revoltados com a possível transferência do acusado para Centro Psiquiátrico Judiciário do Sistema Prisional de Alagoas.

A defesa do acusado solicitou uma avaliação médica e o laudo deve ser emitido em 40 dias, o que definirá a transferência de José Roberto, que atualmente cumpre pena em um presídio. De acordo com a assessoria de comunicação da Intendência Penitenciária, até o momento não há confirmação dessa transferência. O presídio onde ele está detido é mantido em sigilo, de acordo com a assessoria, por medidas de segurança.

A avó das crianças, Bertolina Maria do Nascimento, 62, conversou com a reportagem do CadaMinuto e bastante emocionada disse não acreditar que tal ‘benefício’ possa ser concedido ao acusado. “Soube da notícia ontem pelos meios de comunicação. Todos nós estamos revoltados. Esse cara não é louco. Quem é louco não faz isso que ele fez com duas crianças. Isso é uma mentira. Não queremos ele internado. Ele tem que pagar pelo que fez com minhas netas, que eram tudo pra mim”, desabafou.

Ela disse ainda que após a morte das meninas, há cinco meses, a vida da família foi arruinada. A avó, que era a responsável pela criação das menores (as duas viviam na casa dela), diz estar preocupada com o filho. “Ele vai trabalhar e quando volta fica jogado pelos cantos da casa. Ninguém conseguiu superar essa perda. Nunca mais tivemos paz”, afirmou a idosa, que está fazendo tratamento psicológico desde a tragédia.

Sobre a morte das meninas, ela ainda aponta a irmã do acusado, Neide, como culpada. Segundo Bertolina, ela é casada com um outro filho e foi ela quem deu dinheiro ao irmão para comprar doces e pipoca para as crianças. “Depois que ele saiu com minhas netas, ela se trancou em casa, fechou as cortinas. Ela sabia de tudo e ajudou a ele”, dispara.

José Roberto Bezerra da Silva foi preso um dia após o desaparecimento das crianças. De acordo com a família das irmãs, o servente levou as duas para um passeio de bicicleta e as meninas desapareceram. Na delegacia, ele negou que havia matado as irmãs e apresentou várias versões sobre o caso.

A polícia chegou até os corpos depois que o servente confessou o crime e levou uma equipe da Divisão Especial de Investigação e Capturas (Deic), comandada pelo Delegado Paulo Cerqueira, para apontar o local onde estavam escondidos, um terreno baldio no bairro Santa Amélia, parte alta de Maceió.

A população ficou revoltada com o crime e no momento em que os corpos foram encontradas, populares ameaçaram espancar o acusado. José Roberto prestou depoimento ao Juiz José Braga Neto e acabou sendo indiciado por homicídio qualificado e ocultação de cadáver. A pena para os crimes pode chegar a 30 anos de reclusão para cada assassinato.

A reportagem pode elucidar como a idéia da aplicação de pena privativa de liberdade está enraizada na cabeça dos brasileiros, como única forma de “vingança” pelo crime cometido, idéia que é reforçada pelos meios de comunicação.

A doença mental é vista com desdém e em razão disso é que a aplicação da medida de segurança ao inimputável é vista como meio de injustiça social. Aos olhos de um indivíduo que se considera “normal”, não há doença mental que justifique uma prática delitiva, pois a patologia mental é tida como uma fraqueza, e somente um indivíduo que preencha os padrões de normalidade teria a inteligência necessária para praticar algo tão chocante.

Acontece que o crime não é essencialmente provocado pela formação social da vítima, nem essencialmente provocado pelo meio, ele também pode ter causas biológicas, as quais só podem ser diagnosticadas por um especialista dessa área.

Por outro lado, o homem, não se constituiu como sujeito sozinho, ele se constitui como sujeito nas relações, dessa maneira, nós só poderemos encontrar soluções para dirimir os problemas casados pelo crime em decorrência de doença mental, quando o tabu que ainda existe acerca dessa questão for quebrado.

6.3 – Penitenciárias ou manicômios judiciários?

A medida de segurança, muito além de ser um instituto jurídico-penal que substitui a pena quando se constata a impossibilidade do agente responder por sua conduta criminosa, é um direito do portador de doença mental de receber o tratamento devido para a sua patologia e poder ficar em local próprio e adequado para a sua condição.

O que ocorre é que o assunto “manicômio judiciário” - o qual hoje recebe o nome de “hospital de custódia e tratamento” - ainda é obscuro, problemático e cheio de mistificações.

A realidade brasileira mostra que de diante das necessidades dos sistemas judiciário e de saúde pátrios, as medidas de segurança não vêm sendo aplicadas.

Em primeiro lugar, a pouca quantidade de peritos e a ausência de infraestrutura necessária para o desenvolvimento dos trabalhos, bem como a demanda excessiva, são fatores que, por vezes, acabam impossibilitando ou dificultando a realização das perícias, ou sujeitando-as a falhas.

A par desta situação, existe uma pressão da sociedade, que totalmente alheia ao assunto, acredita que a justiça só se perfaz com o envio do criminoso para prisão.

Diante desse quadro, em muitas ocasiões o delinqüente portador de uma anomalia mental acaba sendo condenado a uma pena privativa de liberdade, sendo colocado em presídios, sujeitando-se ao falido sistema penal brasileiro e, como resultado esperado, esse sujeito acaba saindo com um grau de periculosidade ainda maior do que quando adentrou ao sistema carcerário, e certamente acabará reincidindo em crimes da mesma natureza.

Em segundo plano, mesmo que todos os criminosos portadores de doença mental fossem condenados ao cumprimento de medida de segurança, não haveria hospitais suficientes para todos.

Nosso país é extremamente pobre em quantidade e qualidade de hospitais de custódia e tratamento, segundo informações constantes no site HTTP://psicoterapiabrasil.blogspot.com estimativas do Conselho Nacional de Justiça indicam que cerca de 4,5 mil detentos – de uma população carcerária de aproximadamente 474 mil – estão internados em pelo menos 23 hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico em todo o país, mas o número que necessita deste tratamento específico é bem maior. Cumpre esclarecer, que segundo o próprio CNJ, tais informações não são precisas por falta de pesquisas e incentivos na área.

Segundo reportagem feita pelo jornalista Douglas Tavolaro no Manicômio Judiciário de Franco da Rocha – o maior abrigo de doentes mentais criminosos no Brasil, que deu origem ao livro “A Casa do Delírio”, as colônias masculina e femininas são separadas e fechadas, os pacientes vivem na ociosidade, vagueiam pelos pátios, dormem no chão de cimento e vivem constantemente sedados por remédios que lhe são ministrados ao longo do dia.

No mesmo contexto, é muito conhecido no Brasil é o livro “Canto dos Malditos”, uma autobiografia de Austragésilo Carrano Bueno, onde o escritor narra a sua história nos hospitais psiquiátricos brasileiros e denuncia os abusos sofridos pelos milhares de detentos. Tal livro deu origem ao premiado filme “Bicho de Sete Cabeças”.

Esse filme foi um grande impulsionador do Movimento Antimanicomial brasileiro, que teve início nos fins dos anos 70, com o objetivo de buscar o reconhecimento do doente mental como sujeito de direitos, através do questionamento do tratamento a eles oferecidos. Essa luta antimanicomial obteve sua verdadeira conquista com a sanção da lei 10.216, de 6 de abril de 2001.

Porém, a referida lei deixou muito a desejar, visto que se compõe de apenas 13 artigos, os quais se limitam a estabelecer políticas de saúde pública, conforme se observa a seguir

LEI Nº 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.

Art. 2º Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.

Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:

I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;

II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;

III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;

IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;

V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;

VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;

VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;

VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;

IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.

Art. 3º É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.

Art. 4º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.

§ 1º O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio.

§ 2º O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.

§ 3º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2º e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2º.

Art. 5º O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário.

Art. 6º A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.

Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:

I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;

II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e

III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.

Art. 7º A pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a consente, deve assinar, no momento da admissão, uma declaração de que optou por esse regime de tratamento.

Parágrafo único. O término da internação voluntária dar-se-á por solicitação escrita do paciente ou por determinação do médico assistente.

Art. 8º A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde se localize o estabelecimento.

§ 1º A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas horas, ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento ser adotado quando da respectiva alta.

§ 2º O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento.

Art. 9º A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários.

Art. 10. Evasão, transferência, acidente, intercorrência clínica grave e falecimento serão comunicados pela direção do estabelecimento de saúde mental aos familiares, ou ao representante legal do paciente, bem como à autoridade sanitária responsável, no prazo máximo de vinte e quatro horas da data da ocorrência.

Art. 11. Pesquisas científicas para fins diagnósticos ou terapêuticos não poderão ser realizadas sem o consentimento expresso do paciente, ou de seu representante legal, e sem a devida comunicação aos conselhos profissionais competentes e ao Conselho Nacional de Saúde.

Art. 12. O Conselho Nacional de Saúde, no âmbito de sua atuação, criará comissão nacional para acompanhar a implementação desta Lei.

Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

A idéia de que cumprir medida de segurança em hospital de custodia e tratamento é melhor do que cumprir pena em estabelecimento penitenciário é ilusória, dadas as condições precárias de ambos os estabelecimentos.

Diante das dificuldades afirmadas, resta patente que os hospitais de custódia e tratamento, que deveriam ser uma solução, são mais um problema da realidade social brasileira e evidencia que o doente mental deve ser tratado com mais atenção pelo Direito Penal, já que, sob a justificativa da punição, não se pode dar ao doente mental o mesmo tratamento do criminoso imputável.


CONCLUSÃO

O crime é um fato típico, antijurídico e culpável. Não há culpabilidade sem tipicidade e ilicitude, mas pode haver ação típica e ilícita inculpável. Isso porque, a culpabilidade é um juízo de reprovação que recai sobre a pessoa do agente por não ter agido em conformidade com a lei penal. Porém, só podemos atribuir o dano causado pela desobediência da norma a alguém que possuía capacidade de entender que estava praticando um fato contrário a determinação legal, e que pudesse agir em conformidade com esse entendimento.

O indivíduo que não possui condições de sanidade mental suficientes para proceder dessa maneira é qualificado como inimputável em decorrência de doença mental.

Cumpre esclarecer que a doença mental precisa estar presente no momento da ação, e ser a justificativa para que o sujeito tenha atuado de forma criminosa. Ademais, nem toda doença mental enseja à irresponsabilidade do agente, mas somente aquela grave o suficiente para macular a sua psique.

Por sua vez, constatadas essas premissas, cabe a aplicação das denominadas medidas de segurança.

 O que ocorre é que raríssimas vezes, o imputável recebe o tratamento adequado, previsto pela lei. Isso ocorre, em grande parte, devido à idéia arraigada na população de que medida de segurança é sinônimo de impunidade.

Impunidade é assemelhar um sujeito altamente periculoso a um delinqüente comum. Cada criminoso deve ser tratado na sua individualidade, pois aos desiguais deve ser oferecido tratamento também desigual para que eles cheguem à igualdade.

O artigo 26 do código penal dispõe acerca da doença mental de forma genérica e esta é decisão acertada do legislador, pois como foi visto as doenças mentais não se manifestam da mesma maneira em todos os seus portadores e a cada dia surgem novas classificações médicas em razão da complexidade do tema.

O grande problema é que embora a lei penal seja satisfatória, a sua aplicação a realidade fática não o é.

As condições dos hospitais de custódia e tratamento dedicados ao especial tratamento curativo do criminoso portador de doença mental são precárias no Brasil, e nem ao menos se possui dados estatísticos a respeito da quantidade desses estabelecimentos, bem como da capacidade e do número de pessoas que deles necessitam.

É patente a omissão e o descaso do poder público para com o criminoso doente mental e para com a estrutura que deveria ser criada para tratá–lo de forma adequada.

Portanto, não se faz necessária a criação de novas leis para regulamentar os casos de inimputabilidade por doença mental, mas é de extrema urgência a efetivação das normas já existentes, a fim de promover de fato a segurança e a paz social.

 


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Francieli Batista. Direito penal da loucura. A questão da inimputabilidade penal por doença mental e a aplicação das medidas de segurança no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3205, 10 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21476. Acesso em: 26 abr. 2024.