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Direito penal da loucura.

A questão da inimputabilidade penal por doença mental e a aplicação das medidas de segurança no ordenamento jurídico brasileiro

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10/04/2012 às 09:57
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O presente estudo explana acerca da visão histórica da loucura na humanidade, apresenta a imputabilidade como requisito para a responsabilidade penal, expõe as patologias mentais que possuem aplicação forense e discorre sobre a aplicação das medidas de segurança aos inimputáveis e semi-inimputáveis.

Resumo: O presente trabalho faz uma reflexão crítica acerca do instituto jurídico da inimputabilidade penal por doença mental prevista no artigo 26 e parágrafo único do código penal, seus aspectos legais e aplicação no ordenamento jurídico pátrio, buscando identificar quem são os inimputáveis por doença mental e qual o tratamento aplicado a eles, bem como verificar se a realidade social está de acordo com a norma legal. Parte-se primeiramente de uma análise histórica, buscando compreender como os indivíduos com patologias mentais foram vistos ao longo da evolução da humanidade, de maneira que a compreensão do passado possa nos iluminar na busca de soluções para um tema tão importante e tão pouco valorizado no campo penal brasileiro. Em seguida, faz-se uma síntese sobre o sistema adotado pela nossa legislação penal para apurar a capacidade de sanidade mental do agente que pratica uma conduta atentatória aos bens jurídicos protegidos pelo ordenamento. Após, reflete-se também acerca das doenças mentais em espécie e sua capacidade de retirar a consciência do agente ou a sua capacidade de determinação a ponto que ele não possa ser responsabilizado pelo crime cometido. Desse modo, busca-se uma aproximação entre a ciência médica e a jurídica, para conferir melhores resultados ao tratamento do delinqüente inimputável. É discutida também a aplicação das medidas de segurança, verificando se estas são adequadas ao tratamento curativo daqueles que são a elas submetidos, conforme previsto na lei penal. Por fim, é dada especial atenção ao laudo pericial que determina a incapacidade mental do agente, bem como à idéia formada pela população a respeito da internação do delinqüente em estabelecimento diverso do presídio comum e se tais estabelecimentos são de fato melhores que as já decadentes penitenciárias.

Palavras-chave: Inimputabilidade. Doença mental. Medidas de segurança.


1. INTRODUÇÃO

O tema proposto tem como objetivo estudar a prática delitiva que tem como sujeito ativo alguém que não possui sanidade mental suficiente para entender o caráter ilícito do fato, ou para determinar-se de acordo com esse entendimento. Tal pessoa seria classificada como doente mental.

Cumpre esclarecer que a normalidade mental não é uma linha divisória que separa a loucura da lucidez.Todos nós possuímos inclinação em praticar atos que podem ser vistos como estranhos pelo outro, isso porque cada ser é um estranho ímpar e temos idéias, pensamentos e sentimentos que são únicos, e só existem porque nós existimos como ser individual.

A anormalidade seria então uma faixa que abarcaria comportamentos cujos traços que diferem dos demais inviabilizam a vida comum.

Quando a maneira de entender o outro, de atuar, de se determinar no mundo interfere de maneira decisiva na sociabilização do agente, nasce a anormalidade patológica, da qual trata o presente trabalho.

Segundo estimativas da OMS, no Brasil 450 milhões de pessoas sofrem de transtorno mental, é claro que nem todas elas são criminosos em potencial. Porém, diante das atrocidades que presenciamos na mídia todos os dias, das rebeliões e organizações criminosas que atormentam o cidadão de bem, surgem indagações a respeito da eficácia do direito penal e a punição que o estado propõe a um sujeito que pratica atos tão chocantes e desumanos.

O presente trabalho não tem a intenção de defender o doente mental criminoso, mas sim de buscar soluções para a impunidade no Brasil.

É evidente o descaso político do estado em relação ao delinqüente com patologia mental, o princípio da individualização da pena é esquecido e indivíduos com alto grau de periculosidade acabam sendo jogados nas penitenciárias comuns, sem receber o tratamento adequado ao seu caso.

Desse modo, além da impossibilidade desse sujeito receber especial tratamento curativo, a sociedade é ameaçada, visto que na volta ao convívio social, certamente ele voltará a delinqüir e a ameaçar a paz social.

O presente estudo explana acerca da visão da loucura durante o desenvolvimento histórico da humanidade, apresenta a imputabilidade como elemento determinante para a responsabilidade penal, expõe as patologias mentais que possuem aplicação forense, discorre sobre a aplicação das medidas de segurança aos inimputáveis e semi-inimputáveis, culminando na aplicação prática desses institutos à realidade brasileira.

Assim, procura-se encontrar soluções possíveis para o problema da criminalidade oriunda de disfunções mentais, integrando as ciências médica e penal.


2. HISTÓRIA DA LOUCURA NO DIREITO PENAL

A loucura é uma característica inerente ao ser humano, ou seja, ela nasce com o homem e com ele permanece ao longo de sua evolução, porém, não o acompanha de maneira linear, de forma concatenada e harmônica, mas passa por diferentes compreensões de acordo com o momento sócio-histórico da humanidade e a cultura da época.

Aqueles que hoje são considerados como portadores de doença mental já foram vistos como seres divinos que mereciam grande respeito e adoração. Em outras épocas eram tidos como representantes dos conflitos racionais do homem, e em períodos menos felizes, espelhavam criaturas demoníacas que deveriam ser separadas do restante considerado “normal”.

A visão patológica predominante no nosso século é fruto da evolução cientifica, em especial, da evolução da psiquiatria para o patamar da ciência, a qual tomou o louco como seu objeto de estudo, atrelando a noção de perigo com a busca do bem-estar social.

2.1. Pré-história

A Pré-história, como período que vai do surgimento do ser humano até o ano 4.000 a.c, representa o homem que não conhecia a grafia e, portanto, a ausência de fontes históricas escritas dificulta a compreensão do ser primitivo e suas crenças, e até mesmo seu padrão de comportamento. Todo o relato observado atualmente surge de fontes materiais e visuais deixadas à humanidade como herança.

No período primitivo, a inexistência do conhecimento metódico obtido mediante a observação e a experiência, o que conhecemos hoje por ciência, levava todas as perguntas que maculavam o homem a serem respondidas através do pensamento mítico. E não foi diferente com a loucura.

Segundo Maximiliano Ernersto Fuhrer (2000, p.16)

“Para os povos primitivos o louco era um ser sagrado, que merecia grande respeito e distinção. Seus atos eram considerados manifestações divinas. Os índios americanos demonstravam respeito e veneração pelos perturbados mentais, preparando cerimônias religiosas em sua homenagem”

O louco era tido como ser sagrado, divino, digno de admiração, louvor e adoração chegando muitas vezes a receber cultos em sua homenagem. O seu comportamento anormal era explicado por ação dos deuses na maneira de agir do homem, como se forças externas determinassem o seu pensamento. Essa interferência divina seria passageira e a cura obtida através de rituais religiosos.

2.2. Antiguidade

A Idade Antiga, como o período que vai do século 4.000 a.c a 476, representa um rompimento brusco da visão sobre a loucura e suas causas. Aqui, toda a glória que o mentalmente enfermo recebeu durante a pré-história cai por terra. A imagem ligada ao sobrenatural ainda permanece, porém, dando lugar a visões malignas e diabólicas acerca dos desprovidos de razão.

Segundo Marco Antonio Praxedes de Moraes Filho, nessa época não havia preocupação alguma por parte do poder público com os loucos, por isso eles ficavam confinados ao redor do seio familiar, como forma de esconder da sociedade uma praga divina, e os que nem essa sorte tinham, ficavam jogados às ruas, sobrevivendo de migalhas da população, e sendo alvo de discriminação, zombaria e desrespeito.

Tradicionalmente, os romanos também deixavam a guarda do enfermo mental com a família, porém, aqui se nota uma evolução em relação ao comportamento do poder público, que estava presente quando não fosse possível ao seio familiar arcar com os cuidados que o louco necessitasse, ou quando este era abandonado, ficando a margem de qualquer cautela.

Não há dúvidas de que a preocupação maior do direito romano para com a questão loucura estava voltada para o direito civil, especialmente com a capacidade civil, o que é de se entender, porque a área penal fica restrita a prática de infrações penais, enquanto a ausência de discernimento macula quase que a totalidade dos atos da vida civil.

Relata Maximiliano Ernersto Fuhrer (2000, p.18/19)

“Embora o Direito Romano tenha se preocupado quase que exclusivamente com os aspectos civis, em especial com a capacidade civil do louco, alguns institutos do Direito Penal moderno tiveram ali a sua origem. É daquela época a idéia de que a punição ao louco seria incabível, além de iníqua, pois a doença já se encarregara de puni-lo. O louco deveria ser contido com cuidado, acorrentado, se necessário, para preservar a segurança das pessoas. Já se preocupavam os doutos com a simulação da loucura e com a sua prova”

Logo, algumas concepções modernas do Direito Penal envolvendo a questão da loucura tiveram origem em Roma, como, por exemplo, a idéia de que a punição não era medida cabível ao louco. Primeiramente, porque a própria enfermidade já era vista como castigo e, em segundo plano, ficava a constatação da ausência de discernimento daquele que cometia o ato infracional, deixando de lado a idéia de culpa.

Na Grécia deu-se início ao estudo da loucura como terapêutica médica. Vários foram os estudiosos que procuraram dar uma explicação racional ao fenômeno da insensatez, com destaque a Hipócrates, que elaborou uma classificação das enfermidades mentais, dando especial atenção à Epilepsia, a qual ele reputava como o “mal sagrado”.

2.3. Idade Média

A Idade Média (período considerado entre 476 a 1453) tomou a loucura sobre dois enfoques completamente distintos.

Sob o primeiro enfoque, temos a idéia de “loucura livre”, considerada como simples fato do cotidiano, onde o louco estava presente de forma natural na vida em sociedade, participando de todos os acontecimentos sociais, sem sofrer qualquer forma de segregação.

Secundariamente, veio a idéia da exclusão, tomada com base nos princípios eclesiásticos, que interpretavam de forma errônea as escrituras sagradas e regrediram à idéia da loucura vista como possessão maligna e diabólica.

Os loucos eram então submetidos a métodos inescrupulosos e extremamente violentos de castigo, como forma de repressão por suas descomposturas, além da idéia predominante de que a própria doutrina da exclusão seria a responsável pela salvação dos “irmãos”.

A Igreja também proibia a entrada de qualquer enfermo mental em suas cerimônias e templos religiosos, pois não eram dignos de comparecer à casa de Deus, e se assim o fizessem, eram retirados a força dos locais sagrados.

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É importante destacar também que a postura da igreja era contra qualquer pensamento que pudesse explicar a loucura de maneira cientifica e não mais mística, com raízes no sobrenatural, por isso, em razão de ser a grande força política dos tempos medievais, pouco se evoluiu em relação à compreensão da doença mental neste período.

Foi ao fim da Idade Média que surgiu um aspecto curioso e cruel da relação sociedade – loucura, que é conhecido como “nau dos loucos”.

Relata Michael Foucault (1988, p.9)

“... esses barcos que levavam sua carga insana de uma cidade para a outra. Os loucos tinham então uma existência facilmente errante. As cidades escorraçavam-nos de seus muros; deixava-se que corressem pelos campos distantes, quando não eram confiados a grupos de mercadores e peregrinos...”

Esses barcos foram construídos na idéia de retirar do convívio social todos aqueles que eram marginalizados pela sociedade, e aí não estavam presentes somente os enfermos mentais, mas toda a espécie de desabrigados, bêbados e desequilibrados que não tinham a honra de permanecer no convívio social. O mar era a maneira encontrada de exilar a população dos considerados insanos.

Segundo o referido autor, o desaparecimento da lepra deu lugar a novas maneiras de exclusão social. Em primeiro plano, os novos “excluídos” foram os portadores de doenças venéreas e mais tarde os alienados mentais herdaram toda a terapêutica dispensada aos considerados como “escórias da sociedade”.

Ainda Michel Foucault (1988, p.6)

“A lepra se retira deixando sem utilidade esses lugares obscuros e esses ritos que não estavam destinados a suprimi-la, mas sim a mantê-la a uma distância sacramentada, a fixá-la numa exaltação inversa. Aquilo que sem dúvida vai permanecer por muito mais tempo que a lepra, e que se manterá ainda numa época em que, há anos, os leprosários estavam vazios, são os valores e as imagens que tinham aderido à personagem do leproso; é o sentido dessa exclusão, a importância no grupo social dessa figura insistente e temida que não se põe de lado sem se traçar à sua volta num circulo sagrado.

Essa herança se encontra principalmente no aspecto da estrutura física, que agora, deu origem aos primeiros locais para entocar os desabrigados, surgindo então os primeiros hospitais psiquiátricos e secundariamente no aspecto cultural de valoração e imagem que recaia sobre todos aqueles que ficavam a margem do que era considerado “normal”. A visão permaneceu imutável, só que agora, trocando o personagem.

2.4. Idade Moderna

A Idade Moderna compreende o período histórico que vai de 1.453 a 1.789, e é a época de grande valorização do homem, onde surgiram grandes movimentos artísticos e literários, tendo como berço principal a Itália.

O tema da loucura seguiu de certo modo o engajamento social da época, emergiram, então, várias obras literárias que levavam a insanidade humana como conteúdo. Muitas dessas consideradas clássicos legados à humanidade.

Podemos citar como exemplo Erasmo de Roterdã e seu ensaio “Elogio da loucura”, nesta obra o autor compara a loucura a uma deusa que impulsionava as ações humanas de maneira benéfica, como fator que permitia o crescimento do homem em todas as fases da vida.

Porém, esse período de tolerância teve seu fim a partir do século XVI. Relatos históricos comprovam que nessa época as raízes da medicina passaram a se encontrar com as raízes da loucura, a qual era considerada artística e positiva aos homens, mas essa encruzilhada, a priori, não veio como forma terapêutica, mas sim para dar lugar à segregação e ao preconceito. Isso se justifica, pois o indivíduo portador de insanidade mental passou a ser visto como “doente mental”, o que em épocas anteriores era deduzido em meras observações externas da realidade sensível.

Surgiram então os primeiros estabelecimentos direcionados à correção e educação dos indivíduos perturbados, são os “hospitais gerais e “santas casas”, os quais revelam o interesse estatal de retirar da sociedade todos aqueles que eram considerados desordeiros e perturbadores da harmonia social.

De acordo com Antônio Carlos da Ponte (2001, p.16) apud Franco Basaglia (1989, p.21)

“A prática da segregação também foi adotada pelos hospitais gerais criados na França por ordem do rei – a partir de 1656, com a fundação por decreto do Hospital Geral de Paris-com o objetivo de aprisionar não apenas a loucura, mas todos os pobres da cidade. A partir de 1657, tal gigantesco hospital concentra todos os marginalizados da época: mendigos, desocupados, criminosos e loucos. Concomitantemente construíram-se estabelecimentos idênticos na Alemanha e Inglaterra. A razão de Estado justificava o confinamento neste tipo de hospital, em casas de caridade destinadas aos pobres e abandonados, além do cárcere destinado aos devedores, sem critérios legais coerentes. Bastavam os princípios médicos”

Esses locais não abrigavam somente os alienados, mas também toda espécie de desocupados, bandidos, bêbados, prostitutas, mendigos e demais marginalizados. O que deixa extremamente claro que o interesse não estava na recuperação do homem, mas sim em manter a ordem pública e punir a imoralidade social.

Para atingir esse fim, eram utilizados métodos violentos e cruéis que geravam maus tratos e tortura. Instrumentos típicos de controle eram prisões, celas, correntes de ferro.

2.5. Idade contemporânea

A Idade Contemporânea, período que tem seu início em 1.789 e vem até os dias atuais, representa uma grande modificação na maneira de enxergar e tratar o louco, caracterizando-se pelo fim do tratamento supersticioso e verdadeira expansão do tratamento cientifico.

Através da Revolução Francesa (1789 a 1799) os homens embevecidos pelas máximas de liberdade, igualdade e fraternidade, passaram a pensar mais em seus direitos e isso culminou na derrubada da monarquia Francesa. Este foi um fato de extrema importância para toda a humanidade, pois repercutiu em todas as esferas sociais, dando origem a novas concepções acerca de valores éticos e morais, atingindo também a concepção da loucura e suas origens.

Philippe Pinel, em 1801, publicou o clássico “Tratado médico-filosófico sobre alienação ou mania”, onde cria novas idéias a cerca da loucura humana.

Este médico francês abalou todos os pilares que sustentavam a idéia de insanidade, defendendo que as doenças mentais eram resultado de fatores como: pressões sociais e psicológicas, herança genética ou lesões fisiológicas.

Por acreditar na loucura totalmente apartada do misticismo, ele defendeu o fim do tratamento violento com os enfermos mentais, empreendendo medidas como o fim das correntes e camisas de força, a eliminação do tratamento com sangria, purgantes, vesicatórios e vomitivos, defendendo a idéia de que a maneira como os loucos eram tratados repercutiam de forma direta no aumento ou diminuição de sua infâmia.

O fim do século XVII marca a concepção da necessidade em criar estabelecimentos para internação de doentes mentais, mesmo que o isolamento já tenha sido idealizado muito tempo antes.

No Brasil, não foi diferente, a inspiração com o trabalho de Jean Étienne Dominique Esquirol, e sua criação de cursos para tratamentos com doentes mentais e a revolução empenhada pelo mesmo a fim de criar a primeira lei dos alienados, fez nascer aqui o primeiro hospício brasileiro, denominado “Hospício Pedro II”, localizado no Rio de Janeiro.

Sigmund Freud, verdadeiro ícone da psiquiatria, trouxe a noção do homem movido pelo inconsciente e provocou uma verdadeira revolução na concepção sobre a loucura e suas vertentes, como, por exemplo, o tratamento das neuroses de gravidade mediana e leve.

Por fim, já no século XX, a reforma psiquiátrica, como movimento que busca a luta pela dignidade e libertação do doente mental, traz a idéia do tratamento psicológico embasado na eliminação de medidas institucionais de tratamento e procura promover uma aproximação entre médico e paciente, com objetivo de dirimir a exclusão social e promover a interação entre o enfermo e a sociedade, como ser inerente a ela que o mesmo é.

A respeito disto relata Antônio Carlos da Ponte (2001, p.17) apud Alfred Jorge Kraut (1997, p.311)

“No curso dos anos sessenta, a psiquiatria entra em crise, especialmente no que se refere ao modelo hospitalar e as internações prolongadas. As críticas provêm do campo da própria psiquiatria (Laing, Cooper, Esterson, Berk na Inglaterra, Basaglia na Itália, Szasz nos Estados Unidos, Deleuze e Guatarri na França) e da sociologia (Goffman e Scheff). Os primeiros – conhecidos como expoentes da chamada ‘antipsiquiatria” – questionam todas as bases da psiquiatria tradicional, a instituição psiquiátrica, e defendem o louco em face da sociedade”.

Porém, mesmo com todas as evoluções na psiquiatria, farmacologia, e psicologia, a questão da loucura ainda é um campo muito obscuro para a ciência, visto que se trata de uma patologia muito complexa,

O louco, de uma maneira geral, evoluiu de patamar no conceito social, em razão de sua doença ser vista como um problema bioquímico, porém, não podemos negar o fato que no inconsciente coletivo, a visão de um homem portador de uma doença mental nos remete a uma imagem de incoerência, insensatez, e contradição, ao passo que, em razão da vida atribulada que acomete o homem moderno, cada dia surgem novas modalidades de patologias mentais.

Dispõe Michel Foucault (1988, p.14)

“Se a loucura conduz todos a um estado de cegueira onde todos se perdem, o louco, pelo contrário, lembra a cada um sua verdade; na comédia em que todos enganam aos outros e iludem a si próprios, ele é a comédia em segundo grau, o engano do engano. Ele pronuncia em sua linguagem de parvo, que não se parece com a da razão, as palavras racionais que fazem a comédia desatar no cômico: ele diz o amor para os enamorados, a verdade da vida aos jovens, a medíocre realidade das coisas para os orgulhosos, os insolentes e os mentirosos”.

A idéia de doença mental deve ser repensada e olhada com mais cautela, pois estabelecer um marco que separa a loucura da lucidez é praticamente impossível. E ao mesmo tempo em que essa separação é irrealizável, ela é fundamental para o direito, em especial para a ciência criminal. Afinal, o que é normalidade? Até que ponto uma atitude extraordinária pode classificar um ser humano como louco? Qual a punição adequada? Fica a dúvida.

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Sobre a autora
Francieli Batista Almeida

Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Francieli Batista. Direito penal da loucura.: A questão da inimputabilidade penal por doença mental e a aplicação das medidas de segurança no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3205, 10 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21476. Acesso em: 22 nov. 2024.

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