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Desnecessidade de eficácia da arma de fogo para a tipificação do roubo majorado

Desnecessidade de eficácia da arma de fogo para a tipificação do roubo majorado

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A arma ineficaz pode não se adequar ao conceito de arma de fogo, mas se encaixa, perfeitamente, no conceito de arma em sentido amplo, não havendo que se falar em ofensa ao princípio da reserva legal. Podendo, dessa forma, qualificar o crime de roubo.

Resumo: O ponto de partida deste trabalho está no atual cenário jurídico criminal e na sua interpretação. Diante da análise da legislação penal brasileira e do sistema hermenêutico, este trabalho tem por objetivo demonstrar que a intenção do legislador não foi apenas agravar o roubo cometido com arma de fogo apta a efetuar disparos, mas também majorar a pena do delito quando cometido com arma de fogo inapta a disparar, porém capaz de restringir o poder de reação da vítima, a qual poderia empreender diversas condutas ao invés de ceder à vontade do criminoso, se este não utilizasse de uma arma para frear o seu poder reativo.

Palavras-chave: Direito Penal. Roubo. Majorante. Emprego de Arma. Arma de Fogo. Desnecessidade de Aptidão para a Realização de Disparos.


INTRODUÇÃO

O roubo cometido com emprego de arma de fogo tornou-se hábito perante o cenário criminal atual. Criminosos, com o intuito de coagir as vítimas com maior eficiência, optam por utilizar-se da arma de fogo, instrumento com força letal, para alcançarem seus escopos. Muitas vezes, até mesmo o simulacro de tal instrumento é empregado, tendo em vista seu caráter intimidador.

Nos dias atuais, com o advento da Constituição Federal (CF) de 1988, que instituiu de forma segura a democracia e os mais amplos mecanismos de defesa da liberdade, a interpretação da legislação penal ganhou uma nova forma, ensejando conclusões hermenêuticas variadas diante de um mesmo objeto de estudo.

Ocorre que, na política criminal atual, tem-se entendimento dividido quanto à configuração da agravante prevista no artigo 157, § 2º, inciso I, do Código Penal (CP), quando se emprega arma de fogo inapta a efetuar disparos ou seu simulacro. Há um posicionamento que se fortaleceu após o cancelamento da Súmula 174 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que autorizava a majoração da pena do roubo cometido com arma de brinquedo. Hoje, predomina o entendimento doutrinário de que somente se majorará a pena do roubo quando comprovado estiver o potencial ofensivo da arma de fogo, ou seja, quando a arma estiver apta a efetuar disparos, colocando a integridade física da vítima em risco. Quanto à jurisprudência, o tema também é sumamente controvertido.

Nos crimes de roubo, subtração cometida com violência ou grave ameaça à pessoa, os agentes contam com várias maneiras de execução, dentre elas a utilização de arma.

Ocorre que a expressão arma, mais especificamente quanto à arma de fogo, abre extensões para vários paradigmas hermenêuticos, principalmente quando a questão é a necessidade ou não de comprovação da eficácia da arma de fogo utilizada em referido delito.

Entretanto, a arma de fogo ineficaz para disparos ou o seu simulacro possuem caráter intimidador apto a diminuir o poder de resistência da vítima, sendo que referido fato encontra tipificação, mais que segura, no Diploma Penal Brasileiro.

A partir desse cenário, o presente trabalho procura estudar minuciosamente o instituo do roubo, mais especificamente em uma de suas várias formas majoradas (que ensejam o aumento da pena do crime), qual seja, quando cometido com o empregado de arma, dispensando atenção a arma de fogo inapta a efetuar disparos.


1. DO DELITO DE ROUBO

“No campo jurídico, o patrimônio é também ponto de relevo, pois é emanação, irradiação da própria personalidade humana”.[1]

O atual Código Penal, em seu Título II, tipifica um vasto rol de condutas penais perpetradas contra o patrimônio, tanto particular quanto pública. Dentro de referido elenco encontra-se o crime de roubo, objeto de nosso estudo.

Outrossim, cumpre salientar que o direito de propriedade que envolve o patrimônio de cada indivíduo, além da tutela legal, é constitucionalmente assegurado no artigo 5º, caput, e inciso XXII, da Carta Magna.

2.1. Conceito de Patrimônio

Segundo Carlos Roberto Gonçalves,

“em sentido amplo, o conjunto de bens de qualquer ordem, pertencentes a um titular, constitui o seu patrimônio. Em sentido estrito, tal expressão abrange apenas as relações jurídicas ativas e passivas de que a pessoa é titular, aferíveis economicamente”[2].

O Código Penal, reforçando a proteção que é dada pelo Direito Civil ao patrimônio das pessoas, elenca diversas condutas que, de uma forma geral, atingem mais ferozmente esse direito, com intuito de reforçar a proteção jurídica a ele dispensada.

Nélson Hungria, por sua vez, explana que

“crimes contra o patrimônio podem ser definidos como species de ilícito penal que ofendem ou expõem a perigo de ofensa qualquer bem, interesse ou direito economicamente relevante, privado ou público. A nota predominante do elemento patrimonial é o seu caráter econômico, o seu valor traduzível em pecúnia; mas cumpre advertir que, por extensão, também se dizem patrimoniais aquelas coisas que, embora sem valor venal, representam uma utilidade ainda que simplesmente moral (valor de afeição), para o seu proprietário”[3].

O patrimônio, como uma universalidade de direito, sempre pertencerá a alguém, chamado proprietário, que exercerá o direito de propriedade sobre ele. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha (art. 1228, caput, do Código Civil).

Por sua vez, segundo o art. 1196 do Diploma Civil vigente, considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

Já, o art. 1198 conceitua detentor como aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome do proprietário e em cumprimento de ordens ou instruções dele.

O proprietário e possuidor são os principais vitimados do roubo, uma vez que possuem relação jurídica direta com o patrimônio violado pelo mencionado crime.

2.2. Etimologia, Conceito e Previsão Legal

Etimologicamente, a palavra roubar origina-se do germânico “rauben” e do latim “roubare”, que possuem, na sua essência, o significado de arrebatar, tirar com violência.

Para fins penais, considera-se roubo a conduta de subtrair coisa alheia móvel empregando violência ou grave ameaça para obtê-la. Nélson Hungria observa que, embora em tipificação própria, “o roubo não é mais que o furto qualificado pelo emprego de violência, física ou moral, contra a pessoa, ou de qualquer outro meio para reduzi-la à incapacidade de resistência”.[4]

O roubo é considerado crime complexo, uma vez que é composto de condutas que, isoladamente, constituem figuras típicas autônomas (furto, lesão corporal leve e constrangimento ilegal). Segundo Fernando Capez, a contravenção de vias de fato fica absorvida pelo constrangimento ilegal.[5]

A conduta delituosa de roubar está prevista no art. 157 do Código Penal.

2.3. Objeto Jurídico (Bem jurídico tutelado)

Por ser crime complexo, tutela-se, além do patrimônio (propriedade, posse ou detenção de coisas móveis), a liberdade individual, quando se emprega grave ameaça (constrangimento ilegal), a integridade física e psíquica (lesão corporal) e a vida das pessoas (no caso de latrocínio, forma qualificada do crime).

Apesar de o crime de roubo comportar em sua tipificação crimes contra a pessoa, referida infração penal está inserida no título dos crimes contra o patrimônio, pois o escopo do agente é atingir o bem de propriedade, posse ou detenção da vítima.

Desta feita, cumpre ressaltar a conceituação de lesão corporal e ameaça.

Conforme a Exposição de Motivos do Código Penal, o crime de lesão corporal é definido como a “ofensa à integridade corporal ou saúde, isto é, como todo e qualquer dano ocasionado a normalidade funcional do corpo humano, quer do ponto de vista anatômico, quer do ponto de vista fisiológico ou mental”.

Por sua vez, o crime de ameaça está tipificado no art. 147 do Código Penal, o qual dispõe “ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”. Desta forma, segundo Fernando Capez, “a ameaça atinge a liberdade interna do indivíduo, na medida em que a promessa da prática de um mal gera temor na vítima que passa a não agir conforme a sua livre vontade”.[6] Está intrínseco à definição de ameaça a intimidação por ela ocasionada na pessoa que a recebe.

2.4. Sujeitos do Crime

Todo crime possui em seu contexto, no mínimo, dois pólos que são atingidos com a sua ocorrência, um ativo (aquele ou aqueles que praticam a conduta delituosa) e outro passivo (aquele ou aqueles contra quem a conduta é praticada).

Quanto ao sujeito ativo, por tratar-se de crime comum, o crime de roubo pode ser praticado por qualquer pessoa, exceto pelo próprio proprietário, possuidor ou detentor do bem que, dependendo das circunstâncias, poderá ser responsabilizado pelo crime de exercício arbitrário das próprias razões, previsto no art. 345 do Código Penal.

Já, o sujeito passivo é o proprietário, o possuidor ou detentor da coisa móvel, bem como o terceiro que, mesmo não estando inserido nas qualidades anteriormente mencionadas, é atingido pela violência ou grave ameaça perpetrada para a subtração do bem. Assim, o crime de roubo comporta a existência de mais de um sujeito passivo, simultaneamente (o proprietário do bem e aquele que, mesmo não estando sob a posse do bem, no momento da execução do crime, é atingido pela violência ou grave ameaça). Como exemplo, temos um assalto cometido em um banco, onde a agência bancária será vítima, pois tem seu patrimônio violado, e todos os clientes e funcionários que sofreram com eventuais ameaças ou agressões também serão vítimas do ocorrido.

Segundo Capez, a ofensa será imediata, quando perpetrada diretamente contra o titular da propriedade, posse ou detenção, e mediata, quando empregada contra terceiro[7].

Outrossim, entendemos que a pessoa jurídica e os grupos despersonalizados (tais como a massa falida e o espólio), por serem detentores e titulares de patrimônio próprio, poderão ser sujeitos passivos do crime de roubo, ocasião em que serão representados por quem de direito.

Por derradeiro, cumpre salientar que o Estado, detentor do direito de punir, será sempre sujeito passivo constante do crime.

2.5. Objeto Material

Objeto do crime é a coisa ou pessoa sobre a qual recai a conduta do agente. O roubo possui dois objetos: a coisa alheia móvel subtraída; e a pessoa sobre a qual é dirigida a violência ou grave ameaça.

2.6. Formas

Diante da análise do art. 157 do Código Penal, podemos distinguir três formas ou espécies de roubo: simples, majorado (quando, devido às circunstâncias, a pena prevista no caput do crime é aumentada) e qualificado (quando, devido às circunstancias, é aplicada pena diferente daquela prevista no caput).

2.6.1. Roubo Simples

Está previsto no caput e no § 1º do art. 157.

O roubo previsto no caput é doutrinariamente chamado de roubo próprio, uma vez que a violência, grave ameaça, ou qualquer outro meio que reduza a capacidade de resistência da vítima, é empregado antes da subtração da coisa, com a finalidade de obtê-la.

Por sua vez, o roubo previsto no § 1º é chamado de impróprio, tendo em vista que a violência, grave ameaça, ou qualquer outro meio análogo, é empregado posteriormente à subtração, com o fim específico de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa.

2.6.2. Roubo Majorado

Está previsto no § 2º e seus incisos do art. 157. Se o roubo é praticado em qualquer uma das circunstâncias previstas em mencionado dispositivo, a pena do crime, prevista no caput, poderá ser aumentada de um terço até metade.

Cumpre salientar que, na técnica jurídica, não se deve confundir os termos circunstâncias majorantes com qualificadoras do crime. As agravantes aumentam a pena primitivamente aplicada à infração penal, enquanto as qualificadoras alteram o preceito secundário do crime, impondo sanção diversa daquela imposta ao mesmo crime, caso não fosse cometido na forma por elas expostas. Assim, enquanto as qualificadoras são examinadas de imediato, antes da primeira fase de aplicação da pena, antecedendo as circunstâncias judiciais, as majorantes somente incidirão e serão analisadas na terceira fase, conforme determina o art. 68 do diploma penal.

Outrossim, caso ocorra a concorrência de duas ou mais qualificadoras, somente uma qualificará o crime, enquanto as demais deverão ser usadas como circunstâncias agravantes, se houver previsão, sendo que, havendo a presença de mais de uma causa de aumento ou diminuição, o juiz poderá aplicar as duas cumulativamente ou somente a que mais eleve ou diminua o preceito secundário, se previstas somente na parte especial (art. 68, parágrafo único, do Código Penal).

2.6.2.1. Roubo Majorado pelo Emprego de Arma

A pena do crime é aumentada de um terço até metade se a infração é cometida com o emprego de arma. Esta majorante, cerne do presente trabalho, será analisada pormenorizadamente no capítulo 3.

2.6.2.2. Roubo Majorado pelo Concurso de Duas ou Mais Pessoas

Uma corrente, sustentada por Nélson Hungria e Celso Delmanto, afirma que só haverá a qualificadora se houver coautoria (quando mais de uma pessoa realiza o núcleo do tipo)[8]. Outra corrente, apoiada por Damásio e Mirabete, entende estar caracterizada a majorante ainda que todos os agentes não realizem os atos executórios ou não se encontrem no local do crime[9]. Não há a necessidade de identificação de todos os coautores ou participes e nem que todos sejam imputáveis para a caracterização da majorante; basta a cooperação consciente deles.

2.6.2.3. Roubo Majorado pelo Transporte de Valores

O termo “valor” deve ser entendido como aquilo que pode ser liquidado de imediato. Caso o transporte seja de bens, como ocorre no transporte de eletrodomésticos, configurado estará o roubo de carga, não incidindo a majorante. O agente deve ter conhecimento dessa circunstância (ser a vítima transportadora de valor).

2.6.2.4. Roubo de Veículo Automotor

Para que incida a majorante há a necessidade de que haja a subtração de veículo automotor e que este seja transportado para outro Estado ou para o exterior. Consideram-se como tal os automóveis, ônibus, caminhões, motocicletas, aeronaves, lanchas, jet-skies etc. O transporte de partes do veículo não é abrangido por essa figura típica. Pouco importa a distância entre o local do roubo e a divisa dos Estados; basta a sua transposição. Caso o agente tenha consumado o roubo, mas seja detido antes de chegar até o outro Estado, responderá pelo crime na forma simples.

2.6.2.5. Agente que Mantém a Vítima em seu Poder

A majorante estará caracterizada quando a privação de liberdade for meio utilizado para o posterior roubo, como ocorre no caso do agente que tranca a vítima no banheiro. Caso a liberdade seja privada com o fim de obter algo, configurado estará o crime de extorsão. Se após a subtração, o agente mantém a vítima privada de sua liberdade por longo período, haverá concurso material de crimes entre o seqüestro e o roubo.

2.6.3. Roubo Qualificado

Está previsto no § 3º do artigo 157. Quando da violência empregada resultar lesão corporal de natureza grave, gravíssima ou morte, o crime se qualificará, oportunidade em que a pena aplicada não será a do caput, mas sim aquela prevista no próprio § 3º.

Configura lesão corporal grave ou gravíssima as hipóteses previstas nos §§ 1º e 2º do artigo 129 do Código Penal.

Ao roubo qualificado pelo resultado morte, dá-se o nome de latrocínio.

Ocorre latrocínio quando, no crime de roubo, “do emprego de violência física contra a pessoa com o fim de subtrair a res, ou para assegurar a sua posse ou a impunidade do crime, decorre a morte da vítima”.[10] A morte resulta da ação do possuidor da coisa subtraída, sendo esta a qualificadora máxima prevista para o crime de roubo. O legislador adotou a denominação jurídica “latrocínio” não para destacar a maior gravidade da violência (morte), mas sim para manter o elemento essencial de crime contra o patrimônio. Ou seja, o latrocínio continua a ser uma espécie qualificada de roubo.

O Código Penal, em seu art. 157, § 3°, tipificou o latrocínio como crime preterdoloso. Tal conclusão é feita observando-se a locução “se resulta” presente no tipo incriminador, pois indica resultado decorrente de culpa e não como decorrência do meio de execução do crime. Porém, se levado em conta a severidade da pena prevista no preceito secundário do tipo incriminador supramencionado, tal instituto não se harmoniza como espécie de crime que tem seu resultado agravado por culpa do agente. Então, o entendimento doutrinário leciona que o resultado morte pode ser tanto originário de culpa quanto de dolo. O saudoso doutrinador César Roberto Bitencourt, em uma de suas obras, diz que “toda sanção agravada em razão de determinada consequência de fato somente pode ser aplicada ao agente se este houver dado causa pelo menos culposamente”.[11] Aliando essa frase ao princípio nulla poena sine culpa pode deduzir-se que o legislador cometeu um grande erro em equiparar o dolo e a culpa no tipo qualificador. Ao evento morte é aplicada a mesma sanção, pouco importando se o resultado proveio de dolo ou culpa, restando ao magistrado apenas dosar o quantum de elevação da pena. Fere-se, com isso, o senso jurídico, pois desvalorizados ficam o resultado e, por consequência, a ação na morte culposa e dolosa. “Matar para roubar ou para assegurar a impunidade ou o produto do crime é diferente de provocar os mesmos resultados de maneira involuntária”.[12]

A pluralidade de vítimas não altera a tipificação, bastando que a morte tenha sido provocada em razão da subtração. O número de vítimas influirá para a dosagem da pena, tão somente.

Para que o ato criminoso possa ser tipificado como latrocínio, faz-se necessário o elemento violência. No § 3° do artigo 157 não há previsão da “grave ameaça”, presente no caput do referido artigo. Cuidou o legislador de explicar que é preciso haver, anteriormente, violência própria ou imprópria, razão pela qual não se configura a hipótese de latrocínio se, da grave ameaça (violência moral), decorre a morte. Assim, por exemplo, não se pode dizer que ocorreu latrocínio quando alguém foi assaltado e, mesmo sem emprego de violência física, assustou-se vendo a arma do assaltante e teve um enfarto, vindo a morrer. Neste caso surge concurso de crimes entre o roubo e homicídio, podendo este último ser culposo ou doloso, dependendo das circunstâncias.

A morte de qualquer um que participa na realização do crime não tipifica o latrocínio. A violência exigida pelo Código Penal está ligada ao sujeito passivo natural da infração penal, seja o patrimônio ou a pessoa, sendo indispensável essa relação causal para configurar o crime de roubo qualificado. Se o agente pretende matar a vítima e acaba por matar o coautor ou partícipe responderá por latrocínio, pois sua intenção foi a de matar o sujeito passivo do crime, ocorrendo o chamado erro quanto à pessoa, previsto no artigo 20, § 3°, do Código Penal.  No caso de reação da vítima, que vem a matar um dos assaltantes, este ato não tipifica o latrocínio, pois a ação justifica-se na legítima defesa, não existindo qualquer ligação com os atos do criminoso.

2.7. Elemento Objetivo (Tipo objetivo ou adequação típica)

Passaremos agora ao estudo da estrutura do tipo penal do crime de roubo.

2.7.1. Núcleo do Tipo

Núcleo do tipo é a parte da tipificação do crime que prevê a ação caracterizadora do crime, como, por exemplo, “matar” no crime de homicídio, “ofender” no crime de lesão corporal etc.

O núcleo do tipo na infração penal do roubo é subtrair, arrebatar, retirar a coisa alheia móvel da vítima. Referida subtração deve ser obtida por meio de violência ou grave ameaça à pessoa ou por qualquer outro meio que reduza a possibilidade de resistência da vítima, sob pena de caracterização do crime de furto, previsto no artigo 155 do Código Penal.

A violência empreendida no roubo distingue-se daquela exposta no furto qualificado (artigo 155, § 4º, inciso I, do Código Penal), uma vez que, neste crime, a violência é dirigida à própria coisa, enquanto que, no crime de roubo, a violência é praticada contra a pessoa.

2.7.2. Violência

Segundo Cezar Roberto Bitencourt, “o termo ‘violência’ empregado no texto legal significa a força física, material, a vis corporalis, com a finalidade de vencer a resistência da vítima”.[13] Violência física à pessoa consiste no emprego de qualquer tipo de desforço utilizado pelo sujeito ativo contra o corpo da vítima para que consiga subtrair a coisa almejada.

Na lição de Fernando Capez, a violência física “constitui a chamada violência própria”.[14]

Para a prática da violência, o agente poderá utilizar-se de sua própria força ou de outros meios, tais como fogo ou água, bem como de formas omissivas, como, por exemplo, deixando de prestar assistência à vítima com o intuito de fazê-la ceder à sua vontade.

Bitencourt assevera que “não é indispensável que a violência empregada seja irresistível: basta que seja idônea para coagir a vítima, colocá-la em pânico, amedrontá-la”,[15] ou seja, não há a necessidade de a violência lesionar o sujeito passivo, configurando o crime de roubo se for praticado, no mínimo, vias de fato (artigo 21 da Lei de Contravenções Penais).

Para a caracterização do roubo, basta que a violência física seja capaz de ocasionar na vítima lesão corporal leve ou vias de fatos, uma vez que, se ocorrido lesão corporal grave, gravíssima ou morte, o roubo tomará sua forma qualificada.

Por fim, anota Cezar Roberto Bitencourt que, para a caracterização do crime de roubo, “aqueles empurrões ou trombadas, tidos como leves, utilizados apenas com a finalidade de desviar a atenção da vítima, não têm sido considerados idôneos”.[16]

2.7.3. Grave Ameaça

Grave ameaça, também chamada de violência moral, é a promessa de causar mal grave e iminente, de modo a viciar a vontade da vítima, coagindo-a a reagir de uma forma por ela não querida.

Bitencourt esclarece que a expressão “mediante grave ameaça” constitui “forma típica da ‘violência moral’; é a vis compulsiva, que exerce força intimidativa, inibitória, anulando ou minando a vontade e o querer do ofendido, procurando, assim, inviabilizar eventual resistência”.[17]

A ameaça de mal grave e iminente pode dizer respeito à própria vítima ou a qualquer pessoa que tenha vínculo com esta, desde que seja capaz de influir na vontade do sujeito passivo.

Assevera Julio Fabbrini Mirabete que, com relação à ameaça presente no tipo, “a intimidação da vítima deve ser produzida pelo sujeito ativo; se ela se achar aterrorizada por motivos estranhos ao agente, não haverá roubo, mas furto”.[18]

2.7.4. Qualquer Meio

Por exclusão, quando o agente não utilizar violência ou grave ameaça, mas outras artimanhas capazes de reduzir a capacidade de resistência da vítima, estaremos diante de outros meios que, empregados, configuram o crime de roubo. Aqui, equipara-se qualquer meio não violento ou ameaçador que, com a mesma capacidade, diminui o poder de resistência da vítima. É chamado de violência imprópria.[19]

“Pressupõe-se que o outro ‘qualquer meio’, a que se refere o art. 157, caput, é empregado ardilosa ou sub-repticiamente, ou, pelo menos, desacompanhado, em sua aplicação, de violência física ou moral, pois do contrário se confundiria com esta, sem necessidade da equiparação legal”.[20]

Cumpre salientar que, no roubo impróprio, não há a previsão do elemento “qualquer outro meio”, sendo possível sua tipificação somente quando houver emprego de violência ou grave ameaça.

2.8. Elemento Subjetivo (Tipo subjetivo)

É a vontade livre e consciente de subtrair coisa alheia móvel para si ou para outrem. No roubo impróprio existe também a finalidade de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro (dolo específico).

Caso o agente empregue violência, grave ameaça ou qualquer outro meio que impossibilite o poder de resistência da vítima, e desista voluntariamente de subtrair os bens, responderá somente pelos atos já praticados, por força do que dispõe o artigo 15 do Código Penal, que trata da desistência voluntária.

Outrossim, se o agente não logra êxito em concluir seu intuito criminoso por faltar coisa alheia móvel a ser subtraída, ocorrerá crime impossível, por absoluta impropriedade do objeto. Ocorre que o crime de roubo não pode ser praticado tendo em vista a inexistência de objetos a serem subtraídos, hipótese em que o criminoso responderá somente pelos atos até então praticados, conforme o artigo 17 do Diploma Penal.

2.9. Consumação e Tentativa

O roubo próprio consuma-se com a efetiva subtração da coisa alheia móvel, ou seja, com a inversão da posse. Por seu turno, referida matéria não é pacífica. Existe corrente doutrinária que aponta a necessidade de ter o agente a posse mansa e tranquila do objeto para a consumação do crime.

O roubo impróprio, por sua vez, consuma-se com o efetivo emprego da violência ou grave ameaça à pessoa após a subtração. Frisa-se que, antes do emprego da violência ou ameaça, o crime é de furto, passando a configurar roubo após a utilização de mencionados meios com o fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.

Quanto à tentativa, é admitida no roubo próprio, hipótese em que ocorrerá quando o agente, depois de empregar violência ou grave ameaça, não consegue, por circunstâncias alheias à sua vontade, subtrair o bem almejado. Para a corrente que requer a posse mansa e tranquila do bem pelo agente, a tentativa percorrerá até que referida exigência se conclua.

Por sua vez, no roubo impróprio, não há tentativa, pois se o agente não emprega violência ou grave ameaça para assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa, estaremos diante do crime de furto. Entretanto, segundo Celso Delmanto, “pode haver tentativa de roubo impróprio quando, depois de conseguir subtrair a coisa, o agente é preso ao tentar usar violência ou grave ameaça para assegurar a posse do objeto ou sua impunidade”.[21]

2.10. Sanção e Ação Penal

O roubo simples, próprio ou impróprio, é punido com pena de reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa.

Já o roubo majorado é sancionado com a mesma pena prevista para sua forma simples, aumentada de um terço até metade.

Para o roubo qualificado pela ocorrência de lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de 7 (sete) a 15 (quinze) anos, além de multa. Caso seja qualificado pela morte, a sanção é de reclusão, de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, sem prejuízo da multa.

A ação penal é pública incondicionada e segue o procedimento comum de rito ordinário previsto nos artigos 396 a 405 do Código de Processo Penal.

2.11. Classificação Doutrinária

Segundo Guilherme de Souza Nucci, o crime de roubo

“trata-se de crime comum (aquele que não demanda sujeito ativo qualificado ou especial); material (crime que exige resultado naturalístico, consistente na diminuição do patrimônio da vítima); de forma livre (podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente); comissivo (“subtrair” implica em ação) e, excepcionalmente, comissivo por omissão (omissivo impróprio, ou seja, é a aplicação do art. 13, § 2.º, do Código Penal); instantâneo (cujo resultado se dá de maneira instantânea, não se prolongando no tempo); de dano (consuma-se apenas com efetiva lesão a um bem jurídico tutelado); unissubjetivo (que pode ser praticado por um só agente); plurissubsistente (via de regra, vários atos integram a conduta); admite tentativa”.[22]

2.12. Concurso de Crimes

Segundo Fernando Capez, haverá crime único, “no assalto a várias pessoas, com subtração patrimonial de apenas uma: houve uma só subtração; logo, um só crime contra o patrimônio”.[23]

Também, na lição de mencionado autor,

“na ameaça a uma só pessoa, que detém consigo bens próprios e de terceiros, a jurisprudência tem entendido haver crime único, pois se argumenta que a posse é o bem juridicamente tutelado, embora o mais correto fosse o concurso formal de crimes, pois, com uma única ação de subtrair mediante violência ou ameaça, foram lesados dois ou mais patrimônios de pessoas diversas”.[24]

Prosseguindo em seu ensinamento, Capez aduz que

“se o agente adentra em uma residência e, mantendo os moradores amarrados, retira alguns objetos e os leva até o esconderijo, e, momentos depois, retorna para retirar o restante da res, e assim sucessivamente até se apoderar de todos os objetos lá encontrados, há crime único e não crime continuado, pois ele realizou diversos atos que formam uma única ação criminosa”[25].

Por fim, Fernando Capez diz que “haverá concurso formal ao invés de crime continuado se em um só contexto o sujeito subtrai bens de várias pessoas, ameaçando-as ou submetendo-as a violências pessoas, ameaçando-as ou submetendo-as a viols que formam uma  da a atl de crimes, pois, com uma ncia”[26].


3. ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA

Primeiramente, cumpre salientar que as hipóteses trazidas pelo § 2º do artigo 157 do Código Penal, com relação ao aumento de pena do crime de roubo, tratam-se de majorantes da presente infração penal, e não de circunstâncias agravantes, pois estas estão previstas nos artigos 61 e 62 do Diploma Penal, constituindo rol taxativo, enquanto as majorantes são disciplinadas pelas próprias normas que tipificam os crimes.

As circunstâncias capazes de agravar a pena do crime de roubo, conforme já explicitado no capítulo 2.6.2 do presente trabalho, estão enumeradas no § 2º e incisos do artigo 157 do Código Penal.

Restringiremo-nos a estudar a primeira hipótese de agravamento que ocorre com o emprego de arma, mais especificamente a arma de fogo, objeto de nosso trabalho.

3.1. Conceito de Arma

Segundo Mirabete, “arma, no sentido jurídico, é todo instrumento que serve para o ataque ou defesa, hábil a vulnerar a integridade física de alguém”.[27]

Por sua vez, segundo o Aurélio, arma é o “instrumento ou engenho de ataque ou de defesa” ou “qualquer coisa que sirva para um desses fins”.[28]

Entendemos que o conceito dado pelo dicionário, o qual inclui qualquer coisa que possa ser dirigida com o fim de ataque ou defesa, seja o mais adequado, pois é o mais completo, até mesmo porque existem indeterminados objetos ao nosso redor que podem ser empregados como arma. Desta forma, arma, para fins jurídicos, deve ser entendida como qualquer objeto usado com o fim de atacar ou ameaçar outrem.

O simples porte ostensivo da arma não configura a agravante, uma vez que o próprio tipo prevê que esta deve ser empregada e utilizada na violência ou grave ameaça.

Outrossim, como bem observa Hungria, “é indiferente que o agente tenha, de caso pensado, trazido a arma consigo ou a tenha encontrado no próprio local do crime”.[29]

Tendo em vista que o emprego de arma é circunstância objetiva do crime, comunica-se ao coautor ou partícipe.

3.2. Classificação das Armas

As armas podem ser classificadas de inúmeras formas, levando-se em conta os resultados que produzem, formas de utilização etc. Restringiremo-nos as principais.

Entende-se por armas próprias os instrumentos especificamente criados com o fim de ataque ou defesa, hábeis a agredir a integridade física das pessoas (como, p. ex., bombas, espingardas), e por armas impróprias aquelas que, não criadas com este intuito, podem ser usadas com a mesma finalidade (como, p. ex., facas, barras de ferro).

Por sua vez, armas brancas são aquelas incapazes de disparar projéteis, como bastões, facas, espadas, arcos entre outros, mas que podem atingir a integridade física da pessoa.

Em contra partida, armas de fogo são aquelas capazes de disparar projéteis, como os revólveres, pistolas, espingardas, metralhadoras etc.

Armas não letais são as que ferem uma pessoa, porém não possuem eficácia para ocasionar a morte, como as arma de eletrochoque ou pistolas e revolveres com projeteis de borracha.

Armas de efeito moral são aquelas que, uma vez utilizadas, causam grande incomodo na pessoa, dificultando sua reação, como ocorre na utilização de altos barulhos ou luzes fortes.

Por sua vez, armas químicas são os gases ou outros elementos de origem química capazes de danificar o aparelho respiratório, tais como o gás de pimenta e o gás lacrimogêneo.

Armas biológicas são aquelas que manipulam doenças capazes de impor danos graves a um ser, como os vírus e o antrax.

Por fim, as arma de confronto corpo-a-corpo são aquelas que não produzem efeito se não utilizadas a uma distância próxima do alvo, como a faca, enquanto as de confronto a distância são aquelas que admitem sua utilização a grandes distâncias.

3.3. Arma de Fogo

Na lição de Guilherme de Souza Nucci, arma de fogo “é a arma que funciona por intermédio da deflagração de carga explosiva, lançando ao ar um projétil”.[30]

Segundo o dicionário Aurélio, “é toda aquela que funciona mediante a deflagração de uma carga explosiva que dá lugar à formação de gases, sob cuja ação é lançado no ar um projétil”.[31]

Para a caracterização da causa especial de aumento de pena, pouco importa se a pessoa que utiliza a arma tem autorização para portá-la, bem como se a arma é de uso permitido ou restrito e se esta se encontra devidamente registrada no órgão competente. Basta que a arma de fogo seja empregada na prática do crime.

Por sua vez, o Decreto n. 5.123/04, que regulamenta a Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento), define, em seu artigo 10, arma de fogo de uso permitido como “aquela cuja utilização é autorizada a pessoas físicas, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com as normas do Comando do Exército e nas condições previstas na Lei n. 10.826/03”, e, em seu artigo 11, arma de fogo de uso restrito como

“aquela de uso exclusivo das Forças Armadas, de instituições de segurança pública e de pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Comando do Exército e de acordo com legislação específica”.


4. DESNECESSIDADE DE EFICÁCIA DA ARMA DE FOGO PARA A TIPIFICAÇÃO DO ROUBO MAJORADO

Após analisarmos os aspectos históricos e as peculiaridades que envolvem o crime de roubo, bem como a sua forma majorada, que constitui o objeto do presente trabalho, passaremos a expor as correntes e os fundamentos que envolvem a eficácia da arma de fogo quanto à majoração do crime nas iras do artigo 157, § 2º, inciso I, do Código Penal.

Exporemos, em um primeiro momento, os fundamentos contrários à desnecessidade de eficácia da arma de fogo para a tipificação do roubo circunstanciado, com seus respectivos argumentos, para, posteriormente, demonstrarmos que referido pensamento não deve prosperar no cenário jurídico penal brasileiro.

4.1. Fundamentos Quanto à Necessidade de Eficácia da Arma de Fogo

No universo acadêmico jurídico, o entendimento majoritário trazido pela doutrina é no sentido de que, uma vez ineficaz a arma de fogo para efetuar disparos, a majorante prevista no artigo 157, § 2º, inciso I, não deve ser aplicada.

Diz Mirabete que “o emprego de arma denota não só a maior periculosidade do agente, como também um ameaça mais intensa à incolumidade física da vítima”.[32] Continua mencionado autor aduzindo que embora o simulacro de arma “seja idôneo para intimidar, quando a vítima se julga diante de arma verdadeira, não é apto para causar risco à vida ou danos à integridade física da vítima, razão da existência da qualificadora”.[33] Por fim, termina expondo que

“a mesma conclusão, quanto à existência da qualificadora, deve prevalecer quanto ao roubo com emprego de arma descarregada, ou defeituosa, embora se deva considerar que a inidoneidade para vulnerar é apenas acidental”[34].

Por sua vez, na mesma linha de raciocínio, Cezar Roberto Bitencourt expõe que

“a inidoneidade lesiva da arma (de brinquedo, descarregada ou simplesmente à mostra), que pode ser suficiente para caracterizar a ameaça tipificadora do roubo (caput), não tem o mesmo efeito para qualificá-lo, a despeito do que pretendia a equivocada Súmula 174 do STJ, em boa hora revogada, atendendo a súplica unânime da doutrina nacional”.[35]

Prossegue mencionado autor aduzindo que

“o fundamento dessa majorante reside exatamente na maior probabilidade de dano que o emprego de arma (revólver, faca, punhal etc.) representa e não no temor maior sentido pela vítima”.[36]

Alega, também, que “por isso, é necessário que a arma apresente idoneidade ofensiva, qualidade inexistente em arma descarregada, defeituosa ou mesmo de brinquedo”.[37] Por fim, concluiu seu ensinamento dizendo que,

“pelas mesmas razões, não admitimos a caracterização dessa majorante com o uso de arma inapta a produzir disparos, isto é, inidônea para o fim a que se destina”.[38]

Na mesma esteira de pensamento, temos Celso Delmanto, o qual afirma que “embora a jurisprudência esteja dividida, estamos de acordo com aqueles que não reconhecem a qualificadora no emprego de arma de brinquedo ou descarregada”[39]. Referido autor desenvolve seu pensamento pronunciando que

“estas, bem como a arma imprópria ao disparo, podem, sem dúvida, servir à caracterização da grave ameaça do roubo simples, próprio ou impróprio (caput e § 1º), mas não para configurar a qualificadora, que é objetiva e tem sua razão de ser no perigo real que representa a arma verdadeira, municiada e apta a disparar”.[40]

Também alega que

“se à qualificadora bastasse a intimidação subjetiva da vítima com a arma de brinquedo, coerentemente não se deveria reconhecê-la quando o agente usa arma real, mas o ofendido acredita ser ela de brinquedo”.[41]

E conclui que, “além do mais, não se pode equiparar o dolo e a culpabilidade do agente que emprega arma de brinquedo, descarregada ou imprópria ao disparo, com o de quem utiliza arma verdadeira, carregada e apta”.[42]

Na mesma esteira segue o ensinamento de Heleno Fragoso, o qual explica que

“o fundamento da agravante reside no maior perigo que o emprego da arma envolve, motivo pelo qual é indispensável que o instrumento usado pelo agente (arma própria ou imprópria), tenha idoneidade para ofender a incolumidade física”.[43]

Condizente com as doutrinas acima expostas, porém condicionando a presença da qualificadora à confecção de exame pericial, Guilherme de Souza Nucci prescreve que,

“caso a arma seja considerada pela perícia absolutamente ineficaz por causa do seu defeito, não se pode considerar ter havido maior potencialidade lesiva para a vítima (teoria objetiva do emprego de arma); logo, não se configura a causa de aumento”.[44]

Assim, para mencionado autor, a circunstância agravante do emprego de arma de fogo só restará tipificada se a arma utilizada pelo agente for relativa ou absolutamente eficaz para efetuar disparos. Logo, haverá necessidade de exame pericial em referido artefato, único meio possível de atestar sua eficácia.

Outrossim, Luiz Regis Prado, compartilhando do mesmo entendimento, exara que “a inidoneidade lesiva da arma (de brinquedo, descarregada ou simplesmente à mostra), que é suficiente para caracterizar a ameaça tipificadora do roubo (‘caput’), não tem o mesmo efeito para qualificá-lo”.[45]

Seguindo idêntico pensamento, temos Paulo José da Costa Júnior, o qual explana que “arma fictícia (revólver de brinquedo), que poderá ser idônea à ameaça, não basta para qualificar o roubo”,[46] e prossegue dizendo que “o mesmo não se poderá dizer de arma momentaneamente defeituosa ou descarregada, por ser a inidoneidade acidental”.[47]

Compactuando da corrente majoritária, mas de forma mitigada, também temos a lição de Rogério Greco, o qual aduz que

“o emprego da arma agrava especialmente a pena em virtude de sua potencialidade ofensiva, conjugada com o maior poder de intimidação sobre a vítima. Os dois fatores, na verdade, devem estar reunidos para efeitos de aplicação da majorante. Dessa forma, não se pode permitir o momento da sua ação, qualquer potencialidade ofensiva por estar sem munição ou mesmo com um defeito mecânico que impossibilitava o disparo. Embora tivesse a possibilidade de amedrontar a vítima, facilitando a subtração, não poderá ser considerada para efeitos de aumento de pena, tendo em vista a completa impossibilidade de potencialidade lesiva, ou seja, a de produzir dano superior ao que normalmente praticaria sem o seu uso”.[48]

Por fim, no mesmo sentido, temos o entendimento de Damásio E. de Jesus.[49]

Evidencia-se que, diante do exposto, a doutrina majoritária compactua do critério objetivo para a aplicação da majorante do crime de roubo.

4.2. Fundamentos Quanto à Desnecessidade de Eficácia da Arma de Fogo

Como acima demonstrado, a maior parte da doutrina defende a tese de que a causa de aumento de pena do emprego de arma de fogo no crime de roubo depende da potencialidade lesiva do armamento e fundamenta-se no maior risco que a integridade física da vítima fica exposta.

Por maior que seja o brilhantismo exarado por esses jurisconsultos e do altíssimo respeito que seus pensamentos merecerem, discordamos profundamente de todo o acervo utilizado como sustentação à corrente por eles defendida.

A partir de agora passaremos a debater ponto a ponto os fundamentos escampados pela corrente majoritária e, ao final, demonstraremos o real intuito do legislador e a razão da aplicação da majorante da arma de fogo no crime de roubo.

4.2.1. Doutrina

Apesar de minoritária, alguns doutrinadores, com grande acerto, defendem a existência da causa de aumento de pena prevista no artigo 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, não pela maior gravidade que reapresenta a integridade física da vítima (critério objetivo), mas sim pelo maior poder de intimidação por ela trazida.

Nélson Hungria explana que

“a ameaça com uma arma ineficiente (ex.: revólver descarregado) ou fingida (ex.: um isqueiro com feitio de revólver), mas ignorando o agente tais circunstâncias, não deixa de constituir a majorante, pois a ratio desta é a intimidação da vítima, de modo a anular-lhe a capacidade de resistir”.[50]

Por sua vez, Fernando Capez diz que o fundamento da causa de aumento de pena, ora objeto de nosso debate, “é o poder intimidatório que a arma exerce sobre a vítima, anulando-lhe a sua capacidade de resistência”.[51] Expõe, também, que, “por essa razão, não importa o poder vulnerante da arma, ou seja, a sua potencialidade lesiva, bastando que ela seja idônea a infundir maior temor na vítima e assim diminuir a sua possibilidade de reação”.[52] Conclui, dizendo que, “trata-se, portanto, de circunstância subjetiva”.[53]

Edgar Magalhães Noronha diz que, quanto à arma,

“é necessário que ela sirva para efetivação da violência ou realização da ameaça, isto é, seja idônea à consecução desses meios. Muita vez, uma arma pode não ser idônea para realização da violência, de acordo com seu destino próprio; assim, p. ex., um revólver descarregado. Mas será idôneo para a ameaça se a vítima desconhecer essa circunstância. A lei exige apenas que a ameaça ou a violência sejam exercidas com emprego de arma. Não há que questionar se o agente preparou-se de antemão com ela, para pôr em ação aqueles meios. É suficiente empregá-la, ofendendo a integridade corporal da vítima ou ameaçando-a”.[54]

Dentre os doutrinadores, podemos citar, ainda, Vicente de Sabino Junior, o qual ensina que “o uso de arma ineficiente poderá ser incriminado se o agredido desconhecia essa circunstância e foi realmente intimidado por ele”.[55]

Deste modo, defendem mencionados autores, o critério subjetivo da causa de aumento de pena.

4.2.2. A Estrutura do Tipo

Como estudado no capitulo 3 deste trabalho, o roubo é crime complexo, uma vez que, além do patrimônio, tutela-se a integridade física e psíquica da vítima.

O tipo, em seu caput, prevê: “subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência” (grifo nosso).

Desta feita, a menor possibilidade de resistência da vítima integra o tipo penal, até mesmo porque a própria violência ou grave ameaça empregada possui esse fito. Agredir alguém para subtrair algo sob sua posse ou lhe incutir medo nada mais são do que atitudes que diminuem a repressão que o proprietário ou detentor da coisa irá despender em defesa de seu patrimônio, logrando com isso o escopo criminoso da subtração.

Atento a essa questão, o legislador, no § 2º do artigo 157 do Diploma Penal, elencou um rol de circunstâncias que majoram a pena do roubo, tendo em vista a sua maior reprovabilidade se cometido em coadunação com tais circunstâncias. Nesse rol está incutido o emprego de arma, do qual destacamos a arma de fogo.

Assim, alegar que a existência da majorante tem por fim aumentar a pena do criminoso que, utilizando-se de arma de fogo apta para disparos, comete a subtração, colocando em risco a incolumidade física da vítima, não condiz com a finalidade do tipo.

O crime de roubo é crime material, que exige a produção de resultado naturalístico para sua consumação. Dizer que a majorante em questão existe em virtude do perigo que a arma traz para a incolumidade física da vítima é instituir ao roubo a forma de crime de perigo, uma vez que, nestes crimes, “para a consumação, basta a possibilidade do dano, ou seja, a exposição do bem a perigo de dano”.[56]

O roubo é, em todas as suas hipóteses, crime material que, para sua consumação, exige a execução de todas as elementares do tipo. Mesmo entendimento se estende as causas de aumento de pena nele contidas e, claro, ao emprego de arma. Ou seja, a partir do momento que se reconhece que o crime é majorado, tendo em vista a maior intimidação que arma empregada incute na vítima, afirma-se o que já se é sabido: que o crime de roubo é crime material e não abstrato.

A razão de ser da causa prevista no inciso I é a efetiva intimidação causada na vítima que diminui, ainda mais, seu poder de resistência. O próprio tipo, no seu caput, deixa claro que a intimidação integra o tipo. Outrossim, a grave ameaça é nada mais que uma forma efetiva de violência que agride o psíquico do sujeito passivo da infração penal.

Cumpre evidenciar que, conforme a Resolução 40/34 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 29 de novembro de 1985, considera-se vítima de condutas criminosas as

“pessoas que, individual ou coletivamente, tenham sofrido danos, inclusive lesões físicas ou mentais, sofrimento emocional, perda financeira ou diminuição substancial de seus direitos fundamentais, através de ações ou omissões que violem a legislação penal operante no interior dos Estados-Membros, incluídas aquelas leis que prescrevem crimes de abuso de poder[57] (grifo nosso)”.

Por derradeiro, a firmar ainda mais o entendimento de que não é o maior perigo a incolumidade física gerado pela arma que aumenta a pena do roubo, temos o fato de que a lesão à integridade física da vítima que extrapola as lesões de natureza leve previstas no caput do artigo 157 é tutela especialmente no § 3º de mencionado tipo, que prevê penas diferenciadas e elevadas se da violência resulta lesões corporais de natureza grave, ou gravíssima, ou morte. Por esta razão, as causas de aumento de pena previstas no § 2º referem-se à integridade psíquica da vítima (circunstâncias subjetivas – incisos I, II e V) ou ao patrimônio lesionado (circunstâncias objetivas – incisos III e IV) e não a sua incolumidade física.

A causa de aumento de pena do concurso de pessoas e a da restrição da liberdade da vítima, previstas nos incisos II e IV do artigo 157 do Código Penal, também estão relacionadas ao menor poder de resistência que elas proporcionam à vítima.

A corroborar a linha de raciocínio acima exposta, temos os seguintes julgados:

“A ratio essendi da qualificadora do porte de arma no roubo não reside no perigo efetivo representado para a vítima na arma portadora pelo agente, mas na utilidade que dela retira o meliante, conseguindo com maior facilidade reduzir sua vítima a incapacidade de resistir. O roubo considerar-se-á qualificado com a presença de qualquer tipo de arma, próprio ou imprópria, falsa, de brinquedo, quebrada, etc., desde que tenha alcançado sua finalidade precípua, isto é, influir no ânimo da vítima, fazendo com que esta acredite estar efetivamente ameaçada, assim impedida de reagir ao assaltante (TACRIM-SP – El – Rel. Marrey Neto – RDJ 14/157)”.[58]

“O § 2.º do art. 157 do CP tem como agravante “se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma”. Assim, o que se tem de levar em conta não é a efetiva potencialidade da “arma”, mas o que ela pode apresentar aos olhos do homo medius para efeito de violência e intimidação. Sibilina seria a distinção entre “arma de verdade” mas sem condições de utilização efetiva (revólver sem cão, sem tambor, sem bala etc.) e um revólver de brinquedo, imitativo do verdadeiro” (STJ – Resp. – Rel. Adhemar Maciel – RSTJ 65/384)”.[59]

“A majorante traduz mensuração de culpabilidade. Quando se refere ao emprego de arma para a execução do crime pune mais severamente porque o agente vence a resistência, intimida a vítima, produz medo, gera pavor, tolhe ou imobiliza o sujeito passivo. A arma (sentido próprio ou impróprio), em si mesma, revela-se secundária. Fundamental é a conseqüência no ânimo do sujeito passivo. O revólver, em contexto de ameaça, ensinam as máximas da experiência, por sua natureza, é idôneo a abalar a defesa da vítima. A conclusão decorre da natureza das coisas. Assim, tal idoneidade existe ainda que as cápsulas estivessem, anteriormente, deflagradas. Em tal circunstância, para afastar o recrudescimento da sanção, cumpre ser comprovado não haver influído no ânimo da vítima (STJ – Resp 81.423 – Rel. Vicente Cernicchiaro – DJU de 07.04.1997, p. 11.117)”.[60]

4.2.3. Aspectos Processuais

Outra questão a envolver a desnecessidade de eficácia da arma de fogo para a tipificação do roubo circunstanciado são os aspectos processuais inerentes a esta questão.

Para a corrente contrária, a qual defende que a causa de aumento de pena é circunstância objetiva, é imprescindível que a arma de fogo seja apreendida e periciada, a fim de comprovar sua aptidão para efetuar disparos.

Ocorre que, seguindo nosso entendimento, a desnecessidade de eficácia da arma de fogo acarreta uma consequência processual relativa ao campo probatório, qual seja, a prescindibilidade da confecção de exame de corpo de delito da arma utilizada no crime, até mesmo porque o agente do crime poderá descartar referido instrumento após a prática do ato criminoso.

Neste caso, a prova pericial não só pode, como deve, ser substituída pela prova testemunhal obtida através do depoimento da vítima, bem como através de outras testemunhas oculares do fato. É o que autoriza o artigo 167 do Código de Processo Penal, o qual diz que “não sendo possível o exame de corpo de crime, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”.

Deste modo, se o criminoso desaparece com a arma do crime de roubo, com a finalidade de minimizar a reprovabilidade de sua conduta, não ficará impune do ato agravado pelo emprego da arma.

Outrossim, ressalte-se que, no campo probatório, a palavra da vítima de um roubo é sumamente valiosa, uma vez que seu único interesse é apontar os verdadeiros culpados e narrar-lhes a atuação, e não acusar inocentes. Neste sentido, encontram-se os seguintes julgados:

“Em sede de crime de roubo, a declaração da vítima é prova suficiente ao reconhecimento da qualificadora de emprego de arma, ainda que o instrumento não seja apreendido (TACRIM-SP – Ver. – Rel. Fernando Matallo – j. 04.02.1999 – RJTACrim 43/402)”.[61]

“Para a caracterização do roubo qualificado pelo emprego de arma e em concurso de agentes, é irrelevante não ter sido aquela encontrada ou não ter sido o comparsa identificado, podendo a prova, nesses casos, ser substituída pelas declarações de testemunhas e da própria vítima (TJSP – AC – Rel. Barbosa Pereira – j. 19.98.1999 – RT 770/565)”.[62]

4.2.4. Dolo e Reprovabilidade Jurídica

Dolo, segundo conceituação trazida pelo artigo 18 do Diploma Penal, ocorre “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. Em outras palavras, é a vontade livre e consciente de se praticar a conduta com a finalidade de se alcançar um resultado. Como estudado no capítulo 2 deste trabalho, o dolo, no crime de roubo, consubstancia-se no desejo de subtrair, para si ou para outrem, mediante violência ou grave ameaça, coisa alheia móvel. Outrossim, como já explanado, é crime que admite várias formas de execução.

A partir do momento que o sujeito ativo do roubo escolhe valer-se de uma arma de fogo, pouco importando se apta a efetuar disparos, não há como negar que ele pretende, com isso, garantir, de uma forma mais eficaz, a consumação da empreitada criminosa. Não há como cogitar outro entendimento senão aquele de que o agente, valendo-se de arma de fogo, mesmo que desmuniciada ou inapta a efetuar disparos, emprega-a com a intenção de aumentar o potencial da grave ameaça por ela representada, intimidando a vítima e reduzindo seu poder de resistência.

Não há outra razão para o agente portar arma de fogo senão a coercibilidade que esta representada aos olhos da vítima. A arma é meio utilizado para garantir a consumação do crime.

Por sua vez, a culpabilidade é o juízo de reprovabilidade que recai sobre o agente, pressuposto para aplicação da lei penal, a fim de aferir sua responsabilidade penal.

Nas palavras de Nélson Hungria, a responsabilidade penal é “a existência dos pressupostos psíquicos pelos quais alguém é chamado a responder penalmente pelo crime que praticou”.[63] Quanto a este tema, prossegue ilustre doutrinador, afirmando que

“não é possível a imputatio juris de um evento criminoso sem que haja uma relação psíquica que ele vincule o agente. Somente com a averiguação in concreto desse nexo subjetivo se pode atribuir ao agente, para o efeito da punibilidade, uma conduta objetivamente desconforme com a ordem ético-jurídica, ou reconhecer sua incidência no juízo de reprovação que informa o preceito penal. Para que se considere um fato como punível, não basta a existência do vínculo causal objetivo entre a ação (ou omissão) e o resultado, nem o seu enquadramento formal num artigo da lei penal; é necessária a culpabilidade (culpa sensu lato) do agente, isto é, que tenha havido uma vontade a exercer-se, livre e conscientemente, para o resultado antijurídico”.[64]

Não há como negar que a função da causa de aumento de pena prevista no artigo 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, é trazer à tona a maior reprovabilidade que merece a conduta do agente que pratica o roubo na circunstância ali posta. A clarear ainda mais tal raciocínio, tem-se o seguinte julgado:

“A majorante traduz mensuração de culpabilidade. Quando se refere ao emprego de arma para a execução do crime, pune mais severamente porque o agente vence a resistência da vítima, produz medo, gera pavor, tolhe ou imobiliza o sujeito passivo. A arma (sentido próprio ou impróprio), em si mesma, revela-se secundária. Fundamental é a conseqüência no ânimo do sujeito passivo. O revólver, em contexto de ameaça, ensinam as máximas experiências, por sua natureza é idôneo a abalar a defesa da vítima. A conclusão decorre da natureza das coisas (STJ – Resp. 81.423-SP – Rel. Min. LUIZ VICENTE CERNICCHIARO – 6ª T. – J. 29.4.96 – Un.) (DJU n. 65, 7.4.97, p. 11.177)”.[65]

Como bem assevera Basileu Garcia,

“ao intérprete cumpre atribuir ao texto toda a força que dele resulta, sem excesso nem falha [...] na elaboração hermenêutica, não deve prevalecer a regra in dubio pro societate, nem a regra oposta: in dubio pro reo. Cabe ao exegeta fixar no texto legal o seu verdadeiro sentido, que satisfaça o seu real objetivo e promane da sua exata força – quer prejudique, quer favoreça o réu”.[66]

Desse modo, não há como negar que a causa de aumento de pena objeto deste trabalho tem sua razão de ser consubstanciada na maior reprovabilidade que a conduta do agente criminoso apresenta. O sujeito ativo do roubo pratica o crime valendo-se de arma de fogo, mesmo que desmuniciada, inapta a efetuar disparos, ou até mesmo de mentira, porque sabe do poder de coercibilidade que esta representa diante dos olhos da vítima, a qual terá seu potencial de defesa amplamente reduzido diante do temor de uma lesão mais grave. Não existe outro motivo. Por essa razão, diante da intenção do delinquente, é que há a circunstância agravante do artigo 157, § 2º, inciso I, do Código Penal.

4.2.5. O Conceito de Arma

Por fim, como último argumento, levantamos o conceito de arma, já abordado anteriormente.

Como vimos no capítulo 3 deste trabalho, arma é o todo instrumento utilizado para o ataque e defesa ou qualquer coisa que sirva para um desses fins. Deste modo, mesmo que a arma defeituosa não encontre respaldo para a conceituação de arma de fogo, não há como negar que ela pode ser utilizada como arma em sentido amplo, até mesmo porque se o agente criminoso angaria referido objeto para a prática do crime, dentre outras hipóteses, é para se defender de eventuais reações que a vítima possa desferir no momento em que a infração penal é cometida.

Deste modo, afastada também estaria a hipótese de infração ao princípio da reserva legal.

A reserva legal, pilar do direito penal brasileiro, é o norte orientador da aplicação de todo o sistema jurídico criminal. Desta forma o termo “arma” empregado no artigo 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, a luz do sistema da interpretação literal, deve ser entendido da forma acima exposta, até mesmo porque não há dispositivo legal restringindo seu alcance. Se o legislador quisesse diminuir o alcance da majorante do delito de roubo, conceituando diversamente o termo arma, o teria feito expressamente.


CONCLUSÃO

Desde os tempos mais remotos, os mais variados tipos de armamentos eram utilizados para a prática da infração penal de roubo, algumas vezes havendo punição diferenciada para tanto, outras vezes não.

Não há como negar que, nos dias atuais, a arma de fogo tornou-se um dos meios mais comuns de auxílio à subtração cometida com violência ou grave ameaça, tendo em vista o seu maior poder de coercibilidade, ou seja, diminuir o poder de resistência da vítima e garantir o sucesso da empreitada criminosa.

Ocorre que, apesar de todo o respeito e acatamento que merece o pensamento contrário à desnecessidade de eficácia da arma de fogo para a tipificação do roubo majorado, podemos concluir que melhor se acerta a corrente sustentada no presente trabalho, a qual se baseia no maior poder de intimidação ocasionado pelo armamento na vítima, utilizando o critério subjetivo para a aplicação da causa de aumento de pena.

A corrente aqui defendida baseia-se no maior poder de intimidação da vítima por causa do armamento e no critério subjetivo para a aplicação da causa de aumento de pena.

Restou evidente durante toda a explanação que a própria estrutura do tipo penal não nos reserva outro entendimento, uma vez que as causas de aumento de pena previstas no § 2º do artigo 157 do Código Penal dizem respeito ao maior poder de coercibilidade e diminuição de resistência ocasionado na vítima (nos casos de roubo praticado com emprego de arma, em concurso de agentes ou com a restrição da liberdade da vítima) ou ao objeto que é subtraído (nas hipóteses de subtração de valores em transporte e de veículo automotor).

As hipóteses de lesão à integridade física que ultrapassam a natureza leve prevista no caput do artigo 157 do Código Penal são disciplinadas pelo § 3º de mencionado artigo, o qual qualifica o delito quando dele resulta lesão corporal de natureza grave, gravíssima ou morte.

Outrossim, a redução da impossibilidade de resistência integra o próprio tipo penal do roubo, conforme se vislumbra da leitura da parte final do caput do artigo 157.

A isso, soma-se o fato de que o crime de roubo é classificado como delito de dano, ou seja, que exige o devido resultado para a sua caracterização, fato este que não é excepcionado em qualquer parte do dispositivo legal que disciplina a matéria, sendo descabido, então, o entendimento da doutrina contrária que sustenta ser o maior perigo de lesão a razão da aplicação da majorante, pautada em um critério objetivo (que leva em consideração a eficácia do armamento).

Com isso, também concluímos que se torna prescindível a feitura de perícia e até mesmo a apreensão do armamento utilizado na perpetração do delito, sendo possível o suprimento dessa prova por intermédio da oitiva da vítima e de testemunhas.

Ainda, vimos que, uma vez aplicada a majorante nestas hipóteses, estaremos valorando, com total razão, o dolo do agente que assim comete o roubo, uma vez que não merece o mesmo tratamento aquele que perpetra a infração sem a utilização de qualquer arma e aquele que pratica a mesma conduta com o emprego de arma, até mesmo porque o autor que age nessa circunstância quer incutir na vítima um certo temor para facilitar a consumação da infração penal, querendo fazer crer aos olhos da vítima que o armamento, mesmo ineficaz, é verdadeiro. Este é o motivo pelo qual o legislador quis reprovar essa conduta de forma mais rigorosa.

Ademais, a arma ineficaz pode não se adequar ao conceito de arma de fogo, mas se encaixa, perfeitamente, no conceito de arma em sentido amplo, não havendo que se falar em ofensa ao princípio da reserva legal.

Diante de todo o exposto, podemos concluir que o entendimento doutrinário dominante, com todo o acatamento e respeito, é equivocado, uma vez que a desnecessidade de eficácia de arma de fogo pauta-se por critérios admitidos pelo ordenamento jurídico pátrio.

A forma hermenêutica utilizada por nós não afronta, de qualquer modo, a legislação penal brasileira, o que a torna legítima e passível de ser aplicada no caso concreto, como já é.

Outrossim, o cenário criminal nacional, palco de inúmeros delitos, merece uma forma de repressão segura e precisa quanto aos agentes criminosos, sendo que, uma vez reconhecida a efetiva aplicabilidade da causa de aumento de pena do artigo 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, qual seja, sua aplicação mesmo nos casos em que a arma de fogo não possua capacidade lesiva, contribuirá para a justa penalidade dos delitos de roubo, até mesmo porque o regime inicial de cumprimento de pena, mesmo que primário, será o semiaberto (conforme o artigo 33, § 2º, alínea b, do Código Penal), uma vez que a pena mínima cominada ao roubo é de quatro anos, e todos os benefícios durante a execução serão computados na pena majorada.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

[1] NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, vol. 2, p. 253.

[2] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, vol. 1, p. 241

[3] HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1955, v. 7, p. 6.

[4] HUNGRIA, op. cit., p. 51

[5] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 2, p. 416.

[6] CAPEZ, op. cit., p. 312.

[7] Ibid., p. 419.

[8] HUNGRIA, op. cit., p. 46 e 58. DELMANTO, Celso et al. Código Penal Comentado. 6 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 318

[9] JESUS, Código Penal Anotado, p. 546. MIRABETE, Manual, cit., v. 2., p. 231.

[10] CAPEZ, op. cit., p. 435.

[11] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Especial. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 3, p. 111.

[12] Ibid., p. 111.

[13] BITENCOURT, op. cit., p. 84.

[14] CAPEZ, op. cit, p. 417.

[15] BITENCOURT, op. cit., p. 85.

[16] Ibid., p. 85.

[17] Ibid., p.85.

[18] MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: Parte Especial. São Paulo: Atlas, 2007, v. 2, p. 222.

[19] CAPEZ, op. cit., p. 418.

[20] HUNGRIA, op. cit., p.52.

[21] DELMANTO, op. cit., p. 349.

[22] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 637.

[23] CAPEZ, op. cit., p. 439.

[24] CAPEZ, op. cit., p. 439.

[25] CAPEZ, op. cit., p. 439.

[26] Ibid., p. 440.

[27] MIRABETE, 2007, p. 225.

[28] HOLLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário eletrônico. São Paulo: Positivo, 2004.

[29] HUNGRIA, op. cit., p. 55.

[30] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 251.

[31] HOLLANDA, op. cit.

[32] MIRABETE, op.cit., p. 225.

[33] Ibid, p. 226.

[34] MIRABETE, op. cit., p. 226.

[35] BITENCOURT, op. cit., p. 97.

[36] Ibid., p. 97.

[37] Ibid., p. 97.

[38] Ibid., p. 98.

[39] DELMANTO, op. cit., p. 353.

[40] Ibid., p. 353.

[41] DELMANTO, op. cit., p. 353

[42] Ibid., p. 353

[43] FRAGOSO, op. cit., p. 296

[44] NUCCI, op. cit., p. 643

[45] PRADO, Luiz Regis. BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Anotado e Legislação Complementar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 580.

[46] COSTA JUNIOR, Paulo José. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 83

[47] Ibid., p. 83

[48] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Especial. v. 3. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 83

[49] JESUS, op. cit., p. 581

[50] HUNGRIA, 1955, p. 55

[51] CAPEZ, 2007, p. 426

[52] Ibid., p. 426

[53] Ibid., p. 426

[54] NORONHA, op. cit., p. 161

[55] SABINO JUNIOR, Vicente. Direito Penal. São Paulo: Sugestões Literárias, 1967, v. 3, p. 739.

[56] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, v.1, p. 261

[57] Texto original: “Victims means persons who, individually or collectively, have suffered harm, including physical or mental injury, emotional suffering, economic loss or substantial impairment of their fundamental rights, through acts or omissions that are in violation of criminal laws operative within Member States, including those laws proscribing criminal abuse of power”. Resolution Nº. 40/34 of United Nations General Assembly. Disponível em: <http://daccessdds.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/477/41/IMG/NR047741.pdf?OpenElement>. Acesso em: 7 set. 2009.

[58] FRANCO, Alberto Silva et al. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, V. 2., p. 2605.

[59] Ibid., p. 2605.

[60] Ibid., p. 2065.

[61] FRANCO, op. cit., p. 2621.

[62] FRANCO, op. cit., p. 2621.

[63] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, v. 1, tomo 2, p. 320.

[64] Ibid., p. 112.

[65] AMARO, Mohamed. Código Penal na Expressão dos Tribunais. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 711.

[66] GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. 7 ed. v. 1, tomo 1. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 215.


Autor

  • Willian Guedes Ferreira

    Willian Guedes Ferreira

    Estagiário Prorrogado do Ministério Público do Estado de São Paulo. Aprovado no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Pós-Graduando em Direito Público pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL), Unidade de Ensino Lorena, e Graduado em Direito pela mesma Instituição.

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FERREIRA, Willian Guedes. Desnecessidade de eficácia da arma de fogo para a tipificação do roubo majorado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3250, 25 maio 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21855. Acesso em: 26 abr. 2024.