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Desnecessidade de eficácia da arma de fogo para a tipificação do roubo majorado

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25/05/2012 às 19:01
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A arma ineficaz pode não se adequar ao conceito de arma de fogo, mas se encaixa, perfeitamente, no conceito de arma em sentido amplo, não havendo que se falar em ofensa ao princípio da reserva legal. Podendo, dessa forma, qualificar o crime de roubo.

Resumo: O ponto de partida deste trabalho está no atual cenário jurídico criminal e na sua interpretação. Diante da análise da legislação penal brasileira e do sistema hermenêutico, este trabalho tem por objetivo demonstrar que a intenção do legislador não foi apenas agravar o roubo cometido com arma de fogo apta a efetuar disparos, mas também majorar a pena do delito quando cometido com arma de fogo inapta a disparar, porém capaz de restringir o poder de reação da vítima, a qual poderia empreender diversas condutas ao invés de ceder à vontade do criminoso, se este não utilizasse de uma arma para frear o seu poder reativo.

Palavras-chave: Direito Penal. Roubo. Majorante. Emprego de Arma. Arma de Fogo. Desnecessidade de Aptidão para a Realização de Disparos.


INTRODUÇÃO

O roubo cometido com emprego de arma de fogo tornou-se hábito perante o cenário criminal atual. Criminosos, com o intuito de coagir as vítimas com maior eficiência, optam por utilizar-se da arma de fogo, instrumento com força letal, para alcançarem seus escopos. Muitas vezes, até mesmo o simulacro de tal instrumento é empregado, tendo em vista seu caráter intimidador.

Nos dias atuais, com o advento da Constituição Federal (CF) de 1988, que instituiu de forma segura a democracia e os mais amplos mecanismos de defesa da liberdade, a interpretação da legislação penal ganhou uma nova forma, ensejando conclusões hermenêuticas variadas diante de um mesmo objeto de estudo.

Ocorre que, na política criminal atual, tem-se entendimento dividido quanto à configuração da agravante prevista no artigo 157, § 2º, inciso I, do Código Penal (CP), quando se emprega arma de fogo inapta a efetuar disparos ou seu simulacro. Há um posicionamento que se fortaleceu após o cancelamento da Súmula 174 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que autorizava a majoração da pena do roubo cometido com arma de brinquedo. Hoje, predomina o entendimento doutrinário de que somente se majorará a pena do roubo quando comprovado estiver o potencial ofensivo da arma de fogo, ou seja, quando a arma estiver apta a efetuar disparos, colocando a integridade física da vítima em risco. Quanto à jurisprudência, o tema também é sumamente controvertido.

Nos crimes de roubo, subtração cometida com violência ou grave ameaça à pessoa, os agentes contam com várias maneiras de execução, dentre elas a utilização de arma.

Ocorre que a expressão arma, mais especificamente quanto à arma de fogo, abre extensões para vários paradigmas hermenêuticos, principalmente quando a questão é a necessidade ou não de comprovação da eficácia da arma de fogo utilizada em referido delito.

Entretanto, a arma de fogo ineficaz para disparos ou o seu simulacro possuem caráter intimidador apto a diminuir o poder de resistência da vítima, sendo que referido fato encontra tipificação, mais que segura, no Diploma Penal Brasileiro.

A partir desse cenário, o presente trabalho procura estudar minuciosamente o instituo do roubo, mais especificamente em uma de suas várias formas majoradas (que ensejam o aumento da pena do crime), qual seja, quando cometido com o empregado de arma, dispensando atenção a arma de fogo inapta a efetuar disparos.


1. DO DELITO DE ROUBO

“No campo jurídico, o patrimônio é também ponto de relevo, pois é emanação, irradiação da própria personalidade humana”.[1]

O atual Código Penal, em seu Título II, tipifica um vasto rol de condutas penais perpetradas contra o patrimônio, tanto particular quanto pública. Dentro de referido elenco encontra-se o crime de roubo, objeto de nosso estudo.

Outrossim, cumpre salientar que o direito de propriedade que envolve o patrimônio de cada indivíduo, além da tutela legal, é constitucionalmente assegurado no artigo 5º, caput, e inciso XXII, da Carta Magna.

2.1. Conceito de Patrimônio

Segundo Carlos Roberto Gonçalves,

“em sentido amplo, o conjunto de bens de qualquer ordem, pertencentes a um titular, constitui o seu patrimônio. Em sentido estrito, tal expressão abrange apenas as relações jurídicas ativas e passivas de que a pessoa é titular, aferíveis economicamente”[2].

O Código Penal, reforçando a proteção que é dada pelo Direito Civil ao patrimônio das pessoas, elenca diversas condutas que, de uma forma geral, atingem mais ferozmente esse direito, com intuito de reforçar a proteção jurídica a ele dispensada.

Nélson Hungria, por sua vez, explana que

“crimes contra o patrimônio podem ser definidos como species de ilícito penal que ofendem ou expõem a perigo de ofensa qualquer bem, interesse ou direito economicamente relevante, privado ou público. A nota predominante do elemento patrimonial é o seu caráter econômico, o seu valor traduzível em pecúnia; mas cumpre advertir que, por extensão, também se dizem patrimoniais aquelas coisas que, embora sem valor venal, representam uma utilidade ainda que simplesmente moral (valor de afeição), para o seu proprietário”[3].

O patrimônio, como uma universalidade de direito, sempre pertencerá a alguém, chamado proprietário, que exercerá o direito de propriedade sobre ele. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha (art. 1228, caput, do Código Civil).

Por sua vez, segundo o art. 1196 do Diploma Civil vigente, considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

Já, o art. 1198 conceitua detentor como aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome do proprietário e em cumprimento de ordens ou instruções dele.

O proprietário e possuidor são os principais vitimados do roubo, uma vez que possuem relação jurídica direta com o patrimônio violado pelo mencionado crime.

2.2. Etimologia, Conceito e Previsão Legal

Etimologicamente, a palavra roubar origina-se do germânico “rauben” e do latim “roubare”, que possuem, na sua essência, o significado de arrebatar, tirar com violência.

Para fins penais, considera-se roubo a conduta de subtrair coisa alheia móvel empregando violência ou grave ameaça para obtê-la. Nélson Hungria observa que, embora em tipificação própria, “o roubo não é mais que o furto qualificado pelo emprego de violência, física ou moral, contra a pessoa, ou de qualquer outro meio para reduzi-la à incapacidade de resistência”.[4]

O roubo é considerado crime complexo, uma vez que é composto de condutas que, isoladamente, constituem figuras típicas autônomas (furto, lesão corporal leve e constrangimento ilegal). Segundo Fernando Capez, a contravenção de vias de fato fica absorvida pelo constrangimento ilegal.[5]

A conduta delituosa de roubar está prevista no art. 157 do Código Penal.

2.3. Objeto Jurídico (Bem jurídico tutelado)

Por ser crime complexo, tutela-se, além do patrimônio (propriedade, posse ou detenção de coisas móveis), a liberdade individual, quando se emprega grave ameaça (constrangimento ilegal), a integridade física e psíquica (lesão corporal) e a vida das pessoas (no caso de latrocínio, forma qualificada do crime).

Apesar de o crime de roubo comportar em sua tipificação crimes contra a pessoa, referida infração penal está inserida no título dos crimes contra o patrimônio, pois o escopo do agente é atingir o bem de propriedade, posse ou detenção da vítima.

Desta feita, cumpre ressaltar a conceituação de lesão corporal e ameaça.

Conforme a Exposição de Motivos do Código Penal, o crime de lesão corporal é definido como a “ofensa à integridade corporal ou saúde, isto é, como todo e qualquer dano ocasionado a normalidade funcional do corpo humano, quer do ponto de vista anatômico, quer do ponto de vista fisiológico ou mental”.

Por sua vez, o crime de ameaça está tipificado no art. 147 do Código Penal, o qual dispõe “ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”. Desta forma, segundo Fernando Capez, “a ameaça atinge a liberdade interna do indivíduo, na medida em que a promessa da prática de um mal gera temor na vítima que passa a não agir conforme a sua livre vontade”.[6] Está intrínseco à definição de ameaça a intimidação por ela ocasionada na pessoa que a recebe.

2.4. Sujeitos do Crime

Todo crime possui em seu contexto, no mínimo, dois pólos que são atingidos com a sua ocorrência, um ativo (aquele ou aqueles que praticam a conduta delituosa) e outro passivo (aquele ou aqueles contra quem a conduta é praticada).

Quanto ao sujeito ativo, por tratar-se de crime comum, o crime de roubo pode ser praticado por qualquer pessoa, exceto pelo próprio proprietário, possuidor ou detentor do bem que, dependendo das circunstâncias, poderá ser responsabilizado pelo crime de exercício arbitrário das próprias razões, previsto no art. 345 do Código Penal.

Já, o sujeito passivo é o proprietário, o possuidor ou detentor da coisa móvel, bem como o terceiro que, mesmo não estando inserido nas qualidades anteriormente mencionadas, é atingido pela violência ou grave ameaça perpetrada para a subtração do bem. Assim, o crime de roubo comporta a existência de mais de um sujeito passivo, simultaneamente (o proprietário do bem e aquele que, mesmo não estando sob a posse do bem, no momento da execução do crime, é atingido pela violência ou grave ameaça). Como exemplo, temos um assalto cometido em um banco, onde a agência bancária será vítima, pois tem seu patrimônio violado, e todos os clientes e funcionários que sofreram com eventuais ameaças ou agressões também serão vítimas do ocorrido.

Segundo Capez, a ofensa será imediata, quando perpetrada diretamente contra o titular da propriedade, posse ou detenção, e mediata, quando empregada contra terceiro[7].

Outrossim, entendemos que a pessoa jurídica e os grupos despersonalizados (tais como a massa falida e o espólio), por serem detentores e titulares de patrimônio próprio, poderão ser sujeitos passivos do crime de roubo, ocasião em que serão representados por quem de direito.

Por derradeiro, cumpre salientar que o Estado, detentor do direito de punir, será sempre sujeito passivo constante do crime.

2.5. Objeto Material

Objeto do crime é a coisa ou pessoa sobre a qual recai a conduta do agente. O roubo possui dois objetos: a coisa alheia móvel subtraída; e a pessoa sobre a qual é dirigida a violência ou grave ameaça.

2.6. Formas

Diante da análise do art. 157 do Código Penal, podemos distinguir três formas ou espécies de roubo: simples, majorado (quando, devido às circunstâncias, a pena prevista no caput do crime é aumentada) e qualificado (quando, devido às circunstancias, é aplicada pena diferente daquela prevista no caput).

2.6.1. Roubo Simples

Está previsto no caput e no § 1º do art. 157.

O roubo previsto no caput é doutrinariamente chamado de roubo próprio, uma vez que a violência, grave ameaça, ou qualquer outro meio que reduza a capacidade de resistência da vítima, é empregado antes da subtração da coisa, com a finalidade de obtê-la.

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Por sua vez, o roubo previsto no § 1º é chamado de impróprio, tendo em vista que a violência, grave ameaça, ou qualquer outro meio análogo, é empregado posteriormente à subtração, com o fim específico de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa.

2.6.2. Roubo Majorado

Está previsto no § 2º e seus incisos do art. 157. Se o roubo é praticado em qualquer uma das circunstâncias previstas em mencionado dispositivo, a pena do crime, prevista no caput, poderá ser aumentada de um terço até metade.

Cumpre salientar que, na técnica jurídica, não se deve confundir os termos circunstâncias majorantes com qualificadoras do crime. As agravantes aumentam a pena primitivamente aplicada à infração penal, enquanto as qualificadoras alteram o preceito secundário do crime, impondo sanção diversa daquela imposta ao mesmo crime, caso não fosse cometido na forma por elas expostas. Assim, enquanto as qualificadoras são examinadas de imediato, antes da primeira fase de aplicação da pena, antecedendo as circunstâncias judiciais, as majorantes somente incidirão e serão analisadas na terceira fase, conforme determina o art. 68 do diploma penal.

Outrossim, caso ocorra a concorrência de duas ou mais qualificadoras, somente uma qualificará o crime, enquanto as demais deverão ser usadas como circunstâncias agravantes, se houver previsão, sendo que, havendo a presença de mais de uma causa de aumento ou diminuição, o juiz poderá aplicar as duas cumulativamente ou somente a que mais eleve ou diminua o preceito secundário, se previstas somente na parte especial (art. 68, parágrafo único, do Código Penal).

2.6.2.1. Roubo Majorado pelo Emprego de Arma

A pena do crime é aumentada de um terço até metade se a infração é cometida com o emprego de arma. Esta majorante, cerne do presente trabalho, será analisada pormenorizadamente no capítulo 3.

2.6.2.2. Roubo Majorado pelo Concurso de Duas ou Mais Pessoas

Uma corrente, sustentada por Nélson Hungria e Celso Delmanto, afirma que só haverá a qualificadora se houver coautoria (quando mais de uma pessoa realiza o núcleo do tipo)[8]. Outra corrente, apoiada por Damásio e Mirabete, entende estar caracterizada a majorante ainda que todos os agentes não realizem os atos executórios ou não se encontrem no local do crime[9]. Não há a necessidade de identificação de todos os coautores ou participes e nem que todos sejam imputáveis para a caracterização da majorante; basta a cooperação consciente deles.

2.6.2.3. Roubo Majorado pelo Transporte de Valores

O termo “valor” deve ser entendido como aquilo que pode ser liquidado de imediato. Caso o transporte seja de bens, como ocorre no transporte de eletrodomésticos, configurado estará o roubo de carga, não incidindo a majorante. O agente deve ter conhecimento dessa circunstância (ser a vítima transportadora de valor).

2.6.2.4. Roubo de Veículo Automotor

Para que incida a majorante há a necessidade de que haja a subtração de veículo automotor e que este seja transportado para outro Estado ou para o exterior. Consideram-se como tal os automóveis, ônibus, caminhões, motocicletas, aeronaves, lanchas, jet-skies etc. O transporte de partes do veículo não é abrangido por essa figura típica. Pouco importa a distância entre o local do roubo e a divisa dos Estados; basta a sua transposição. Caso o agente tenha consumado o roubo, mas seja detido antes de chegar até o outro Estado, responderá pelo crime na forma simples.

2.6.2.5. Agente que Mantém a Vítima em seu Poder

A majorante estará caracterizada quando a privação de liberdade for meio utilizado para o posterior roubo, como ocorre no caso do agente que tranca a vítima no banheiro. Caso a liberdade seja privada com o fim de obter algo, configurado estará o crime de extorsão. Se após a subtração, o agente mantém a vítima privada de sua liberdade por longo período, haverá concurso material de crimes entre o seqüestro e o roubo.

2.6.3. Roubo Qualificado

Está previsto no § 3º do artigo 157. Quando da violência empregada resultar lesão corporal de natureza grave, gravíssima ou morte, o crime se qualificará, oportunidade em que a pena aplicada não será a do caput, mas sim aquela prevista no próprio § 3º.

Configura lesão corporal grave ou gravíssima as hipóteses previstas nos §§ 1º e 2º do artigo 129 do Código Penal.

Ao roubo qualificado pelo resultado morte, dá-se o nome de latrocínio.

Ocorre latrocínio quando, no crime de roubo, “do emprego de violência física contra a pessoa com o fim de subtrair a res, ou para assegurar a sua posse ou a impunidade do crime, decorre a morte da vítima”.[10] A morte resulta da ação do possuidor da coisa subtraída, sendo esta a qualificadora máxima prevista para o crime de roubo. O legislador adotou a denominação jurídica “latrocínio” não para destacar a maior gravidade da violência (morte), mas sim para manter o elemento essencial de crime contra o patrimônio. Ou seja, o latrocínio continua a ser uma espécie qualificada de roubo.

O Código Penal, em seu art. 157, § 3°, tipificou o latrocínio como crime preterdoloso. Tal conclusão é feita observando-se a locução “se resulta” presente no tipo incriminador, pois indica resultado decorrente de culpa e não como decorrência do meio de execução do crime. Porém, se levado em conta a severidade da pena prevista no preceito secundário do tipo incriminador supramencionado, tal instituto não se harmoniza como espécie de crime que tem seu resultado agravado por culpa do agente. Então, o entendimento doutrinário leciona que o resultado morte pode ser tanto originário de culpa quanto de dolo. O saudoso doutrinador César Roberto Bitencourt, em uma de suas obras, diz que “toda sanção agravada em razão de determinada consequência de fato somente pode ser aplicada ao agente se este houver dado causa pelo menos culposamente”.[11] Aliando essa frase ao princípio nulla poena sine culpa pode deduzir-se que o legislador cometeu um grande erro em equiparar o dolo e a culpa no tipo qualificador. Ao evento morte é aplicada a mesma sanção, pouco importando se o resultado proveio de dolo ou culpa, restando ao magistrado apenas dosar o quantum de elevação da pena. Fere-se, com isso, o senso jurídico, pois desvalorizados ficam o resultado e, por consequência, a ação na morte culposa e dolosa. “Matar para roubar ou para assegurar a impunidade ou o produto do crime é diferente de provocar os mesmos resultados de maneira involuntária”.[12]

A pluralidade de vítimas não altera a tipificação, bastando que a morte tenha sido provocada em razão da subtração. O número de vítimas influirá para a dosagem da pena, tão somente.

Para que o ato criminoso possa ser tipificado como latrocínio, faz-se necessário o elemento violência. No § 3° do artigo 157 não há previsão da “grave ameaça”, presente no caput do referido artigo. Cuidou o legislador de explicar que é preciso haver, anteriormente, violência própria ou imprópria, razão pela qual não se configura a hipótese de latrocínio se, da grave ameaça (violência moral), decorre a morte. Assim, por exemplo, não se pode dizer que ocorreu latrocínio quando alguém foi assaltado e, mesmo sem emprego de violência física, assustou-se vendo a arma do assaltante e teve um enfarto, vindo a morrer. Neste caso surge concurso de crimes entre o roubo e homicídio, podendo este último ser culposo ou doloso, dependendo das circunstâncias.

A morte de qualquer um que participa na realização do crime não tipifica o latrocínio. A violência exigida pelo Código Penal está ligada ao sujeito passivo natural da infração penal, seja o patrimônio ou a pessoa, sendo indispensável essa relação causal para configurar o crime de roubo qualificado. Se o agente pretende matar a vítima e acaba por matar o coautor ou partícipe responderá por latrocínio, pois sua intenção foi a de matar o sujeito passivo do crime, ocorrendo o chamado erro quanto à pessoa, previsto no artigo 20, § 3°, do Código Penal.  No caso de reação da vítima, que vem a matar um dos assaltantes, este ato não tipifica o latrocínio, pois a ação justifica-se na legítima defesa, não existindo qualquer ligação com os atos do criminoso.

2.7. Elemento Objetivo (Tipo objetivo ou adequação típica)

Passaremos agora ao estudo da estrutura do tipo penal do crime de roubo.

2.7.1. Núcleo do Tipo

Núcleo do tipo é a parte da tipificação do crime que prevê a ação caracterizadora do crime, como, por exemplo, “matar” no crime de homicídio, “ofender” no crime de lesão corporal etc.

O núcleo do tipo na infração penal do roubo é subtrair, arrebatar, retirar a coisa alheia móvel da vítima. Referida subtração deve ser obtida por meio de violência ou grave ameaça à pessoa ou por qualquer outro meio que reduza a possibilidade de resistência da vítima, sob pena de caracterização do crime de furto, previsto no artigo 155 do Código Penal.

A violência empreendida no roubo distingue-se daquela exposta no furto qualificado (artigo 155, § 4º, inciso I, do Código Penal), uma vez que, neste crime, a violência é dirigida à própria coisa, enquanto que, no crime de roubo, a violência é praticada contra a pessoa.

2.7.2. Violência

Segundo Cezar Roberto Bitencourt, “o termo ‘violência’ empregado no texto legal significa a força física, material, a vis corporalis, com a finalidade de vencer a resistência da vítima”.[13] Violência física à pessoa consiste no emprego de qualquer tipo de desforço utilizado pelo sujeito ativo contra o corpo da vítima para que consiga subtrair a coisa almejada.

Na lição de Fernando Capez, a violência física “constitui a chamada violência própria”.[14]

Para a prática da violência, o agente poderá utilizar-se de sua própria força ou de outros meios, tais como fogo ou água, bem como de formas omissivas, como, por exemplo, deixando de prestar assistência à vítima com o intuito de fazê-la ceder à sua vontade.

Bitencourt assevera que “não é indispensável que a violência empregada seja irresistível: basta que seja idônea para coagir a vítima, colocá-la em pânico, amedrontá-la”,[15] ou seja, não há a necessidade de a violência lesionar o sujeito passivo, configurando o crime de roubo se for praticado, no mínimo, vias de fato (artigo 21 da Lei de Contravenções Penais).

Para a caracterização do roubo, basta que a violência física seja capaz de ocasionar na vítima lesão corporal leve ou vias de fatos, uma vez que, se ocorrido lesão corporal grave, gravíssima ou morte, o roubo tomará sua forma qualificada.

Por fim, anota Cezar Roberto Bitencourt que, para a caracterização do crime de roubo, “aqueles empurrões ou trombadas, tidos como leves, utilizados apenas com a finalidade de desviar a atenção da vítima, não têm sido considerados idôneos”.[16]

2.7.3. Grave Ameaça

Grave ameaça, também chamada de violência moral, é a promessa de causar mal grave e iminente, de modo a viciar a vontade da vítima, coagindo-a a reagir de uma forma por ela não querida.

Bitencourt esclarece que a expressão “mediante grave ameaça” constitui “forma típica da ‘violência moral’; é a vis compulsiva, que exerce força intimidativa, inibitória, anulando ou minando a vontade e o querer do ofendido, procurando, assim, inviabilizar eventual resistência”.[17]

A ameaça de mal grave e iminente pode dizer respeito à própria vítima ou a qualquer pessoa que tenha vínculo com esta, desde que seja capaz de influir na vontade do sujeito passivo.

Assevera Julio Fabbrini Mirabete que, com relação à ameaça presente no tipo, “a intimidação da vítima deve ser produzida pelo sujeito ativo; se ela se achar aterrorizada por motivos estranhos ao agente, não haverá roubo, mas furto”.[18]

2.7.4. Qualquer Meio

Por exclusão, quando o agente não utilizar violência ou grave ameaça, mas outras artimanhas capazes de reduzir a capacidade de resistência da vítima, estaremos diante de outros meios que, empregados, configuram o crime de roubo. Aqui, equipara-se qualquer meio não violento ou ameaçador que, com a mesma capacidade, diminui o poder de resistência da vítima. É chamado de violência imprópria.[19]

“Pressupõe-se que o outro ‘qualquer meio’, a que se refere o art. 157, caput, é empregado ardilosa ou sub-repticiamente, ou, pelo menos, desacompanhado, em sua aplicação, de violência física ou moral, pois do contrário se confundiria com esta, sem necessidade da equiparação legal”.[20]

Cumpre salientar que, no roubo impróprio, não há a previsão do elemento “qualquer outro meio”, sendo possível sua tipificação somente quando houver emprego de violência ou grave ameaça.

2.8. Elemento Subjetivo (Tipo subjetivo)

É a vontade livre e consciente de subtrair coisa alheia móvel para si ou para outrem. No roubo impróprio existe também a finalidade de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro (dolo específico).

Caso o agente empregue violência, grave ameaça ou qualquer outro meio que impossibilite o poder de resistência da vítima, e desista voluntariamente de subtrair os bens, responderá somente pelos atos já praticados, por força do que dispõe o artigo 15 do Código Penal, que trata da desistência voluntária.

Outrossim, se o agente não logra êxito em concluir seu intuito criminoso por faltar coisa alheia móvel a ser subtraída, ocorrerá crime impossível, por absoluta impropriedade do objeto. Ocorre que o crime de roubo não pode ser praticado tendo em vista a inexistência de objetos a serem subtraídos, hipótese em que o criminoso responderá somente pelos atos até então praticados, conforme o artigo 17 do Diploma Penal.

2.9. Consumação e Tentativa

O roubo próprio consuma-se com a efetiva subtração da coisa alheia móvel, ou seja, com a inversão da posse. Por seu turno, referida matéria não é pacífica. Existe corrente doutrinária que aponta a necessidade de ter o agente a posse mansa e tranquila do objeto para a consumação do crime.

O roubo impróprio, por sua vez, consuma-se com o efetivo emprego da violência ou grave ameaça à pessoa após a subtração. Frisa-se que, antes do emprego da violência ou ameaça, o crime é de furto, passando a configurar roubo após a utilização de mencionados meios com o fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.

Quanto à tentativa, é admitida no roubo próprio, hipótese em que ocorrerá quando o agente, depois de empregar violência ou grave ameaça, não consegue, por circunstâncias alheias à sua vontade, subtrair o bem almejado. Para a corrente que requer a posse mansa e tranquila do bem pelo agente, a tentativa percorrerá até que referida exigência se conclua.

Por sua vez, no roubo impróprio, não há tentativa, pois se o agente não emprega violência ou grave ameaça para assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa, estaremos diante do crime de furto. Entretanto, segundo Celso Delmanto, “pode haver tentativa de roubo impróprio quando, depois de conseguir subtrair a coisa, o agente é preso ao tentar usar violência ou grave ameaça para assegurar a posse do objeto ou sua impunidade”.[21]

2.10. Sanção e Ação Penal

O roubo simples, próprio ou impróprio, é punido com pena de reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa.

Já o roubo majorado é sancionado com a mesma pena prevista para sua forma simples, aumentada de um terço até metade.

Para o roubo qualificado pela ocorrência de lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de 7 (sete) a 15 (quinze) anos, além de multa. Caso seja qualificado pela morte, a sanção é de reclusão, de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, sem prejuízo da multa.

A ação penal é pública incondicionada e segue o procedimento comum de rito ordinário previsto nos artigos 396 a 405 do Código de Processo Penal.

2.11. Classificação Doutrinária

Segundo Guilherme de Souza Nucci, o crime de roubo

“trata-se de crime comum (aquele que não demanda sujeito ativo qualificado ou especial); material (crime que exige resultado naturalístico, consistente na diminuição do patrimônio da vítima); de forma livre (podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente); comissivo (“subtrair” implica em ação) e, excepcionalmente, comissivo por omissão (omissivo impróprio, ou seja, é a aplicação do art. 13, § 2.º, do Código Penal); instantâneo (cujo resultado se dá de maneira instantânea, não se prolongando no tempo); de dano (consuma-se apenas com efetiva lesão a um bem jurídico tutelado); unissubjetivo (que pode ser praticado por um só agente); plurissubsistente (via de regra, vários atos integram a conduta); admite tentativa”.[22]

2.12. Concurso de Crimes

Segundo Fernando Capez, haverá crime único, “no assalto a várias pessoas, com subtração patrimonial de apenas uma: houve uma só subtração; logo, um só crime contra o patrimônio”.[23]

Também, na lição de mencionado autor,

“na ameaça a uma só pessoa, que detém consigo bens próprios e de terceiros, a jurisprudência tem entendido haver crime único, pois se argumenta que a posse é o bem juridicamente tutelado, embora o mais correto fosse o concurso formal de crimes, pois, com uma única ação de subtrair mediante violência ou ameaça, foram lesados dois ou mais patrimônios de pessoas diversas”.[24]

Prosseguindo em seu ensinamento, Capez aduz que

“se o agente adentra em uma residência e, mantendo os moradores amarrados, retira alguns objetos e os leva até o esconderijo, e, momentos depois, retorna para retirar o restante da res, e assim sucessivamente até se apoderar de todos os objetos lá encontrados, há crime único e não crime continuado, pois ele realizou diversos atos que formam uma única ação criminosa”[25].

Por fim, Fernando Capez diz que “haverá concurso formal ao invés de crime continuado se em um só contexto o sujeito subtrai bens de várias pessoas, ameaçando-as ou submetendo-as a violências pessoas, ameaçando-as ou submetendo-as a viols que formam uma  da a atl de crimes, pois, com uma ncia”[26].

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Sobre o autor
Willian Guedes Ferreira

Estagiário Prorrogado do Ministério Público do Estado de São Paulo. Aprovado no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Pós-Graduando em Direito Público pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL), Unidade de Ensino Lorena, e Graduado em Direito pela mesma Instituição.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Willian Guedes. Desnecessidade de eficácia da arma de fogo para a tipificação do roubo majorado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3250, 25 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21855. Acesso em: 24 abr. 2024.

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