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O devido processo legal na dinâmica jurisprudencial do STF.

Uma breve análise do sentido jurídico e do alcance normativo do inciso LIV do artigo 5º da Constituição da República, a partir dos textos normativos, do magistério doutrinário e dos precedentes judiciais, sob as luzes do realismo jurídico de Alf Ross

O devido processo legal na dinâmica jurisprudencial do STF. Uma breve análise do sentido jurídico e do alcance normativo do inciso LIV do artigo 5º da Constituição da República, a partir dos textos normativos, do magistério doutrinário e dos precedentes judiciais, sob as luzes do realismo jurídico de Alf Ross

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Analisa-se o sentido jurídico e o alcance normativo da expressão “devido processo legal” no STF, tendo em perspectiva os textos normativos, o magistério doutrinário e os precedentes judiciais, sob as luzes do realismo jurídico ensinado por Alf Ross.

Resumo: O presente texto visa analisar o sentido jurídico e o alcance normativo da expressão “devido processo legal” na dinâmica jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF), tendo em perspectiva os textos normativos, o magistério doutrinário e os precedentes judiciais do STF, sob as luzes do realismo jurídico ensinado por Alf Ross.

Palavras-chave: Direito Constitucional. Direito Processual. Devido Processo Legal. Supremo Tribunal Federal. Realismo Jurídico. Alf Ross.

Sumário: 1 Introdução; 2 O direito constitucional e moral de um julgamento justo, imparcial e convincente; 3 Os enunciados normativos supranacionais; 4 O realismo jurídico de Alf Ross e o livro “Direito e Justiça”; 5 A relevância do Supremo Tribunal Federal e a importância de sua jurisprudência; 6 O devido processo legal na jurisprudência do STF; 7 Considerações finais; 8 Referências.


1 INTRODUÇÃO

O artigo tem como objeto o sentido jurídico e o alcance normativo da expressão constitucional “devido processo legal”, explicitado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, à luz do realismo jurídico de Alf Ross, exposto em seu livro “Direito e Justiça”[1].

A justificativa desse tema descansa no fato incontestável de que o direito fundamental e moral a uma prestação jurisdicional justa e imparcial pressupõe a concretização da aludida promessa constitucional, fiada na seriedade comportamental e na sinceridade de propósitos dos magistrados, em particular os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). 

A finalidade desta análise consiste em apresentar, de modo crítico, o entendimento dominante do Tribunal acerca do referido termo constitucional, verificando a consistência argumentativa e a coerência normativa das manifestações e narrativas dos ministros do STF na aplicação dos citados vocábulos constitucionais na solução dos conflitos submetidos à apreciação da Corte.

O caminho a ser percorrido visitará o texto constitucional, textos normativos infraconstitucionais, textos normativos internacionais, textos doutrinários e, especialmente, decisões e manifestações dos ministros do STF. O principal prisma teórico será o realismo jurídico de Alf Ross.

Com efeito, o estudo sério acerca dos institutos normativos e das instituições jurídicas não pode ficar preso às palavras contidas nas “Leis” (aqui no sentido de texto normativo prescritivo), mas requer a análise de como efetiva e realmente se dá a aplicação normativa pelos Tribunais na solução dos casos concretos, como ensinado por Alf Ross e o seu realismo jurídico.

Daí porque o preciso magistério de Dimitri Dimoulis[2] acerca do papel desempenhado pelos tribunais na realização normativa do Direito. Peço licença para recordar longa, porém indispensável, passagem de profunda advertência pedagógica do “professor Wendelin” (personagem criada pelo citado Dimitri Dimoulis na obra “O caso dos denunciantes invejosos”, de Lon Fuller) que elucida a indispensabilidade do estudo dos precedentes judiciais:

Decidir sobre a “verdade” no direito é um exclusivo privilégio dos juízes. Os políticos que atuam como legisladores e nós, doutrinadores, não temos o poder de decidir sobre o que é o direito. Quem fala do direito sem ser juiz parece com aqueles debatedores das emissões esportivas de domingo que discutem por horas e horas sobre pênaltis e impedimentos, sem poder alterar em nada as decisões dos árbitros!

O positivismo jurídico ensinou que o direito depende da vontade do legislador, sendo aleatório e mutável. O realismo jurídico fez um passo a mais. Demonstrou que o direito realmente aplicado, o “direito em ação”, não depende das palavras do legislador nem dos livros dos doutrinadores. Depende da vontade do juiz que dá sentido às palavras dos legisladores e dos doutrinadores, podendo mesmo invertê-las por completo.

Por essa razão, as propostas formuladas nessa mesa, assim como as eventuais leis retroativas sobre os Denunciantes Invejosos, não passam de meros desejos. O poder de decisão pertence aos juízes que criam o direito. Eles dirão se aquele que fez uma denúncia para se livrar de um inimigo foi um cidadão respeitoso da lei ou um criminoso que merece castigo. Nenhuma lei e nenhuma reflexão teórica serão mais poderosas do que a decisão do magistrado mais humilde.

Se não existe nem verdade, nem justiça, nem certeza na aplicação do direito, se esses conceitos são propagandas enganosas dos juristas que querem enaltecer sua profissão, devemos concluir que é inútil estudar o direito? Penso que não.

Estudar os regulamentos do legislador e a jurisprudência permite prever as futuras decisões e explica como decidem os juízes, quais são os elementos sociais, políticos e psicológicos que os fazem tomar determinada decisão. Em outras palavras, o direito é uma questão da prática que depende das circunstâncias, dos interesses em jogo e da personalidade de quem decide. Quanto mais estudamos esses elementos, maiores são as chances de prever as decisões do Judiciário.

Além disso, me parece que os doutrinadores devem formular propostas sobre a correta aplicação do direito, já que eles possuem um valioso conhecimento técnico sobre os conceitos e os métodos de interpretação do direito que pode ajudar o Judiciário em suas decisões.

Quais são os critérios para formular essas propostas? Alguns doutrinadores opinam por defender os interesses de seus clientes; outros fazem propostas acreditando que falam em nome da verdade e da justiça; há também doutrinadores que defendem as interpretações socialmente úteis. Eu sigo essa última orientação, porque considero o direito como instrumento para melhorar a vida social.

Pois bem, o Supremo Tribunal Federal já foi instado a se manifestar em diversas oportunidades acerca do alcance normativo dos enunciados objetos da presente análise, estampados no inciso LIV da Constituição Federal:

ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

Nessa perspectiva, verificar a compatibilidade das decisões do STF com o ordenamento jurídico, a consistência argumentativa dos ministros e a coerência normativa de suas manifestações na aplicação dos aludidos dispositivos constitucionais, de modo crítico, é a missão acadêmica que se propõe realizar.


2 O DIREITO CONSTITUCIONAL E MORAL DE UM JULGAMENTO JUSTO, IMPARCIAL E CONVINCENTE

Somente há direito se houver amparo no (do) ordenamento jurídico. Não há direito fora do ordenamento jurídico. Todavia, há direitos tão fortes, tão consistentes, tão incorporados na consciência cívica da comunidade, que não são apenas “direitos jurídicos”, mas verdadeiros “direitos morais”, graças à alta carga valorativa que possuem. São direitos civilizatórios. No entanto, é importante assinalar que o ordenamento jurídico não se esgota na “Lei escrita”, como pontifica Alf Ross.[3]

Dentre esses cogitados “direitos morais” tem-se o direito fundamental a um julgamento justo (porque imparcial) e o direito constitucional da inafastabilidade da jurisdição nas hipóteses de ameaças ou lesões a direitos (art. 5º, inciso XXXV, CF),[4] bem como o direito a ser convencido publicamente pelo magistrado, conforme dispõe o inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal.[5]

Para realizar essa promessa de um julgamento justo, o ordenamento jurídico exige o “devido processo legal”. Com efeito, para absolver ou condenar (ou para julgar procedente ou improcedente um pedido judicial), o magistrado deve formar suas convicções apreciando com liberdade as provas lícitas, viabilizando o contraditório e a mais ampla defesa, de acordo com o devido processo legal.

Nesse específico tema da formação da convicção do julgador, o magistério de Lenio Luiz Streck[6] traz uma importante reflexão sobre o ato judicial de interpretar e decidir:

a decisão jurídica não se apresenta como um processo de escolha do julgador das diversas possibilidades de solução as causas submetidas ao seu crivo. Ela se dá como um processo em que o julgador deve estruturar sua interpretação – como a melhor, a mais adequada – de acordo com o sentido do direito projetado pela comunidade política.

No plano legal, essa prerrogativa (ou verdadeiro dever) - de livre apreciação das provas - do magistrado brasileiro pode ser vislumbrada, a título ilustrativo e prescritivo, nos artigos 155, do Código de Processo Penal, e 131, do Código de Processo Civil.[7]

Essa livre apreciação das provas - reitera-se - não significa arbítrio absoluto, mas relativa discricionariedade. Ou seja, deve o magistrado justificar razoável e racionalmente com apoio em evidências comprováveis e aceitáveis e fundamentando com base no ordenamento jurídico (Tratados, Constituição, Leis, Decretos, precedentes judiciais etc.), o porquê de sua decisão, seja a condenatória seja a absolutória, no plano penal, seja a da procedência ou improcedência do pedido, na seara cível.

Essas evidências deverão se consubstanciar em provas lícitas obtidas de modo legítimo, sendo, por conseqüência, válidas e idôneas para a formação da convicção do magistrado.  Não são quaisquer provas que influenciarão o magistrado, mas apenas as que forem válidas e idôneas, porque obtidas de modo legítimo e com procedimentos lícitos. Do contrário, se a prova não for válida, poderá ser decretada a nulidade do processo tendo em vista o julgamento viciado do magistrado, por violação ao devido processo legal.

Eis uma das maiores garantias fundamentais da pessoa humana: o julgamento sem vícios, porque fundado em provas válidas e mediante um procedimento em conformidade com o ordenamento jurídico, e proferido por alguém imbuído do desejo de ser justo ao praticar a verdadeira justiça (ou a justiça possível para a humanidade).

Indiscutivelmente essa aludida garantia é uma das maiores conquistas evolutivas da humanidade organizada em sociedade civil.

Nesse prisma, no plano penal, por exemplo, não deve o magistrado ser parceiro da Polícia ou do Ministério Público na busca da condenação. Tampouco deve ser condescendente ou leniente com a Advocacia ou com a Defensoria na tentativa da absolvição. O magistrado deve procurar ser justo e imparcial.

Deve - ainda no exemplo da seara penal - o magistrado buscar a realização da justiça, apreciando com rigor as circunstâncias fáticas e as provas colacionadas, examinando com atenção, consideração e respeito os testemunhos e as argumentações da acusação e da defesa, e estudando com dedicação e seriedade os fundamentos jurídico-normativos que justificarão sua decisão.

Essa deve ser a postura de um magistrado digno da toga que veste e que honra a confiança que nele depositam as pessoas e toda a sociedade. É um conforto tanto para o inocente quanto para o culpado ser destinatário de uma sentença que buscou concretizar a justiça. Essa tranquilidade serve para todos os conflitos judiciais ou controvérsias normativas, independentemente de sua natureza ou caráter.

Pois bem, para a concretização desse postulado civilizatório da humanidade que é o julgamento justo, o sistema jurídico brasileiro possui um cabedal significativo de instrumentos normativos: a Constituição Federal, a legislação processual nacional, os textos normativos internacionais e os precedentes jurisprudenciais.

Todo esse aparato normativo - reitere-se - simboliza a idéia de civilidade que deve permear a convivência humana em sociedade. É intuitivo que na sociedade contemporânea a justa punição - ou a correta absolvição - fundada racionalmente em provas válidas (porque lícitas e legítimas) é o que nos diferencia das sociedades bárbaras e incivilizadas.

Esse modo de proceder dá – inclusive - eventual superioridade moral que permita a difícil e dolorosa tarefa de segregar aqueles que ao agredirem outras pessoas - violando as normas de proteção do convívio social - cometeram crimes.

A moralidade objetiva da força do direito pressupõe a tentativa desesperada de um julgamento justo (porque imparcial e convincente), de acordo com o preceito do “devido processo legal”, e seus consectários do “contraditório e da ampla defesa” e da “proscrição das provas ilícitas”.

Não sem razão que Karl Olivecrona[8]  e Ronald Dworkin[9]  foram buscar na mitologia grega as representações do magistrado justo: Atlas para Olivecrona e Hércules para Dworkin.

Induvidosamente, a tarefa de concretização da justiça exige um esforço sobre-humano, quase divino. No entanto, em que pesem as dificuldades, o magistrado sinceramente comprometido com a busca da verdade racional, razoável, convincente e coletivamente aceitável, poderá facilitar a sua tarefa (e confortar a sua consciência moral) se respeitar e aplicar os referidos preceitos processuais constitucionais, mormente a garantia do “devido processo legal”.


3 OS ENUNCIADOS NORMATIVOS SUPRANACIONAIS

  Não somente no plano nacional há diretivas em busca do julgamento justo e civilizado, especialmente no âmbito penal, conforme o disposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.[10]  Cuide-se que tanto a Declaração Universal quanto a Declaração e a Convenção Americanas reconhecem a importância dos deveres – e não só dos direitos – inerentes a cada pessoa.[11]

Continuo ainda na seara penal. Nada obstante o descumprimento pelos culpados dos seus deveres jurídicos, isso não lhes tolda os direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, pois, repete-se à exaustão, a superioridade moral de nossa civilização decorre do respeito e consideração destinados mesmo àqueles que desrespeitaram e violaram as nossas leis.

Esse relevante aspecto simbólico foi bem capturado pelo ministro Eros Grau no julgamento do Habeas Corpus n. 94.408[12], que confirmou o entendimento consagrado no Habeas Corpus n. 84.078[13], no qual o Supremo Tribunal Federal decretou a inconstitucionalidade da “execução antecipada da pena”.  O ministro Eros Grau relembrou o magistério de Evandro Lins, outrora ministro do STF, para quem:

Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente.

E disse mais o citado ministro Eros Grau:

8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil).

Ante esse quadro, segundo o Supremo Tribunal Federal, se nem mesmo o condenado pode ser privado das prerrogativas inerentes à dignidade da pessoa humana, com muito maior razão deverá ser protegido o que ainda se encontra apenas acusado ou processado, portanto, sequer condenado.

Esse é o cuidado que se deve ter com o investigado ou acusado penalmente, uma vez tratar-se de indivíduo dotado de igual dignidade humana, na esteira do magistério jurisprudencial do STF.

Nessa senda, recorda-se o que disse o ministro Gilmar Mendes no julgamento do Habeas Corpus n. 84.409[14]:

(...) não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe ao indivíduo, daí a necessidade de rigor e prudência daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso.

À toda evidência, no rastro da jurisprudência do STF, o indivíduo que está sob investigação policial ou que se encontra criminalmente processado deverá ter garantida as franquias processuais constitucionais, sobretudo o direito de ser julgado por magistrado convencido por meio de provas válidas, isto é, juridicamente lícitas e obtidas de modo legítimo, viabilizando-se o contraditório e a mais ampla defesa, dentro de um devido processo legal.

Tudo isso em obediência ao ordenamento jurídico (Constituição, Leis, Tratados, precedentes) e em homenagem à dignidade da pessoa humana, porque todos somos merecedores de mútuo respeito e consideração, porquanto somos todos iguais, inexistindo superioridade ou inferioridade valorativa entre os homens.

Nessa linha, após visitar textos normativos supranacionais, dispositivos da Constituição Federal e da legislação nacional, deve-se buscar o amparo normativo dessas mencionadas garantias na prática jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal.

Antes, contudo, será surpreendido o magistério doutrinário  de Alf Ross, um dos principais expoentes do realismo jurídico, uma corrente teórica que atribui importância capital ao estudo e conhecimento das práticas judiciais na concretização e compreensão do Direito, no sentido de que o direito positivo não se esgota no texto normativo, mas deve ser observado na realidade e na dinâmica dos tribunais.


4 O REALISMO JURÍDICO DE ALF ROSS E O LIVRO “DIREITO E JUSTIÇA”

Na apresentação de Alaôr Caffé Alves à edição brasileira do referido livro “Direito e Justiça”, que foi originariamente publicado na Dinamarca, em 1953, com o título “Om Ret og Retfærdighed”, revela-se que o professor danês Alf Ross teve como método a análise do Direito como fenômeno jurídico experimental, tendo como principal objeto de estudo as práticas judiciais.[15]

No prefácio que escreveu, em 1958, à edição inglesa do aludido livro, cujo título naquele idioma é “On Law and Justice”, Alf Ross externou:

A principal idéia deste trabalho é levar no campo do direito os princípios do empirismo às suas conclusões últimas. Desta idéia emerge a exigência metodológica do estudo do direito seguir os padrões  tradicionais de observação e verificação que animam toda a moderna ciência empirista, e a exigência analítica das noções jurídicas fundamentais serem interpretadas obrigatoriamente como concepções da realidade social, do comportamento do homem em sociedade e nada mais. Por esta razão e que rejeito a idéia de uma “validade” a priori específica que coloca o direito acima do mundo dos fatos e reinterpreto a validade em termos de fatos sociais; rejeito a idéia de um princípio a priori de justiça como guia para a legislação (política jurídica) e ventilo os problemas da política jurídica dentro de um espírito relativista, quer dizer, em relação a valores hipotéticos aceitos por grupos influentes na sociedade; e finalmente, rejeito a idéia segundo a qual o conhecimento jurídico constitui um conhecimento normativo específico, expresso em proposições de dever ser, e interpreto o pensamento jurídico formalmente em termos da mesma lógica que dá fundamento a outras ciências empíricas (proposições de ser).

(....)

Durante os mais trinta anos em que me ocupei dos estudos jusfilosóficos, tenho, é claro, recebido orientação e inspiração procedentes de muitos lugares. Sem elas teria sido impossível escrever este livro. Tais débitos são esquecidos facilmente, o que me torna incapaz de apresentar uma lista completa. Mas devo mencionar dois mestres que tiveram para mim uma maior significação do que quaisquer outros: Hans Kelsen, que me iniciou na filosofia do direito e me ensinou, acima de tudo, a importância da coerência, e Axel Hägerström, que me abriu os olhos para o vazio das especulações metafísicas no campo do direito e da moral. [16]

Alf Ross se preocupa com as relações entre o que ele chama de “direito vivo” (o direito que realmente se desenvolve no seio da comunidade) e o “direito teórico ou dos livros”, e às forças que de fato motivam a aplicação do direito em contraposição aos fundamentos racionalizados presentes nas decisões judiciais.[17]

Para Alf Ross as leis são expressões lingüísticas. As expressões lingüísticas podem ser divisadas em três categorias: a) asserções; b) exclamações e c) diretivas.[18]

Segundo Alf Ross, as asserções são as expressões lingüísticas que indicam um certo estado de coisas, como sucede com a expressão “meu pai está morto”. As exclamações são as expressões lingüísticas que não têm significado representativo não exercem qualquer influência, como sucede com a expressão “ai!”. As diretivas são as expressões lingüísticas sem significado representativo, mas com intenção de exercer influência, como sucede com a expressão “feche a porta”.[19]

Nessa batida, segundo Alf Ross as regras jurídicas são obviamente “diretivas”, que visam exercer influência sobre as condutas humanas:

As leis não são promulgadas a fim de comunicar verdades teóricas, mas sim a fim de dirigir as pessoas – tanto juízes quanto cidadãos particulares – no sentido de agirem de uma certa maneira desejada. Um parlamento não é um escritório de informações, mas sim um órgão central de direção social.[20]

Segundo Ross, a regra jurídica não é verdadeira nem falsa, é diretiva, pois a sua finalidade é prescrever comportamentos, de sorte que há uma distinção entre (a) o próprio direito enquanto regras jurídica e (b) o conhecimento acerca do direito enquanto proposições acerca das regras jurídicas.[21]

Alf Ross, em tópico sobre o “conceito de direito vigente”, faz uma interessante aproximação entre as regras jurídicas e as regras do xadrez, a revelar o aspecto de fenômeno social de ambos os sistemas normativos, tanto o direito quanto o xadrez. Para ele, as regras normativas são convencionais e estabelecem uma “conexão de significados” entre os participantes do “jogo” social. O conhecimento das regras do xadrez não implica que se ganhe o jogo. Assim como o conhecimento das normas jurídicas não implica a sua obediência nem a vitória nas demandas judiciais.[22]

Segundo Alf Ross, as regras se apresentam como “esquemas interpretativos”. Daí porque:

‘direito vigente’ significa o conjunto abstrato de idéias normativas que serve como um esquema interpretativo para os fenômenos do direito em ação, o que por sua vez significa que essas normas são efetivamente acatadas e que o são porque experimentadas e sentidas como socialmente obrigatórias.[23]

Discorrendo sobre o ordenamento jurídico, Alf Ross entende, resumidamente, que ele – o ordenamento jurídico – é o conjunto de regras para o estabelecimento e funcionamento do aparato de força do Estado.[24]

Quanto à “ciência jurídica”, Alf Ross defende que ela não pode ser separada da “política jurídica”, na medida em que a descrição científica está imbuída de prescrição política. Ou seja, o cientista ao descrever prescreve e, portanto, procura influenciar a compreensão e a concretização do direito.[25]

Segundo Alf Ross há uma relação entre “temor e respeito”, que são os dois motivos que caracterizam a experiência do direito. Isso significa que a obediência ou adesão ao Direito tem um fundamento ideológico e político. Daí porque, segundo ele, o poder político é competência jurídica, de modo que não existe poder político independente do direito.[26]

Dissertando sobre variados temas da teoria do direito, Alf Ross visita um que é especialmente caro para os nossos propósitos: o método jurídico ou interpretação. Na linha kelseniana, para ele a interpretação é política jurídica e não ciência do direito.[27]

Alf Ross aborda os aspectos sintáticos, lógicos, semânticos e pragmáticos dos problemas da interpretação do direito. Com isso pretende ele revelar o real alcance da administração da justiça praticada pelos magistrados, independentemente dos “critérios” interpretativos, e tendo em vista a “eterna” tensão entre a vontade subjetiva do legislador e a vontade objetiva da lei.[28]

É contundente a insistência de Alf Ross no dever de conhecer a jurisprudência e a prática dos tribunais, de sorte que somente assim seria possível estabelecer um eventual critério seguro de como o direito realmente tem funcionado e como poderá vir a funcionar na solução de problemas futuros.

Alf Ross discorre sobre os postulados da “consciência jurídica” e nos convida a refletir sobre o papel social desempenhado pelo jurista na defesa dos interesses políticos refletidos no ordenamento jurídico e na prática dos tribunais, e acusa o jurista de estar à disposição de quem segura as rédeas do poder.[29]

Em sociedades democráticas, digo eu, onde deve reinar o primado da liberdade, da alteridade, da pluralidade, da aceitação do outro e da força do diálogo e do argumento convincente, o jurista deve estar a serviço do poder e do direito na defesa dos valores normatizados e protegidos pelo ordenamento jurídico.

No Estado Democrático de Direito que se tem vivenciado desde 1988, conhecer a Constituição e o alcance normativo de suas disposições significa conhecer a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e conhecer as argumentações esgrimidas pelos principais personagens do Tribunal: os seus ministros. 

 Nesse quadro, atual e relevante a advertência formulada por Lênio Luiz Streck contida no capítulo 6 de sua referida obra[30]:

UMA ADVERTÊNCIA: CONTROLAR AS DECISÕES JUDICIAIS É UMA QUESTÃO DE DEMOCRACIA, O QUE NÃO IMPLICA “PROIBIÇÃO DE INTERPRETAR”...!

Com razão Lênio Luiz Streck. Com efeito, haja vista o indiscutível papel político desenvolvido pelo Poder Judiciário, especialmente o protagonizado pelo Supremo Tribunal Federal, conhecer a sua jurisprudência e controlar a consistência argumentativa e a coerência normativa de suas decisões e manifestações é fatalidade inescapável de todos que prezamos conviver em um Estado que se quer e que se diz Democrático e de Direito.

Além desse conhecimento da dogmática e da realidade jurídica, conhecer e estudar os fundamentos, os valores e as finalidades do ordenamento jurídico é relevante. Com a palavra Alf Ross:

Acredito que estudar filosofia deve encontrar em si mesmo sua recompensa, na medida em que satisfaz um inveterado anseio de clareza e nos permite saborear os puros prazeres do espírito. Se, além disto, esse estudo nos proporciona um entendimento mais completo do mecanismo e da lógica do direito e aumenta nossa capacidade para o cumprimento da tarefa, teórica e prática a que nos devotamos, tanto melhor. 


5 A RELEVÂNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A IMPORTÂNCIA DE SUA JURISPRUDÊNCIA

Como aludido, é cediço que a adequada compreensão de todo e qualquer enunciado constitucional pressupõe o conhecimento e a análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pois é a decisão do STF a norma definitiva sobre a controvérsia constitucional.

Nada obstante, convém lembrar que as prescrições normativas estão irmanadas e devem ser compreendidas em conjunto, pois, na linha do preconizado por Eros Grau[31], não se interpreta o Direito em tiras, pois se interpreta todo o Direito como um todo, daí que  deve o Tribunal, no momento da decisão, considerar, além das palavras contidas nos textos normativos, as circunstâncias fáticas e os valores socialmente institucionalizados.

O Tribunal não pode esquecer o insuplantável magistério doutrinário de Miguel Reale[32] com a sua “Teoria Tridimensional do Direito”: fato, valor e norma.

Tenho ousado dizer que além dos referidos três aspectos do fenômeno jurídico (fato, valor e norma) deve-se levar em consideração um quarto aspecto: as idiossincrasias do intérprete/julgador. Ou seja, os prismas individuais do magistrado: a sua ciência, a sua experiência e a sua consciência. Logo, para mim, o fenômeno jurídico é tetradimensional: as circunstâncias fáticas, os textos normativos, os valores sociais e as idiossincrasias subjetivas (ou prismas individuais). [33]  Se assim não fosse, como justificar a multiplicidade de interpretações (e soluções) que se atribuem ao mesmo fenômeno (problema) normativo?

Nada obstante a diversidade de interpretações (e compreensões) se faz imperioso definir o alcance normativo e o sentido válido das prescrições constitucionais. Essa definição e alcance são estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal, na qualidade de “Guarda da Constituição”, cuja missão precípua é a de garantir a supremacia normativa da Constituição e defender os direitos fundamentais da pessoa humana.

Mas, quem são os guardiões da Constituição brasileira? No regime democrático, em situação de absoluta normalidade institucional, a definitiva palavra sobre a guarda e a defesa do texto constitucional compete aos ministros do Supremo Tribunal Federal (art. 101, caput, CF).

Nos termos da Constituição, o ministro deve ser brasileiro nato, com mais de 35 anos de idade, de notável saber jurídico e de reputação ilibada. Ele é aposentado compulsoriamente aos 70 anos. Sua escolha é feita pelo Presidente da República. Sua nomeação depende de aprovação da maioria absoluta dos Senadores da República (art. 101, CF).

Qualquer brasileiro nato com mais de 35 anos pode ser ministro do STF? Não. Não é qualquer um que pode ser alçado às elevadas funções de ministro da Corte. Tem de ser possuidor de notável saber jurídico e de reputação ilibada. A razão de ser desses requisitos consiste na missão que se lhe destina: palavra definitiva do que seja a Constituição. É uma missão por demais honrosa e de grave impacto  nas relações sociais e institucionais dos brasileiros e do Brasil.[34]

No pertinente à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vale ressaltar que a sua importância não se dá apenas no aspecto normativo, enquanto decisão definitiva em matéria constitucional, mas tem caráter pedagógico e simbólico, pois a partir das decisões do STF, tanto o Poder Público quanto os indivíduos e as instituições podem criar justas expectativas comportamentais acerca do real sentido das normas constitucionais. É possível “calcular” com razoável grau de certeza e segurança as escolhas normativas que devem ser feitas.

Também tem caráter simbólico a jurisprudência da Corte para revelar os valores ideológicos que estão contidos nas decisões e que plasmam o ordenamento jurídico, a servir de vetor compreensivo de todos quantos vivenciam o Direito brasileiro.  O STF ao julgar uma controvérsia não decide apenas um caso posto ao seu crivo, mas indica a direção normativa que devem seguir os indivíduos (e as autoridades) e as instituições (públicas ou particulares). 

Mas como deve julgar o STF? Em rigorosa obediência ao texto constitucional. Os ministros devem se pautar pelo respeito à Constituição. O ministro está no Tribunal para fazer valer a força normativa da Constituição e não para impor as suas idiossincrasias ou ideologias particulares. O ministro é escravo da Constituição.

Como verificar se os ministros do STF estão cumprindo com a tarefa de guardar a Constituição? Acompanhando as suas decisões e as suas manifestações. Verificando a coerência narrativa e argumentativa. Estudando os precedentes individuais e coletivos da Corte. Descobrindo as razões implícitas e explícitas contidas nas manifestações e votos proferidos.  

O único controle possível é o da coerência normativa. Cuide-se que o ato de criação do direito é eminentemente político. O ato de decisão também o é. O político não necessita de ser coerente, pois para sobreviver politicamente ele deve se adaptar às circunstâncias e oportunidades eleitorais. O magistrado não deve se curvar aos interesses circunstanciais da política. O magistrado deve se submeter ao ordenamento jurídico.

O político deve tomar suas decisões pautadas nos interesses de seus eleitores. O magistrado deve decidir sem receio de contrariar os eleitores ou grupos poderosos. O magistrado deve decidir em conformidade com o Direito e de acordo com a sua consciência jurídica, mesmo que venha a desagradar setores socialmente relevantes.

O político deve se comprometer com os interesses da maioria que o elegeu. A sobrevivência eleitoral do político pressupõe agradar, nem que seja na aparência, o seu eleitorado. O magistrado deve se comprometer com a busca da verdade.  O político deve servir às maiorias. O magistrado deve ser o refúgio das minorias. Os regimes políticos democráticos há de ser o governo das maiorias, mas sem prejuízo ou menoscabo dos direitos das minorias, como preconizava Hans Kelsen[35].

Democracia constitucional é prevalência da maioria, mas de acordo com a “Lei”, sem aniquilamento das minorias. Só há Estado Democrático de Direito onde houver convivência entre grupos majoritários e grupos minoritários. Democracia é convivência no dissenso. É consenso construído. Não é consenso imposto. É dissenso consensual, por mais paradoxal que isso possa ser.   

Direito na democracia implica o respeito pelo outro, sobretudo se o outro for diferente quanto à condição econômica, étnica, racial, cor, sexo ou orientação sexual, credos e crenças religiosas. A democracia, para ser verdadeiramente democrática, tem de ser pluralista e nela – na democracia – a lei não poderia ceder jamais, como ensinava Norberto Bobbio[36].  

Na democracia, a força serve ao direito. O direito é de quem possui os melhores argumentos, de quem está com a razão e com a “verdade” possível e alcançável. No jogo verdadeiramente democrático, as “cartas” não devem estar previamente marcadas. Em síntese, na democracia constitucional o papel da “justiça constitucional” é o de garantir a idoneidade do jogo democrático, viabilizando o governo da maioria e permitindo o respeito às minorias. Essa missão da “corte constitucional” decorre do aspecto “dual” do regime democrático constitucional. De um lado a vontade vencedora da maioria política. Doutro lado os direitos dos grupos minoritários, como tem acentuado Bruce Ackerman[37].  

Na democracia constitucional, o STF deve defender a coletividade e o indivíduo protegendo a Constituição, mesmo que decida em contrariedade a setores influentes da sociedade e da opinião pública. Para garantir a democracia, o Tribunal tem de ter a coragem de ser contramajoritário, e isto não quer dizer antidemocrático.

A única preocupação do Tribunal deve ser a de cumprir a Constituição e garantir o seu respeito, sobretudo em face daqueles que são acostumados a ignorá-la, pois na experiência jurídica brasileira, infelizmente, a Lei não intimida os poderosos. Desgraçadamente, neste País, cumprir ou temer a Lei é coisa de “pobre”, de “preto”, de “prostituta” ou de “pateta”. É uma lástima!

Nada obstante as dificuldades sociais, culturais, políticas e normativas para a concretização das promessas constitucionais, a experiência do STF tem dado sinais de que seja possível vislumbrar uma mudança na mentalidade cultural e nas práticas sociais brasileiras, mesmo que ainda sejam tímidas.

É isso que se espera dos ministros do STF: que julguem as causas em conformidade com o ordenamento jurídico, obedecendo à Constituição, às “leis internacionais”, às leis nacionais e aos precedentes judiciais, em obséquio ao Estado Democrático de Direito e de acordo com o devido, porque razoável, processo legal. 


6 O DEVIDO PROCESSO LEGAL NA JURISPRUDÊNCIA DO STF

A relevância normativa do princípio do “devido processo legal” faz dele, segundo Nelson Nery Júnior, a base sobre a qual todos os outros princípios se sustentam.[38] Diz mais o ilustrado processualista:

Em nosso parecer, bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of law para que daí decorressem todas as conseqüências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais do processo são espécies.

Em precioso livro sobre o princípio do “devido processo legal substantivo”, Ruitemberg Nunes Pereira[39]  quebra a tradição doutrinária brasileira para defender a tese de que as raízes do “devido processo legal” não se encontram na Magna Carta inglesa de 1215, mas nas “leis” germânicas no período da “Alta idade média”, especificamente o Decreto de 1037 expedido pelo imperador Conrado II, do Sacro Império Romano Germânico.

Segundo Ruitemberg Nunes Pereira[40], nesse aludido Decreto de 1037, o imperador Conrado II determinava:

que nenhum homem seria privado de um feudo sob o domínio do Imperador ou de um senhor feudal (mesne lord), senão pelas leis do Império (laws of empire) e pelo julgamento de seus pares (judgment of his peers).

Com efeito, diante desse aludido texto é forçoso convir que o enunciado estampado no capítulo 39 da Magna Carta de 1215 lhe guarda imensa similitude. Eis a tradução de Paulo Fernando Silveira[41]:

Nenhum homem livre será detido ou sujeito a prisão, ou privado dos seus direitos ou seus bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou reduzido em seu status de qualquer outra forma, nem procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento legal pelos seus pares ou pelo costume da terra.

Do medieval direito inglês, cuja fonte, na linha do citado magistério de Ruitemberg Nunes Pereira foi o medieval direito germânico, essa cláusula vicejou nos Estados Unidos da América onde se estampou no Bill of Rigths de 1791 (Emendas Constitucionais I a X da Constituição norte-americana de 1787).  Colho do opúsculo de Saul K. Padover[42] o seguinte sentido vernacular à Emenda V:

Nenhuma pessoa será obrigada a responder por um crime capital ou infamante, salvo por denúncia ou pronúncia de um grande júri, exceto em se tratando de casos que, em tempo de guerra ou de perigo público, ocorram nas forças  terrestres ou navais, ou na milícia, quando em serviço ativo; nenhuma pessoa será, pelo mesmo crime, submetida duas vezes a julgamento que possa causar-lhe a perda da vida ou de algum membro; nem será obrigada a depor contra si própria em processo criminal ou ser privada da vida, da liberdade ou propriedade sem processo legal regular (due process of law); a propriedade não será desapropriada para uso público sem justa indenização.

A experiência jurídica norte-americana construiu uma sólida compreensão dessa cláusula constitucional que influenciou sobremaneira o direito constitucional brasileiro, especialmente no concernente ao intitulado “devido processo legal substantivo”, cuja principal finalidade consistia no controle da proporcionalidade e da razoabilidade das leis, como pontificado por Carlos Roberto de Siqueira Castro[43].

Nessa perspectiva, convém diferenciar o “devido processo legal processual” do “devido processo legal substantivo”, pois a dinâmica da jurisprudência do STF tem enfrentado essa questão de modo distinto.

Com efeito, na prática judicial do STF o tema do “devido processo legal processual” tem sido objeto de uma jurisprudência defensiva da Corte no sentido de não apreciar a questão sob o fundamento de que a eventual inconstitucionalidade seria indireta ou reflexa, pois demandaria a análise do conteúdo das normas infraconstitucionais, o que seria inviável nas estreitas vias do contencioso constitucional.[44]

Essa é a “pedra de toque” da jurisprudência do STF acerca do alcance normativo do “devido processo legal processual”. A Corte tem uma jurisprudência defensiva e praticamente não conhece dos feitos que se fundamentam em violação ao devido processo legal, se acaso essa violação for de caráter procedimental ou formal. O argumento esgrimido pela Corte, ao meu sentir é frágil e esvazia o conteúdo normativo da proteção constitucional do “devido processo legal processual”.[45]

No julgamento do RE 560.477, que visitou o tema da exclusão de contribuintes do REFIS, o relator originário do feito, Ministro Marco Aurélio, entendeu que a exclusão do programa sem prévia notificação ou sem oportunizar contraditório e ampla defesa, violava o devido processo legal administrativo.

A dissidência foi inaugurada pelo Ministro Ricardo Lewandowski, que se tornou o redator do acórdão, no sentido de que a controvérsia tinha caráter infraconstitucional, por versar questão relativa à aplicação da Lei 9.964/2000.

O Ministro Menezes Direito acompanhou o voto do Ministro Marco Aurélio e assinalou importante – e certeira – manifestação:

Mas como disse, Senhor Presidente, Vossa Excelência, a meu sentir, pôs corretamente que o que se está examinando é apenas a violação do artigo 5º no que diz respeito ao devido processo legal, ou seja, o contraditório e a ampla defesa.

E aí pouco importa, pelo menos na minha compreensão, que o tema esteja numa legislação infraconstitucional, porque o princípio é constitucional. Então, se existe uma legislação infraconstitucional que atenta contra esse princípio, evidentemente que nós temos de examiná-la primeiro para saber se ele foi ou não foi violado. Se foi violado, é o caso, como Vossa Excelência pôs, a meu sentir, reitero, com a devida vênia dos que possam entender em sentido contrário, corretamente, porque existe, sim, viabilidade de conhecimento para que se apure se esse princípio foi ou não violado.

A Ministra Cármen Lúcia acompanhou a divergência inaugurada pelo Ministro Ricardo Lewandowski sob o fundamento de que houve o respeito ao devido processo legal da “Lei do REFIS”.

O Ministro Marco Aurélio chegou a questionar à Ministra Cármen Lúcia se ela não entendia que a notificação de exclusão, sem prévio contraditório e defesa, não violava o devido processo legal, no que ela respondeu que não porque o procedimento estabelecido na lei foi respeitado.

O último a votar foi o Ministro Ayres Britto, uma das vozes mais liberais da Corte. Todavia, em sua manifestação assinalou:

Estou entendendo também, Senhor Presidente, que neste caso – como em quase todos os casos – o tamanho do devido processo legal se mede com a trena da lei que o institua.

Vou repetir: tamanho do devido processo legal se mede com a trena da lei que o institua.

O Ministro Marco Aurélio apelou para o direito natural, alegando que o cidadão tem esse direito a ser ouvido para ter afastada uma situação jurídica formalizada.  Nada obstante os apelos do Ministro Marco Aurélio e a adesão do Ministro Menezes Direito, a Turma entendeu que não houve violação direta ao princípio constitucional do devido processo legal e não conheceu do recurso do contribuinte.

No caso específico do “REFIS”, o Plenário do Tribunal rejeitou, em questão de ordem, o reconhecimento de repercussão geral da controvérsia sob o mesmo fundamento de cuidar-se de matéria infraconstitucional, nos autos do Recurso Extraordinário n. 611.230.[46]

Essa orientação da Corte frustrou as expectativas dos contribuintes que julgavam que seria aplicado o entendimento consagrado nas “razões de decidir” dos acórdãos que resultaram na edição da Súmula Vinculante n. 21 (É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo).[47]

No julgamento do RE 388.359, que estabeleceu essa nova orientação da Corte, sumulada de modo vinculante, o único voto dissidente foi proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence, outra voz liberal do Tribunal, fiel às manifestações anteriores no sentido de que não há a garantia constitucional ao duplo grau de jurisdição, seja a administrativa, seja a judicial.  Ou seja, segundo o Tribunal, nada obstante a previsibilidade legal da exigência de depósito prévio ou de arrolamento de bens, essa exigência se revelaria violadora do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Com esteio nesse aludido precedente, havia uma justa e razoável expectativa de que o Tribunal também julgaria inconstitucional a exclusão do REFIS sem o prévio contraditório e ampla defesa, por violação ao devido processo legal.

Pois bem, se no plano estritamente procedimental a jurisprudência da Corte é defensiva na aplicação da cláusula constitucional do “devido processo legal”, salvo em situações excepcionalíssimas como a que resultou na edição da SV 21, no âmbito da substância outro tem sido o caminho palmilhado pelo Tribunal, dando um robusto elastério à referida cláusula, com o reconhecimento do “devido processo legal substantivo”.

É com estribo nesse postulado do “devido processo legal substantivo” que o Tribunal tem apreciado a proporcionalidade e a razoabilidade de todos provimentos normativos submetidos ao seu crivo, sejam emendas constitucionais, tratados internacionais, leis (federais, estaduais ou municipais), medidas provisórias, atos administrativos, regulamentos privados ou decisões judiciais. Ou seja, toda e qualquer norma jurídica poderá ter sindicada a sua validade constitucional se acusada de violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (ou do devido processo legal substantivo).

De efeito, se se ativer somente aos princípios e direitos fundamentais pode-se estabelecer um critério interpretativo, tanto em relação ao conceito do que sejam os direitos fundamentais quanto ao modo de compreendê-los.

Por direitos fundamentais tenho entendido que seja o conjunto de enunciados normativos (regras, princípios e postulados) que devem regular a vida e a liberdade das pessoas, e que devem viabilizar com igualdade de condições e oportunidades, de acordo com as necessidades e possibilidades individuais e coletivas, a todos - e a cada um - dignidade na mútua convivência, com os devidos, decentes, necessários, recíprocos respeito e consideração.

Alicerçado nessa concepção de direitos fundamentais, entendo, por conseguinte, que todo e qualquer sacrifício (ou restrição) de direito fundamental deverá ser razoável e proporcional (compatível, aceitável, necessário e adequado), a revelar a prudência e o bom senso do intérprete (aplicador), segundo as circunstâncias fáticas, os enunciados prescritivos, os paradigmas coletivos e os prismas individuais, na solução do caso concreto.

Esse, ao meu sentir, é o fio-condutor para uma adequada compreensão (e aplicação) dos direitos fundamentais da pessoa humana.

Penso que para uma adequada verificação de eventual desrespeito ao “devido processo legal substantivo”, consubstanciado nos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, devem ser considerados os aludidos critérios.

No STF, um dos ministros mais entusiasmados com o princípio do “devido processo legal”, seja na vertente processual seja na material ou substantiva é o Ministro Celso de Mello, como se percebe em passagens de acórdãos ou decisões de sua relatoria.[48] Na mesma toada seguem os demais ministros da Corte, em sede de “devido processo legal substantivo” (ou substantive due process of law).[49]

O Tribunal tem afastado o uso de “sanções políticas” como instrumento de cobrança de tributos por entender violado o princípio do devido processo legal substantivo.[50]

Discussão semelhante está ocorrendo na Corte nos autos do Recurso Extraordinário n. 550.769 e na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.952, ambos sob a relatoria do Ministro Joaquim Barbosa.  Nesses aludidos feitos questiona-se a validade constitucional do “regime especial de IPI das empresas tabagistas” regulado pelo Decreto-Lei n. 1.593/1977.[51]

As teses no sentido da invalidade do citado “regime especial” sustentam a violação dos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da presunção de inocência, da vedação de sanções políticas, da livre iniciativa, da proporcionalidade e da razoabilidade.

Oficiando na qualidade de procurador da Fazenda Nacional apresentei parecer, nos autos dos aludidos feitos, cuja ementa tem o subseqüente teor:

Constitucional. Tributário. IPI. Regime Especial. Decreto-Lei n. 1.593/1977.

Devido processo legal substantivo respeitado.

Indústria tabagista. Atividade econômica tolerada pelo Estado.

Razoabilidade e proporcionalidade das restrições legais inquinadas.

Ponderação de interesses. Saúde pública.  Defesa do consumidor.  Liberdade de concorrência.

A livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna.

Todas as normas e medidas jurídicas para controlar com rigor e austeridade a produção de cigarros são constitucionalmente válidas, politicamente legítimas, moralmente aceitáveis e socialmente desejáveis.[52]

O julgamento dos mencionados feitos já se iniciou. No referido RE 550.769, o relator Ministro Joaquim Barbosa votou pelo desprovimento do recurso, por entender que no caso concreto não se vislumbrava a alegada inconstitucionalidade. Após o seu voto, pediu vista do feito o Ministro Ricardo Lewandowski. No julgamento da ADIN 3952, o relator Ministro Joaquim Barbosa votou pela procedência parcial do pedido. Após o seu voto, pediu vista a Ministra Cármen Lúcia. [53]

Se a Corte vier a decretar a inconstitucionalidade do aludido dispositivo estará assemelhando as situações às mesmas hipóteses dos precedentes relativos às “sanções políticas”. Se acaso o Tribunal julgar válido o conjunto normativo estará fazendo uma delicada e relevante distinção no sentido de que a finalidade precípua do regime especial não é a cobrança do tributo, mas a regularidade da atividade econômica.

Nada obstante tenha oficiado no sentido da validade constitucional das normas jurídicas impugnadas, parece-me aceitável eventual decisão em sentido contrário.

Nessa perspectiva, à luz do que foi exposto, é de ver que a jurisprudência da Corte, em sede de “devido processo legal processual” é defensiva e praticamente não conhece das controvérsias que lhe são submetidas sob o fundamento de cuidar-se de matéria infraconstitucional.

Já em sede de “devido processo legal substantivo”, o Tribunal avançar no conhecimento das causas e verifica se as normas jurídicas estão em conformidade com os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade (compatibilidade, aceitabilidade, necessidade e adequação).

Finalizo este tópico recordando o já citado Nelson Nery Júnior[54]:

Resumindo o que foi dito sobre esse importante princípio, verifica-se que a cláusula procedural due process of law nada mais é do que a possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível, isto é, de ter his day in Court, na denominação genérica da Suprema Corte dos Estados Unidos.

Bastaria a Constituição Federal de 1988 ter enunciado o princípio do devido processo legal, e o caput e a maioria dos incisos do art. 5º seriam absolutamente despiciendos. De todo modo, a explicitação das garantias fundamentais derivadas do devido processo legal, como preceitos desdobrados nos incisos do art. 5º, CF, é uma forma de enfatizar a importância dessas garantias, norteando a administração pública, o Legislativo e o Judiciário para que possam aplicar a cláusula sem maiores indagações.

Como aludido no referido magistério doutrinário, os temas do “contraditório”, da “ampla defesa” e das “provas ilícitas”, indiscutíveis derivações do “devido processo legal”, também têm sido objeto de apreciação na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pois a tradição autoritária do direito brasileiro pressupõe a explicitação de garantias fundamentais. Não são prescrições meramente expletivas, mas dispositivos prenhes de forte conteúdo normativo.


7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao meu sentir, o STF, no tocante ao “devido processo legal processual” tem se esquivado de julgar as controvérsias, sob a justificativa de cuidar-se de tema de índole infraconstitucional.  Mas no que toca ao “devido processo legal substantivo”, o Tribunal tem procurado atuar estrita obediência à Constituição, inquinando de inválidas as normas desproporcionais ou desarrazoadas, ou seja, incompatíveis, desnecessárias, inadequadas e inaceitáveis.

De efeito, nos regimes constitucionais democráticos, como o nosso pretende ser, devem os juízes (de quaisquer instâncias) julgar as causas segundo o ordenamento jurídico (Constituição, Leis nacionais, “Leis” internacionais, precedentes e costumes), de modo a garantir a correta punição dos culpados e a devida absolvição dos inocentes, pois a Justiça está no rigoroso e imparcial cumprimento da “Lei”, temperada, de acordo com as circunstâncias do caso, com a equidade (bom senso e prudência).

E, para finalizar, relembro clássica passagem de Pimenta Bueno[55], nosso constitucionalista canônico, escrita no ano de 1857, mas de extrema atualidade para os dias que vivenciamos:

Por isso mesmo que a sociedade deve possuir e exigir uma administração da justiça protetora, fácil, pronta e imparcial; por isso mesmo que este poder exerce preponderante influência sobre a ordem pública e destinos sociais, influência que se estende sobre todas as classes, que se exerce diariamente sobre a honra, liberdade, fortuna e vida dos cidadãos; por isso mesmo, dizemos, é óbvio que nem a constituição nem as leis orgânicas deveriam jamais olvidar-se das condições essenciais para que ele ministre todas as garantias, para que possa desempenhar sua alta missão, e ao mesmo tempo não possa abusar sem recursos ou impunemente.

A constituição especial do poder judiciário é um objeto digno de toda a atenção nacional; e felizmente a nossa lei fundamental firmou e bem as bases, as mais importantes.


8 REFERÊNCIAS

8.1 Doutrinárias

ACKERMAN, Bruce. Nós, o povo soberano – fundamentos do direito constitucional. Tradução de Mauro Raposo de Mello. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

ALVES JR., Luís Carlos Martins. Direitos Constitucionais Fundamentais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2010.

ALVES JR., Luís Carlos Martins. IPI – Regime Especial Relativos às Empresas Fabricantes de Cigarros. Parecer. Revista Dialética de Direito Tributário n. 169, São Paulo: Dialética, outubro de 2009, pp. 169-180.

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

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GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros, 2006.

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PADOVER, Saul. A constituição viva dos Estados Unidos. Tradução de A. Della Nina. São Paulo: IBRASA, 1987, p. 73.

PEREIRA, Ruitemberg Nunes. O princípio do devido processo legal substantivo. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

PIMENTA BUENO, José Antonio. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império. Brasília: Senado Federal, 1978.

REALE, Miguel. Filosofia do direito, 19ª ed.. São Paulo: Saraiva, 2002.

ROSS, Alf. Direito e Justiça. Tradução de Edson Bini. Bauru: EDIPRO, 2000.

SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido processo legal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

SIQUEIRA CASTRO, Carlos Roberto. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1988.

STRECK, Lênio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

8.2 Judiciais

BRASIL, Supremo Tribunal Federal.  ADI 1.049 MC, relator ministro Carlos Velloso, Plenário, J. 18.5.1995, DJ 25.8.1995.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ACO 1.534, relator ministro Celso de Mello, Plenário, J. 17.3.2011, DJe. 11.4.2011.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 1.407 MC, relator ministro Celso de Mello, Plenário, J. 7.3.1996, DJ. 24.11.2000.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 1.922 MC, relator ministro Moreira Alves, Plenário, J. 6.10.1999, DJ. 24.11.2000.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 1.976 MC, relator ministro Moreira Alves, Plenário, J. 6.10.1999, DJ. 24.11.2000.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 1.976, relator ministro Joaquim Barbosa, Plenário, J. 28.3.2007, DJ 18.5.2007.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 173, relator ministro Joaquim Barbosa, Plenário, J. 26.9.2008, DJ 20.3.2009.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 3.952, relator ministro Joaquim Barbosa, Plenário, J. 26.9.2008, DJ 20.3.2009.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. AI 754.281, relatora ministra Cármen Lúcia, DJe n. 76, de 26.4.2011.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. AI 812.345, relator ministro Celso de Mello, DJe n. 74, de 19.4.2011.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ARE 636.925, relator ministro Ayres Britto, DJe n. 68, de 8.4.2011.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 84.078. Pleno. Julgado em 5.2.2009. Acórdão Publicado em 25.2.2010.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 94.408. 2ª Turma. Julgado em 10.2.2009. Acórdão Publicado em 26.3.2009.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE 210.246, redator ministro Nelson Jobim, Plenário, J. 12.11.1997, DJ. 17.3.2000.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE 388.359, relator ministro Marco Aurélio, Plenário, J. 28.3.2007, DJ 22.6.2007.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE 413.782, relator ministro Marco Aurélio, Plenário, J. 17.3.2005, DJ 3.6.2005.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE 529.154, relator ministro Celso de Mello, DJ. 16.8.2007.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE 550.769, relator ministro Joaquim Barbosa, Plenário, J. 26.9.2008, DJ 20.3.2009.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE 560.477, redator ministro Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, J. 4.11.2008, DJe 71, de 23.4.2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 611.230, relatora ministra Ellen Gracie, J. 13.8.2010, DJe. 159, de 27.8.2010.


Notas

[1] Direito e Justiça. Tradução de Edson Bini. Bauru: EDIPRO, 2000.

[2] FULLER, Lon. O caso dos denunciantes invejosos – introdução prática às relações entre direito, moral e justiça. Tradução de Dimitri Dimoulis. São Paulo: RT, 2003, pp. 51 e 52.

[3] Obra citada, p. 128.

[4] A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

[5] Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

[6] STRECK, Lênio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 98.

[7] Código de Processo Penal, Art. 155: O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.  Código de Processo Civil, Art. 131: O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento. 

[8] OLIVECRONA, Karl.  Linguagem jurídica e realidade, Quartier Latin, 2005, p. 32.

[9] DWORKIN, Ronald. O império do direito, Martins Fontes, 1999, p. 287.

[10] Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), Art. XI, item 1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente, até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948), Art. XXV.  Ninguém pode ser privado da sua liberdade, a não ser nos casos previstos pelas leis e segundo as praxes estabelecidas pelas leis já existentes. Art. XXVI.  Parte-se do princípio de que todo acusado é inocente, até provar-se-lhe a culpabilidade.  Toda pessoa acusada de um delito tem direito de ser ouvida em uma forma imparcial e pública, de ser julgada por tribunais já estabelecidos de acordo com leis preexistentes, e de que não se lhe inflijam penas cruéis, infamantes ou inusitadas.

Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), Art. 8º - Garantias judiciais. 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.  2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: .... c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa; .... f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos; g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada;  ...... 3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza. 4. ... 5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.

[11] Art. XXIX (Declaração Universal)

1. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.

Art. XXVIII (Declaração Americana)

Os direitos do homem estão limitados pelos direitos do próximo, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem estar geral e do desenvolvimento democrático.

Art. XXIX (Declaração Americana)

O indivíduo tem o dever de conviver com os demais, de maneira que todos e cada um possam formar e desenvolver integralmente a sua personalidade.

Art. 32 – Correlação entre deveres e direitos (Convenção Americana)

1. Toda pessoa tem deveres para com a família, a comunidade e a humanidade.

2. Os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem-comum, em uma sociedade democrática.

[12] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 94.408. 2ª Turma. Julgado em  10.2.2009. Acórdão Publicado em  26.3.2009.

[13] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 84.078. Pleno. Julgado em  5.2.2009. Acórdão Publicado em  25.2.2010.

[14] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 84.409. 2ª Turma. Julgado em  14.12.2004. Acórdão Publicado em  19.8.2005.

[15] Obra citada, pp. 9-14.

[16] Obra citada, pp. 19-20.

[17] Obra citada, p. 26.

[18] Obra citada, p. 31.

[19] Obra citada, pp. 28-31.

[20] Obra citada, p. 31.

[21] Obra citada, p. 33.

[22] Obra citada, pp. 34-37.

[23] Obra citada, p. 41.

[24] Obra citada, p. 58.

[25] Obra citada, pp. 71-76.

[26] Obra citada, p. 84.

[27] Obra citada, p. 136.

[28] Obra citada, pp. 135-187.

[29] Obra citada, pp. 421-430.

[30] Obra citada, p. 87.

[31] Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 44

[32] Filosofia do direito, 19 ed.. São Paulo:  Saraiva, 2002, Título X, pp. 497-617.

[33] ALVES JR., Luís Carlos Martins. Direitos Constitucionais Fundamentais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2010, pp. 93-94.

[34] Esse modelo parece-me não ser o mais indicado. O STF há de ser o coroamento de uma carreira dedicada ao Direito, e não o seu ponto de partida. Em vez de 35 anos de idade, deveriam ser 35 anos de experiência jurídica, seja como prático (magistrado, membro do Ministério Público ou da Advocacia Pública ou da Defensoria Pública, ou advogado) seja como “catedrático” (professor, consultor, pesquisador etc.). A comprovação do notável saber jurídico adviria justamente dessa longa experiência e dos trabalhos jurídicos (petições, pareceres, decisões) apresentados nesse período, e não apenas de eventuais cargos que tenham sido ocupados pelos postulantes. Ministro do STF tem de chegar pronto na Corte. O STF não é lugar de quem esteja aprendendo Direito, é lugar de quem já sabe Direito. Também entendo que em vez de ser vitalício, o cargo deveria ser temporário, com mandato de 8 anos. Também defendo que o quórum de aprovação deveria ser de 2/3 dos membros (senadores) do Senado da República, de sorte a exigir que seja indicado um nome respeitável e de consenso junto à classe política e junto à sociedade. A Ordem dos Advogados do Brasil, a Procuradoria-Geral da República e o Conselho da República deveriam opinar sobre o nome do indicado para essa alta função. Supremo é Supremo. É lugar de gente séria e respeitável, seja no aspecto moral, seja no aspecto jurídico-intelectual. Insisto e faço trocadilho: Supremo é a coroação suprema de uma carreira jurídica admirável.  O mesmo se aplica para os outros Tribunais Superiores e, por que não, para os demais Tribunais brasileiros, pois o exercício da magistratura pressupõe seriedade moral, sensibilidade social e alto conhecimento jurídico.

[35]  A democracia. Tradução de Ivone Castilho Benedetti e outros. São Paulo: Martins Fontes, 1993, pp. 67-78.

[36]  O futuro da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000, pp. 72-76.

[37]  Nós, o povo soberano – fundamentos do direito constitucional. Tradução de Mauro Raposo de Mello. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, pp. 3-45.

[38] Princípios do processo civil na Constituição Federal. 7ª edição. São Paulo: RT, 2002, p. 32.

[39] O princípio do devido processo legal substantivo. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 17.

[40] Obra citada, p. 20.

[41] Devido processo legal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 19

[42] A constituição viva dos Estados Unidos. Tradução de A. Della Nina. São Paulo: IBRASA, 1987, p. 73.

[43] O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1988).

[44] A comprovar, tenha-se:

ARE – Recurso Extraordinário com Agravo n. 636.925, Relator Ministro Ayres Britto, DJe n. 68, de 8.4.2011:

DECISÃO: vistos, etc.

O recurso não merece acolhida. É que a controvérsia sob exame não transborda os limites do âmbito infraconstitucional. Logo, inviável o apelo extremo, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal .

De mais a mais, a alegada ofensa às garantias do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa apenas ocorreria de modo reflexo ou indireto. No mesmo sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de que são exemplos os Ais 517.643-AgR, da relatoria do ministro Celso de Mello; e 273.604-AgR, da relatoria do ministro Moreira Alves.

AI - Agravo de Instrumento n. 754.281, Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe n. 76, de 26.4.2011:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. PRESCRIÇÃO. PRODUÇÃO DE PROVAS. ALEGADA CONTRARIEDADE AOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DO REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO E DA ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. ACÓRDÃO RECORRIDO FUNDAMENTADO. AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.

(...)

7. Ressalte-se, ao final, que este Supremo Tribunal assentou que a alegação de contrariedade ao princípio da legalidade e a verificação, no caso concreto, da ocorrência, ou não, de ofensa ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada ou, ainda, aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e da prestação jurisdicional, se dependentes de análise prévia da legislação infraconstitucional, configurariam apenas ofensa constitucional indireta.

Nesse sentido:(...)  (AI 816.034-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 23.2.2011 – grifei). 

AI – Agravo de Instrumento n. 812.345, Relator Ministro Celso de Mello, DJe n. 74, de 19.4.2011:

DECISÃO: A decisão de que se recorre negou trânsito a apelo extremo, no qual a parte ora agravante sustenta que o Tribunal “a quo” teria transgredido preceitos inscritos na Constituição da República.

O exame da presente causa evidencia que o recurso extraordinário não se revela viável.

É que o acórdão recorrido decidiu a controvérsia à luz dos fatos e das provas existentes nos autos, circunstância esta que obsta o próprio conhecimento do apelo extremo, em face do que se contém na Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal.

De outro lado, esta Suprema Corte tem reiteradamente enfatizado que, em princípio, as alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, do devido processo legal, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional podem configurar, quando muito, situações caracterizadoras de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição (RTJ 147/251 – RTJ 159/328 - RTJ 161/284 – RTJ 170/627-628 – AI 126.187-AgR/ES, Rel. Min. CELSO DE MELLO – AI 153.310-AgR/RS, Rel. Min. SYDNEY SANCHES - AI 185.669-AgR/RJ, Rel. Min. SYDNEY SANCHES – AI 192.995-AgR/PE, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 257.310-AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RE 254.948/BA, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.)

[45] No entanto, essa orientação tem vingado no Tribunal. Tenha-se o julgamento do Recurso Extraordinário n. 560.477 (Redator Ministro Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, J. 4.11.2008, DJe 71, de 23.4.2010), que visitou o tema da exclusão do programa tributário do “REFIS”. Eis a ementa de acórdão desse julgado:

EMENTA: TRIBUTÁRIO. REFIS. LEI 9.964/2000. FACULDADE DO CONTRIBUINTE. EXCLUSÃO DO PROGRAMA. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 5º, LV, DA CONSTITUIÇÃO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA. RECURSO NÃO CONHECIDO. I - Questão decidida com base na legislação infraconstitucional (Lei 9.964/2000). Eventual ofensa à Constituição, se ocorrente, seria indireta. II - A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a alegada violação ao art. 5º, LV, da Constituição configura, em regra, situação de ofensa reflexa ao texto constitucional, por demandar a análise de legislação processual ordinária. III - Recurso não conhecido.

[46]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 611.230. Relatora Ministra Ellen Gracie, J. 13.8.2010, DJe. N. 159, de 27.8.2010. Eis a ementa do acórdão:

NOTIFICAÇÃO PESSOAL PARA EXCLUSÃO DO PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL – REFIS. POSSIBILIDADE DA INTIMAÇÃO POR MEIO DA IMPRENSA OFICIAL E DA INTERNET. APLICAÇÃO DOS EFEITOS DA AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL TENDO EM VISTA TRATAR-SE DE DIVERGÊNCIA SOLUCIONÁVEL PELA APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

[47] Com efeito, nos julgamentos do Recurso Extraordinário n. 388.359 (Relator Ministro Marco Aurélio, Plenário, J. 28.3.2007, DJ 22.6.2007) e do mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.976 (Relator Ministro Joaquim Barbosa, Plenário, J. 28.3.2007, DJ 18.5.2007), o Tribunal superou a jurisprudência estabelecida na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.049 (Relator Ministro Carlos Velloso, Plenário, J. 18.5.1995, DJ 25.8.1995), na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.922 (Relator Ministro Moreira Alves, Plenário, J. 6.10.1999, DJ. 24.11.2000) e na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.976 (Relator Ministro Moreira Alves, Plenário, J. 6.10.1999, DJ. 24.11.2000) e no Recurso Extraordinário n. 210.246 (Redator Ministro Nelson Jobim, Plenário, J. 12.11.1997, DJ. 17.3.2000), e entendeu como violador do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, a necessidade caução prévia para o exercício de defesa na esfera administrativa.

[48] Ação Cível Originária n. 1.534 (Plenário, J. 17.3.2011, DJe n. 88, de 11.4.2011):

(...)

- A imposição de restrições de ordem jurídica, pelo Estado, quer se concretize na esfera judicial, quer se realize no âmbito estritamente administrativo, supõe, para legitimar-se constitucionalmente, o efetivo respeito, pelo Poder Público, da garantia indisponível do “due process of law”, assegurada, pela Constituição da República (art. 5º, LIV), à generalidade das pessoas, inclusive às próprias pessoas jurídicas de direito público, eis que o Estado, em tema de limitação ou supressão de direitos, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva e arbitrária. Doutrina. Precedentes.

(...) Com grifos no original.

Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.407 (Plenário, J. 7.3.1996, DJ 24.11.2000):

(...)

VEDAÇÃO DE COLIGAÇÕES PARTIDÁRIAS APENAS NAS ELEIÇÕES PROPORCIONAIS - PROIBIÇÃO LEGAL QUE NÃO SE REVELA ARBITRÁRIA OU IRRAZOÁVEL - RESPEITO À CLÁUSULA DO SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW. - O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade - que extrai a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do substantive due process of law - acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law (CF, art. 5º, LIV). Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador.

Com grifos no original.

Recurso Extraordinário n. 529.154 (DJ 16.8.2007):

EMENTA: SANÇÕES POLÍTICAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO.

INADMISSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO, PELO    PODER PÚBLICO, DE MEIOS GRAVOSOS E INDIRETOS DE COERÇÃO ESTATAL    DESTINADOS A COMPELIR O CONTRIBUINTE INADIMPLENTE A PAGAR O  TRIBUTO (SÚMULAS 70, 323 E 547 DO STF). RESTRIÇÕES ESTATAIS, QUE,    FUNDADAS EM EXIGÊNCIAS QUE TRANSGRIDEM OS POSTULADOS DA    RAZOABILIDADE E DA  PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO, CULMINAM POR INVIABILIZAR, SEM JUSTO FUNDAMENTO, O EXERCÍCIO, PELO    SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA, DE ATIVIDADE ECONÔMICA    OU PROFISSIONAL LÍCITA. LIMITAÇÕES ARBITRÁRIAS QUE NÃO PODEM SER IMPOSTAS PELO ESTADO AO CONTRIBUINTE EM DÉBITO, SOB PENA DE OFENSA AO "SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW". IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE O ESTADO LEGISLAR DE MODO ABUSIVO OU IMODERADO (RTJ 160/140-141 - RTJ 173/807-808 - RTJ 178/22-24). O PODER DE TRIBUTAR - QUE ENCONTRA  LIMITAÇÕES ESSENCIAIS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL, INSTITUÍDAS EM FAVOR DO CONTRIBUINTE - "NÃO PODE  CHEGAR À DESMEDIDA DO PODER DE DESTRUIR" (MIN. OROSIMBO NONATO, RDA 34/132). A PRERROGATIVA ESTATAL DE TRIBUTAR TRADUZ PODER CUJO EXERCÍCIO NÃO PODE COMPROMETER A LIBERDADE DE TRABALHO, DE COMÉRCIO E DE INDÚSTRIA DO CONTRIBUINTE. A SIGNIFICAÇÃO TUTELAR, EM NOSSO SISTEMA JURÍDICO, DO "ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO CONTRIBUINTE". DOUTRINA. PRECEDENTES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.

(...)

[49] Tenha-se parcela de ementa de acórdão nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 173 (Relator Ministro Joaquim Barbosa, Plenário, J. 26.9.2008, DJ 20.3.2009):

(...)

3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade,  quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. 

É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável.

(...)

[50] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 413.782, Relator Ministro Marco Aurélio, Plenário, J. 17.3.2005, DJ 3.6.2005).

[51] Eis o dispositivo atacado:

Art. 2º  O registro especial poderá ser cancelado, a qualquer tempo, pela autoridade concedente, se, após a sua concessão, ocorrer um dos seguintes fatos:

I - desatendimento dos requisitos que condicionaram a concessão do registro;

II - não-cumprimento de obrigação tributária principal ou acessória, relativa a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal;

III - prática de conluio ou fraude, como definidos na Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, ou de crime contra a ordem tributária previsto na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, ou de qualquer outra infração cuja tipificação decorra do descumprimento de normas reguladoras da produção, importação e comercialização de cigarros e outros derivados de tabaco, após decisão transitada em julgado.

................................................................

§ 5º  Do ato que cancelar o registro especial caberá recurso ao Secretário da Receita Federal, sem efeito suspensivo, dentro de trinta dias, contados da data de sua publicação, sendo definitiva a decisão na esfera administrativa.

[52] ALVES JR., Luís Carlos Martins. IPI – Regime Especial Relativos às Empresas Fabricantes de Cigarros. Parecer. Revista Dialética de Direito Tributário n. 169, pp. 169-180, São Paulo: Dialética, outubro de 2009, pp. 169-180.

[53] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo de Jurisprudência ns. 505 e 605.

[54] Obra citada, p. 42.

[55] Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, Brasília: Senado Federal, 1978, p. 321.


SUMARY: This paper aims to examine the legal and normative sense of the term "due process of law" in the dynamic jurisprudence of the Brazilian Supreme Court (STF), taking into perspective the normative texts, doctrinal teaching and judicial precedents of the “STF”, under the lights legal realism taught by Alf Ross.

KEY-WORDS: Constitucional Law. Procedure Law. Due Process of Law. Brazilian Supreme Court. Law Realism. Alf Ross.


Autor

  • Luís Carlos Martins Alves Jr.

    Luís Carlos Martins Alves Jr.

    Piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional, Centro Universitário do Distrito Federal - UDF; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA e do Centro Universitário de Brasília - CEUB. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; "Lições de Direito Constitucional - Lição 1 A Constituição da República Federativa do Brasil" e "Lições de Direito Constitucional - Lição 2 os princípios fundamentais e os direitos fundamentais" .

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ALVES JR., Luís Carlos Martins. O devido processo legal na dinâmica jurisprudencial do STF. Uma breve análise do sentido jurídico e do alcance normativo do inciso LIV do artigo 5º da Constituição da República, a partir dos textos normativos, do magistério doutrinário e dos precedentes judiciais, sob as luzes do realismo jurídico de Alf Ross. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3492, 22 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23513. Acesso em: 26 abr. 2024.