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Panorama das propostas de reforma do regime jurídico das sociedades por quotas de responsabilidade limitada

Panorama das propostas de reforma do regime jurídico das sociedades por quotas de responsabilidade limitada

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Sumário: 1.Introdução; 2.História e características das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, necessárias à situação do tema; 3.Sociedade limitada no Projeto de Código Civil; 3.1.Generalidades sobre o projeto de Código Civil unificado e a sociedade limitada; 3.2.Impropriedade do nomem iuris; 3.3.Penhora de quotas; 3.4.Regime jurídico subsidiário da sociedade limitada; 4.Projeto de lei sobre sociedades de responsabilidade limitada; 4.1.Generalidades sobre o anteprojeto de lei de sociedades de responsabilidade limitada; 4.2.Constituição; 4.3.Sócios; 4.3.1.Deveres dos sócios; 4.3.1.1.Título executivo na execução do sócio remisso;4.3.2. Direitos essenciais; 4.3.2.1. Situação do direito de voto; 4.3.2.2. Proposta de uma orientação distinta para o direito de retirada; 4.4. Capital social; 4.5. Quotas; 4.5.1. Cessão e penhora de quotas; 4.5.2. Quotas preferenciais; 4.6. Órgãos sociais; 4.7. Administradores; 4.8. Acordo de quotistas; 4.9. Dissolução, liquidação e extinção; 4.10. Disposições gerais; 5.Conclusões.


1.Introdução

A sociedade por quotas de responsabilidade limitada é o tipo societário mais comumente empregado na organização empresarial de pequeno e médio portes, sendo, assim, mecanismo fundamental no cenário econômico pátrio.

O regime jurídico dessa forma societária foi instituído pelo Decreto n.º 3.708, que remonta a 1919. Cuida-se de diploma legislativo possuidor de apenas dezenove disposições e inúmeras lacunas.

É certo que essa lacunosidade da formatação normativa propicia maiores possibilidades de adequação do tipo societário à multiplicidade de realidades e necessidades perceptíveis na dinâmica da vida empresarial. No entanto, concomitantemente, gera incertezas quanto a muitos aspectos da praxe societária, bem como flagrante instabilidade de suas categorias. Jurisprudência e doutrina mostram-se vacilantes. Tudo, de sorte a criar um ambiente de difícil cálculo do risco empresarial, inibindo o desenvolvimento de algumas atividades econômicas, ou mesmo as onerando excessivamente.

Rachel Sztajn, estudando os custos provocados pelo direito, aponta que segurança é a palavra de ordem. Quanto maiores os riscos de uma atividade, serão proporcionalmente maiores os valores repassados aos seus consumidores, para que se compense o investimento realizado. Veja-se:

"A insegurança que decisões apressadas e inconsistentes pode provocar nos agentes econômicos constitui fonte inesgotável de custo pois aumenta os custos de transação, do que resultará ineficiência alocativa."[1]

Pois bem, atentas a esse reclamo geral de estabilidade das categorias do Direito Societário, a fim de que se reduzam os riscos e, conseqüentemente, os custos empresariais, recentemente, as propostas de modificação da disciplina jurídica das sociedades limitadas têm despertado a atenção de legisladores e profissionais do Direito.

O presente trabalho tem por objeto o estudo de aspectos relevantes da sociedade limitada no projeto de Código Civil unificado, bem como proporcionar uma visão geral do anteprojeto de lei de sociedades de responsabilidade limitada, apontando semelhanças e diferenças entre ambos.

Ao longo do desdobramento das intrincadas questões que revestem o tema, será feita uma análise do atual regime das limitadas, em atenção às recentes posições doutrinárias e jurisprudenciais.

Contudo, a finalidade primordial do presente estudo é orientar a elaboração e a alteração de contratos sociais das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, sugerindo a sua pronta adequação às regras e aos princípios constantes das propostas de reforma, que são meros reflexos das tendências doutrinárias e jurisprudenciais manifestadas quando da apreciação do Decreto n.º 3.708/19.

A propósito, o anteprojeto de lei de sociedades de responsabilidade limitada contém uma reclamada categoria jurídica: a empresa individual de responsabilidade limitada. Trata-se de novidade para o ordenamento jurídico pátrio, embora já tenha merecido preciosas obras doutrinárias, como as de Sylvio Marcondes (Limitação da Responsabilidade do Comerciante Individual) e Calixto Salomão Filho (A Sociedade Unipessoal). Todavia, o complexo estudo da empresa individual ultrapassa os limites do presente trabalho, não sendo, portanto, nele abordado.


2.História e características da sociedade por quotas de responsabilidade limitada, necessárias à situação do tema

O sistema singular do Código Comercial de 1850 conhecia apenas cinco formas societárias: companhias, sociedades em comandita, sociedades em nome coletivo, sociedades de capital e indústria e sociedades em conta de participação.

Dentre essas categorias, as companhias ou sociedades anônimas eram as únicas a, efetivamente, limitar a responsabilidade da totalidade de seus sócios. Todavia, do início da vigência do Código Comercial até 1882, eram elas constituídas mediante autorização, o que dificultava o seu implemento, além de serem elevados os custos de suas formalidades. Isso estimulou os pensamentos acerca de um inovador regime societário, que, ao mesmo tempo, fosse de ampla e irrestrita possibilidade de constituição, oferecesse limitação da responsabilidade dos sócios e representasse baixos custos operacionais.

A partir de 1882 instituiu-se, no Brasil, a plena liberdade de constituição das sociedades anônimas, o que não conteve o impulso então já originado, pois continuaram elevados os dispêndios com as companhias.

Notadamente inspirada pelo direito alemão, a sociedade por quotas de responsabilidade limitada ingressou no ordenamento brasileiro por intermédio do Decreto n.º 3.708/19. Vale lembrar que Sylvio Marcondes sustenta que a primeira tentativa séria de instituição das limitadas no Brasil deu-se em 1912, no projeto de Código Comercial elaborado por Inglês de Souza.[2]

Perceba-se que foi o primeiro tipo societário concebido sob a segurança da personalidade jurídica, consagrada no Código Civil Brasileiro de 1916. Quando da disciplina das demais sociedades mercantis, pelo regime ímpar do Código Comercial de 1850, não havia a personificação delas; não eram qualificadas como sujeitos de direito, mas sim meros contratos.[3]

Inicialmente, o Código Comercial Brasileiro procedeu apenas à limitação da responsabilidade dos sócios, balizando-a conforme a diversidade dos tipos societários. A categoria da pessoa jurídica como sujeito somente se revestiu de certeza a partir do advento do Código Civil.

Sem dúvida, a limitada representa um regime intermediário, em que há limitação da responsabilidade dos sócios, liberdade de constituição e baixos custos.

A propósito, a responsabilidade dos quotistas no regime jurídico do Decreto n.º 3.708/19 pode ser dividida conforme o momento vivido pela sociedade: antes da integralização do capital social, os sócios respondem solidariamente até o limite do capital; uma vez integralizado o capital, cada sócio responde pela sua quota.

Comporta mencionar que doutrina e jurisprudência muito questionaram sobre a oportunidade de verificação da responsabilidade solidária dos sócios quando não realizado totalmente o capital; se somente poderia se efetivar em caso de falência da sociedade, por força do disposto no art. 9º do Decreto n.º 3.708/19, ou se se efetivaria em qualquer execução. Hodiernamente, tem prevalecido o entendimento de que, não estando integralizado o capital da sociedade, em qualquer processo de execução poderá ser exigida a obrigação solidária dos quotistas no limite do montante do capital social. Vale argumentar que o regime das limitadas pode ser também utilizado por sociedades civis, que não se sujeitam à falência, o que inviabilizaria o implementar da obrigação solidária dos quotistas quando não integralizado o capital, caso predominasse o entendimento de restrição à quebra.

As normas da limitada, em virtude de sua lacunosidade, configuram um regime híbrido, tanto servindo à concretização de sociedades de pessoas, quanto às de capital. Para se aferir a característica de determinada sociedade por quotas, deve-se investigar seu contrato constitutivo. Da análise de suas cláusulas, extrai-se sua qualidade, se de pessoas ou de capital. Será de pessoas a limitada que veda ou dificulta o ingresso de terceiros no seu quadro de quotistas; será de capital aquela que se preocupa, tão-somente, com o aporte financeiro que o sócio está disposto a realizar.

O tipo da sociedade por quotas de responsabilidade limitada pode ser utilizado tanto para a organização de sociedades mercantis quanto civis. Assim, seu regime pode dar nascimento a sociedades mercantis e civis, diferenciando-as em razão do objeto social; quando realizar atos de comércio, a sociedade será comercial e, nos demais casos, civil. Esse é o entendimento dominante na doutrina, comportando transcrever as palavras de Romano Cristiano, in verbis:

"Parece-nos, pois, insofismável que o Direito Positivo brasileiro admita claramente que a sociedade de fins econômicos tenha natureza civil e forma comercial, desde que excluída a forma anônima. Ocorre que anônima e limitada são formas societárias de tipo diferentes, não podendo haver confusão entre uma e outra. Com o quê – e visto que a exceção atinge apenas a anônima – temos que a forma limitada pode ser tranqüila e pacificamente adotada por sociedade civil, a qual não deixa, por isso, de ser civil. devendo ser tratada como tal, inclusive quanto à falência."[4]

São essas, em apertada síntese, as características do regime jurídico mais utilizado na organização empresarial de pequeno e médio portes, responsável por expressivo contingente de sujeitos econômicos. Consultem-se, por exemplo, as estatísticas da Junta Comercial sobre constituição de empresas no estado de Minas Gerais, em que há um nítido predomínio da limitada sobre os demais tipos.[5]


3.SOCIEDADE LIMITADA NO PROJETO DE CÓDIGO CIVIL

3.1.Generalidades sobre o Projeto De Código Civil unificado e a sociedade limitada

Por tratar-se de regime jurídico tão importante para o cenário empresarial, que está intimamente relacionado com as taxas de desenvolvimento do país, as sociedades por quotas de responsabilidade limitada, repetidas vezes, é alcançada pelas intenções legislativas. De tempos em tempos, recebe ela propostas de modificação de sua disciplina.

Em 1967, formou-se uma comissão, coordenada por Miguel Reale, que apresentou o anteprojeto de Código Civil em 1972, em que há proposta de novo regime das sociedades limitadas.

Compunham a comissão os juristas: José Carlos Moreira Alves, encarregado da Parte Geral; Agostinho de Arruda Alvim, incumbido do Direito das Obrigações; Sylvio Marcondes, com o Livro do Direito de Empresa; Ebert Vianna Chamoun, incumbido do Direito das Coisas; Clóvis do Couto e Silva, cuidando do Direito de Família; e Torquato Castro, trabalhando o Direito das Sucessões.

Ao Professor Miguel Reale, conforme suas próprias palavras:

"coube o papel de coordenador-geral, propondo a estrutura ou sistemática do projeto, que foi aceita pelos colaboradores, sem prejuízo, é claro, de elaborar os textos que considerasse necessário acrescentar ou substituir, como de fato ocorreu."[6]

Na tarefa de sistematização do anteprojeto, Miguel Reale orientou-se por três princípios fundamentais, a saber: o da socialidade, o da eticidade e o da operabilidade. Pelo primeiro desses princípios, pretendeu-se imprimir ao conteúdo do documento um sentido social, em contraste com o caráter individualista predominante no Código Civil de 1916. O segundo princípio que inspira o anteprojeto, o da eticidade, nos dizeres de Reale, "confere ao juiz não só poder para suprir lacunas, mas também para resolver, onde e quando previsto, de conformidade com valores éticos, ou se a regra jurídica for deficiente ou inajustável à especificidade do caso concreto."[7] Quanto ao princípio da operabilidade, introduziram-se no anteprojeto disposições que tenham fácil aplicação, afastando normas complicadas que contêm equívocos e dificuldades.

Segundo dados apresentados por Miguel Reale:

"O projeto de Código Civil foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 1984, após cuidadoso estudo e debate de 1063 emendas, o que não deve causar estranheza por tratar-se de uma lei com cerca de 2100 artigos. Além de haver muitas emendas repetidas, a maioria delas não foi aceita pelo plenário."[8]

Muita coisa mudou de lá para cá, conforme lembra Newton de Lucca:

"É preciso reconhecer-se, em suma, que os desafios de nossa época assumem aspecto tão preocupante e assustador, que não deixa de soar curiosa e pitoresca a negação de que os valores da Parte Geral do Direito Civil estejam em evidente fase de transformação, quando já não migraram para outras paragens do Direito de que a Constituição da República é o melhor paradigma."(9)

O Senado Federal também prestou sua contribuição ao projeto. Em 1997, aprovou-o com 332 emendas propostas pela Comissão Especial. Agora, o projeto está sob os renovados cuidados da Câmara dos Deputados, aguardando votação final das emendas oriundas da outra Casa do Congresso Nacional.

A exemplo do Código Civil Italiano, de 1942, o projeto ora em tramitação tem a pretensão de unificar o Direito Privado Brasileiro. Quando se fala em unificação, deve-se pensar, primeiramente, na estruturação do Direito Privado sobre a base de um único direito obrigacional, ou seja, o ponto nodal da unificação é a elaboração de um único Direito das Obrigações, comum a todos os sujeitos, não distinguindo entre comerciantes e não-comerciantes.

À época da feitura do anteprojeto de Código Civil, discutia-se sobre a necessidade de reforma do regime jurídico das sociedades por ações. Deveria ele ser inserido no anteprojeto ou mereceria uma lei especial?

Em razão da especificidade das sociedades por ações e da imprescindibilidade de se criar uma legislação que atendesse ao seu caráter institucional, preocupada com os direitos das minorias, concluiu-se pela elaboração de um anteprojeto de lei destacado do anteprojeto de Código Civil.

Constituiu-se, assim, a comissão para elaboração daquele anteprojeto, composta pelos professores Alfredo Lamy Filho e Bulhões Pedreira, que deu vida à atual Lei n.º 6.404/76, que dispõe sobre as sociedades por ações. Mas, e a sociedade por quotas de responsabilidade limitada?

Na oportunidade, não lhe emprestaram a mesma deferência das sociedades por ações. Inseriram-na no bojo do projeto de Código Civil unificado, que destina trinta e dois artigos à sua disciplina.

Sob o nomen iuris de sociedade limitada, o projeto prevê regramento distinto às sociedades por quotas de responsabilidade limitada. Do art. 1055 é possível extrair suas características, veja-se:

"Art. 1055. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de sua quota, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social."

Nota-se que o capital é dividido em quotas e, com respeito à responsabilidade dos sócios, da apreciação do sistema do projeto, verifica-se que não há margem para as antigas discussões sobre a ocasião de reconhecimento da solidariedade dos quotistas, pois não é delimitada à hipótese de falência.

Tecendo opiniões sobre as normas gerais da sociedade limitada no projeto de Código Civil unificado, Waldírio Bulgarelli, aparentemente entristecido, afirma:

"Quanto aos tipos de sociedades, principalmente, as sociedades que o Projeto denominou de limitadas (as atualmente, por quotas de responsabilidade limitada), vale lembrar que o número de emendas apresentadas ao Projeto, a maioria de elaboração do Prof. Egberto Lacerda Teixeira e a série de críticas recebidas estão a demonstrar que as alterações procedidas não foram de molde a agradar a doutrina. Temos para nós, que sendo as sociedades por quotas de responsabilidade limitada, um produto híbrido, que se situa entre as sociedades de pessoas e as de capital, tem servido como um modelo dúctil, capaz de albergar desde as simples sociedades entre marido e mulher até as holdings e que portanto não mereceria em princípio alterações, até porque a doutrina e a jurisprudência têm sabido com galhardia enfrentar e resolver os problemas que apresenta. Certamente, que perante um regime empresarial, haveria que se atentar para alguns aspectos que atuam contra a preservação da empresa, e lembraria aqui, como exemplo contundente, o valor a ser pago ao sócio retirante."[10]

São variados os aspectos cotejados pelo projeto, merecendo maior atenção os itens em que se desdobra o presente capítulo, conforme desenvolvimento adiante.

3.2. Impropriedade no nomen iuris

O nome atribuído pelo projeto de Código Civil ao tipo societário substitutivo da atual "sociedade por quotas de responsabilidade limitada" é "sociedade limitada", como usualmente é conhecido no meio empresarial.

Contudo, a expressão não se presta, adequadamente, a refletir a extensão e a compreensão da categoria jurídica que pretende denominar. Para a identificação dos diversos tipos societários brasileiros, é bastante o exame da responsabilidade dos sócios e a forma em que se divide o capital social. A título exemplificativo, a sociedade anônima tem o capital dividido em ações e a responsabilidade dos sócios é limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas (art.1º da Lei n.º 6.404/76); a sociedade em comandita por ações tem o capital dividido em ações e apresenta duas categorias de sócios: o gerente, com responsabilidade ilimitada e subsidiária e os demais sócios, que têm a responsabilidade limitada ao preço de emissão das ações por eles adquiridas ou subscritas; e assim por diante.

Comporta lembrar que João Marcos Silveira, ao tecer considerações sobre o antigo projeto de lei do Senado n.º 46/93, que versava sobre "sociedade de responsabilidade limitada", não poupou críticas ao nomen iuris, asseverando:

"De início o Projeto dispõe, em seu art. 1º, que regula a ‘Sociedade de Responsabilidade limitada’. Como, a rigor, existem outras espécies de sociedades de responsabilidade limitada, a supressão da expressão ‘por quotas’ é por isso contestável."[11]

Seguindo essa linha de raciocínio, o nome "sociedade por quotas de responsabilidade limitada" é o mais apropriado à identificação de seu regime jurídico. Da apreciação do nomen iuris, verificam-se todos os elementos necessários ao seu isolamento; o capital é dividido em quotas e a responsabilidade dos sócios é limitada ao valor de seu capital.

O nome é tão suficiente em si que Romano Cristiano brinca que a "sociedade em nome coletivo" é uma "sociedade por quotas de responsabilidade ilimitada".[12]

A propósito, "sociedade limitada" é um nome ostensivo que não revela seu conteúdo oculto. Afinal, não é só na limitada que se encontra a responsabilidade dos sócios adstrita ao valor de suas participações. Por exemplo, na sociedade anônima, a limitação da responsabilidade dos acionistas é ainda melhor delineada, porquanto independente da integralização do capital social.

A mesma impropriedade ganha lugar no atual anteprojeto de lei de sociedades de responsabilidade limitada. Melhor seria a manutenção do atual nomen iuris, embora pesem sobre ele críticas outras.

3.3. Penhora de quotas

Antes de abordar o trato da penhora das quotas da sociedade limitada no projeto de Código Civil, mister se faz uma visão do problema sob os auspícios do atual regramento jurídico.

O tema diz respeito à penhorabilidade das quotas sociais por dívidas exclusivas dos sócios, ou seja, investiga a possibilidade de a participação societária sofrer constrição em processo executivo, em que somente o sócio figure como devedor.

Elaborando comentários sobre recente acórdão do Superior Tribunal de Justiça (Resp. 39.609-SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira), Uinie Caminha ministra que:

"Na sua acepção clássica, ‘quota’ é o termo utilizado para designar o quinhão com que o sócio contribui para a formação do capital social de qualquer sociedade. É, na definição de Egberto de Lacerda Teixeira, a entrada ou contingente com que cada um dos sócios contribui ou se obriga a contribuir para a formação do capital social. Assim, é parte integrante do patrimônio da sociedade, apartado do patrimônio dos sócios por força de sua personalidade jurídica (CCiv. art. 20)."

E, conclui adiante:

"Logo, é inteiramente descabido se falar em expropriação de quota se como tal se entende a contribuição do sócio para a formação do capital social. Nesse caso, repita-se, a quota não integra o patrimônio do sócio quotista, razão pela qual não pode ser expropriada em execução, na qual apenas o sócio figure como devedor. Dessa forma, só se pode cogitar de expropriação de quotas, se como tal se designar os direitos provenientes do fato de se ter contribuído para a formação do patrimônio autônomo da sociedade, e não a própria contribuição. Apenas esses direitos, por integrarem o patrimônio do sócio quotista, podem ser objeto de expropriação em processo executivo movido contra ele."[13]

A questão não é pacífica, havendo quem se posicione em sentido contrário, embora o entendimento esposado por Uinie Caminha seja o melhor sobre o tema.

Egberto Lacerda Teixeira, afirma que, nesse particular da penhora das quotas, o projeto de Código Civil unificado é silente.[14] No entanto, examinando a penhora das quotas sociais no projeto, Carlos Henrique Abrão afirma que ele cuidou de regulá-la de forma indireta.[15] E, a seguir, o doutrinador indica a disposição do projeto. Veja-se:

"Art. 1.029. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bem do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação.

Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.034, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até três meses após aquela liquidação."

O autor procede a ferrenhas críticas ao dispositivo projetado, dizendo que em nada aproveita ao aprimoramento da categoria jurídica, persistindo todas as discussões sobre a efetivação dessa garantia dos credores. A disposição não se basta, sendo de excessiva complexidade e difícil aplicação a casos concretos. Melhor tratamento é o dispensado pelo atual anteprojeto de lei de sociedades de responsabilidade limitada, que será abordado oportunamente.

3.4. Regime jurídico subsidiário da sociedade limitada

Desde 1.919, o regime das sociedades por quotas de responsabilidade limitada qualifica a disciplina das sociedades anônimas como seu instrumento supletivo. O art. 18 do Decreto 3.708/19, assim prevê:

"Serão observadas quanto às sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, no que não for regulada no estatuto social, e na parte aplicável, as disposições da lei das sociedades anônimas."

Interpretando esse dispositivo, a doutrina pátria experimentou verdadeira fragmentação.

A primeira corrente que se formou afirmava que a lei das sociedades anônimas seria fonte supletiva do contrato social e nada além. Pretendiam conferir ao regime das sociedades anônimas o papel de orientar a interpretação dos contratos das limitadas.

A segunda posição asseverava que a disciplina das sociedades anônimas constituiria fonte subsidiária do Decreto n.º 3.708/19. Para esse setor doutrinário, a lei das sociedades anônimas integraria o regime das limitadas, nos seus aspectos lacunosos.

Todavia, uma terceira visão, conciliadora das duas anteriores, prevalece atualmente. A lei das S/A fornece regime subsidiário tanto ao Decreto n.º 3.708/19 quanto aos contratos sociais das limitadas.

Sobre o caráter subsidiário da Lei de Sociedades Anônimas e sua harmonização com o Decreto n.º 3.708/19, Carlos Henrique Abrão lembra que:

"o melhor estudo a respeito da harmonização dos diplomas societários foi desenvolvido por Egberto Lacerda Teixeira. Para efeito de hermenêutica supletiva, o mencionado autor divide as normas das sociedades anônimas em quatro modelos: imperativas ou cogentes, supletivas, facultativas e incompatíveis."[16]

Essa posição proporcionou sucesso às limitadas no cenário empresarial, pois permite a ela a assunção do caráter de sociedade de pessoas quando seu contrato reporta-se ao regime societário do Código Comercial e, sociedade de capital, quando nitidamente orientado pela lei das sociedades anônimas.[17]

Nada obstante esse sucesso, o projeto de Código Civil, em seu art. 1056, remete o regime subsidiário à disciplina da planejada sociedade simples, ao prever:

"A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste capítulo, pelas normas da sociedade simples."

Sem dúvida, uma novidade do projeto de Código Civil, no campo do direito societário, é a sociedade simples, à qual são dedicados 41 artigos (arts. 1.000 a 1.041).

A doutrina afirma que esse tipo societário nasceu no unificado Código de Obrigações da Suíça e, mais tarde, foi transplantado para o Código Civil Italiano, de 1942. O projeto de Código Civil, assim como fez o projeto de Código de Obrigações, tenta introduzir no ordenamento brasileiro essa figura societária.

Transcrevendo as palavras de Sylvio Marcondes, Rubens Requião assevera que:

"valendo-se das sugestões do Código de Obrigações suíço e do Código Civil italiano – e é sintomático que, a respeito, este se tenha utilizado daquele – o anteprojeto coordena os preceitos gerais das sociedades, do Código Comercial, com as regras do Código Civil, e estrutura as sociedades simples, como um compartimento comum, de portas abertas para receber e dar soluções às apontadas questões."[18]

Contudo, a sociedade simples sofre incisivas críticas de Rubens Requião. Veja-se:

"Condenamos, conforme já tivemos oportunidade de expressar em outro estudo, a introdução da sociedade simples no direito brasileiro, sem raízes na tradição jurídica de nosso País. Seria mais conveniente que o Anteprojeto de Código Civil estabelecesse, como no regime atual, os princípios gerais que presidem as sociedades."[19]

Carlos Henrique Abrão, balizando o objeto da sociedade simples, pondera:

"A definição de sociedade simples deve ser buscada pela análise conjunta dos dispositivos do Projeto de Código Civil. Diante do quadro bosquejado, chegamos à conclusão, de lege ferenda, que a sociedade simples ficaria reservada:

I-aos profissionais intelectuais, não organizados em empresa;

II-aos pequenos empresários, enquanto tais;

III-às sociedades cooperativas, por força do disposto no art. 1096 do Projeto de Lei n. 634-B, de 1975."[20]

Ora, o sucesso do regime subsidiário oferecido pela lei das sociedades anônimas não pode sucumbir perante uma incógnita. Não se apresenta sensata a opção feita no bojo do projeto, sobremaneira porque a sociedade simples tem nítido caráter de sociedade de pessoas, o que pode prostrar as limitadas, que, então, passarão a se orientar, estritamente, por normas desse tipo de sociedade.

Comporta, nesse ponto, fazer honrosa menção ao anteprojeto de lei das sociedades limitadas, em que se contempla a melhor doutrina contemporânea, dispondo, em seu art. 49, in verbis:

"A sociedade de responsabilidade limitada e a empresa individual de responsabilidade limitada reger-se-ão pela presente lei e pelo seu contrato social, e, subsidiariamente, pela Lei das Sociedades por Ações, no que for aplicável."

Resta patente que o atual anteprojeto contempla a Lei das Sociedades por Ações como fonte subsidiária tanto da lei quanto do contrato.


4.ANTEPROJETO DE LEI DE SOCIEDADES DE RESPONSABILIDADE LIMITADA

4.1. Generalidades sobre o anteprojeto de lei de sociedades de responsabilidade limitada[21]

Após as Grandes Guerras, intensificou-se a presença dos micro sistemas legislativos nos ordenamentos jurídicos. A complexidade de determinados temas do Direito recomenda um tratamento sistemático, sensível à sua real dimensão, dispondo, na medida do possível, sobre todas suas variáveis previamente conhecidas.

Nesse contexto, surgem, dentre outras, leis como a de Falência e Concordata, a das Sociedades por Ações, o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Ao lado disso, avolumam-se leis especiais, que, embora não constituam verdadeiros micro sistemas, buscam exaurir o regrar de uma situação jurídica, ao menos, em sua vertente principal.

O Decreto n.º 3.708/19 pode ser visto como um diploma especial, destinado a disciplinar as sociedades por quotas de responsabilidade limitada. Regula o tipo societário, dizendo da responsabilidade de seus sócios, da forma de divisão do capital social, da relação entre a sociedade e os sócios e destes entre si.

Seguindo tendências das legislações européias, o anteprojeto de lei de sociedades de responsabilidade limitada é minucioso no trato das coisa da vida social.

Contudo, não se pode olvidar o sucesso alcançado pela flexibilidade do regime das sociedades por quotas de responsabilidade limitada no Brasil. É justamente a timidez da ingerência normativa, que deixa margem à auto-regulamentação dos indivíduos no que diz respeito aos seus interesses particulares, o que é responsável pelo grande contingente de limitadas existentes.

Nesse sentido, o anteprojeto não pretende esgotar o trato da praxe societária, mas, outrossim, trazer segurança para suas categorias jurídicas, pondo fim a variadas discussões que se instauraram no seio da doutrina e jurisprudência. Continuará a existir uma significativa maleabilidade do regime, tocando à dinâmica empresarial a tarefa de adequar as lacunas subsistentes à sua necessidade.

Quando da elaboração do projeto de Código Civil, não se entendeu necessário o tratamento da limitada em separado. Optou-se por alojá-la no Livro do Direito de Empresa.

Todavia, a doutrina tem reclamado que esse tipo societário reveste-se de tamanha importância e complexidade, a ponto de justificar a sua manutenção em lei especial. Ora, seria trafegar na contra-mão da história alocar a limitada numa codificação. O legislador de 1919 trilhou o caminho da especialização normativa, não se justificando, hodiernamente, o retrocesso, a posição da limitada no projeto de Código Civil, sobremaneira, após a proliferação dos micro sistemas legais.

Egberto Lacerda Teixeira, estudando a sociedade limitada no projeto de Código Civil, reclamava a necessidade de elaboração de lei especial sobre a matéria. Observe:

"permita-nos a ousadia de dizer-lhes que gostaríamos, de lege ferendissima, que o estatuto das limitadas constasse de lei especial, independente e destacada do Código Civil, como já aconteceu com as Sociedades Anônimas. Na verdade, projetos de lei nesse sentido têm sido elaborados em Brasília, mas, infelizmente, sem aceitação geral das entidades jurídicas e empresariais consultadas. A nossa posição baseia-se no fato de a revisão, modificação e atualização de artigos de lei específica são normalmente, muito mais simples e rápidas do que alterações no bolo de códigos. É a experiência nacional que nos convence nesse particular."[22]

Seguindo essa tendência, atualmente está em elaboração o anteprojeto de lei de sociedades de responsabilidade limitada, objeto de apreciação deste trabalho em muitos de seus aspectos, contando com a participação de renomados doutrinadores. Os trabalhos encontram-se sob a presidência de Arnoldo Wald, sendo relator Jorge Lobo e membros César Asfor Rocha, Alfredo Lamy Filho, Egberto Lacerda Teixeira e Waldírio Bulgarelli.[23] Têm sido realizadas inúmeras audiências públicas, visando a participação da sociedade civil na sua feitura.

Nos próximos itens, serão abordados temas constantes do anteprojeto, de sorte a explicitar-lhe o conteúdo, a partir de uma reflexão sobre o atual regime das sociedades por quotas de responsabilidade limitada.

4.2. Constituição

Nos exatos dizeres de Rubens Requião:

"A sociedade se forma pela manifestação de vontade de duas ou mais pessoas, que se propõem unir os seus esforços e cabedais para a consecução de um fim comum."[24]

Para que essa manifestação de vontades enseje a qualificação da sociedade como um sujeito de direito, ou seja, para que nasça uma pessoa jurídica, é imprescindível que sua organização oriente-se por um dos tipos conhecidos do ordenamento jurídico e proceda-se às respectivas formalidades.

O art. 1º do anteprojeto prevê que a sociedade de responsabilidade limitada pode constituir-se por "escritura pública ou instrumento particular, assinado pelos sócios e subscrito por duas testemunhas, com ou sem finalidade lucrativa, caracterizando-se pela autonomia da vontade e pela limitação da responsabilidade dos sócios ao valor das quotas subscritas ou adquiridas."

O ato constitutivo da sociedade, que pode adotar tanto a forma pública assim como a particular, alberga as cláusulas que regem a vida social. Costuma-se, sob os auspícios do atual regime da sociedade por quotas de responsabilidade limitada, dizer que melhor atende aos interesses dos sócios minoritários o detalhamento das tratativas contratuais, a fim de se evitarem discussões teóricas na solução de eventuais conflitos que se formem na vida social; e, ao majoritário, aproveita a lacunosidade do instrumento, o que, em regra, amplia o espectro de incertezas sobre os direitos dos demais sócios.

Dentre as diversas cláusulas entabuladas pelas partes, o contrato social, nos termos do art. 4º, I, do anteprojeto, poderá vedar ou estabelecer condições para:

"a) a caução, a penhora, o usufruto, o fideicomisso, a alienação fiduciária em garantia e quaisquer cláusulas que venham a gravar as quotas;

b) a alienação e oneração de bens sociais essenciais ao funcionamento da sociedade;

c) a prestação de aval e de fiança;

d) o exercício pelos administradores dos poderes de praticar ato de liberalidade à custa da sociedade, transigir, renunciar a direitos ou contratar obrigações de valor relevante em relação ao patrimônio líquido da sociedade;

e) a participação dos sócios, sob qualquer forma, em empresa concorrente."

Ademais, o parágrafo único do mesmo art. 4º, do anteprojeto, diz que, constando essas previsões de contrato social devidamente arquivado, serão elas oponíveis erga omnes, salvaguardados os direitos de terceiros de boa-fé quando induzidos em erro, sem prejuízo da respectiva ação de responsabilidade, a ser intentada pela sociedade contra os administradores. Fica, portanto, evidente o intuito de manutenção da flexibilidade do regime das limitadas, ora reportando-se o anteprojeto à disciplina das sociedades anônimas (art. 49), sociedade de capital por excelência, ora inferindo-se sua característica contratual (art. 4º, I), em que se admite o impedimento ou dificultação de determinadas situações jurídicas, que comprometeriam a pessoalidade de certas sociedades.

Pois bem, uma vez elaborado o ato constitutivo da sociedade, independentemente da forma pública ou particular, deverá ele ser levado a arquivamento no respectivo Registro Público; tratando-se de sociedade limitada mercantil, deverá ser apresentado ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins; cuidando-se de limitada civil, há de ser levado o documento ao Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas.

Vale lembrar que, sendo a sociedade limitada enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos do art. 6º, parágrafo único, da Lei n.º 9.841/99, seus atos constitutivos ou alterações contratuais não carecerão de vistos de advogados, para arquivamento no respectivo Registro Público.

4.3. Sócios

Com o emprego da expressão plural "sócios", o anteprojeto torna imprescindível o concurso de dois ou mais sujeitos no momento da constituição da sociedade, sendo eles pessoas naturais ou jurídicas.[25] Contudo, a proposta de reforma ressalva a continuidade da limitada que tiver seu quadro social reduzido a um único sócio, veja-se:

"Art.6º. A sociedade de responsabilidade limitada será formada por pessoa físicas ou jurídicas, facultando-se a sociedade entre cônjuges qualquer que seja o regime de bens.

§2º. Caso o número de sócios fique reduzido a um, o sócio remanescente deverá, no prazo de 30 (trinta) dias, comunicar o fato ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins. Se, no prazo de 6 (seis) meses, não for admitido, no mínimo, mais um sócio, a sociedade se transformará em empresa individual de responsabilidade limitada."

O anteprojeto, assim, faz nítida opção pelo princípio da preservação da empresa. Atualmente, isso já é realizado pela doutrina e jurisprudência, aplicando-se o art. 206, I, d, da Lei n.º 6.404/76.[26] Entretanto, a regulação em lei especial torna certa a subsistência da atividade econômica, inclusive mantendo a limitação da responsabilidade através da transformação da sociedade em empresa individual de responsabilidade limitada.

Há uma curiosidade no anteprojeto: o tipo da limitada poderá ser empregado por sociedades sem finalidade lucrativa, o que importa reconhecer que as associações civis poderão se organizar sob sua forma.

A propósito, perceba-se que o dispositivo transcrito faculta a composição de sociedade limitada entre cônjuges, independentemente do regime de bens do casamento. Perante o silêncio do Decreto n.º 3.708/19, doutrina e jurisprudência compartilham de comedido receio contra a tese, porquanto a constituição da pessoa jurídica poderia ser empregada como instrumento de burla do regime de bens do matrimônio, especialmente do regime da comunhão universal.

Rubens Requião, apreciando o tema em toda sua dimensão, conclui:

"a tendência da jurisprudência de nossos tribunais é de admitir a sociedade limitada entre os cônjuges, desde que não constitua ela um instrumento de fraude ou alteração do regime matrimonial, visando excluir do marido a direção da sociedade conjugal."[27]

A par da sociedade entre cônjuges, deve-se perquirir da viabilidade da constituição de limitada entre conviventes. Seria ela possível?

No atual estágio do ordenamento jurídico, não se vislumbra a negativa e, muito menos, no regime projetado. Os conviventes em união estável não gozam de um regime cogente de bens, podendo dispor sobre o acervo patrimonial comum da forma que melhor lhes aprouver, segundo prescreve o art. 5º, caput, parte final, da Lei n.º 9.278/96.

Essa norma trata da repercussão patrimonial da união estável, estabelecendo uma presunção de que os bens adquiridos durante sua constância são frutos de esforço comum, concorrendo ambos em proporções iguais. Todavia, é patente o caráter dispositivo de que se reveste a regra, pois, ao seu final, permite-se a sua não incidência, em virtude de convenção escrita das partes.

Admite-se a sociedade limitada entre casados, que se encontram sob a égide de um regime de bens imutável e, assim, maior razão assiste à possibilidade de sua constituição entre companheiros, pois eles podem derrogar, contratualmente, a regra de regência de seus bens.

Seguindo a Lei n.º 6.404/76, o anteprojeto prevê:

"Art. 6º. (...)

§1º. As pessoas físicas não residentes no país e as pessoas jurídicas estrangeiras deverão ter procurador domiciliado no país com poderes para receber citação nas ações nas quais se discutam questões societárias."

Tornar-se-á, assim, obrigatório que o quotista ausente do Brasil constitua procurador com poderes especiais para receber citação de ações que tenham por objeto conflitos societários. Isso, de sorte a evitar a procrastinação das decisões empresariais. A medida agiliza a instauração de relações processuais envolvendo pessoas situadas no estrangeiro, eliminando a lenta e onerosa via das cartas rogatórias.

4.3.1. Deveres dos sócios

A principal obrigação do sócio da limitada é a de realizar o valor de suas quotas adquiridas ou subscritas, na forma e tempo constantes dos correlatos instrumentos.

A limitada detém um peculiar sistema interno de estímulo à realização das participações sociais. Enquanto não estiver integralizado o seu capital, os sócios são solidariamente responsáveis por todo o valor subscrito. Destarte, os próprios sócios se cobram, reciprocamente, a realização das quotas, sob pena de serem todos solidariamente responsáveis pela verba total.

4.3.1.1. Título executivo na execução do sócio remisso

O anteprojeto, em seu art. 9º, I, dispõe que, em se verificando a mora do sócio, a sociedade terá direito de promover a execução do valor subscrito pelo quotista remisso ou excluí-lo. Caso a pessoa jurídica escolha a via executória, diz o anteprojeto que esta terá suporte em título executivo extrajudicial, mas não procede à expressa identificação do documento.

Os títulos executivos são aqueles assim taxativamente qualificados pelo ordenamento jurídico, pois permitem ao credor, uma vez insatisfeito seu direito, o pronto socorro ao processo de execução. Esses títulos materializam a certeza quanto à relação de direito material existente entre credor e devedor, dispensando seu prévio acertamento pelo Estado Juiz. A propósito do título extrajudicial, Humberto Theodoro Júnior assevera:

"Ao criar um documento a que a lei reconhece a força de título executivo, o devedor além de reconhecer sua obrigação, aceita, no mesmo ato, o consectário lógico-jurídico de que poderá vir a sofrer a agressão patrimonial que corresponde à sanção de seu eventual inadimplemento."[28]

Pois bem, embora o projetado regime jurídico da limitada não indique de forma precisa o título extrajudicial necessário à cobrança dos valores subscritos pelos quotistas, não pode pairar dúvida sobre a afirmativa de que ele será o contrato social, porquanto deste constará a completa descrição das obrigações dos sócios perante a sociedade.

A petição inicial da execução deverá ser instruída com cópia autenticada do contrato da limitada, pois este lhe dará o necessário apoio documental. O anteprojeto, em seu art. 8º, dispensa qualquer outro expediente, ao prever que se constitui em mora, de pleno direito, o sócio que não realizar suas obrigações no tempo e modo constantes do contrato social. Ou seja, constatada a inadimplência, estará o devedor em mora, sendo a obrigação passível de incontinenti exigência em juízo.

4.3.2. Direitos essenciais

Os direitos essenciais dos sócios constituem o núcleo intangível pelo contrato social ou pela assembléia. Nenhum destes pode afastar os direitos mínimos legalmente assegurados. A doutrina costuma chamá-los de Bill of Rigths dos sócios.

O Decreto n.º 3.708/19 não traz um elenco explícito dos direitos essenciais, embora regule alguns deles.

O anteprojeto é rico em direitos essenciais. Seguindo a orientação da Lei n.º 6.404/76, que, em seu art. 109, consagra os direitos intangíveis dos acionista, ele, em seu art. 14, enumera sete direitos essenciais, a saber: participação dos lucros sociais; voto; direito de informação; direito de fiscalização; direito de preferência; direito de retirada; e direito de participar do acervo patrimonial da sociedade no caso de liquidação.

Quanto ao direito intangível de preferência dos quotistas, terá ele lugar no estudo do capital social, uma vez que constitui decorrência direta do aumento deste. O direito de voto e o recesso serão estudados a seguir. Os demais direitos essenciais não serão aprofundados na presente monografia.

4.3.2.1. Situação do direito de voto

Dentre os direitos essenciais do quotista, o anteprojeto, em seu art. 14, II, dá guarida ao direito de voto, dispondo:

"São direitos essenciais do sócio:

(...)

II- votar na assembléia geral na forma e nos casos previstos nesta lei e no contrato social, observado o disposto nos arts. 16 e 26, §1º;

(...)"

Contudo, o direito de voto não se reveste das mesmas características dos outros direitos essenciais. Há de ser assegurado como um direito, mas não essencial.

Quando se fala em direito essencial, comporta transcrever o art. 109, caput, da Lei n.º 6.404/76, que estabelece:

"Nem o estatuto nem a assembléia geral poderão privar o acionista dos direitos de: (...)"

Percebe-se, com isso, que direitos essenciais são intangíveis, não se sujeitando à vontade da assembléia geral ou às cláusulas estatutárias. Ainda, numa perspectiva um tanto quanto romântica, tendo em conta o significado do significante "essência", pode-se afirmar que esses direitos seriam substanciais, imprescindíveis à verificação do sócio, ou seja, a ausência de um direito essencial, no caso, o voto, desnaturaria a figura do quotista. Mas, não há como concordar com a situação do voto no elenco de direitos essenciais, sobremaneira, na sistemática projetada, em que se permite a contratualidade de quotas preferenciais, sem direito de voto.

O anteprojeto, no próprio corpo da disposição mal situada, refere-se à possibilidade de restrições ao voto. Então, não se lhe vista o chapéu da intangibilidade, enquanto seus membros e tronco são vulneráveis.

A propósito, a Lei n.º 6.404/76, que dispõe sobre as sociedades anônimas, não qualifica o voto como um direito essencial do sócio, pois, em certos episódios como nas ações preferenciais, sem direito de voto (art. 15, §2º), ou na suspensão do exercício de direitos do acionista (art.120), o sufrágio pode sofrer ingerências do estatuto ou da assembléia geral da companhia.

O exame da posição legal do direito de voto na Lei n.º 6.404/76 indica que ele é um direito não essencial; os direitos essenciais, dentre os quais não está o voto, encontram-se elencados no art. 109 e o direito de voto tem disciplina a partir do art. 110.

Definitivamente, em atenção à sistemática do anteprojeto, o voto não pode ser qualificado como um direito efetivamente essencial.

4.3.2.2. Proposta de uma orientação distinta para o direito de retirada

Abordando o direito de retirada, atento aos dois tipos societários mais relevantes do cenário empresarial, a sociedade por quotas de responsabilidade limitada e a sociedade anônima, Fábio Ulhoa Coelho sintetiza, com muita propriedade, as diferenças de ambos os regimes. Veja-se:

"O sócio pode, por vontade própria, desligar-se da sociedade empresária por dois modos: alienando sua participação societária, ou exercendo o direito de retirada. Na limitada, enquanto a venda é difícil, a retirada pode ocorrer a qualquer tempo, se contratada a sociedade por prazo indeterminado. Já na anônima, a lei procura facilitar a negociação e restringir a retirada."[29]

Percebe-se, claramente, que na limitada as hipótese de retirada são amplas e irrestritas, enquanto na sociedade anônima são elas restritas.

O anteprojeto tem a pretensão de limitar, taxativamente, os casos do direito de dissidência na limitada, elencando-os em seu art. 20. Todavia, a linguagem empregada no dispositivo é muito vaga, não se prestando a realizar o escopo almejado. As hipóteses são genéricas, podendo albergar quase todo e qualquer fato do cotidiano societário. Por exemplo, o sócio poderá retirar-se da sociedade quando houver quebra do espírito associativo, que possa impedir a realização do objeto social e pôr em risco o empreendimento. Pois bem, qualquer decisão pode ser compreendida pelos sócios como meio idôneo a romper o espírito associativo. A verificação da hipótese reveste-se de tamanho grau de subjetividade que compromete a limitação do direito de recesso, assim como ocorre em outros casos constantes do anteprojeto.

O Decreto n.º 3.708/19 não fixa prazo para o exercício do direito de retirada, o que dá lugar ao regime subsidiário da Lei n.º 6.404/76. Assim, aplicando-se seu art. 137, III, o reembolso da quota deve ser reclamado à sociedade dentro de trinta dias, contados da publicação da ata da assembléia.

O anteprojeto de lei de sociedades limitadas consagra o prazo de trinta dias como regra, mas prevê lapsos temporais outros, conforme o fato ensejador do direito de recesso (art. 20, § 2º).

Contudo, subsistirá a aplicação do art. 137, § 2º, in fine, da Lei n.º 6.404/76; o quotista pode exercer o direito de retirada, ainda que tenha se abstido de votar ou não tenha comparecido à reunião da assembléia.

4.4. Capital social

Na seara do direito societário, é tema de difícil enfrentamento a identificação da função do capital social. Durante muito tempo acreditou-se que ele seria a medida da garantia dos credores sociais.

Rubens Requião, citando estudo de Alfredo Lamy Filho, refuta a visão do capital como garantia dos credores:

"‘Doutrinariamente, o conceito de capital vem sofrendo, também de estudiosos europeus, sérias restrições. Nesse sentido, cumpre destacar, na matéria, o trabalho de Paulette Veaux-Fournerie. Mas é do eminente Prof. Bayless Maning a melhor demonstração sobre a imprestabilidade da noção de capital para a finalidade de garantia dos credores. Em seu livro sobre Legal Capital, capítulo V, diz o Prof. Maning que se pode afirmar, com segurança, que a maquinaria do capital social produz pouca ou nenhuma proteção aos credores, e eles, sabendo disso buscam outras garantias. E as razões seriam muitas entre as quais aponta: a) a cifra que traduz, num balanço, o lucro, é fruto de um sem-número de prévias decisões contábeis, que, se houver interesse, serão facilmente fraudadas; b) os credores não são ouvidos sobre as decisões de alterar a cifra do capital social, e esta é sempre arbitrária e irrelevante; c) não há nenhuma lógica em tomar-se um número qualquer (o capital) e faze-lo de medida para distribuição de dividendos e bonificações a acionistas; d) o sistema contábil não leva em conta a dimensão tempo, e não distingue entre um crédito a realizar-se em 20 anos e o realizável na próxima semana; e) uma contabilidade que pretendesse resolver esses problemas cairia em debates conceituais à pior maneira dos teóricos medievais etc. etc.’"[30]

Superadas as discussões sobre a função do capital social, hoje atribuem-lhe o papel de medida do sucesso da empresa. Quando o capital social aumenta com recursos internos da limitada, é sinal de prosperidade; quando reduz, indica prejuízos.

Sobre os princípios que orientam o capital social, consta da exposição de motivos do anteprojeto, in verbis:

"O capítulo terceiro fixa regras para a formação e preservação do capital social, inspirado nos princípios da realidade e intangibilidade, tornando sócios e administradores solidária e ilimitadamente responsáveis pela exata avaliação dos bens conferidos ao capital social."

Ambos são conhecidos da doutrina. Fábio Ulhoa Coelho, reportando-se ao princípio da intangibilidade, afirma:

"Tendo o capital social a função de medir, grosso modo, a contribuição dos sócios, o princípio jurídico fundamental do regime aplicável aos recursos correspondente é o da intangibilidade. Em outros termos, porque intangível o capital social, a sociedade está, em princípio, proibida de restituir os recursos correspondentes aos sócios."[31]

O princípio da realidade (art. 23, parágrafo único e art. 25, §2º, ambos do anteprojeto) diz respeito à correta e justa avaliação dos bens transferidos à sociedade a título de realização das quotas sociais, assim como um constante entrosamento entre o capital real e o contratual. Os bens devem ser recebidos pelos seus reais valores. Isso, de sorte a evitar aquilo que Osmar Brina Corrêa Lima denomina "capital aguado"[32], ou seja, o capital constante do contrato não corresponde ao efetivo aporte patrimonial levado a efeito pelos sócios.

Nelson Abrão lembra que grande parte das legislações contemporâneas exige um mínimo de capital social para se proceder à constituição da sociedade limitada, veja-se:

"Impõe um mínimo de capital na sociedade por quotas de responsabilidade limitada a lei alemã, §50; a portuguesa, art. 4º; a austríaca, § 6º; a francesa, art. 35; a mexicana, art. 62; a suíça, art. 773; a italiana, Código Civil, art. 2474; a venezuelana, Código Comercial, art.315; e uruguaia (Lei n. 13.782, de 3-11-1969, art. 80)."[33]

O anteprojeto de lei de sociedades de responsabilidade limitada, assim como o projeto de Código Civil e o Decreto n.º 3.708/19, não estabelece um piso de capital necessário para a constituição desse tipo societário. A intenção brasileira mostra-se perene, no sentido do respeito à isonomia dos sujeitos. Não se quer orientar a vedação do acesso à responsabilidade limitada por um critério censitário; seria flagrante afronta ao constitucional princípio da igualdade impedir que alguns sujeitos alcançassem a limitação da responsabilidade, ao argumento único de contarem com parcos recursos econômicos.

As regras sobre constituição do capital e avaliação de bens são cópias simplificadas da Lei n.º 6.404/76.

No estudo do aumento do capital social, mister se faz a menção ao direito de preferência dos sócios. No Decreto n.º 3.708/19, não há referência alguma a direito de preferência dos quotistas na subscrição de novas parcelas do capital na hipótese de seu aumento. Nelson Abrão, estudando a matéria sob a égide do atual regramento jurídico e não se olvidando do projeto de Código Civil unificado, afirma:

"implicando o reconhecimento de subscrição de novas parcelas do capital por estranhos modificação do contrato social, resulta que os sócios têm natural preferência sobre eles. Nesse sentido o espírito descortinado no Projeto de Código Civil, cujo art. 1083, §1º, de forma bastante evidente tipifica: ‘Até trinta dias após a deliberação, terão os sócios preferência para participar do aumento, na proporção das quotas de que sejam titulares.’"[34]

Indiscutivelmente, o posicionamento doutrinário justifica-se pela aplicação subsidiária da Lei n.º 6.404/76, que, em seu art. 109, prevê a preferência para subscrição de novas participações societárias advindas de aumento de capital como um direito intangível.

No atual regime jurídico das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, é recomendável aos minoritários a inserção da cláusula do direito de preferência no contato social, em virtude da omissão do Decreto n.º 3.708/19, o que torna inafastável a sua observância.

Contudo, o anteprojeto de lei de sociedades limitadas põe fim às discussões sobre a vigência do direito de preferência no seio desse tipo societário, ao regulá-lo sob a rubrica da essencialidade, art. 14, V, ou seja, é um direito legal, intangível, seja pela assembléia, seja pelo contrato social.

As características do direito de preferência estão previstas no art. 19 do anteprojeto. Faz-se, inclusive, menção expressa à possibilidade de o quotista ceder seu direito a outros sócios na proporção de suas respectivas participações societárias. Todavia, o dispositivo não se reporta ao tempo hábil ao exercício desse direito, devendo incidir, por conseguinte, o art. 171, §4º da Lei n.º 6.404/76, que diz que o estatuto ou assembléia deverá fixar-lhe prazo, não inferior a trinta dias.

4.5. Quotas

As quotas representam o contingente patrimonial com que o sócio concorre para o capital da sociedade. Pode-se compreendê-la como "quinhão" ou "parte"do capital social.

Segundo o art. 26 do anteprojeto:

"O capital social será dividido em quotas, ordinárias e preferenciais, com ou sem valor nominal, não podendo ser representadas por certificado ou cautelas."

Caso venha a tornar-se lei, o anteprojeto trará certeza sobre a existência de espécies de quotas nas sociedades limitadas: ordinárias e preferenciais, podendo estas ter o direito de voto suprimido.

As quotas podem, aliás, ter, ou não, valor nominal. Quando se diz dessa possibilidade, quer-se, em verdade, permitir que o contrato social atribua valor nominal às quotas. O valor nominal é o resultado da divisão do capital social pelo número de quotas contratualmente previstas. Versando o ato constitutivo da limitada sobre o valor nominal das quotas, deverão todas estas representar idêntico numerário, por força da aplicação subsidiária do art. 11, § 2º da Lei n.º 6.404/76.

Ao lado das quotas sociais, a doutrina mostra-se fragmentada quanto à possibilidade de a sociedade limitada emitir títulos outros para alavancar capital; poderia ela emitir debêntures ou partes beneficiárias?

A maioria da doutrina posiciona-se negativamente perante essa pergunta. A emissão dos títulos mencionados deve ser circunscrita ao regime das sociedades anônimas, pois somente elas são afeiçoadas à captação de recursos junto ao público, valendo-se, em geral, do mercado de capitais. A sociedade limitada deve buscar fomento junto a seus sócios ou valer-se de instituições financeiras.[35] Todavia, há posições em contrário.

O tratamento de relevantes questões sobre as quotas sociais será desdobrado nos itens a seguir.

4.5.1. Cessão e penhora de quotas

Com respeito à cessão de quotas, o Decreto n.º 3.708/19 é silente, tendo sobressaído entendimento doutrinário e jurisprudencial de que quando a cessão for para terceiro, deverá ela ser precedida da anuência dos demais sócios.

Pode-se dizer que o anteprojeto estabelece, em regra,[36] uma ordem de vocação de cessionários. Quando o sócio quiser ceder suas quotas, deverá proceder à notificação da sociedade para que exerça o direito de preferência. Não exercendo a limitada seu direito, o pretenso cedente deverá oferecer suas quotas aos demais sócios, que, por sua vez, poderão adquiri-las ou ceder o seu direito de preferência a outros sócios. Somente após a negativa da sociedade e dos co-sócios, podem as quotas ser cedidas a terceiros. O anteprojeto regula detalhadamente modo e tempo do que pode ser visto como procedimento de cessão de quotas.

A posição da própria sociedade limitada como primeira pessoa a exercer o direito de preferência sobre as quotas quer indicar, sem sombra de dúvidas, duas relevantes conseqüências jurídicas. A primeira delas trata da sobrevida da atual possibilidade de a limitada negociar as próprias quotas, caso se converta em lei o anteprojeto. E, a segunda diz respeito à predominância do caráter de sociedades de pessoas no regime projetado; no silêncio do contrato social, evita-se a cessão das quotas para terceiros, ao afirmar-se o direito de preferência da sociedade.

O art. 30 do anteprojeto dispõe que a sociedade ou sócios que representem, no mínimo, um quarto das quotas ordinárias podem opor-se à cessão de quotas a terceiros.

O anteprojeto cuidou de regular a responsabilidade solidária do cedente da quota social. Veja-se:

"Art. 7º. (...)

Parágrafo único. O sócio, que ceder suas quotas, continuará solidariamente responsável pela integralização do capital social até um ano após o arquivamento da alteração do contrato social."

E:

"Art. 32. Efetivada a cessão da quota, o cedente será, na hipótese de decretação da falência da sociedade e de constatar-se a não integralização do capital social, solidariamente responsável, até o limite do capital social, pelas obrigações contraídas até um ano após a data do arquivamento da alteração contratual que formalize a cessão de quotas e sua retirada da sociedade.

Parágrafo único. Quando tratar-se de quotista com reduzido número de quotas e sem participação no controle ou na gestão da sociedade, o juiz poderá exonerá-lo de responsabilidade."

Deve-se ressaltar que há, nesse particular do anteprojeto, um conflito aparente de normas, que facilmente resolve-se pelo princípio da especialidade.

O art. 7º, parágrafo único, prescreve que o cedente da quota fica solidariamente responsável pela integralização do capital até um ano após o arquivamento da correlata alteração contratual. Essa obrigação solidária tem lugar em qualquer execução, desde que se perceba que o capital não se encontra integralizado. Parece que a proposta alcança as obrigações sociais pretéritas, constituídas antes da cessão.

Por sua vez, o art. 32 projeta uma responsabilidade solidária adstrita à hipótese de verificação de falência da sociedade, cumulada com a constatação da não integralização do capital. Nessa especial hipótese de quebra, o cedente será, inclusive, solidariamente responsável por obrigações contraídas até um ano após a data do arquivamento da alteração contratual que formalizar a cessão, ou seja, a responsabilidade é muito mais grave, pois o cedente é solidariamente responsável por obrigações constituídas na sua ausência. Com essa regra, ao tempo da cessão, caso o capital não esteja integralizado, o cedente desconhece as obrigações que pode ser chamado a responder, porque elas se aperfeiçoarão ulteriormente.

A propósito, quando tratar-se de sócio de somenos importância censitária, o magistrado, no caso exclusivo de decretação de falência, pode eximi-lo da responsabilidade solidária. Em verdade, em nome da estabilização das relações negociais e sendo notório que o sócio minoritário não aponta o norte da vida empresarial, atento às peculiaridade do caso concreto, o juiz deverá eximir o cedente dessa obrigação.

A seu turno, a penhora de quotas no atual regime das sociedades por quotas de responsabilidade limitada foi estudada quando do cotejo do tema no projeto de Código Civil. Ao presente tópico interessa a estrita apreciação da sistemática do anteprojeto de lei de sociedades limitadas.

Mister se faz salientar que o contrato social tem a aptidão de tornar as quotas impenhoráveis. Nos exatos termos do art. 4º, I, a, do anteprojeto, é possível, contratualmente, vedar ou condicionar a penhora das quotas, sendo tal cláusula oponível erga omnes após o arquivamento de seu instrumento no respectivo Registro Público (art. 4º, parágrafo único).

Omitindo-se o contrato social, as quotas são passíveis de penhora. Ocorrendo a constrição judicial, a sociedade poderá pagar a dívida até o limite do valor patrimonial das quotas, "com fundos disponíveis e sem ofensa do capital social, reduzindo o capital social proporcionalmente ao valor das quotas do sócio executado" (art. 33, caput).

A vontade do sócio executado não interferirá no exercício desse direito da limitada. Trata-se de proposta de criação de um direito potestativo, haurido pelo predomínio do interesse da sociedade, que poderá ser exercido unilateralmente dentro de seu prazo decadencial.

Se a sociedade não exercer esse direito dentro de seis meses contados do aperfeiçoamento da penhora, qualquer sócio poderá proceder ao pagamento, tornando suas, no todo ou em parte, as quotas penhoradas (art. 33, §2º). Mais uma vez, esse direito será exercido, desprezando-se a vontade do devedor.

Caso as quotas sejam levadas à hasta pública, a sociedade e demais quotistas terão preferência para adquiri-las. Na hipótese de serem alienadas a terceiros, estes serão admitidos na limitada, na qualidade de sócios preferencialistas, sem direito de voto. Se a sociedade não tiver quotas preferenciais, sem direito de voto, deverá alterar-se seu contrato social.

Um episódio curioso pode acontecer no mundo da vida. Suponha-se que o capital de uma limitada fosse composto por dois terços de quotas preferenciais, sem direito de voto (limite projetado), e por um terço de quotas ordinárias. Se um sócio ordinarialista fosse executado e, ao final do processo se constatasse a arrematação das quotas por uma pessoa desconhecida da sociedade, a que título o arrematante nela ingressaria?

O anteprojeto não traz solução. A questão deve ser resolvida contratualmente. Os sócios deverão alterar o contrato social, de forma a redistribuir as espécies de quotas, permitindo que o arrematante ingresse na sociedade na qualidade de preferencialista dentro dos limites do anteprojeto. Ou, ainda, é possível que os demais sócios admitam o novo sócio como ordinarialista. O anteprojeto quer, através, da medida, vedar a ingerência de pessoas estranhas à sociedade. Contudo, entendendo os quotistas que não há mal algum em permitir o direito de voto ao novo sócio, poderão eles afastar a incidência do art. 33, §4º, do anteprojeto.

4.5.2. Quotas preferenciais

Em atenção ao atual regime jurídico das limitadas, resultante da confluência do diploma de 1919 e da Lei das Sociedades Anônimas, Viviane Muller Prado, reportando-se ao estudo de Egberto de Lacerda Teixeira, afirma que a existência das quotas preferenciais fundamenta-se no art. 15, §2º, da Lei n.º 6.404/76, que é norma de aplicação facultativa às sociedades por quotas de responsabilidade limitada. A autora aponta, de forma incisiva, a relevância dessas quotas na vida societária contemporânea, afirmando:

"As quotas que conferem privilégios na distribuição de dividendos mas são destituídas do direito de voto, possibilitam que o detentor do controle societário capte recursos de terceiros que não tenham interesse na gestão da empresa, mas apenas nos resultados financeiros por ela produzidos, sem comprometer tal poder de controle."[37]

Resta patente que a quota preferencial, a exemplo do que ocorre com a ação preferencial, sem direito de voto, permite que um único sócio ou um grupo de sócios, titular de pequena parcela do capital social, ostente o status de controlador da pessoa jurídica. Trata-se de um mecanismo de concentração do poder de determinação do norte societário.

Ao contrário do que parece, esse instrumental, no mais das vezes, mostra-se fundamental para o sucesso da atividade a ser desenvolvida pela sociedade. Imagine-se um mecânico, experimentado em seu mister, mas sem capital suficiente para estabelecer-se. Resolve ele constituir uma sociedade limitada, em razão de sua menor complexidade, em concurso com outros sujeitos, que não gozam do mesmo grau de conhecimento sobre as vicissitudes de uma máquina automotiva e, tampouco, compreendem a realidade do mercado de reparação de veículos. Ao mesmo tempo, não interessa aos seus consortes pôr as mãos na graxa; não lhes apetece a idéia de participar do dia-a-dia da oficina mecânica; preocupam-se somente em multiplicar o seu aporte de capital. Pois bem, torna-se conveniente atribuir o controle da sociedade ao mecânico, embora ele não detenha a maioria do capital social. E, como fazer isso? Através da previsão contratual de quotas preferenciais, sem direito de voto, permitindo que o mecânico titularize a maioria do capital votante, que não coincide, nessa hipótese, com a maioria do capital social.

Em contrapartida, às quotas sem voto são conferidas vantagens, que podem constituir em dividendos fixos ou mínimos; em prioridade na distribuição de dividendos; em prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele; e na cumulação das vantagens enumeradas (art. 17 da Lei n.º 6.404/76).

No silêncio do contrato social quanto às vantagens da quota preferencial, terá lugar o dividendo diferencial instituído pela reforma da Lei n.º 6.404/76 (art. 17, I, primeira parte). Ora, a sonegação contratual de vantagens às quotas preferenciais dá azo à incidência de dividendos, no mínimo, 10% (dez por cento) superiores aos atribuídos às quotas ordinárias.

Embora haja setores doutrinários que admitem a existência, validade e eficácia das quotas preferenciais no direito brasileiro, a ausência de previsão legal específica, de tempos em tempos, cria certas complicações, sobremaneira junto ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins. Pode ser que o órgão encarregado do Registro entenda que o estabelecimento contratual das quotas preferenciais esteja em desconformidade com a lei e, por conseguinte, negue o arquivamento, seja do próprio contrato social, seja de alterações que versem sobre a categoria jurídica.

Somente o advento de expressa disposição de lei pode pôr cobro às esporádicas discussões acerca do ingresso das quotas preferenciais no mundo do Direito.

Nem o Decreto n.º 3.708/19, nem o projeto de Código Civil regularam as quotas preferenciais, embora elas sejam, hodiernamente, previstas em muitos contratos de sociedades por quotas de responsabilidade limitada.

Ciente desse contexto e, sobretudo, atento aos anseios empresariais, o atual anteprojeto de sociedade de responsabilidade limitada dedicou um dispositivo ao tema, art. 26, o que tornará certa a viabilidade dessa espécie de quota.

A propósito, a norma prevê qualificação das quotas, imputando-lhes diferenças específicas. Haverá, legalmente quotas ordinárias e quotas preferenciais.

A redação projetada não cuida de conceituar o que é a quota preferencial. Contenta-se em facultar a sua previsão no contrato, dentro do limite de dois terços do capital da sociedade. Admite ainda, por razão maior de ser, restrições ao direito de voto de seu titular.

A quota preferencial tem lugar no contrato social e encontra o mesmo teto posto sobre as cabeças das ações preferenciais, ou seja, não poderão ultrapassar dois terços do capital social.

O voto pode experimentar, contratualmente, desde restrições referentes a algumas matérias até a sua total supressão. Surge, aqui, uma questão: uma vez suprimido o direito de voto da quota preferencial, ela jamais o restabeleceria?

A resposta é negativa. O anteprojeto, em seu art. 49, manda aplicar a Lei das Sociedades por Ações à sociedade de responsabilidade limitada, no que com esta for compatível. Assim, seria inegável, nesse caso, a incidência do art. 111, § 1º, da Lei 6.404/76. Fazendo-se uma leitura contextual da disposição, poderia dizer-se: as quotas preferenciais, sem direito de voto, adquirirão o exercício desse direito se a sociedade, pelo prazo previsto no contrato, não superior a três exercícios consecutivos, deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até o pagamento, se tais dividendos não forem cumulativos, ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso.

4.6. Órgãos sociais

O Decreto nº 3.708/19 não prevê órgãos sociais.

O anteprojeto, em um singelo dispositivo, art. 34, regula a assembléia geral e o conselho fiscal, afirmando a facultatividade deste último e dizendo que a convocação e o funcionamento de ambos serão regulados pelo contrato social, pelo acordo de quotistas, se houver, e pela Lei n.º 6.404/76, no que for compatível. Ou seja, a atual disciplina das sociedades anônimas orientará a estrutura orgânica das limitadas, seja de forma indireta na feitura do contrato, seja de maneira direta nas omissões contratuais.

4.7. Administradores

Um grande passo pretendido pelo projeto é estender, às pessoas jurídicas, a qualidade de administradoras das sociedades de responsabilidade limitada. Pretende-se permitir que a pessoa jurídica possa ser administradora dessa sociedade, o que constitui uma novidade para o ordenamento brasileiro. A esse respeito, a Lei n.º 6.404/76 reserva os cargos de administradores das sociedades anônimas para pessoas físicas, excluindo as pessoas morais.

Não se exige a qualidade de sócio do administrador, como ocorre no Decreto n.º 3.708/19. Qualquer pessoa, física ou jurídica, independentemente de ser sócia, pode ser administradora da limitada, segundo o anteprojeto.

Terá lugar no contrato social a designação de um ou mais administradores responsáveis pela representação da sociedade. Vale lembrar que o anteprojeto atribui-lhes o dever de diligência (art. 36).

Com respeito à responsabilidade da sociedade pelos atos dos administradores, o anteprojeto é inovador. As atribuições dos administradores, desde que constem de contrato devidamente arquivado, são oponíveis contra todos, o que reduz sensivelmente o campo de incidência da teoria da aparência. Os administradores só podem atuar nos limites de seus poderes contratuais e nada além. A atuação fora de seus limites gera sua responsabilização pessoal.

No campo da responsabilidade pessoal do administrador, o anteprojeto trilha os mesmos caminhos da Lei n.º 6.404/76.

4.8. Acordo de quotistas

Há muito, percebe-se na praxe societária a existência do acordo de quotistas, que é instrumento idôneo a formar grupos coesos de interesse no seio da sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Presta-se tanto à configuração do sócio controlador, quanto ao nascimento de fortes frentes de resistência das minorias.

A maioria da doutrina pátria, por exemplo, Celso Barbi Filho[38] e Waldírio Bulgarelli[39], sob a égide da atual ordenação das limitadas, admite sua validade, vigência e eficácia, fundamentada na aplicação subsidiária do art. 118 da Lei n.º 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações).

Por outro lado, setor isolado, representado por Tavares Guerreiro, rechaça a validade do acordo de quotistas. Argumenta que, por força do art. 2º, do Decreto n.º 3.708/19, o título constitutivo da sociedade por quotas de responsabilidade limitada regula-se pelos arts. 300 a 302 do Código Comercial Brasileiro; o art. 302, 7, do Código Comercial dispõe que deverão constar da escritura "Todas as mais cláusulas e condições necessárias para se determinarem com precisão os direitos e obrigações dos sócios entre si, e para com terceiro".

Com base nessas normas, essa doutrina afirma que o acordo de quotistas não poderia existir, pois competiria ao contrato social regular exaustivamente toda sorte de direitos e obrigações dos sócios. Waldírio Bulgarelli rebate, asseverando que:

"o acordo de quotistas não altera o contrato social – ao menos nas disposições essenciais – nem ofende em princípio o direito de terceiros, sendo destarte válido, vigente e eficaz; também não se trata de um contrato oculto entre todos os sócios infletindo sobre o contrato ostensivo, e sim, um ajuste entre sócios a respeito do exercício do direito de voto e outras avenças complementares. Por ser assim refoge, desde logo, à proibição do art. 302, 7, do Código Comercial."[40]

Celso Barbi Filho, entusiasmado pelo estudo do acordo de acionistas, admite, quanto ao acordo de quotistas, que:

"a ausência de previsão legal específica sobre o instituto, como visto, enseja dúvidas sobre a validade efetiva do acordo de quotistas."[41] (grifou-se).

O projeto de Código Civil não cuidou do tema, que veio a ter lugar num único artigo do anteprojeto de lei de sociedades de responsabilidade limitada. Veja-se:

"Art. 39. Os sócios poderão celebrar acordo de quotistas, que, para valer contra terceiros, deverá ser arquivado no Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, ensejando a execução específica.

Parágrafo único. Aplica-se ao acordo de quotistas o regime legal do acordo de acionistas previsto na Lei das Sociedades por Ações."

A primeira questão a ser suscitada, a partir da leitura da disposição transcrita, diz respeito à necessidade de arquivamento do acordo de quotistas na sede da própria sociedade, além de seu arquivamento no mencionado Registro Público. Seria essa formalidade imprescindível à observância do acordo pela limitada?

A resposta é afirmativa. Apreciando-se o disposto no art. 39, parágrafo único, do anteprojeto, fica patente a incidência do regime legal do acordo de acionistas sobre o de quotistas, o que torna necessário o seu arquivamento na sede da sociedade, para que esta o respeite (art. 118, caput, parte final, da Lei n.º 6.404/76).

Ainda em atenção ao regime do acordo de acionistas, aplicável ao de quotistas, comporta assinalar que não pode ele ser invocado para eximir a responsabilidade dos sócios pelo exercício do direito de voto e, tampouco para elidir a responsabilidade do quotista controlador.

Em princípio, podem ser objeto do acordo de quotistas a cessão de suas quotas, preferência para adquiri-las e o exercício do direito de voto.

Lembrando Celso de Albuquerque Barreto, Celso Barbi Filho aponta algumas restrições ao objeto do acordo de acionistas. Seriam elas:

"a) indeterminação de escopo, ou "acordos em aberto", caracterizados pela inespecificidade do ajuste quanto às matérias ou diretrizes do voto."

b) cessão do direito de voto sem transferência da titularidade das ações;

c) negociação do voto (crime, art. 177, § 2, Código Penal);

d) violação de direitos essenciais do acionista;

e) violação da legislação antitruste, de proteção à economia popular e aos consumidores;

f) acordo danoso aos interesses da sociedade (art. 115, da Lei das S/A);

g) acordos que tenham por objeto as declarações de verdade (aprovação de contas etc.)."[42]

A maioria dessas restrições, mutatis mutandis, aplica-se também ao acordo de quotistas.

A título ilustrativo, vale mencionar que as tratativas entabuladas com respeito ao voto na assembléia geral da sociedade limitada, em hipótese alguma, seja no atual regime jurídico, seja no projetado, poderá configurar o delito de negociação de voto, tipificado no art. 177, §2º, do Código Penal Brasileiro (letra c, supra). Trata-se de crime próprio, em que se exige o acionista como sujeito ativo; quotista não é acionista.

Caso o anteprojeto torne-se lei, a execução específica do acordo de quotistas, situada no art. 39, caput, parte final, do anteprojeto, pode mostrar-se problemática, tendo em vista a tormentosa experiência do acordo de acionistas.

A propósito, após o novel instituto processual da tutela antecipada, a execução desses acordos tem alcançado maior grau de efetividade.

Como o objeto do acordo é a declaração de vontade do sócio signatário, em verdade, o processo será de conhecimento, culminando com uma sentença, em que o Estado prestará a manifestação indevidamente omitida.[43]

Somente com a tutela antecipatória veio a ser possível o pronunciamento liminar, no sentido de antecipar os efeitos da decisão final, quando, é claro, preenchidos os pressupostos para tanto, art. 273 do Código de Processo Civil. Nesse contexto normativo, ganha maior respeitabilidade o acordo, pois colocam-se à disposição da parte lesada instrumentais suficientes à melhor realização de seu direito.

4.9. Dissolução, liquidação e extinção

O anteprojeto, em seu art. 40, dispõe que a dissolução, liquidação e extinção da sociedade deverão ser reguladas pelo contrato social e, no que for compatível, pela disciplina das sociedades por ações. Portanto, não se apresenta uma proposta expressa sobre procedimento de dissolução, que englobe o ato de dissolução, a liquidação, a partilha e a extinção da pessoa jurídica. Determina-se a regulação contratual, sendo de se aconselhar aos sócios minoritários o minucioso trato das hipóteses e do procedimento de dissolução.

Assim, no silêncio do ato constitutivo, as hipóteses de dissolução serão as constantes da Lei n.º 6.404/76, assim como, mutatis mutandis, o respectivo procedimento.

No que se refere à controvertida dissolução parcial da sociedade limitada, o anteprojeto é imperdoavelmente omisso.

Estudando a espécie, Carla Izolda Fiúza Costa Marshall assevera:

"A dissolução parcial vem a ser alternativa criada a partir da doutrina e da jurisprudência, não tendo sido matéria tratada pelo legislador ordinário.

O surgimento da dissolução parcial se deve ao fato de que nem sempre é necessária a extinção da sociedade. A dissolução total é por demais nefasta, em determinados casos, ou seja, quando é possível a manutenção do ente social. Desta forma, a dissolução parcial nasceu com a função de preservar a sociedade, quando desnecessária sua extinção."[44]

A dissolução parcial é uma constante nos pretórios brasileiros e reclama a devida regulamentação. Inclusive, seu procedimento é duvidoso. A doutrina não é unânime quanto ao rito processual adequado ao trâmite da dissolução parcial; se o comum, ordinário ou sumário, conforme o valor, ou se o subsistente procedimento de dissolução previsto no Código de Processo Civil de 1939.

Observem-se as gêneses distintas de ambas as pretensões. Na dissolução total, em abreviada síntese, busca-se a realização do ativo e pagamento do passivo, partilha do acervo patrimonial remanescente e, em última etapa, a extinção da limitada, com a cessação de sua atividade econômica. Lado outro, na dissolução parcial, pretende-se a apuração de haveres do sócio, seu pagamento e sua exclusão do quadro de quotistas, remanescendo, ao final, a sociedade em plena atividade, o que se mostra conforme com o princípio da preservação da empresa.

Ora, o procedimento estampado no CPC de 1939 é endereçado à dissolução total, e não à parcial. Os procedimentos especiais, dentre os quais se posiciona o de dissolução de sociedades, por serem excepcionais, aplicam-se somente às suas estritas hipóteses legais. Vale, ainda, lembrar que os procedimentos são cogentes, não competindo às partes escolher aquele que mais lhes convenha. Portanto, como o antigo CPC refere-se à dissolução total, não há falar-se em sua aplicação na dissolução parcial, que deve valer-se da via comum.

Embora não conste do anteprojeto, a dissolução parcial continuará a existir, principalmente pela projetada opção de reenvio à lei das sociedades por ações, que também tem comportado, doutrinária e jurisprudencialmente, o fenômeno da dissolução parcial.

4.10. Disposições gerais

Sob o capítulo das disposições gerais, o anteprojeto traz normas referentes a arbitragem, prescrição, publicidade das atas das assembléias e regime jurídico subsidiário.

Dispõe o art. 46 do anteprojeto:

"Art. 46. O contrato social poderá submeter à arbitragem as divergências entre a sociedade e os sócios ou entre estes, especificando as regras aplicáveis."

Permite-se expressamente, assim, a inserção de cláusula compromissória[45] de arbitragem no contrato social da sociedade de responsabilidade limitada. Essa disposição não se mostra imprescindível para o sucesso do anteprojeto, uma vez que, pela vigência singular da Lei n.º 9.307/96, que dispõe sobre arbitragem, já é possível a elaboração da cláusula para solução de litígios entre sócios. Há um único fundamento para sua inclusão no anteprojeto: a sociedade limitada não é parte em seu ato constitutivo e, portanto, somente a explícita menção legal pode autorizar o estabelecimento, por oportunidade da feitura do contrato, de cláusula compromissória para resolução de conflitos envolvendo ela e os sócios.

Com respeito à prescrição, o Decreto n.º 3.708/19 é silente, o que dá incidência aos prazos prescricionais do Código Civil e do Código Comercial (art. 444). O anteprojeto porta, em seu bojo, a previsão de que as ações decorrentes da sua violação ou do contrato social prescreverão em três anos.

A disposição é salutar e compatível com a dinâmica da atividade empresarial. Ela é primordial para a estabilização das relações societárias, que não podem ficar a mercê dos anos prescricionais atuais. Inclusive, é regra tardia, pois a Lei n.º 6.404/76 contém disciplina prescricional própria (arts. 285 a 288), com prazos extremamente reduzidos, se comparados aos do regime das limitadas, o que indica um tratamento de desigualdade entre sujeitos que dividem o mesmo mercado.

Comporta lembrar que tempus regit actum e, assim, os prazos prescricionais do anteprojeto, caso se tornem lei, somente incidirão sobre facta futura, por razões indiscutíveis de direito adquirido.

O art. 48 do anteprojeto dispensa, excetuada a hipótese de disposição contrária do contrato social, a publicação das atas das assembléias, mas exige o arquivamento delas na sede social, especialmente para o fim de prestar informações aos sócios, nos termos do art. 17, também do anteprojeto.

Houve por bem contrariar a opção de regime supletivo feita pelo projeto de Código Civil, que o aponta para o sistema das sociedades simples. O anteprojeto, em seu art. 49, preferiu dar subsistência ao regime subsidiário consagrado pelo art. 18 do Decreto n.º 3.708/19; tanto a sociedade de responsabilidade limitada, assim como a empresa individual de responsabilidade limitada, reger-se-ão, no que for compatível, pela Lei das Sociedades por Ações.

Haverá vacatio legis de seis meses.


5.Conclusões

Entre as duas propostas de reforma do regime jurídico das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, objeto do presente estudo, há de prevalecer o atual anteprojeto, encabeçado por Arnoldo Wald. Além de ele ser esboço de uma lei especial, o que é preferível, o seu teor está atento às novas praxes do Direito Societário.

A propósito, o projeto de Código Civil unificado, conforme oportunamente explicitado, contempla posições que poderiam comprometer a vida das limitadas no Brasil.

Considerando-se que a doutrina e a jurisprudência têm, diuturnamente, trabalhado pela adequada revitalização do diploma legal de 1919, sem o amparo do Poder Legislativo, a quem verdadeiramente compete essa tarefa, deve-se reconhecer que o campo empresarial vive momento de grave instabilidade e pugna por maior segurança jurídica, que lhe vem sendo sonegada pelo Estado.

Mesmo os julgados e os textos científicos que têm desbravado a seara do direito societário confessam impotência perante a instabilidade do trato de suas categorias jurídicas, o que só será sanado com a segurança de um novo regime das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. Esses são os reclamos de todos aqueles que depositam uma esperança no desenvolvimento econômico do Brasil. Vale encerrar com as palavras de Egberto Lacerda Teixeira, in verbis:

"A promulgação de novo estatuto das sociedades limitadas, quer no bojo do Código Civil, quer preferencialmente como lei autônoma, constitui reclamo geral, para tranqüilidade jurídica e negocial de um grande número de empresários, advogados e magistrados. Confiamos que o Congresso Nacional (o Senado em especial) mostre-se sensível ao delicado problema, tão longamente procrastinado e hibernado em Brasília."[46]


NOTAS

1.SZTAJN, Rachel. Os custos provocados pelo direito. In: Revista de Direito Mercantil, v.112. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 77.

2.TEIXEIRA, Egberto Lacerda. As sociedades limitadas e o projeto de código civil. In: Revista de Direito Mercantil, v. 99. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 67.

3."Antigamente não se reconhecia, via de regra, aos grupamentos comerciais a personalidade jurídica. A sociedade em nome coletivo, por exemplo, era vista apenas como conjunção não personificada de vários comerciantes individuais. Hoje a personificação é regra com relação às sociedades, comerciais e não comerciais; o que tem feito surgir princípio segundo o qual, no âmbito das sociedades (todas elas), os sócios não respondem – salvo exceções legais expressas – pelas obrigações da respectiva pessoa jurídica, respondendo tão-somente pela realização dos valores prometidos para formação do capital social." (CRISTIANO, Romano. Sociedade limitada no Brasil. São Paulo: Malheiros, 1998, p.27).

4.CRISTIANO, Romano. Sociedade limitada no Brasil. São Paulo: Malheiros, 1998, p.26.

5.Os dados podem ser extraídos da página da JUCEMG na internet (www.jucemg.mg.gov.br), em 10/12/2000.

6.REALE, Miguel. Visão geral do projeto de código civil: tramitação do projeto. In: Jus Navigandi (www.jus.com.br), visitado em 30/05/2000.

7.Op. cit.

8.REALE, Miguel. Visão geral do projeto de código civil: tramitação do projeto. In: Jus Navigandi (www.jus.com.br), visitado em 30/05/2000.

9.LUCCA, Newton de. A atividade empresarial no âmbito do projeto de código civil. In: SIMÃO FILHO, Adalberto e LUCCA, Newton de (Org.). Direito empresarial contemporâneo. São Paulo: Juarez de Oliveira, p. 29-83, 2000, p.37.

10.BULGARELLI, Waldirio. Tratado de direito empresarial. São Paulo: Editora Atlas, 2000, pp.266/267.

11.SILVEIRA, João Marcos. Sociedade de responsabilidade limitada – projeto de lei do senado 46/93. In: Revista de Direito Mercantil, v. 92. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p 112.

12.CRISTIANO, Romano. Sociedade limitada no Brasil. São Paulo: Malheiros, 1998, p.37.

13.CAMINHA, Uinie. Penhorabilidade das cotas sociais nas sociedades por cotas de responsabilidade limitada. In: Revista de Direito Mercantil, v. 119. São Paulo: Malheiros, 1998, pp. 121/122.

14."Tem havido certo dissídio acerca da possibilidade de ocorrer penhora de quotas das limitadas. A tendência, todavia, mesmo na jurisprudência é no sentido afirmativo. O Projeto é silencioso nesse particular." (TEIXEIRA, Egberto Lacerda. As sociedades limitadas e o projeto de código civil. In: Revista de Direito Mercantil, v. 99. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pp. 70).

15.ABRÃO, Carlos Henrique. Penhora das quotas de sociedade de responsabilidade limitada. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 37.

16.ABRÃO, Carlos Henrique. Penhora das quotas de sociedade de responsabilidade limitada. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 49.

17."essa flexibilidade é facilitada, ou ao menos permitida, pela dupla filiação da sociedade por quotas, entre nós, ao regime geral das sociedades mercantis, disciplinado pelo Código Comercial, e pela aplicação das normas sobre sociedades anônimas. Ligada assim sua cabeça ao regime das sociedades de pessoas do Código Comercial e sua cauda ao regime da sociedade de capitais, torna-se, antes que um produto híbrido, em modelo flexível ajustável à realidade mutável de nossa economia. São as razões do seu sucesso entre nós, e os problemas decorrentes não são de molde, a nosso ver, a justificar uma pretendida reformulação da lei, posto que é justamente a ausência de casuísmo do Dec. 3.708/19 que torna esse tipo incomparavelmente útil à economia pátria, notadamente no nosso estágio de desenvolvimento." (SILVEIRA, João Marcos. Sociedade de responsabilidade limitada – projeto de lei do senado 46/93. In: Revista de Direito Mercantil, v. 92. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p 111).

18.REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1998, p.369.

19.Op. cit., p.369.

20.ABRÃO, Carlos Henrique. Penhora das quotas de sociedade de responsabilidade limitada. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 35.

21.O anteprojeto aqui estudado foi extraído da página do Ministério da Justiça na internet (www.mj.gov.br).

22.TEIXEIRA, Egberto Lacerda. As sociedades limitadas e o projeto de código civil. In: Revista de Direito Mercantil, v. 99. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 69.

23.As informações foram obtidas no site do Ministério da Justiça (www.mj.gov.br), em 20/12/2000.

24.REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 265.

25.O anteprojeto traz, ainda, a disciplina da empresa individual de responsabilidade limitada, em que é possível a limitação de responsabilidade do empresário singular; no entanto, por não ser espécie de sociedade de responsabilidade limitada e dada a complexidade do tema, não será ela objeto desta monografia.

26.FERREIRA, Renato Luis Bueloni. Jurisprudência comentada: sociedade por cotas – constituição por dois sócios – morte do majoritário – continuidade da empresa – representação – gerente – legitimidade. In: Revista de Direito Mercantil, v. 104. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, pp. 141/145.

27.REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1995, p.335.

28.THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. v. II. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p.32.

29.COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2. São Paulo: Saraiva, 1999, p.293.

30.REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1998, p.50.

31.COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 157.

32."A expressão ‘capital aguado’ refere-se a uma cifra de capital sem lastro equivalente no patrimônio social, em decorrência de uma super avaliação dos bens incorporados ao ativo permanente imobilizado." (LIMA, Osmar Brina Corrêa. Sociedade anônima. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p.38)

33.ABRÃO, Nelson. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. São Paulo: Saraiva, 2000, p.61.

34.ABRÃO, Nelson. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 106.

35."Realmente a tendência dominante no Direito Comparado é a de deixar as debêntures circunscritas ao campo das sociedades por ações, uma vez que a sociedade limitada, por sua própria natureza, não se destina a recorrer ao mercado de capitais, haurindo seus recursos em círculos privados, via de instituições financeiras, ou junto aos próprios sócios." (ABRÃO, Nelson. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. São Paulo: Saraiva, 2000).

36.Previsões do contrato social podem subverter a vocação legal, ou até mesmo preteri-la. Veja-se: "Art. 27. Salvo disposição em contrário no contrato social, o sócio que pretender ceder, no todo ou em parte, as quotas liberadas que possui, deve notificar a sociedade, para que exerça o direito de preferência à aquisição. (...)"

37.PRADO, Viviane Muller. As quotas preferenciais no direito brasileiro. In: Revista de direito bancário, do mercado de capitais e da arbitragem, v. 5. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 140.

38.BARBI FILHO, Celso. Acordo de acionistas: panorama atual do instituto no direito brasileiro e propostas para a reforma de sua disciplina legal. In: Revista de direito bancário, do mercado de capitais e da arbitragem, v. 8. São Paulo: RT, 2000, pp. 31/59.

39.BULGARELLI, Waldírio. Anotações sobre o acordo de cotistas.. In: Revista de Direito Mercantil, v. 98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pp.44/49.

40.BULGARELLI, Waldírio. Anotações sobre o acordo de cotistas.. In: Revista de Direito Mercantil, v. 98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p49.

41.BARBI FILHO, Celso. Acordo de acionistas: panorama atual do instituto no direito brasileiro e propostas para a reforma de sua disciplina legal. In: Revista de direito bancário, do mercado de capitais e da arbitragem, v. 8. São Paulo: RT, 2000, p. 39.

42.BARBI FILHO, Celso. Acordo de acionistas: panorama atual do instituto no direito brasileiro e propostas para a reforma de sua disciplina legal. In: Revista de direito bancário, do mercado de capitais e da arbitragem, v. 8. São Paulo: RT, 2000.

43.BARBI FILHO, Celso. Efeitos da reforma do código de processo civil na execução específica do acordo de acionistas. In: Revista de Direito Mercantil, v.109. São Paulo: Malheiros, 1998, p.24.

44.MARSHALL, Carla Izolda Fiuza Costa. Temas polémicos da sociedade por quotas – posição da jurisprudência. Cessão de quotas, responsabilidade e exclusão de sócios. In: Revista de Direito Mercantil, v. 102. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 105.

45."Art. 4º. A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato." E, "Art. 8º. A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória." (ambos da Lei n.º 9.307/96, que dispõe sobre a arbitragem).

46.TEIXEIRA, Egberto Lacerda. As sociedades limitadas e o projeto de código civil. In: Revista de Direito Mercantil, v. 99. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 74.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FÉRES, Marcelo Andrade. Panorama das propostas de reforma do regime jurídico das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2381. Acesso em: 4 maio 2024.