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A inconstitucionalidade do interrogatório do réu realizado antes da instrução criminal no procedimento da Lei de Drogas

A inconstitucionalidade do interrogatório do réu realizado antes da instrução criminal no procedimento da Lei de Drogas

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O cerne do estudo é o interrogatório do acusado na nova Lei, posto que é o primeiro ato da instrução criminal, o que por si só, viola o exercício do contraditório e da ampla defesa. Doutro lado, nos procedimentos comuns ordinário e sumário se verifica que o interrogatório do réu é o ultimo ato da instrução criminal, assegurando assim a garantia constitucional da ampla defesa.

RESUMO: A Lei nº 11.343/2006 revogou as Leis nº 6.368/1976 e 10.409/2002 e estabeleceu o novo procedimento para apuração dos crimes relativos às drogas, estando o rito especial preconizado nos artigos 48 a 59 do referido diploma legal. Com efeito, é necessária a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal na nova Lei. O cerne do estudo é o interrogatório do acusado na nova Lei, posto que é o primeiro ato da instrução criminal, o que por si só, viola o exercício do contraditório e da ampla defesa. Doutro lado, nos procedimentos comuns ordinário e sumário se verifica que o interrogatório do réu é o ultimo ato da instrução criminal, assegurando assim a garantia constitucional da ampla defesa. O trabalho defende que o interrogatório do réu realizado antes da instrução criminal neste procedimento é inconstitucional, vez que viola o princípio da ampla defesa, e entende como melhor solução inverter o interrogatório do réu para o fim da instrução, para que este tenha assegurado seus direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal.

Palavras-chave: Interrogatório do réu; princípio da ampla defesa; Lei nº 11.343/2006.  


1. INTRODUÇÃO

O Direito Processual Penal deve estar pautado em princípios e garantias fundamentais asseguradas pela Constituição Federal ao indivíduo, pois o processo deve ser sinônimo de garantia contra as arbitrariedades estatais, sem que isso signifique a perda da efetividade da prestação jurisdicional. 

Assim sendo, os princípios constitucionais são considerados os pilares do nosso ordenamento jurídico, haja vista que norteiam como o intérprete deve agir diante das normas jurídicas e das situações impostas a ele. Por sua vez, as garantias constitucionais são aquelas que asseguram os direitos emanados da Carta Magna, especialmente o direito de liberdade e a limitação do poder de punir do Estado sobre o indivíduo.

Há inúmeros princípios constitucionais que regem o processo penal, contudo, neste estudo, foram observados especialmente: o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. O devido processo legal é o que está estabelecido em lei, devendo simbolizar uma garantia que deve atender aos ditames constitucionais. Com efeito, “consagra-se a necessidade do processo tipificado, sem a supressão ou desvirtuamento de atos essenciais”. [2]

Desta sorte, sabe-se que do devido processo legal decorrem o contraditório e a ampla defesa que são importantes postulados do processo acusatório, sendo inquestionável a interação dessas garantias, vez que do contraditório que emana a própria defesa.

Posteriormente, foram abordadas, sistematicamente, as questões relativas ao interrogatório do réu, tratando de seus temas obrigatórios e de seu procedimento específico que se encontra previsto nos arts. 185 a 196 do Código de Processo Penal, bem como a sua relação com o princípio da ampla defesa.

Por sua vez, foi feita uma análise do momento em que o interrogatório do acusado acontece nos procedimentos criminais- especialmente no rito comum, rito do júri- haja vista que existe variação no momento em que deve ser aprazado.

Nesse contexto, ainda avaliar-se-á em que fase processual pode ocorrer à confissão do acusado, bem como quais as condições necessárias para que o acusado contemple o benefício da delação premiada.

Em seguida, desenvolveremos o objeto do estudo proposto, ou seja, trataremos da inconstitucionalidade do interrogatório do réu realizado antes da instrução criminal no procedimento da Lei de Drogas, bem como se delineará as peculiaridades do rito procedimental para a apuração dos crimes relativos às drogas.

Pretende-se demonstrar que há necessidade de fazer uma inversão no que tange ao momento do interrogatório do réu na Lei de Drogas, a fim de que se tenha aplicado de forma efetiva e eficaz os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal na tutela dos interesses individuais.

Por fim, será feita uma elucidação do tema ora debatido trazendo os posicionamentos da doutrina.


2. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

A princípio, convém salientar que antes de ter disposição legal acerca da garantia do devido processo legal, este sempre fora observado. Hodiernamente, esse instituto foi elevado à categoria de dogma constitucional, cujo conteúdo está expresso no art.5°, LIV da Constituição Federal, o qual assegura que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Acerca deste tema Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco, assim, se manifestam:

Entende-se, com essa fórmula, o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, do outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição. Garantias que não servem apenas aos interesses das partes, como direitos públicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais) destas, mas que configuram, antes de mais nada, a salvaguarda do próprio do processo, objetivamente considerado, como fator legitimante do exercício da jurisdição.[3]

Decorre dessa fórmula os demais postulados necessários para assegurar à ordem jurídica justa, especialmente o contraditório e a ampla defesa como corolário dessa garantia.

2.1 PRINCÍPIOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

O art. 5° da Constituição Federal estabelece os direitos e garantias individuais e coletivos. Apesar de o texto constitucional aludir, de modo expresso, apenas a direitos e deveres, também consagrou os princípios e garantias constitucionais. Portanto, cabe diferenciá-los. Nesse sentido, Celso Ribeiro Bastos apresenta a ideia de princípios constitucionais:

Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica. Isto só é possível na medida em que estes não objetivam regular situações específicas, mas sim desejam lançar a sua força sobre todo o mundo jurídico. Alcançam os princípios esta meta à proporção que perdem o seu caráter de precisão conteúdo, isto é, conforme vão perdendo densidade semântica, eles ascendem a uma posição que lhes permite sobressair, pairando sobre uma área muito mais ampla do que uma norma estabelecedora de preceitos. Portanto, o que o princípio perde em carga normativa ganha como força valorativa a espraiar-se por cima de um sem-número de outras normas.[4]

De fato, se torna evidente que os princípios indicam a regra que deve ser aplicada pelo intérprete jurídico e pelo legislador infraconstitucional, já que são dotados de eficácia. Pode-se afirmar que existe uma hierarquia interna valorativa dentro das normas constitucionais, no qual os princípios estão em um nível superior, aos quais devem se submeter às normas infraconstitucionais, não prestando apenas para suprir lacunas, como acontece com os demais princípios gerais de direito.

Nessa linha, Cármen Lúcia Antunes Rocha elenca as seguintes características dos princípios constitucionais:

a) generalidade: são genéricos, não se aplicando a qualquer situação concreta;

b) primariedade: são primários, deles decorrendo outros princípios;

c) dimensão axiológica: os princípios constitucionais trazem valores éticos que refletem uma doutrina, um posicionamento político, devendo sofrer alteração quando tais valores também se alterem. [5]

Por sua vez, Robert Alexy afirma que a colisão de princípios acontece, por exemplo, se algo é defeso por um princípio, contudo é admitido por outro, hipótese em que um dos princípios deve retroceder. Todavia, não significa que o princípio que renuncia voluntariamente seja declarado nulo, muito menos que uma cláusula de exceção nele se perfaça.[6]

Alexy continua sustentando que, ainda que em certas condições, um princípio cede ao outro ou que, em determinadas hipóteses, a questão de prevalência se resolve de forma diversa. Dessa forma, observa-se que o autor quis dizer que os princípios têm peso diferente nos casos concretos e que o de maior peso é o que prevalece.[7]

Sobre as garantias constitucionais, José Afonso da Silva comenta:

[...] as garantias gerais dos direitos humanos fundamentais podem ser de dois tipos: (1) garantias gerais; (2) garantias constitucionais. E essas últimas se distinguem em duas classes: (a) garantias constitucionais gerais, que são instituições constitucionais que se inserem no mecanismo de freios e contrapesos dos poderes e, assim, visam impedir o arbítrio, com o que constituem, ao mesmo tempo, técnicas assecuratórias de eficácia das normas conferidoras dos direitos fundamentais; tais são, por exemplo, a existência de constituição rígida que declare os direitos fundamentais e suas garantias e estruture órgãos jurisdicionais dotados de independência e imparcialidade, com capacidade, de fato e de direito, para solucionar conflitos de interesses interindividuais e, especialmente, os que se manifestam entre o indivíduo e o Estado; nisso é que se revela o princípio da separação dos poderes como a matriz de todas as garantias dos direitos do homem; (b) garantias constitucionais especiais, que são prescrições constitucionais que conferem, aos titulares dos direitos fundamentais, meios, técnicas, instrumentos ou procedimentos para imporem o respeito e a exigibilidade desses direitos; são, portanto, prescrições do Direito Constitucional positivo (ou seja, das constituições rígidas) que, limitando a atuação dos órgãos estatais ou mesmo de particulares, protegem a eficácia, aplicabilidade e inviolabilidade dos direitos fundamentais de modo especial.[8]

Compreende-se, dessa forma, que as garantias constitucionais são instrumentos pelos quais se asseguram o exercício dos direitos ou a sua reparação, se violados; haja vista que sem as garantias, os direitos contidos no texto constitucional, deixariam de proporcionar em termos de eficácia a fruição completa das liberdades humanas.

Verificada a importância dos princípios e garantias constitucionais no âmbito do ordenamento jurídico, passemos a análise do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

2.2 DEVIDO PROCESSO LEGAL

A Magna Carta de João Sem Terra do ano de 1215 foi o primeiro ordenamento que fez menção ao princípio do devido processo legal quando se referiu a “law of the land”. O termo atualmente aplicado, “due process of law”, foi usado em lei inglesa de 1354, realizada no reinado de Eduardo III, denominada “Statute of Westminster of the Liberties of London”.

Num momento póstumo, os americanos transladaram esse princípio para a sua Constituição de 1787, no qual ele tem sido empregado diuturnamente, derivando daí sua evolução, o seu conceito e a sua abrangência.

O instituto do devido processo legal foi consagrado na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, LIV que dispõe: “ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, tal garantia traz expressamente o princípio garantidor das liberdades civis.

Observe-se que tal disposição constitucional foi complementada a seguir pelo inciso LV, que reza: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”

José Herval Sampaio Júnior assinala “que esse princípio assume dentro do processo penal uma importância transcendental e que delineia todo o seu agir, limitando inclusive a atividade do legislador” [9], dessa forma, “deve a lei se conformar com os direitos e garantias fundamentais do cidadão” [10], não podendo haver interferência no núcleo protetivo da liberdade do agente, sem que se observem as condições e limites que decorrem da cláusula due process of law. 

Luiz Flávio Gomes discorre que o princípio do devido processo legal oferece duas garantias. São elas: uma garantia material, e não um direito, que consiste em todo cidadão não poder ser privado de sua liberdade e de seus bens sem um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei, isto é, a garantia do justo processo; bem como, uma garantia procedimental, que consiste no prévio conhecimento de regras procedimentais que regulam o justo processo, obrigando, assim, o Estado a respeitá-las.[11]

A respeito do devido processo legal, Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci discorrem:

Sendo, como visto, o processo a garantia outorgada pela Constituição Federal à efetivação do direito (subjetivo material e público) à jurisdição, impõe-se, já agora, sua consideração como encartado no due process of law.

Trata-se esta - em vernáculo, devido processo legal - de difundida locução mediante a qual se determina a imperiosidade, num denominado Estado de Direito, de:

a) elaboração regular e correta da lei, bem como de sua razoabilidade, senso de justiça e enquadramento nas preceituações constitucionais (substantive due process of law, segundo o desdobramento da concepção norte- americana);

b) aplicação judicial da lei através de instrumento hábil à sua interpretação e realização, que é o processo (judicial process); e

c) assecuração, neste, da paridade de armas entre as partes, visando à igualdade substancial. [12]

O devido processo legal se consolida numa garantia conferida pela Constituição Federal, cujo objetivo é a obtenção da proteção dos direitos fundamentais, que são indispensáveis para os indivíduos que vivem em uma sociedade. Neste paradigma, também adentra aos demais direitos subjetivos que despontam dos relacionamentos jurídicos resultante do convívio social, sendo estes lesados ou ameaçados de sofrer lesão.

Os juristas acima referidos complementam afirmando que “o processo se presta à concreção do direito à jurisdição, sua efetivação, com estrita observância dos regramentos ínsitos ao denominado due process of law, importa a possibilidade de inarredável tutela de direito subjetivo material objeto de reconhecimento, satisfação ou assecuração, em Juízo”.[13]

Destaque-se que não basta que o indivíduo tenha direito ao processo, este deve ser regular e garantidor do devido processo legal, bem como de todos os seus corolários. No mais, a garantia do devido processo legal há de existir em todo o desenvolvimento do processo judicial, com a finalidade de que ninguém seja privado de seus direitos.

Ada Pellegrini Grinover ilustra que:

[...] as garantias das partes e do próprio processo são o enfoque completo e harmonioso do conteúdo da cláusula do devido processo legal, que não se limita ao perfil subjetivo da ação e da defesa, como direitos, mas que também acentua o seu perfil objetivo.[14]

Necessário enfatizar que o devido processo legal desdobra-se em uma série de garantias específicas que no âmbito do processo penal asseguram a proteção do acusado e limita os poderes do Estado, a fim de que este não prive os direitos de ninguém.

Resta assim exemplificar algumas dessas garantias, quais sejam: juiz natural; contraditório e a ampla defesa; a igualdade processual que decorre do princípio da isonomia, que consiste na paridade de armas entre a acusação e a defesa; a publicidade e o dever de motivar as decisões judiciais; a não utilização de provas ilícitas; a inviolabilidade do domicílio; o sigilo das comunicações em geral e dados; a presunção de não-culpabilidade do acusado; vedação da identificação criminal datiloscópica de pessoas já identificadas civilmente, entre outras.

Determina, ainda, a indenização pelo erro judiciário e pela prisão que supere os limites da condenação; que a prisão seja imediatamente comunicada ao juiz, que a relaxará se for ilegal; assegura o direito à identificação dos responsáveis pela prisão ou pelo interrogatório; garante a liberdade provisória; veda a incomunicabilidade do preso, haja vista que este deve receber informações no que concernem os seus direitos etc.

Ressalte-se, por fim, que bastaria o texto constitucional ter adotado o princípio do devido processo legal, haja vista que dele decorre todos os demais princípios constitucionais do processo, bem como todas as consequências processuais que garantem aos litigantes e aos acusados o direito a um processo e a uma sentença justa.

2.3 CONTRADITÓRIO

O princípio do contraditório decorre do devido processo legal, figura como um dos postulados mais importantes no processo acusatório e, sob o ponto de vista do sujeito passivo da relação processual penal, harmoniza-se com a garantia constitucional que assegura a ampla defesa do acusado.

Elementar o registro que este princípio também pode ser denominado de princípio “audiatur et altera pars”. Dessa premissa, pode-se deduzir que a defesa não pode sofrer restrições, tendo em vista que tal princípio supõe igualdade entre a acusação e a defesa- princípio da igualdade processual.

Na lição de Norberto Avena, o contraditório trata-se do direito assegurado às partes de serem cientificadas de todos os atos e fatos havidos no curso do processo, podendo se manifestar a respeito e produzir as provas necessárias antes de ser proferida a decisão jurisdicional a respeito.[15]

Nessa linha, compreende-se que o contraditório constitui, fundamentalmente, a manifestação do princípio do estado de direito, no qual assegura o direito à informação em relação a qualquer fato ou alegação contrária aos interesses das partes, bem como o direito à reação a ambos, ensejando a possibilidade de que a resposta seria da mesma intensidade e extensão, isto é, o contraditório garantiria a participação em simétrica paridade.

No âmbito do processo penal é preciso que a informação e a reação possibilitem um contraditório pleno e efetivo. Pleno, porque há de se observar esse princípio durante todo o desenvolvimento do processo. Efetivo, porque é necessário que proporcione às partes os meios para que tenham condições reais de contrariá-los.

No mais, o magistrado, em razão de seu dever de imparcialidade, situa-se entre as partes, mas eqüidistante delas, para que, por meio da parcialidade destas (uma representando a tese e a outra, a antítese), o magistrado possa materializar a síntese, em um processo dialético.  

Registre-se que o contraditório juntamente com a ampla defesa é de suma importância para todo processo penal, isso porque é uma cláusula de garantia criada para a tutela do cidadão diante da persecução penal, encontrando-se, assim, solidamente sobreposto no interesse público a realização de um processo justo e equitativo, única via para a imposição da sanção penal.

Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho explicam que “defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório que brota o exercício da defesa; mas é esta- como poder correlato ao de ação – que garante o contraditório. A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e é garantida. Eis a íntima relação e interação de defesa e do contraditório”.[16]

Demais disso, o contraditório é um dos princípios mais caros do processo penal, haja vista que sua observância constitui requisito de validade do processo e, caso não seja observado, poderá acarretar a nulidade absoluta do processo, gerando prejuízos ao acusado.

Verificando-se presente a violação desse princípio em relação à acusação, será indispensável argüir expressamente tal irregularidade em recurso, sob pena de preclusão, mesmo que se trate de nulidade absoluta.

Por fim, há de se destacar que o princípio do contraditório não se aplica a fase de inquérito policial. Isso porque, o inquérito policial é um mero procedimento administrativo que busca a colheita de provas para informações acerca do fato que infringiu a norma, bem como a sua autoria. Demais, nesta fase não existe acusado ou réu, mas apenas indiciado.

2.4 AMPLA DEFESA

O princípio da ampla defesa também decorre do devido processo legal e está consagrado no art.5º, LV da Constituição Federal juntamente com o contraditório. Deste princípio pode-se deduzir que o Estado tem o dever facultar ao acusado a mais completa defesa em relação à imputação que lhe foi feita. Ressaltando que esse princípio guarda relação com o contraditório.

Com efeito, pode-se afirmar que deste princípio decorre certas garantias processuais, como: dever estatal de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados; o acusado deve ter conhecimento claro da imputação que lhe está sendo feita; o acusado pode apresentar alegações contra a acusação; o acusado pode acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; o acusado deve ser representado por advogado; o acusado pode recorrer de decisões desfavoráveis; entre outras.

Por consequência, Pacelli ensina que:

[...] o contraditório não pode ir além da garantia de participação, isto é, da garantia de a parte poder impugnar- no processo penal, sobretudo a defesa - toda e qualquer alegação contrária a seu interesse, sem, todavia, maiores indagações acerca da concreta efetividade com que se exerce aludida impugnação.[17]

Para Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco:

No processo penal, entendem-se indispensáveis quer a defesa técnica, exercida por advogado, quer a autodefesa, com a possibilidade dada ao acusado de ser interrogado e de presenciar todos os atos instrutórios. Mas enquanto a defesa técnica é indispensável, até mesmo pelo acusado, a autodefesa é um direito disponível pelo réu, que pode optar pelo direito ao silêncio (CF, art. 5º, inc. LXIII). [18]

Pacelli nos informa que a “ampla defesa se concretiza por meio da defesa técnica, da autodefesa, da defesa efetiva, finalmente, por qualquer meio de prova hábil a demonstrar a inocência do acusado”. [19]

A defesa técnica é conseqüência do princípio da ampla defesa, assim sendo, este instituto jurídico exige a participação, em todos os atos do processo, do defensor que deve estar inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Perceba-se que a defesa técnica é tida como um direito indisponível, haja vista que é uma garantia do acusado para proteger os seus interesses, bem como é uma forma de apuração correta dos fatos, para que assim assegure os interesses da coletividade.

Outrossim, a ampla defesa também trata de uma verdadeira paridade de armas, que é indispensável para a concretização do contraditório, bem como da efetiva imparcialidade do juiz.

A defesa técnica age como um mecanismo de proteção do processo penal, instituído para que se assegure o cumprimento das normas processuais e da igualdade das partes. Na verdade, esse instituto jurídico é conseqüência de um ditame de ordem pública, que decorre do princípio do devido processo legal.

Registre-se que junto à defesa técnica, temos outro importante instituto jurídico, em que o acusado irá atuar, a fim de resistir pessoalmente à pretensão que lhe é imputada pelo Estado, que é a denominada autodefesa.

Nesse sentido, Aury Lopes Júnior ilustra:

A chamada defesa pessoal ou autodefesa manifesta-se de várias formas, mas encontra no interrogatório policial e judicial seu momento de maior relevância. Classificamos a autodefesa a partir de seu caráter exterior, como uma atividade positiva ou negativa. O interrogatório é o momento em que o sujeito passivo tem a oportunidade de atuar de forma efetiva – comissão–, expressando os motivos e as justificativas ou negativas de autoria e materialidade do fato que se lhe imputa. [20]

A autodefesa se subdivide em duas outras modalidades, quais sejam: a autodefesa positiva e a autodefesa negativa. A autodefesa positiva é aquela em que o acusado pode praticar atos, declarar, constituir advogado, participar do interrogatório, participar de acareações etc., ou seja, é quando o réu realiza atos, a fim de resistir à pretensão investigativa estatal para que, assim, assegure a sua liberdade.

O interrogatório do réu é um meio de defesa e está abrangido na chamada autodefesa positiva. Observe-se que o interrogatório presume um atuar do acusado e que através dele o magistrado terá conhecimento de elementos úteis para a descoberta da verdade juridicamente válida.

No mais, o interrogatório do réu é um ato de defesa, um direito e, não uma obrigação, haja vista que deve ser assegurado ao réu o direito de silêncio e de não auto-incriminação- forma de autodefesa negativa-, sem que isso cause qualquer prejuízo para ele, além do que, o ato realizado deve estar livre de qualquer ameaça ou pressão.

A autodefesa negativa é aquela em que o acusado (sujeito passivo na relação processual penal) pode recusar a se declarar, isto é, ele dispõe do próprio conteúdo do direito de defesa pessoal, o que não ocorre na autodefesa positiva, já que o acusado atua no sentido de resistir aos fatos que lhe estão sendo imputados.

No momento do interrogatório do réu, o magistrado deve adverti-lo que não está obrigado a responder as perguntas que lhe forem feitas (direito de silêncio). Registre-se que se o acusado quiser se calar, este ato é totalmente válido, haja vista que tal direito lhe é assegurado como uma garantia constitucional, e se este não for informado do direito, o ato poderá ser considerado nulo.

A respeito do exercício do direito de silêncio e sobre o interrogatório como atributo da ampla defesa, Pacelli discorre:

O exercício do direito ao silêncio pode ser caracterizado como uma intervenção passiva do acusado, no sentido de uma manifestação defensiva não impugnativa dos fatos articulados pelo Ministério Público, na ação pública, e do querelante, na ação privada. Diz-se passiva pela ausência de impugnação expressa.

Quando, porém, o réu preferir manifestar-se oralmente durante o interrogatório, submetendo-se às perguntas das partes, e agora eventualmente do juiz, ele estará exercitando o que se denomina autodefesa ativa, assim caracterizada pela atuação efetiva do acusado em relação aos fatos a ele imputados.

Seja como for, o que estará em cena é o exercício de uma das várias modalidades de participação da defesa no processo, isto é, o que se estará exercendo (a autodefesa) é um dos “atributos” do princípio da ampla defesa. E, por isso, fazia-se necessária a nomeação de um defensor, o que veio a ser corrigido (ou explicitado) com a Lei nº 10.792/03. [21]

Por fim, pode-se dizer que a ampla defesa é uma garantia constitucional que assegura ao acusado a mais ampla defesa – entenda-se defesa em sentido amplo – dos fatos que lhe estão sendo atribuídos. Observando- se que a ampla defesa pode ocorrer das mais diversas formas, contudo, existem duas modalidades que são de extrema importância no âmbito do processo penal, que são a defesa técnica e a autodefesa.

Destaque-se, por ultimo, que a defesa técnica é um direito indisponível, enquanto a autodefesa é totalmente disponível. Frisando que o acusado pode renunciar a autodefesa, contudo ela é necessária para o magistrado, assim, ele deve sempre conceder a oportunidade do réu exercê-la, cabendo somente a este decidir se irá utilizar ou não a ocasião para efetivar o seu direito.  


3. O INTERROGATÓRIO DO RÉU COMO DESDOBRAMENTO DA AMPLA DEFESA

O interrogatório do réu constitui uma fase de persecução penal que permite ao suposto autor da infração esboçar a sua versão dos fatos acerca da imputação que lhe é dirigida, exercendo, se assim desejar, a autodefesa. Tal instituto está regulamentado pelos arts. 185 a 196 do Código de Processo Penal (CPP).

O acusado terá contato com a autoridade competente, o que lhe autoriza indicar provas, confessar a infração que lhe é imputada, delatar outros, apresentar teses defensivas, bem como valer-se do direito de silêncio.

A Lei nº. 11.719/2008 trouxe significativas mudanças nos procedimentos do processo, bem como no interrogatório, adaptando a legislação a um modelo processual predominantemente acusatório.

Com isso, o interrogatório do réu apenas acontecerá após a apresentação escrita da defesa, e na audiência una de instrução, depois da inquirição do ofendido, das testemunhas de defesa e de acusação, dos esclarecimentos dos peritos, das acareações.Sob esse mesmo ponto de vista, Pacelli elucida que:

A mudança, sobretudo na imposição de audiência una, determinando a concentração dos atos de prova, imprime ritmo mais célere ao procedimento, ao tempo em que permite ao acusado um exame mais amplo acerca de seu comportamento no processo. Como ele, agora, será o último a ser ouvido, poderá, livremente, escolher a estratégia de autodefesa que melhor consulte aos seus interesses.[22]

As principais características do interrogatório do réu podem ser encontradas nos ensinamentos de Nestor Tavorá[23] e Norberto Avena[24], quais sejam:

a) Ato público: em regra, interrogatório pode ser assistido por qualquer pessoa. Isso ocorre, porque ele se destina à comprovação de que as declarações realizadas pelo réu foram espontâneas. Excepcionalmente, se pode ter o sigilo do interrogatório se necessário, em havendo risco de escândalo, inconveniente grave ou perturbação da ordem;

b) Ato personalíssimo: apenas o réu é que pode ser interrogado, não cabendo sua representação, substituição ou sucessão por qualquer pessoa; 

c) Oralidade: em regra, o interrogatório segue a forma oral. Porém, o Código de Processo Penal prevê exceções a essa característica para pessoas portadoras de necessidades especiais. Para o mudo, as perguntas serão feitas oralmente, as respostas na forma escrita. Para o surdo, as perguntas serão por escrito e as respostas serão orais. Para o surdo-mudo, as perguntas e respostas serão escritas, sendo que, se estes forem analfabetos ou também deficientes visuais intervirá sob compromisso pessoa habilitada a entendê-los. Quanto ao estrangeiro, o interrogatório será realizado através de intérprete;

d) Individualidade: existindo corréus no mesmo processo, eles serão interrogados separadamente. Isso será útil quando houver versões contraditórias, momento em que o juiz poderá acareá-los.

O interrogatório do acusado será realizado em duas etapas: a primeira será sobre a pessoa do réu e a segunda sobre o fato. Na primeira etapa, o réu será interrogado sobre a residência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais (art.187,caput e §1º do CPP).

Na segunda etapa se aferirá os fatos apresentados no processo. Neste momento o réu poderá aceitar como verdadeira ou negar a imputação que lhe é feita. Se confessar o crime poderá ser questionado acerca dos motivos que o levaram a cometer o delito, das circunstâncias de fato, bem como se outras pessoas participaram.

Caso negue a acusação, no todo ou em parte, poderá prestar esclarecimentos e indicar provas; poderá imputar a acusação a terceiros; terá oportunidade de esclarecer ao tempo dos fatos e se teve notícia dos acontecimentos; se tem conhecimento das provas já apuradas; se tem conhecimento da vítima e as testemunhas, desde quando e se tem algo a alegar contra elas; se tem conhecimento acerca do instrumento do crime e dos demais objetos relacionados a ele; será indagado sobre todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração, por fim, se tem algo a mais a alegar em sua defesa (art.187, §2º do CPP).

Convém registrar que durante o interrogatório do réu será obrigatório a presença de seu defensor, sob pena de nulidade absoluta. Destaque-se que ausente o advogado constituído pelo réu, o juiz deverá nomear um advogado para assisti-lo neste ato.

O art.185, §5º do CPP garante ao réu, antes do início de seu interrogatório, o direito de entrevista reservada com seu advogado. Tal garantia tem como objetivo dar a possibilidade ao réu (solto ou preso) de ter um ultimo contato com o seu defensor, para que assim possa receber as devidas orientações acerca da postura que deve seguir no momento do seu depoimento ao magistrado.

Com efeito, Avena pondera:

Essa entrevista, sob a ótica da defesa, assume relevância especial nos procedimentos em que o interrogatório deva ser realizado posteriormente à oitiva da vítima e das testemunhas (como ocorre nos procedimentos ordinário e sumário, ex vi do que dispõem os arts. 400 e 531 do CPP), já que ensejará ao defensor a oportunidade de fornecer ao réu os aconselhamentos necessários para adequar sua versão às provas que já foram produzidas, ou, no mínimo, justificar, sob o enfoque da defesa, fatos ou circunstâncias trazidas ao processo em desfavor da tese defensiva. [25]

A natureza jurídica do interrogatório é dúplice, isto é, tem atributo de meio de prova e meio de defesa. Constitui meio de prova, porque o magistrado irá realizar perguntas pertinentes ao esclarecimento dos fatos, assim como também farão a acusação e o advogado do réu. Atente-se que o material eventualmente colhido servirá na formação do livre convencimento do magistrado.

Pacelli afirma que “em uma concepção de processo via da qual o acusado seja um sujeito de direitos, e no contexto de um modelo acusatório, tal como instaurado pelo sistema constitucional das garantias individuais, o interrogatório do acusado encontra-se inserido fundamentalmente no princípio da ampla defesa”. [26]

Na verdade, têm-se uma oportunidade de defesa que se dá ao réu, de forma a possibilitar que ele apresente a sua versão dos fatos, sem que este fique constrangido ou se sinta compelido a fazê-lo.

Em continuidade, Pacelli acrescenta que a conceituação do interrogatório como meio de defesa, e não de provas (ainda que ostente valor probatório), é riquíssima de consequências, elas são:

Em primeiro lugar, permite que se reconheça, na pessoa do acusado e de seu defensor, a titularidade sobre o juízo de conveniência e a oportunidade de prestar ele o (réu), ou não prestar, o seu depoimento. E a eles caberia, então, a escolha a opção mais favorável aos interesses defensivos. E é por isso que não se pode mais falar em condução coercitiva do réu, para fins de interrogatório, parecendo-nos revogada a primeira parte do art.260 do CPP. Fazemos a ressalva em relação à possibilidade de condução coercitiva para o reconhecimento de pessoas, meio de prova perfeitamente possível e admissível em nosso ordenamento.

Em segundo lugar, impõe, como sanção, a nulidade absoluta do processo, se realizado sem que se desse ao réu a oportunidade de se submeter ao interrogatório. Haveria, no caso, manifesta violação da ampla defesa, no que se refere à manifestação da autodefesa. [27]

Demais disso, Denilson Feitoza afirma que o princípio constitucional da ampla defesa foi bastante fortalecido com as reformas processuais decorrentes dos ultimos anos e assim exemplifica:

O acusado será qualificado e interrogado na presença do seu defensor, constituído ou nomeado (art.185, caput do CPP); será interrogado no estabelecimento prisional, se garantida a presença de seu defensor (art.185, §1º do CPP); antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor (art.185, §2º do CPP); o acusado deve ser devidamente cientificado do inteiro teor da acusação (art.186, caput, primeira parte). Sempre entendemos que a falta de imediação e contato do acusado com a defesa técnica é uma das mais graves violações do princípio constitucional da ampla defesa, motivo pelo qual pensamos que a inobservância desses dispositivos legais de asseguramento de entrevista reservada com o defensor e de presença do defensor acarreta a nulidade absoluta do ato. [28]

Assim sendo, fica evidente que o interrogatório do réu é um desdobramento do princípio constitucional da ampla defesa, haja vista que a ampla defesa garante ao acusado a mais completa defesa em relação à imputação que lhe foi feita.

No interrogatório o réu pode, se desejar, esboçar a sua versão dos fatos que lhe é própria ou pode optar pelo direito de silêncio, que nada mais é que uma expressão da autodefesa.

Registre-se que no momento do interrogatório do réu é obrigatória a presença de um advogado e a sua não observância constitui expressa violação da ampla defesa, bem como gera nulidade absoluta, haja vista que a defesa técnica decorre da ampla defesa e ela é indispensável no âmbito do processo penal. 

3.1 O INTERROGATÓRIO DO RÉU NO PROCEDIMENTO COMUM

O procedimento comum é o rito padrão ditado pelo Código de Processo Penal para ser aplicado na apuração de crimes para os quais não se tenha procedimento especial previsto em lei, isto é, ele é aplicado residualmente[29]. Na esfera deste rito são encontradas três categorias de procedimento: procedimento comum ordinário, procedimento comum sumário e o procedimento comum sumaríssimo.

Registre-se que o procedimento ordinário é destinado para a apuração de crimes cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a quatro anos de pena privativa de liberdade (art.394, §1º, I do CPP); o procedimento sumário destinado a apuração de crimes cuja sanção máxima cominada seja inferior a quatro anos de pena privativa de liberdade, excluindo as que cabem pelo rito sumaríssimo (art.394, §1º, II do CPP).

Por fim, o procedimento sumaríssimo que é destinado a infrações de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima não seja superior a dois anos, cumulada ou não com multa e contravenções penais (art.394, §1º, III do CPP).

O procedimento ordinário é constituído das seguintes etapas (arts. 395 a 405 do CPP): oferecimento da denúncia ou queixa-crime; rejeição liminar ou recebimento; recebimento da denúncia ou queixa-crime pelo magistrado; citação do acusado para reposta; resposta do acusado; julgamento antecipado do processo e absolvição sumária do acusado, se possível; audiência de instrução, interrogatório e julgamento (audiência una); requerimento de diligências e alegações finais orais, e por ultimo, sentença.

Deste procedimento será feita a análise apenas o que diz respeito à audiência de instrução e julgamento. Nesta audiência, primeiramente, será tomada as declarações do ofendido, depois se efetuará a inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e, após, das arroladas pela defesa. Prosseguindo a audiência ainda será realizado o esclarecimento dos peritos, as acareações, o reconhecimento de pessoas e coisas, e por fim, o interrogatório do acusado.

Sem dúvidas, o interrogatório é deixado para a providência final, isto é, ele ocorre depois de produzida prova oral, haja vista que assim o réu terá maiores elementos para exercer a sua autodefesa, ou valer-se, no caso de seu direito de silêncio.

No âmbito do processo penal, durante toda a persecução deve, obrigatoriamente, dar oportunidade para a realização do interrogatório do acusado. Quanto a essa necessidade do interrogatório, Nestor Távora comenta:

[...] Não é tecnicamente adequado falar em interrogatório na fase pré- processual. Nesta etapa, o indiciado ou o preso em flagrante prestará declarações perante a autoridade policial, em que pese o vício de linguagem ser constante. Interrogatório é o ato realizado perante a autoridade judicial, e enquanto a sentença não transitar em julgado, sempre que possível, deve ser realizado, sob pena de nulidade, como dispõe o art.564, III, “e”, do CPP. Indique-se que a nulidade ocorre não pela realização efetiva do ato, e sim por sua supressão arbitrária. Sendo o réu intimado regularmente e não comparecendo à audiência de instrução e julgamento, frustrando a realização do interrogatório, não há de se falar em nulidade. O que não pode ocorrer é a dispensa do ato pela autoridade, suprimindo do réu a possibilidade de exercitar a autodefesa, ou a não requisição do réu que estava preso para que seja apresentado, ou tendo havido requisição, a não requisição do poder público (art.399,§1º do CPP). [...]. [30]

Depreende-se, assim, que a oitiva do indiciado será realizada na forma do interrogatório judicial, observando que certas particularidades do próprio instituto não se aplicarão na fase de inquérito policial, como por exemplo, a obrigatoriedade da presença de advogado, a entrevista preliminar, a possibilidade de reperguntas, entre outras. Isso ocorre porque a fase de inquérito policial não admite o contraditório e a ampla defesa, isto é, ele é inquisitivo (art. 6º, V do CPP).

É cediço que a falta do interrogatório do acusado, tendo ele comparecido em audiência, constitui nulidade. A respeito da nulidade, existem controvérsias se ela é absoluta ou relativa. Entendendo que a nulidade é de natureza absoluta, encontra-se Denilson Feitoza[31]. Em sentido diverso, isto é, entendendo que a nulidade é de natureza relativa, pronuncia-se Guilherme de Souza Nucci[32].

Pacelli ensina que o direito à oportunidade do interrogatório e o direito à sua realização obrigatória são duas situações distintas. Uma vez intimado regularmente o réu e, ele não comparece a audiência una, não se pode mais falar em um direito futuro à repetição do interrogatório, isto é, a ser exercido em outra fase do processo, pois já houve a superação da etapa procedimental para o exercício da autodefesa. Direito, a ser ouvido, sim, mas não quando for conveniente apenas ao acusado.[33]

Antes da reforma introduzida pela Lei nº. 10.792/2003, o interrogatório do réu era um ato privativo do juiz, haja vista que o promotor, o defensor e o curador não podiam reperguntar, porém, com a alteração introduzida pela referida lei, o art. 188 do CPP passou a contemplar a faculdade de realizarem questionamentos ao acusado.

Na exata lição de Norberto Avena:

De qualquer sorte, a par desta alteração introduzida ao Código, cabe lembrar que as intervenções realizadas ao interrogado pelas partes deverão ser feitas por intermédio do juiz, o qual, inclusive, poderá indeferir determinadas perguntas se as entender impertinentes (sem qualquer relação com o fato investigado) ou irrelevantes (relativas ao fato apurado, mas sem qualquer importância no respectivo esclarecimento). Mantém-se, então, aqui, o sistema presidencialista de inquirição. [...] [34]

Desse modo, findas as perguntas do magistrado, este indagará à acusação e a defesa, se ainda tem algum ponto a ser esclarecido, oportunizando, assim, a realização de reperguntas, que serão feitas ao interrogado se o juiz achar pertinente e relevante, devendo o mesmo vedar as reperguntas que constranja o acusado.

Nessa linha de princípio, entenda que se o interrogado não quiser responder as reperguntas, não é necessário, isto é, ele não está obrigado a fazê-lo. Cabe, portanto, somente a ele escolher o que lhe é ou não conveniente responder.  

Necessário também fazer algumas considerações acerca do interrogatório do réu por videoconferência, que foi consagrado no art. 185, §2º do CPP. O magistrado, por decisão fundamentada, excepcionalmente, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou qualquer outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real.

Essa modalidade de interrogatório só pode ser utilizada se ocorrer alguma das hipóteses descritas nos incisos I ao IV do art. 185, §2º do CPP, quais sejam: prevenir risco à segurança pública quando se tratar do interrogatório de réu suspeito de integrar organização criminosa, ou se houver risco de fuga; viabilizar a participação do acusado no interrogatório, caso haja dificuldade de seu comparecimento por motivo de enfermidade ou outra circunstância pessoal; evitar a interferência do réu no ânimo de testemunhas ou ofendido; e por fim, se questões gravíssimas de ordem pública assim o exigirem.  

Távora evidencia que a aplicação do dispositivo é medida extrema, haja vista que o interrogatório, com sua natureza jurídica de meio de defesa, deve ser prioritariamente realizado pessoalmente com o juiz.  A incidência do dispositivo sem justificativa ou com motivação que massacre a possibilidade do interrogatório mediante contato pessoal com o magistrado deverá ser declarada inconstitucional.[35]

Atente-se, ainda, que nessa modalidade de interrogatório, o acusado e seus defensores durante a videoconferência terão direito a comunicação entre si, assegurada por meio de canais telefônicos, para a manutenção do sigilo da conversa, conforme regulamenta o art. 185, §5º do CPP. No mais, o texto legal ainda exige a designação de um defensor para atuar no local em que esteja o preso e outro na sede do Juízo.

Importante frisar também o princípio do direito ao silêncio (nemo tenetur se detegere) que está assegurado no art. 186 do CPP. Nos termos deste artigo, antes de iniciar o interrogatório, deverá o juiz advertir o acusado de seu direito de permanecer calado, sendo que tal silêncio, não resultará em confissão, bem como não trará prejuízo para a sua defesa.

Valioso transcrever a lição de Pacelli:

Com efeito, ao permitir-se, como regra legal, o silêncio no curso da ação penal, o sistema impede a utilização pelo (s) julgador (es), de critérios exclusivamente subjetivos na formação do convencimento judicial. Dessa maneira, procura-se evitar que eventuais hesitações, eventuais contradições, não relevantes, ou, ainda, lapsos de memória ou coisa que o valha, presentes no momento do interrogatório do réu, sirvam de motivação suficiente para o convencimento do juiz ou do tribunal. De outra forma: evita-se o estímulo à cultura do quem cala consente, que não oferece padrões mínimos, seja de ordem psicanalítica, jurídica, espiritual, seja de qualquer outra espécie, para a produção de verdade alguma. [36]

Pacelli continua afirmando que se há o direito a não responder as perguntas, o silêncio em relação a elas, ou a algumas delas, não poderá ser valorado em prejuízo da defesa.  No mais, como não existe uma obrigação legal à aceitação a veracidade do depoimento do acusado, o juiz poderá livremente desconsiderar a idoneidade probatória de uma versão defensiva que não demonstre sentido ou lógica argumentativa, o que acontecerá quando o réu começa a selecionar as perguntas de sua preferência.[37]

Reza o art. 185, §1º do CPP:

O interrogatório do acusado preso será feito no estabelecimento prisional em que se encontrar, em sala própria, desde que estejam garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicidade do ato. Inexistindo a segurança, o interrogatório será feito nos termos do Código de Processo Penal.

Esse dispositivo legal visa evitar a fuga do réu preso na ocasião de seu transporte, como também evita o deslocamento de policiais de suas funções normais para escoltar o preso até o fórum. Se satisfeitos os requisitos legais, o interrogatório deverá ser realizado no estabelecimento prisional. É evidente, contudo, que esse dispositivo é difícil aplicabilidade, haja vista a insegurança dos estabelecimentos prisionais.

Observe-se que o interrogatório do réu solto e, se não forem assegurados os requisitos legais, o interrogatório do réu preso será realizado nas sedes dos juízos e dos tribunais, segundo as regras gerais do CPP (art.792, caput do CPP).

Enfim, o juiz poderá realizar novo interrogatório do réu a qualquer tempo, de ofício ou a requerimento das partes, nos termos do art. 196 do CPP.

O procedimento sumário apresenta a seguinte seqüência de atos (arts. 531 a 538 do CPP): oferecimento da denúncia ou queixa-crime; recebimento ou rejeição da denúncia ou queixa-crime; citação do acusado, se recebida a denúncia; resposta à acusação; possibilidade de absolvição sumária; audiência de instrução e julgamento (audiência una); alegações orais e, por fim, a sentença.

Frisando que a audiência de instrução e julgamento segue a mesma sequência de atos do procedimento ordinário, bem como também se aplica aqui as ressalvas atinentes ao interrogatório do acusado do procedimento ordinário.

Por conseguinte, o procedimento sumaríssimo que contém os seguintes atos procedimentais: oferecimento de denúncia ou queixa-crime oral, que deverá ser reduzida a termo; citação do acusado; composição do dano cível ou transação penal pelo Ministério Público, se ainda não foram discutidas em fase preliminar; suspensão condicional do processo, nos crimes de ação penal pública, se ultrapassadas as fases anteriores; audiência de instrução e julgamento (audiência una), se ultrapassadas as fases anteriores e, por fim, a sentença. Neste procedimento deve se observar a Lei nº. 9.099/1995 (arts. 77 a 81).

Por sua vez, na audiência de instrução e julgamento, primeiramente, se observará a manifestação da defesa, após o que o magistrado verificará se receberá ou rejeitará a denúncia ou queixa-crime.

Prosseguindo-se a audiência teremos a oitiva da vítima; oitiva das testemunhas da acusação e depois, as de defesa; o interrogatório do acusado; debates orais (alegações finais orais da acusação e, em seguida, alegações finais da defesa) e, por ultimo, a sentença. No tocante ao interrogatório do acusado também devem ser observadas as mesmas regras do procedimento ordinário.

Resumindo-se, o interrogatório do réu no curso do processo em qualquer uma das espécies do procedimento comum (procedimento ordinário, sumário ou sumaríssimo) será realizado após a produção de prova oral em audiência, observando que as perguntas serão realizadas primeiramente pelo magistrado e, se restar algum fato para ser esclarecido, as partes (acusação e defesa) deverão formular perguntas por meio do magistrado ao acusado.

3.2 O INTERROGATÓRIO DO RÉU NO PROCEDIMENTO DO JÚRI

Antes de qualquer coisa, deve-se conceituar o que se entende por procedimento especial. Segundo Avena é o “procedimento especial é todo aquele que está previsto no âmbito do CPP ou de Leis Especiais para hipóteses legais específicas, incorporando regras próprias de tramitação processual visando à apuração dos crimes que constituem o objeto de sua disciplina” [38]. Observe-se que como exemplos de tal rito têm o procedimento relativo aos processos de competência do Tribunal do Júri (arts. 406 a 497 do CPP).

O procedimento do Tribunal do Júri é escalonado, ou seja, é composto de duas etapas: a primeira, chamada de “judicium acusationes”, que abrange os atos praticados desde o recebimento da denúncia até a pronúncia; e a segunda, chamada de “judicium causae”, que abrange os atos situados entre a pronúncia e o julgamento pelo Tribunal do Júri.

A primeira fase (“judicium acusationes”) desenvolve-se perante o juiz singular, observando que, a instrução preliminar é praticamente a mesma do procedimento comum do rito ordinário, contudo, contém alguns atos a mais. No tocante ao interrogatório do acusado deve-se também obedecer às regras contidas nos arts. 185 a 196 do CPP.

Demais, nesta fase o interrogatório também deve seguir o sistema presidencialista, isto é, o juiz deve formular as perguntas para o réu e, depois, se as partes (acusação e defesa) desejarem reperguntar podem fazê-lo. No mais, devem ser observadas as normas gerais do interrogatório do acusado já examinadas.  

Na segunda fase (“judicium causae”), o interrogatório do acusado também é o ultimo ato a ser praticado na instrução, da mesma forma que ocorreu no rito ordinário e sumário. Determina o art. 474 do CPP que o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor, nessa ordem poderão formular, diretamente, perguntas ao acusado, ficando evidente, que aqui não se adota o sistema presidencial.

Frise-se que os jurados formularam perguntas ao acusado por intermédio do juiz presidente. No mais, Feitoza ilustra que o juiz deve ser o primeiro a formular as perguntas no interrogatório, da mesma forma que acontece nos procedimentos ordinário e sumário, por interpretação sistemática.[39]

Logo, na primeira fase do júri não há novidade, deve ser obedecidas às normas gerais do interrogatório do réu. Somente o interrogatório do acusado durante a sessão de julgamento pelo júri (segunda fase) é que as perguntas serão realizadas diretamente pela acusação e defesa, enquanto, eventuais indagações dos jurados ao acusado, permanece a sistemática de que sejam feitas pelo magistrado.

3.3 A CONFISSÃO

Confissão é a admissão por parte do suposto autor da infração, de fatos que lhe são atribuídos e que lhe são desfavoráveis. Confessar é reconhecer a autoria da imputação ou dos fatos objeto da investigação preliminar por aquele que está no pólo passivo da persecução penal. [40]

Na visão de Nucci deve-se “considerar confissão apenas o ato voluntário (produzido livremente pelo agente, sem qualquer coação), expresso (manifestado, sem sombra de dúvida nos autos) e pessoal (inexiste confissão, no processo penal, feita por preposto ou mandatário, o que atentaria contra a segurança do princípio da presunção de inocência)”. [41]

Destaque-se que a confissão igualmente ao interrogatório do réu, também apresenta natureza jurídica de meio de prova, que é admissível para a demonstração dos fatos.

Segundo Julio Fabbrini Mirabete, para que a confissão esteja revestida de regularidade, ela deve obedecer aos seguintes requisitos:

(a) intrínsecos: são requisitos inerentes ao ato, para lhe dar credibilidade e aproveitamento:

- verossimilhança: deve ser aferido se é factível, provável que o fato tenha ocorrido da forma como confessado;

- certeza: provocada no julgador;

- clareza: é a confissão límpida, despida de ambigüidades, contradições ou elementos que possam dificultar o entendimento do ocorrido ou a real vontade do confidente;

- persistência: é a segurança transmitida pela repetição do fato, sem disparidade entre a versão dada inicialmente e as posteriores reproduções;

- coincidência: é a compatibilidade com os demais elementos probatórios existentes nos autos.

(b) formais: são questões de ordem procedimental, para dar validade ao ato:

- pessoalidade: a confissão tem que ser feita pelo próprio réu. Não poderá fazê-lo por intermédio de interposta pessoa ou por procurador, mesmo que este possua poderes especiais. Em havendo co-réus, a confissão de uns não vincula os demais;

- ser expressa: no processo não há que se falar em confissão ficta ou tácita;

- ser feita à autoridade competente;

- ser livre e voluntária: não se admite coação na realização da confissão. A tortura ou a intimidação levam ao reconhecimento da ilicitude da prova;

- higidez mental do confidente: só podem confessar as pessoas que tenham a devida capacidade de entender e querer. [42]

A doutrina apresenta diversas classificações no que diz respeito à confissão, contudo, Avena destaca as mais comuns e demonstra as que podem apresentar importância prática, elas são:

(I) Quanto ao momento:

a) Confissão extrajudicial: é aquela que não é realizada perante o juízo, podendo constar nos auto de inquérito policial, nas consignações em termos redigidos pelo Ministério Público, nas comissões parlamentares de inquérito, nas sindicâncias administrativas etc. Apresenta pouco valor probatório, apenas podendo ser utilizada como fundamento para a condenação se corroborada por provas contundentes que tenham sido colhidas em juízo sob o crivo do contraditório.

b) Confissão judicial: realizada perante o juiz, ocorre, normalmente, na oportunidade do interrogatório, embora nada impeça venha a ser realizada em outro momento no curso do processo. Possui, evidentemente, maior valor probante do que a confissão realizada extrajudicialmente. Não obstante, seu valor não é absoluto, apenas se prestando para embasar o juízo condenatório se compatível e concorde com as demais provas, nos termos do art. 197 do CPP.

(II) Quanto à natureza:

a) Confissão real: diz-se, aqui, a confissão efetivamente realizada pelo investigado ou réu, perante a autoridade, revelando ele a autoria, circunstâncias e motivação do delito cometido.

b) Confissão ficta: assim considera-se a confissão decorrente de ficção jurídica, decorrente de uma ação ou omissão prevista em lei como, por exemplo, a confissão decorrente da revelia ou do silêncio do réu. Não é reconhecida como prova no direito processual penal brasileiro, não tendo sido recepcionada pela Constituição Federal a última parte do art.198 do CPP, cuja redação, inclusive, poderia ter sido modificada por meio da Lei nº. 10.792/2003, tal qual ocorreu em relação ao art.186, que continha norma de semelhante teor.  

(III) Quanto à forma:

a) Confissão escrita: é aquela realizada pelo próprio réu por meio de cartas, bilhetes ou qualquer documento escrito que venha a ser juntado aos autos, ou, então, por meio de petições redigidas pelo advogado reconhecendo total ou parcialmente à acusação inserta à inicial acusatória, embora invocando, como é necessário (sob pena de nulidade processual por falta de defesa), excludentes, minorantes ou privilegiadoras em seu favor.

b) Confissão oral: é aquela que decorre de verbalização do réu perante o juiz ou é registrada por meio de interceptações telefônicas ou ambientais. A licitude, aqui, depende da observância das normas constitucionais que protegem a intimidade e a privacidade.

(IV) Quanto ao conteúdo:

a) Confissão simples: é aquela em que o réu limita-se a admitir como verdadeiros os fatos que lhe são atribuídos, reconhecendo, enfim, a sua responsabilidade criminal.

b) Confissão qualificada: é aquela em que o autor da infração penal, embora atribua a si a prática da infração penal que lhe está sendo imputada, agrega, em seu favor, fatos ou circunstâncias que excluem o crime ou que o isentem de pena. [43]   

Preconiza o art. 197 do CPP:

O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.

Depreende-se da leitura deste artigo que a confissão deixa de ter força probante absoluta e, passa a ter valor relativo, o que ocorre com os demais meios de prova, devendo o juiz fazer a valoração desta prova.

Por fim, cabe ressaltar que o art. 200 do CPP informa que a confissão pode ser divisível e retratável. A característica da divisibilidade significa que a confissão pode ser desmembrada, isto é, o magistrado pode considerar verdadeira uma parte e desconsiderar o restante.

A retratabilidade quer dizer que a lei admite que o réu confesse em juízo e, depois desminta o que afirmou anteriormente. Assim, o juiz deverá confrontar a retratação e a confissão, a fim de verificar qual delas irá prevalecer.

Frise- se, ainda, que é possível que a retratação não convença o magistrado, que poderá tomar como verdade o que foi dito anteriormente, isso ocorre em razão do seu livre convencimento. Não se olvidando que a retratação não vincula o juiz.

3.4 A DELAÇÃO PREMIADA

Avena compreende delação premiada “como o benefício concedido ao criminoso que denunciar outros envolvidos na prática do mesmo crime que lhe está sendo imputado, em troca de redução ou até mesmo isenção de pena imposta. Trata-se, em verdade, de uma hipótese de colaboração do criminoso com a justiça.” [44] Nesse sentido, complementa:

Para alguns, a delação premiada traduz-se como um procedimento eticamente censurável, já que induz à traição. Além disso, implicaria rompimento ao sistema da proporcionalidade da pena, permitindo a punição diferente de indivíduos acusados do mesmo crime e com o mesmo grau de culpabilidade. Particularmente, não concordamos com esse entendimento, aderindo à corrente que vislumbra no instituto um mecanismo de combate à criminalidade organizada e que, bem empregada, servirá de instrumento importante na busca da verdade real. [45]

No direito brasileiro, a delação premiada está prevista em diversas leis, mas neste estudo somente se analisará o tema no que diz respeito à Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006).

O art. 41 do referido diploma legal nos informa que o indiciado ou o acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá a pena reduzida de um terço a dois terços.

A respeito do tema, Pacelli vislumbra:

Embora nada se esclareça a esse respeito, pensamos que, ao contrário do que confusamente o fazia a Lei nº 10.409/02, a atual deleção premiada para o crime de tráfico tem configuração muito mais próxima de uma verdadeira causa de diminuição de pena, impondo-se ao juiz, independentemente de sua concordância. Trata-se de norma imperativa, atributiva de direito subjetivo ao réu, bastante seja demonstrada a sua efetiva participação, tanto no curso da investigação quanto na ação penal. [46]

A Suprema Corte brasileira não tem objeções quanto à constitucionalidade da delação premiada, conforme se verifica:

Penal. Processual Penal. Habeas Corpus. Acordo de Cooperação. Delação Premiada. Direito de saber quais as autoridades participaram do ato. Admissibilidade. Parcialidade dos membros do Ministério Público. Suspeitas fundadas. Ordem deferida na parte conhecida. I- HC parcialmente reconhecido por ventilar matéria não discutida no tribunal ad quem, sob pena de supressão da instância. II- Sigilo do acordo de delação que, por definição legal, não pode ser quebrado. III- Sendo fundadas as suspeitas de impedimento das autoridades que propuserem ou homologaram o acordo, razoável a expedição de certidão dando fé de seus nomes. IV- Writ concedido em parte para esse efeito. [47]

Para se aplicar esse instituto é necessário a existência de inquérito instaurado com o respectivo indiciamento, ou processo criminal já deflagrado; a voluntariedade do agente; e por fim, a obtenção de certos resultados, de forma cumulativa, quais sejam: identificação dos demais infratores e recuperação total ou parcial do produto do crime.

O delator deverá informar o nome de todos aqueles de que tem conhecimento do crime e, também, deve-se considerar a vontade do delator em colaborar com a Justiça em entregar todos os seus comparsas, observando que, mesmo que este desconheça toda a ramificação criminosa, ele será beneficiado. No mais, a apreensão total ou parcial da substância entorpecente satisfaz o diploma legal.


4 A INCONSTITUCIONALIDADE DO INTERROGATÓRIO DO RÉU NA LEI Nº 11. 343/2006  

O procedimento para apuração dos crimes relacionados às drogas inicialmente era regulamentado pela Lei nº 6.368/1976. Mais tarde, foi editada a Lei nº 10.409/2002 que gerou várias discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Hodiernamente, a Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas) revogou os referidos diplomas legais e estabeleceu os tipos penais correspondentes as condutas ligadas as drogas, bem como introduziu o novo procedimento penal de apuração desses crimes.

Com efeito, a Lei nº 11.343/2006 traz em seus arts. 48 a 59, o procedimento para apuração das infrações das condutas relacionadas às drogas, que é composto da seguinte seqüência de atos: oferecimento da denúncia; notificação do acusado para resposta; apresentação de resposta pelo acusado; recebimento ou rejeição da denúncia pelo juiz; citação do réu; a audiência de instrução e julgamento (interrogatório do acusado; inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e, depois, as da defesa; sustentação oral do Ministério Público e, depois, do defensor do acusado) e, por ultimo, prolate-se a sentença.

É de notório conhecimento que nos procedimentos comuns ordinário e sumário, no procedimento das infrações de menor potencial ofensivo e no procedimento do júri, o interrogatório do réu será realizado após a produção da prova oral em audiência. Enquanto, no rito de apuração dos crimes relacionados às drogas, esse ato será realizado na fase que antecede à instrução criminal.

Depreende-se que o interrogatório do réu será assim realizado em razão do art. 57 do referido diploma legal que dispõe:

Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, para sustentação oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz. Parágrafo único. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante.

Para uma melhor compreensão acerca da inconstitucionalidade do interrogatório do réu no procedimento da Lei de Drogas devem ser realizadas algumas considerações acerca da existência dos métodos utilizados para a interpretação da Constituição Federal.

Consagrou-se em nosso ordenamento jurídico que as leis devem ser interpretadas “conforme a Constituição” [48], o que habitualmente se denomina de “princípio de interpretação da lei ordinária de acordo com a Constituição” [49], do qual decorre da natureza rígida desses diplomas legais, bem como da hierarquização das normas, reconhecendo-se, assim, a superioridade da norma constitucional.  

Desse método de interpretação pode-se defluir que “o intérprete, adotando o método ora proposto, há de inclinar-se por esta última saída ou via de solução. A norma, interpretada “conforme a Constituição” será, portanto, considerada constitucional.”[50] Assim, as leis que não se harmonizarem com a Constituição devem ser declaradas inconstitucionais.

Necessário enfatizar que se deve examinar atentamente se a lei está em sintonia com o proposto pela Constituição ou se ela confronta seus mandamentos, haja vista que está consolidado no nosso ordenamento jurídico que se deve preservar ao máximo as finalidades trazidas pela lei e, somente, quando não mais atender a esse objetivo declará-la inconstitucional.  

Salienta, na continuidade do raciocínio:

 Como se vê, esse meio de interpretação contém um princípio conservador da norma, uma determinação de fazê-la sempre subsistente, de não eliminá-la com facilidade do seio da ordem jurídica, explorando ao máximo e na mais ampla latitude todas as possibilidades de sua manutenção. Busca-se desse modo preservar a autoridade do comando normativo, fazendo o método ser expressão do “favor legis” ou do “favor actus”, ou seja, um instrumento de segurança jurídica contra as declarações precipitadas de invalidade da norma. [51]

Feitas essas considerações, pode-se passar para a análise do cerne da questão. Das premissas realizadas deflui-se que o interrogatório do réu no procedimento da Lei de Drogas deve ser considerado inconstitucional, vez que afronta os comandos instituídos pela Constituição Federal, isto é, o interrogatório do réu realizado na Lei de Drogas viola expressamente o princípio da ampla defesa, que constitui um dos princípios fundamentais no âmbito do processo penal.

A ampla defesa constitui um direito fundamental assegurado pela nossa Constituição Federal (art.5º, LV, CF) e nela está inserida a condição de que qualquer indivíduo que esteja sendo submetido a um procedimento administrativo ou criminal para apuração de responsabilidade, deve ter garantido o direito de vir a se defender da imputação que lhe é feita, usando para tanto de meios lícitos. Sendo imprescindível o impedimento do desrespeito à sua condição paritária no processo, seja de que natureza for.  

De tal arte, é sabido que no âmbito do Direito Processual Penal a consequência do resultado da ação penal é mais grave, pois pode sobejar a privação da liberdade do agente, deste modo, a importância da defesa plena deve ser observada com mais intensidade, como escopo de se obstar o reconhecimento da responsabilidade penal em razão de não se ter permitido a impugnação dos elementos de prova que lhe são imputados.

Pela relevância da matéria, interessa transcrever:

Defesa é o direito que tem o réu ou acusado de opor-se à pretensão do autor (público ou privado), no curso do processo instaurado contra este. E como o processo tem um duplo conteúdo – um processual e outro de mérito – distinguem-se duas formas de defesa: a defesa processual e a defesa de mérito.

Com a primeira, o acusado procurará mostrar, quando isto couber que é inadmissível a prestação jurisdicional pedida, por falta de algum pressuposto processual, condição da ação ou de procedibilidade; e com a segunda, tentará demonstrar que inexiste o direito de punir, ou que a acusação, no todo ou em parte, é improcedente. [52]

O interrogatório do acusado constitui um meio de defesa, pelo qual este tem a possibilidade de apresentar a sua versão dos fatos sobre a imputação que lhe é atribuída. O interrogatório realizado após a produção de toda a prova oral em audiência una garante ao acusado uma defesa mais ampla, tendo em vista que o réu terá maiores elementos para efetivar a sua autodefesa e, assim, também poderá escolher a estratégia de autodefesa que melhor atenda os seus interesses.

No mais, é cediço que o interrogatório do acusado está amplamente amparado pelo princípio da ampla defesa, tendo em vista a nossa concepção de processo, meio pelo qual o acusado é um sujeito de direitos e, tem assegurado pela Constituição Federal todas as garantias individuais. 

No procedimento para apuração dos crimes relacionados às drogas o interrogatório do acusado é previsto para a fase que antecede a instrução criminal – colheita de toda a produção de prova oral – dessa forma, fica evidente que tal ato não certifica ao réu a capacidade de ter garantida uma defesa mais ampla, haja vista que ele será o primeiro da instrução a ser inquirido, e só após as demais provas orais serão colhidas, sendo-lhe negada a possibilidade de ter a mais completa defesa, violando, assim, expressamente o princípio da ampla defesa.

Forte nessa explicação apreende-se que para dar efetiva plenitude a essa visão, deve-se considerar os objetivos colimados no texto constitucional, senão implicaria em uma afronta aos direitos, garantias e princípios constitucionais.  

4.1 O RITO DA LEI Nº 11.343/2006

Para este estudo, nos interessa o Capítulo III do Título IV da Lei de Drogas que trata “Do Procedimento penal”, sendo ele dividido em duas seções: a “Seção I” intitulado “Da investigação” e a “Seção II” denominada de “Da Instrução Criminal”. Observe-se que para a apuração dos crimes relativos a entorpecentes, o rito especial está disposto nos arts. 48 a 59 a Lei de Drogas, com a aplicação subsidiária do CPP e da Lei de Execução Penal.

A investigação da infração penal está regulamentada no art. 50 do referido diploma legal, da qual se depreende que havendo prisão em flagrante ou prisão preventiva, o prazo para encerramento do inquérito será de trinta dias.

Todavia, se não houve prisão em flagrante e se o réu estiver solto, o prazo será de noventa dias. Registre-se que se tiver necessidade, o juiz pode fundamentadamente duplicar os referidos prazos, ouvido o Ministério Público.

Discorrendo sobre a matéria, Pacelli lembra que a oitiva do Ministério Público é indispensável, vez que cabe a ele o juízo de valoração jurídico- penal da matéria. Antevendo, eventual desclassificação do fato inicial pela autoridade policial, a intervenção do Ministério Público é importante para assegurar a tutela das liberdades públicas.[53]

Ocorrendo a prisão em flagrante, a autoridade policial, imediatamente, comunicará o juiz, remetendo-lhe cópia do auto lavrado, a ser encaminhado no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, ao Ministério Público (art. 50, caput).  

Insta perceber que a manutenção da prisão em flagrante se baseia nas razões e motivações da prisão preventiva. Demais, a preventiva não tem previsão legal de duração, isto é, o prazo tem como limite a sua decretação. Logo, considera-se que o prazo para encerramento das investigações deve compreender tanto a prisão em flagrante quanto a prisão preventiva.

Cabe salientar que no caso de flagrante é exigida para a lavratura do auto de prisão em flagrante, a elaboração de um laudo de constatação, como meio de prova técnica, a ser realizado por um perito oficial e, na sua falta, por pessoa idônea. Note-se que o perito que subscreveu o laudo de constatação não ficará impedido de participar da elaboração do laudo definitivo (art.50,§1º e §2º).

Atente-se que para que o Ministério Público ajuíze a ação penal é necessário que se tenha um suporte mínimo de prova, bem como de autoria, justa causa e condições da ação, assim, se torna imprescindível o laudo de constatação da natureza e quantidade de droga apreendido com o agente.

Findo o prazo para as conclusões investigativas e tendo a autoridade policial relatado as circunstâncias do fato, justificando as razões que o levaram à classificação do delito, indicando a quantidade e natureza da substância ou do produto apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os antecedentes do agente, encaminhará os autos do inquérito ao juiz (art.52, I).

Isto posto, caso seja necessário novas diligências, a autoridade policial requererá os autos para realizá-las. Entretanto, poderá realizar as diligências “independentemente da presença física dos autos de investigação” [54], se elas forem úteis ou necessárias à plena elucidação do fato ou, necessárias ou úteis à indicação de bens, direitos e valores de que seja titular o agente ou, que figurem em seu nome. Em ambos os casos o resultado deverá ser encaminhado ao juízo competente até 03 (três) dias antes da instrução criminal (art.52, II e § único).   

Essas diligências complementares podem ter por finalidade apurar todos os bens, direitos e valores pertencentes ao indiciado que, muito provavelmente, os conquisto por conta da prática do delito de tráfico ilícito de entorpecentes. Para tanto, cabe ao Ministério Público, durante a instrução, requer o seqüestro dos bens em geral, buscando torná-los indisponíveis. Posteriormente, advindo a condenação, serão eles confiscados pelo Estado.[55]

Reza o art.53, incisos I e II do referido dispositivo legal que em qualquer fase da persecução penal serão permitidos, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios: a infiltração por agentes da polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes; a não- atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.

Nessa linha, segue-se o procedimento do rito das Drogas, com o oferecimento da denúncia que se encontra regulamentado pelo art. 54. O oferecimento da denúncia deve ser feito no prazo de dez dias, a contar do recebimento do inquérito policial, de Comissão Parlamentar de Inquérito ou de peças de informação pelo Ministério Público.

O referido prazo é único, isto é, esse prazo é tanto para o indiciado solto quanto para o preso. Lembre-se que se o prazo for ultrapassado, sendo o indiciado preso, configurar-se-á constrangimento ilegal que dará ensejo a sua liberação. Caso o indiciado esteja solto, não trará nenhum prejuízo para ele se a denúncia for feita após o prazo.

Em relação ao requerimento de arquivamento pelo Ministério Público, o jurista Nucci assim manifesta:

Previsão inútil. Não há razão alguma para a lei especial prever situação já descrita satisfatoriamente no Código de Processo Penal. Quando o Ministério Público recebe inquérito policial concluído (ou outras peças de informação), pode requerer o arquivamento. Em caso de discordância, o juiz na esfera estadual, segue o disposto no art. 28 do CPP, determinando a remessa dos autos ao Procurador- Geral de Justiça. Este, por seu turno, pode concordar com o promotor e insistir no arquivamento, devendo o magistrado atendê-lo. Caso discorde do promotor, designará outro membro do Ministério Público para ofertar a denúncia e acompanhar o caso. Se o magistrado aquiescer, acolhendo a motivação do promotor, determina o arquivamento. Na esfera federal, remete-se o feito para apreciação de uma Câmara Criminal, composta por membros do Ministério Público Federal de 2º grau, que tomará as mesmas providências já descritas.[56]

No mais, ao oferecer a denúncia o Ministério Público poderá arrolar no máximo cinco testemunhas e poderá requerer as demais provas que entender pertinentes (art.54, III).

Finalizada a denúncia e encaminhada ao magistrado e, não sendo caso de rejeição liminar, este ordenará a notificação do acusado para oferecer resposta no prazo de dez dias. Note-se que a resposta é tratada como defesa prévia no art. 55, caput e como defesa preliminar no art. 55, §1º da Lei de Drogas. A sua apresentação é obrigatória, observando que o acusado deve ser notificado pessoalmente. 

Na resposta o réu poderá suscitar poderá argüir preliminares, invocar as razões de defesa que entender cabível, acostar documentos, especificar provas, arrolar no máximo até cinco testemunhas, opor exceções, quais sejam: exceção de incompetência de juízo, de litispendência, de coisa julgada, de ilegitimidade e de suspeição do juiz.

Todavia, se o acusado não apresentar resposta à notificação no prazo legal, caberá ao juiz nomear defensor para oferecê-la, devendo este apresentá-la no prazo de dez dias (art. 55, §3º).

Apresentada a defesa, o juiz deverá decidir se recebe ou rejeita a denúncia no prazo de cinco dias. Se entender necessário, o juiz poderá determinar a apresentação do preso, a realização de diligências, bem como de exames e perícias no prazo máximo de dez dias.

Elementar o registro que a decisão do magistrado em relação ao recebimento ou rejeição da denúncia deve ser fundamentada, lembrando que a sua não- fundamentação implicará em nulidade processual. Para Norberto Avena, “a nulidade será absoluta, por violação expressa ao art. 93, IX da Carta Política” [57]. Doutro lado, Guilherme de Souza Nucci entende que gerará “nulidade relativa, uma vez que não há expressa determinação legal para que ocorra”.[58]

O art. 56, §1º traz uma inovação bastante importante, qual seja: o magistrado poderá determinar o afastamento do servidor público acusado de tráfico ilícito de drogas, desde que haja decisão fundamentada.

Demais disso, estabeleceu-se que a audiência será realizada no prazo de trinta dias seguintes ao recebimento da denúncia, ressalva feita se houver determinação para a realização de avaliação para atestar dependência de drogas, caso em que se realizará em noventa dias.

Recebida a inicial, o magistrado designará dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, ordenará a citação pessoal do acusado, a intimação do Ministério Público, do assistente, se for o caso, e requisitará os laudos periciais (art. 56, caput).

Para Nestor Távora, “a audiência de instrução e julgamento deve ser regida pela regra da concentração dos atos processuais” [59]. De acordo com a legislação, nessa audiência, primeiramente, será interrogado o réu, com a possibilidade de esclarecimentos de fatos assinalados pelas partes.

Em seqüência, serão ouvidas as testemunhas arroladas pela acusação, após, as indicadas pela defesa. Após o término da produção probatória, será passada a palavra, sucessivamente, para ao representante do Ministério Público e ao defensor do réu, para sustentação oral, pelo prazo de vinte minutos para cada um, podendo ser prorrogado por mais dez minutos, desde que se tenha decisão fundamentada por parte do magistrado.

Encerrados os debates orais, o magistrado prolatará a sentença imediatamente ou, não sendo cabível, o fará no prazo máximo de dez dias. O juiz ao sentenciar deverá decidir sobre a destruição da substância entorpecente apreendida, por incineração, que deverá ser feita no prazo máximo de trinta dias.

Depreende-se do art. 58, §1º que a prova será preservada por meio da guarda de amostras em fração que deverá ser fixada pelo magistrado. Tal medida não será cabível, quando no curso do processo, a controvérsia versar sobre a natureza ou quantidade de droga apreendida ou sobre a regularidade do laudo de constatação.

O art. 59 da referida legislação estabelece que: “Nos crimes previstos nos arts. 33, caput e §1º, e 34 a 37 desta Lei, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória”.

4.2 O INTERROGATÓRIO NO RITO DA LEI Nº 11.343/2006 – INVERSÃO NECESSÁRIA

O interrogatório do réu no procedimento da Lei de Drogas deve ser considerado inconstitucional, vez que viola expressamente o princípio da ampla defesa, que constitui um dos princípios norteadores do processo penal e garantidores dos direitos individuais fundamentais do indivíduo estabelecidos na Constituição Federal.

A Constituição Federal estabelece que a defesa deve ser ampla, isto é, a defesa deve ser a mais abrangente e plena possível.  A ampla defesa não pode ser cerceada infundadamente, sob pena de nulidade absoluta.

Esse entendimento foi sumulado, conforme se verifica na Súmula nº 523 do STF que assim dispõe: “No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.

Convém destacar que do “princípio da ampla defesa decorre a obrigatoriedade de se observar a ordem natural do processo, de modo que a defesa manifeste-se sempre em último lugar, isto é, o presente princípio desautoriza que a defesa seja, de qualquer forma, surpreendida ao longo do processo”. [60]

Sobre a ampla defesa, acrescenta Ada Pellegrini Grinover:

Ora, nessa ampla acepção, ação e defesa não se exaurem, evidentemente, no poder do impulso e no uso das exceções, mas se desdobram naquele conjunto de garantias que, no arco de todo o procedimento, asseguram às partes a possibilidade bilateral, efetiva e concreta, de produzirem suas provas, de aduzirem suas razões, de recorrerem das decisões, de agirem, enfim, em juízo, para a tutela de seus direitos e interesses, utilizando toda a ampla gama de poderes e faculdades pelos quais se pode dialeticamente preparar o espírito do juiz. O paralelismo entre ação e defesa é que assegura aos dois sujeitos do contraditório instituído perante o juiz a possibilidade de exercerem todos os atos processuais aptos a fazer valer em juízo seus direitos e interesses e a condicionar o êxito do processo. [61]

É de notório conhecimento que o primeiro ato da instrução criminal no procedimento da Lei de Drogas é o interrogatório do réu, ato completamente inverso aos demais ritos expressos no Código de Processo Penal.

Após as reformas do Código de Processo Penal, especialmente a Lei n. 11.719/2008, o texto legal realocou o interrogatório colocando-o após a oitiva das testemunhas. A rigor, aplicando-se o disposto no art. 394, §2º do CPP, a lei especial deveria prevalecer, contudo, em homenagem ao princípio da ampla defesa é melhor que se faça o interrogatório após a oitiva das testemunhas, a fim de evitar futuras nulidades que colocariam em risco a efetividade do processo penal.

O jurista Nestor Távora entende que “após a reforma do procedimento comum (Lei nº 11.719/08), que o interrogatório passou para o final da instrução (art.400 do CPP), e refletindo melhor, pensamos ser adequado que se proceda da mesma forma no procedimento especial de tóxicos”. [62]

No mesmo sentido, Guilherme de Souza Nucci afirma que “o interrogatório do réu deve ser feito nos moldes descritos pelo Capítulo III do Título VII do Livro I do Código de Processo Penal”. [63]

Dessa forma, entende-se que a melhor solução para assegurar os direitos e garantias constitucionais do réu e, especialmente, não se ter violada a ampla defesa, o magistrado deveria inverter o interrogatório, passando para o último ato da instrução criminal, conforme se verifica nos procedimentos comuns ordinário e sumário previstos no Código de Processo Penal.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho se voltou à abordagem da questão da inconstitucionalidade do interrogatório do réu realizado antes da instrução criminal no procedimento da Lei de Drogas. A realização deste interrogatório não garante uma defesa ampla e plena dos fatos que estão sendo cominados ao acusado, acarretando, assim, violação do princípio da ampla defesa.

Demais disso, está consolidado em nosso sistema jurídico que as leis infraconstitucionais devem ser interpretadas “conforme a Constituição” [64] e também devem se harmonizar com o referido diploma legal, para que assim sejam consideradas constitucionais, caso contrário, serão declaradas inconstitucionais.

Nesse caso, a norma referente ao interrogatório do réu deveria ser declarada inconstitucional, vez que viola um dos comandos constitucionais de suma importância, isto é, o princípio da ampla defesa.

O interrogatório do réu é corolário da ampla defesa e sua oportunidade está prevista em todos os procedimentos criminais, muito embora exista uma variação no momento em que deve ser aprazado.

No procedimento da Lei de Drogas, o interrogatório está previsto para a fase que antecede à instrução criminal, isso gera prejuízo ao réu, pois ainda não foi realizada a colheita da produção de prova oral, o que não possibilita maiores elementos para elaboração da sua autodefesa.

No mais, a condenação no processo penal enseja privação da liberdade, assim, deve-se observar com mais rigor a defesa plena para que não gere o reconhecimento da responsabilidade penal em razão de não ter dado oportunidade para que ela acontecesse. 

Enfim, a melhor solução para o impasse seria que o interrogatório do réu se realizasse conforme os procedimentos comuns ordinário e sumário, isto é, ele deve ser realizado após a produção de prova oral em audiência para que assim garanta a efetividade do processo penal e futuramente evite futuras nulidades.


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Notas

[2] TÁVORA, Nestor; ANTONNI, Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. 3.ed. Salvador: JusPODIVM, 2009. p.63.

[3] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 22. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2006. p.88.

[4] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p.143-144.

[5] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p. 29-33.

[6] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. de Virgílio Afonso da Silva, São Paulo: Malheiros, 2008. p.78.

[7] Ibidem, p.79.

[8] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 412-413.

[9] SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Processo constitucional: nova concepção de jurisdição. São Paulo: Método, 2008. p. 137.

[10] Ibidem, p.137.

[11] GOMES, Luiz Flávio. Direito processual penal. São Paulo: Revista dos Tribunais: IELF, 2005. v.6. p.09.

[12] TUCCI, Rogério Lauria; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Constituição de 1988 e processo: regramentos e garantias constitucionais do processo. São Paulo: Saraiva 1989. p. 16. 

[13] TUCCI, p. 17.

[14] GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 02.

[15] AVENA, Norberto. Processo Penal: Esquematizado. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009. p.22.

[16] GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 63.

[17] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 13. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p.46.

[18] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 22. ed, São Paulo: Editora Malheiros, 2006. p.62.

[19] OLIVEIRA, p.48.

[20] LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional.  4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p.237.

[21] OLIVEIRA, p.402.

[22] OLIVEIRA, p.393.

[23] TÁVORA, p. 349-352.

[24] AVENA, p.471-475.

[25] AVENA, p.477.

[26] OLIVEIRA, p.393.

[27] Ibidem, p. 393-394.

[28] FEITOZA, Denilson. Reforma processual penal: Leis 11.689/2008, 11.690/2008 e 11.719/2008: uma abordagem sistêmica. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 252.

[29] AVENA, p.639.

[30] TÁVORA, p. 348.

[31] FEITOZA, Denilson. Reforma processual penal: Leis 11.689/2008, 11.690/2008 e 11.719/2008: uma abordagem sistêmica. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 250.

[32] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.p. 382.  

[33] OLIVEIRA, p.394.

[34] AVENA, p.475.

[35] TÁVORA, p. 357-358.

[36] OLIVEIRA, p.401.

[37] Ibidem, p.403.

[38] AVENA, p.639.

[39] FEITOZA, Denilson. Reforma processual penal: Leis 11.689/2008, 11.690/2008 e 11.719/2008: uma abordagem sistêmica. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 147.

[40] TÁVORA, p. 359.

[41] NUCCI, 2007.p. 398.  

[42] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.287. 

[43] AVENA, p.491-492.

[44] AVENA, p.496.

[45] AVENA, p.497.

[46] OLIVEIRA, p. 767.

[47] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 90688. Relator: Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 12 fev.2008.

[48] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p.517.

[49] Ibidem, p.518.

[50] Ibidem, p.518.

[51] BONAVIDES, p.519.

[52] MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 1980, v.1. p. 102-103.

[53] OLIVEIRA, p. 764.

[54] OLIVEIRA, p. 764.

[55] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e processuais penais comentadas. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.360.

[56] NUCCI, 2008. p. 362.

[57] AVENA, p. 710.

[58] NUCCI, 2008. p. 364.

[59] TÁVORA, p. 663.

[60] GOMES, p. 20.

[61] GRINOVER, Ada Pellegrini.  Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 05.

[62] TÁVORA, p. 663.

[63] NUCCI, 2008. p. 365.

[64] BONAVIDES, p.517.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Annelise Freitas Macedo. A inconstitucionalidade do interrogatório do réu realizado antes da instrução criminal no procedimento da Lei de Drogas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4168, 29 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30743. Acesso em: 26 abr. 2024.