RESUMO: A Lei nº 11.343/2006 revogou as Leis nº 6.368/1976 e 10.409/2002 e estabeleceu o novo procedimento para apuração dos crimes relativos às drogas, estando o rito especial preconizado nos artigos 48 a 59 do referido diploma legal. Com efeito, é necessária a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal na nova Lei. O cerne do estudo é o interrogatório do acusado na nova Lei, posto que é o primeiro ato da instrução criminal, o que por si só, viola o exercício do contraditório e da ampla defesa. Doutro lado, nos procedimentos comuns ordinário e sumário se verifica que o interrogatório do réu é o ultimo ato da instrução criminal, assegurando assim a garantia constitucional da ampla defesa. O trabalho defende que o interrogatório do réu realizado antes da instrução criminal neste procedimento é inconstitucional, vez que viola o princípio da ampla defesa, e entende como melhor solução inverter o interrogatório do réu para o fim da instrução, para que este tenha assegurado seus direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal.
Palavras-chave: Interrogatório do réu; princípio da ampla defesa; Lei nº 11.343/2006.
1. INTRODUÇÃO
O Direito Processual Penal deve estar pautado em princípios e garantias fundamentais asseguradas pela Constituição Federal ao indivíduo, pois o processo deve ser sinônimo de garantia contra as arbitrariedades estatais, sem que isso signifique a perda da efetividade da prestação jurisdicional.
Assim sendo, os princípios constitucionais são considerados os pilares do nosso ordenamento jurídico, haja vista que norteiam como o intérprete deve agir diante das normas jurídicas e das situações impostas a ele. Por sua vez, as garantias constitucionais são aquelas que asseguram os direitos emanados da Carta Magna, especialmente o direito de liberdade e a limitação do poder de punir do Estado sobre o indivíduo.
Há inúmeros princípios constitucionais que regem o processo penal, contudo, neste estudo, foram observados especialmente: o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. O devido processo legal é o que está estabelecido em lei, devendo simbolizar uma garantia que deve atender aos ditames constitucionais. Com efeito, “consagra-se a necessidade do processo tipificado, sem a supressão ou desvirtuamento de atos essenciais”. [2]
Desta sorte, sabe-se que do devido processo legal decorrem o contraditório e a ampla defesa que são importantes postulados do processo acusatório, sendo inquestionável a interação dessas garantias, vez que do contraditório que emana a própria defesa.
Posteriormente, foram abordadas, sistematicamente, as questões relativas ao interrogatório do réu, tratando de seus temas obrigatórios e de seu procedimento específico que se encontra previsto nos arts. 185 a 196 do Código de Processo Penal, bem como a sua relação com o princípio da ampla defesa.
Por sua vez, foi feita uma análise do momento em que o interrogatório do acusado acontece nos procedimentos criminais- especialmente no rito comum, rito do júri- haja vista que existe variação no momento em que deve ser aprazado.
Nesse contexto, ainda avaliar-se-á em que fase processual pode ocorrer à confissão do acusado, bem como quais as condições necessárias para que o acusado contemple o benefício da delação premiada.
Em seguida, desenvolveremos o objeto do estudo proposto, ou seja, trataremos da inconstitucionalidade do interrogatório do réu realizado antes da instrução criminal no procedimento da Lei de Drogas, bem como se delineará as peculiaridades do rito procedimental para a apuração dos crimes relativos às drogas.
Pretende-se demonstrar que há necessidade de fazer uma inversão no que tange ao momento do interrogatório do réu na Lei de Drogas, a fim de que se tenha aplicado de forma efetiva e eficaz os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal na tutela dos interesses individuais.
Por fim, será feita uma elucidação do tema ora debatido trazendo os posicionamentos da doutrina.
2. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
A princípio, convém salientar que antes de ter disposição legal acerca da garantia do devido processo legal, este sempre fora observado. Hodiernamente, esse instituto foi elevado à categoria de dogma constitucional, cujo conteúdo está expresso no art.5°, LIV da Constituição Federal, o qual assegura que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Acerca deste tema Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco, assim, se manifestam:
Entende-se, com essa fórmula, o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, do outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição. Garantias que não servem apenas aos interesses das partes, como direitos públicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais) destas, mas que configuram, antes de mais nada, a salvaguarda do próprio do processo, objetivamente considerado, como fator legitimante do exercício da jurisdição.[3]
Decorre dessa fórmula os demais postulados necessários para assegurar à ordem jurídica justa, especialmente o contraditório e a ampla defesa como corolário dessa garantia.
2.1 PRINCÍPIOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS
O art. 5° da Constituição Federal estabelece os direitos e garantias individuais e coletivos. Apesar de o texto constitucional aludir, de modo expresso, apenas a direitos e deveres, também consagrou os princípios e garantias constitucionais. Portanto, cabe diferenciá-los. Nesse sentido, Celso Ribeiro Bastos apresenta a ideia de princípios constitucionais:
Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica. Isto só é possível na medida em que estes não objetivam regular situações específicas, mas sim desejam lançar a sua força sobre todo o mundo jurídico. Alcançam os princípios esta meta à proporção que perdem o seu caráter de precisão conteúdo, isto é, conforme vão perdendo densidade semântica, eles ascendem a uma posição que lhes permite sobressair, pairando sobre uma área muito mais ampla do que uma norma estabelecedora de preceitos. Portanto, o que o princípio perde em carga normativa ganha como força valorativa a espraiar-se por cima de um sem-número de outras normas.[4]
De fato, se torna evidente que os princípios indicam a regra que deve ser aplicada pelo intérprete jurídico e pelo legislador infraconstitucional, já que são dotados de eficácia. Pode-se afirmar que existe uma hierarquia interna valorativa dentro das normas constitucionais, no qual os princípios estão em um nível superior, aos quais devem se submeter às normas infraconstitucionais, não prestando apenas para suprir lacunas, como acontece com os demais princípios gerais de direito.
Nessa linha, Cármen Lúcia Antunes Rocha elenca as seguintes características dos princípios constitucionais:
a) generalidade: são genéricos, não se aplicando a qualquer situação concreta;
b) primariedade: são primários, deles decorrendo outros princípios;
c) dimensão axiológica: os princípios constitucionais trazem valores éticos que refletem uma doutrina, um posicionamento político, devendo sofrer alteração quando tais valores também se alterem. [5]
Por sua vez, Robert Alexy afirma que a colisão de princípios acontece, por exemplo, se algo é defeso por um princípio, contudo é admitido por outro, hipótese em que um dos princípios deve retroceder. Todavia, não significa que o princípio que renuncia voluntariamente seja declarado nulo, muito menos que uma cláusula de exceção nele se perfaça.[6]
Alexy continua sustentando que, ainda que em certas condições, um princípio cede ao outro ou que, em determinadas hipóteses, a questão de prevalência se resolve de forma diversa. Dessa forma, observa-se que o autor quis dizer que os princípios têm peso diferente nos casos concretos e que o de maior peso é o que prevalece.[7]
Sobre as garantias constitucionais, José Afonso da Silva comenta:
[...] as garantias gerais dos direitos humanos fundamentais podem ser de dois tipos: (1) garantias gerais; (2) garantias constitucionais. E essas últimas se distinguem em duas classes: (a) garantias constitucionais gerais, que são instituições constitucionais que se inserem no mecanismo de freios e contrapesos dos poderes e, assim, visam impedir o arbítrio, com o que constituem, ao mesmo tempo, técnicas assecuratórias de eficácia das normas conferidoras dos direitos fundamentais; tais são, por exemplo, a existência de constituição rígida que declare os direitos fundamentais e suas garantias e estruture órgãos jurisdicionais dotados de independência e imparcialidade, com capacidade, de fato e de direito, para solucionar conflitos de interesses interindividuais e, especialmente, os que se manifestam entre o indivíduo e o Estado; nisso é que se revela o princípio da separação dos poderes como a matriz de todas as garantias dos direitos do homem; (b) garantias constitucionais especiais, que são prescrições constitucionais que conferem, aos titulares dos direitos fundamentais, meios, técnicas, instrumentos ou procedimentos para imporem o respeito e a exigibilidade desses direitos; são, portanto, prescrições do Direito Constitucional positivo (ou seja, das constituições rígidas) que, limitando a atuação dos órgãos estatais ou mesmo de particulares, protegem a eficácia, aplicabilidade e inviolabilidade dos direitos fundamentais de modo especial.[8]
Compreende-se, dessa forma, que as garantias constitucionais são instrumentos pelos quais se asseguram o exercício dos direitos ou a sua reparação, se violados; haja vista que sem as garantias, os direitos contidos no texto constitucional, deixariam de proporcionar em termos de eficácia a fruição completa das liberdades humanas.
Verificada a importância dos princípios e garantias constitucionais no âmbito do ordenamento jurídico, passemos a análise do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
2.2 DEVIDO PROCESSO LEGAL
A Magna Carta de João Sem Terra do ano de 1215 foi o primeiro ordenamento que fez menção ao princípio do devido processo legal quando se referiu a “law of the land”. O termo atualmente aplicado, “due process of law”, foi usado em lei inglesa de 1354, realizada no reinado de Eduardo III, denominada “Statute of Westminster of the Liberties of London”.
Num momento póstumo, os americanos transladaram esse princípio para a sua Constituição de 1787, no qual ele tem sido empregado diuturnamente, derivando daí sua evolução, o seu conceito e a sua abrangência.
O instituto do devido processo legal foi consagrado na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, LIV que dispõe: “ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, tal garantia traz expressamente o princípio garantidor das liberdades civis.
Observe-se que tal disposição constitucional foi complementada a seguir pelo inciso LV, que reza: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”
José Herval Sampaio Júnior assinala “que esse princípio assume dentro do processo penal uma importância transcendental e que delineia todo o seu agir, limitando inclusive a atividade do legislador” [9], dessa forma, “deve a lei se conformar com os direitos e garantias fundamentais do cidadão” [10], não podendo haver interferência no núcleo protetivo da liberdade do agente, sem que se observem as condições e limites que decorrem da cláusula due process of law.
Luiz Flávio Gomes discorre que o princípio do devido processo legal oferece duas garantias. São elas: uma garantia material, e não um direito, que consiste em todo cidadão não poder ser privado de sua liberdade e de seus bens sem um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei, isto é, a garantia do justo processo; bem como, uma garantia procedimental, que consiste no prévio conhecimento de regras procedimentais que regulam o justo processo, obrigando, assim, o Estado a respeitá-las.[11]
A respeito do devido processo legal, Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci discorrem:
Sendo, como visto, o processo a garantia outorgada pela Constituição Federal à efetivação do direito (subjetivo material e público) à jurisdição, impõe-se, já agora, sua consideração como encartado no due process of law.
Trata-se esta - em vernáculo, devido processo legal - de difundida locução mediante a qual se determina a imperiosidade, num denominado Estado de Direito, de:
a) elaboração regular e correta da lei, bem como de sua razoabilidade, senso de justiça e enquadramento nas preceituações constitucionais (substantive due process of law, segundo o desdobramento da concepção norte- americana);
b) aplicação judicial da lei através de instrumento hábil à sua interpretação e realização, que é o processo (judicial process); e
c) assecuração, neste, da paridade de armas entre as partes, visando à igualdade substancial. [12]
O devido processo legal se consolida numa garantia conferida pela Constituição Federal, cujo objetivo é a obtenção da proteção dos direitos fundamentais, que são indispensáveis para os indivíduos que vivem em uma sociedade. Neste paradigma, também adentra aos demais direitos subjetivos que despontam dos relacionamentos jurídicos resultante do convívio social, sendo estes lesados ou ameaçados de sofrer lesão.
Os juristas acima referidos complementam afirmando que “o processo se presta à concreção do direito à jurisdição, sua efetivação, com estrita observância dos regramentos ínsitos ao denominado due process of law, importa a possibilidade de inarredável tutela de direito subjetivo material objeto de reconhecimento, satisfação ou assecuração, em Juízo”.[13]
Destaque-se que não basta que o indivíduo tenha direito ao processo, este deve ser regular e garantidor do devido processo legal, bem como de todos os seus corolários. No mais, a garantia do devido processo legal há de existir em todo o desenvolvimento do processo judicial, com a finalidade de que ninguém seja privado de seus direitos.
Ada Pellegrini Grinover ilustra que:
[...] as garantias das partes e do próprio processo são o enfoque completo e harmonioso do conteúdo da cláusula do devido processo legal, que não se limita ao perfil subjetivo da ação e da defesa, como direitos, mas que também acentua o seu perfil objetivo.[14]
Necessário enfatizar que o devido processo legal desdobra-se em uma série de garantias específicas que no âmbito do processo penal asseguram a proteção do acusado e limita os poderes do Estado, a fim de que este não prive os direitos de ninguém.
Resta assim exemplificar algumas dessas garantias, quais sejam: juiz natural; contraditório e a ampla defesa; a igualdade processual que decorre do princípio da isonomia, que consiste na paridade de armas entre a acusação e a defesa; a publicidade e o dever de motivar as decisões judiciais; a não utilização de provas ilícitas; a inviolabilidade do domicílio; o sigilo das comunicações em geral e dados; a presunção de não-culpabilidade do acusado; vedação da identificação criminal datiloscópica de pessoas já identificadas civilmente, entre outras.
Determina, ainda, a indenização pelo erro judiciário e pela prisão que supere os limites da condenação; que a prisão seja imediatamente comunicada ao juiz, que a relaxará se for ilegal; assegura o direito à identificação dos responsáveis pela prisão ou pelo interrogatório; garante a liberdade provisória; veda a incomunicabilidade do preso, haja vista que este deve receber informações no que concernem os seus direitos etc.
Ressalte-se, por fim, que bastaria o texto constitucional ter adotado o princípio do devido processo legal, haja vista que dele decorre todos os demais princípios constitucionais do processo, bem como todas as consequências processuais que garantem aos litigantes e aos acusados o direito a um processo e a uma sentença justa.
2.3 CONTRADITÓRIO
O princípio do contraditório decorre do devido processo legal, figura como um dos postulados mais importantes no processo acusatório e, sob o ponto de vista do sujeito passivo da relação processual penal, harmoniza-se com a garantia constitucional que assegura a ampla defesa do acusado.
Elementar o registro que este princípio também pode ser denominado de princípio “audiatur et altera pars”. Dessa premissa, pode-se deduzir que a defesa não pode sofrer restrições, tendo em vista que tal princípio supõe igualdade entre a acusação e a defesa- princípio da igualdade processual.
Na lição de Norberto Avena, o contraditório trata-se do direito assegurado às partes de serem cientificadas de todos os atos e fatos havidos no curso do processo, podendo se manifestar a respeito e produzir as provas necessárias antes de ser proferida a decisão jurisdicional a respeito.[15]
Nessa linha, compreende-se que o contraditório constitui, fundamentalmente, a manifestação do princípio do estado de direito, no qual assegura o direito à informação em relação a qualquer fato ou alegação contrária aos interesses das partes, bem como o direito à reação a ambos, ensejando a possibilidade de que a resposta seria da mesma intensidade e extensão, isto é, o contraditório garantiria a participação em simétrica paridade.
No âmbito do processo penal é preciso que a informação e a reação possibilitem um contraditório pleno e efetivo. Pleno, porque há de se observar esse princípio durante todo o desenvolvimento do processo. Efetivo, porque é necessário que proporcione às partes os meios para que tenham condições reais de contrariá-los.
No mais, o magistrado, em razão de seu dever de imparcialidade, situa-se entre as partes, mas eqüidistante delas, para que, por meio da parcialidade destas (uma representando a tese e a outra, a antítese), o magistrado possa materializar a síntese, em um processo dialético.
Registre-se que o contraditório juntamente com a ampla defesa é de suma importância para todo processo penal, isso porque é uma cláusula de garantia criada para a tutela do cidadão diante da persecução penal, encontrando-se, assim, solidamente sobreposto no interesse público a realização de um processo justo e equitativo, única via para a imposição da sanção penal.
Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho explicam que “defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório que brota o exercício da defesa; mas é esta- como poder correlato ao de ação – que garante o contraditório. A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e é garantida. Eis a íntima relação e interação de defesa e do contraditório”.[16]
Demais disso, o contraditório é um dos princípios mais caros do processo penal, haja vista que sua observância constitui requisito de validade do processo e, caso não seja observado, poderá acarretar a nulidade absoluta do processo, gerando prejuízos ao acusado.
Verificando-se presente a violação desse princípio em relação à acusação, será indispensável argüir expressamente tal irregularidade em recurso, sob pena de preclusão, mesmo que se trate de nulidade absoluta.
Por fim, há de se destacar que o princípio do contraditório não se aplica a fase de inquérito policial. Isso porque, o inquérito policial é um mero procedimento administrativo que busca a colheita de provas para informações acerca do fato que infringiu a norma, bem como a sua autoria. Demais, nesta fase não existe acusado ou réu, mas apenas indiciado.
2.4 AMPLA DEFESA
O princípio da ampla defesa também decorre do devido processo legal e está consagrado no art.5º, LV da Constituição Federal juntamente com o contraditório. Deste princípio pode-se deduzir que o Estado tem o dever facultar ao acusado a mais completa defesa em relação à imputação que lhe foi feita. Ressaltando que esse princípio guarda relação com o contraditório.
Com efeito, pode-se afirmar que deste princípio decorre certas garantias processuais, como: dever estatal de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados; o acusado deve ter conhecimento claro da imputação que lhe está sendo feita; o acusado pode apresentar alegações contra a acusação; o acusado pode acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; o acusado deve ser representado por advogado; o acusado pode recorrer de decisões desfavoráveis; entre outras.
Por consequência, Pacelli ensina que:
[...] o contraditório não pode ir além da garantia de participação, isto é, da garantia de a parte poder impugnar- no processo penal, sobretudo a defesa - toda e qualquer alegação contrária a seu interesse, sem, todavia, maiores indagações acerca da concreta efetividade com que se exerce aludida impugnação.[17]
Para Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco:
No processo penal, entendem-se indispensáveis quer a defesa técnica, exercida por advogado, quer a autodefesa, com a possibilidade dada ao acusado de ser interrogado e de presenciar todos os atos instrutórios. Mas enquanto a defesa técnica é indispensável, até mesmo pelo acusado, a autodefesa é um direito disponível pelo réu, que pode optar pelo direito ao silêncio (CF, art. 5º, inc. LXIII). [18]
Pacelli nos informa que a “ampla defesa se concretiza por meio da defesa técnica, da autodefesa, da defesa efetiva, finalmente, por qualquer meio de prova hábil a demonstrar a inocência do acusado”. [19]
A defesa técnica é conseqüência do princípio da ampla defesa, assim sendo, este instituto jurídico exige a participação, em todos os atos do processo, do defensor que deve estar inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Perceba-se que a defesa técnica é tida como um direito indisponível, haja vista que é uma garantia do acusado para proteger os seus interesses, bem como é uma forma de apuração correta dos fatos, para que assim assegure os interesses da coletividade.
Outrossim, a ampla defesa também trata de uma verdadeira paridade de armas, que é indispensável para a concretização do contraditório, bem como da efetiva imparcialidade do juiz.
A defesa técnica age como um mecanismo de proteção do processo penal, instituído para que se assegure o cumprimento das normas processuais e da igualdade das partes. Na verdade, esse instituto jurídico é conseqüência de um ditame de ordem pública, que decorre do princípio do devido processo legal.
Registre-se que junto à defesa técnica, temos outro importante instituto jurídico, em que o acusado irá atuar, a fim de resistir pessoalmente à pretensão que lhe é imputada pelo Estado, que é a denominada autodefesa.
Nesse sentido, Aury Lopes Júnior ilustra:
A chamada defesa pessoal ou autodefesa manifesta-se de várias formas, mas encontra no interrogatório policial e judicial seu momento de maior relevância. Classificamos a autodefesa a partir de seu caráter exterior, como uma atividade positiva ou negativa. O interrogatório é o momento em que o sujeito passivo tem a oportunidade de atuar de forma efetiva – comissão–, expressando os motivos e as justificativas ou negativas de autoria e materialidade do fato que se lhe imputa. [20]
A autodefesa se subdivide em duas outras modalidades, quais sejam: a autodefesa positiva e a autodefesa negativa. A autodefesa positiva é aquela em que o acusado pode praticar atos, declarar, constituir advogado, participar do interrogatório, participar de acareações etc., ou seja, é quando o réu realiza atos, a fim de resistir à pretensão investigativa estatal para que, assim, assegure a sua liberdade.
O interrogatório do réu é um meio de defesa e está abrangido na chamada autodefesa positiva. Observe-se que o interrogatório presume um atuar do acusado e que através dele o magistrado terá conhecimento de elementos úteis para a descoberta da verdade juridicamente válida.
No mais, o interrogatório do réu é um ato de defesa, um direito e, não uma obrigação, haja vista que deve ser assegurado ao réu o direito de silêncio e de não auto-incriminação- forma de autodefesa negativa-, sem que isso cause qualquer prejuízo para ele, além do que, o ato realizado deve estar livre de qualquer ameaça ou pressão.
A autodefesa negativa é aquela em que o acusado (sujeito passivo na relação processual penal) pode recusar a se declarar, isto é, ele dispõe do próprio conteúdo do direito de defesa pessoal, o que não ocorre na autodefesa positiva, já que o acusado atua no sentido de resistir aos fatos que lhe estão sendo imputados.
No momento do interrogatório do réu, o magistrado deve adverti-lo que não está obrigado a responder as perguntas que lhe forem feitas (direito de silêncio). Registre-se que se o acusado quiser se calar, este ato é totalmente válido, haja vista que tal direito lhe é assegurado como uma garantia constitucional, e se este não for informado do direito, o ato poderá ser considerado nulo.
A respeito do exercício do direito de silêncio e sobre o interrogatório como atributo da ampla defesa, Pacelli discorre:
O exercício do direito ao silêncio pode ser caracterizado como uma intervenção passiva do acusado, no sentido de uma manifestação defensiva não impugnativa dos fatos articulados pelo Ministério Público, na ação pública, e do querelante, na ação privada. Diz-se passiva pela ausência de impugnação expressa.
Quando, porém, o réu preferir manifestar-se oralmente durante o interrogatório, submetendo-se às perguntas das partes, e agora eventualmente do juiz, ele estará exercitando o que se denomina autodefesa ativa, assim caracterizada pela atuação efetiva do acusado em relação aos fatos a ele imputados.
Seja como for, o que estará em cena é o exercício de uma das várias modalidades de participação da defesa no processo, isto é, o que se estará exercendo (a autodefesa) é um dos “atributos” do princípio da ampla defesa. E, por isso, fazia-se necessária a nomeação de um defensor, o que veio a ser corrigido (ou explicitado) com a Lei nº 10.792/03. [21]
Por fim, pode-se dizer que a ampla defesa é uma garantia constitucional que assegura ao acusado a mais ampla defesa – entenda-se defesa em sentido amplo – dos fatos que lhe estão sendo atribuídos. Observando- se que a ampla defesa pode ocorrer das mais diversas formas, contudo, existem duas modalidades que são de extrema importância no âmbito do processo penal, que são a defesa técnica e a autodefesa.
Destaque-se, por ultimo, que a defesa técnica é um direito indisponível, enquanto a autodefesa é totalmente disponível. Frisando que o acusado pode renunciar a autodefesa, contudo ela é necessária para o magistrado, assim, ele deve sempre conceder a oportunidade do réu exercê-la, cabendo somente a este decidir se irá utilizar ou não a ocasião para efetivar o seu direito.