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Apontamentos acerca da responsabilidade pré-contratual

Apontamentos acerca da responsabilidade pré-contratual

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Sumário: 1. Introdução. 2. Breves Considerações Acerca da Responsabilidade e Tipologia no Direito Privado. 3. O Processo Contratual Enquanto Justificativa de uma Responsabilidade Pré-contratual. 4. Acerca da Confiança e da Boa-Fé Objetiva. 5. A Responsabilidade Pré-contratual sob o Prisma do Direito do Consumidor. 6. A Fase de Negociação e os Deveres dos Possíveis Contratantes. 7. Os Deveres Específicos na Fase da Oferta. 8. Disposições Finais. 9. Bibliografia. 10. Notas


1. INTRODUÇÃO

No Brasil, há um certo tempo, ingressou-se na justiça com uma ação a respeito da publicidade de um aparelho de TV estéreo, o primeiro no país, na qual se veiculavam as vantagens para o consumidor em sua obtenção. Na exibição, não foi devidamente informado que a qualidade de som estéreo dependeria da aquisição de outra peça específica, além do aludido aparelho. Casos como esse são vislumbrados ordinariamente e exibem a regra da posição de hipossuficiência do consumidor nas relações consumeristas, especificamente nesse caso quanto à obtenção de informação clara e completa sobre o produto que se deseja adquirir.

Com a complexificação de produtos e serviços, a incompreensibilidade para o consumidor cresce em relação àqueles juntamente com sua posição de fragilidade, dando legitimidade à obrigação de informar coerentemente, corolário da regra de conduta objetiva infra-analisada.Aquele que fabrica ou disponibiliza à venda um produto tem o dever de indicar o seu modo de emprego e como utilizá-lo corretamente, assim como alertar para possíveis "contra-indicações" do bem ou serviço.

Ainda, de se inolvidar emergirem princípios outros que são bases dos apontamentos expostos neste estudo, quais sejam, o dever de informar o consumidor por parte do fabricante, o dever de não abusar etc.

A ratio de tais deveres é centrada no princípio da boa-fé entre as partes, exigida igualmente antes, durante e após a relação entre fabricante-prestador e consumidor. Através da informação, deve-se evitar danos supervenientes ao que adquire, exibindo uma nota hierarquicamente superior da prevenção quanto à reparação, ou seja, atualmente existe como que um mecanismo preventivo a proteger o hipossuficiente e que é preferível à reparação pela situação danosa que se lhe cause.

De tal maneira, fica obrigado o prestador ou fornecedor a informar de modo manifesto e mais claro possível, com dados exatos, verazes e completos sobre quantidade, qualidade, preço, composição, dentre outros, a fim de que qualquer indivíduo de mediana inteligência possa ser capaz de optar pela concordância ou não, conscientemente, de ingressar no vínculo negocial ou mesmo iniciar sua entabulação.

Exatamente do não cumprimento da norma de boa-fé, como aqui em comento, nas fases da relação pactuada é que surge a possibilidade de incidir responsabilidade, como castigo, sobre o agente obrigado a atuar de forma a não vulnerar as máximas legais e sociais. Para o caso de a improcedência comportamental sobrevir no momento de iminência contratual, ou seja, por ocasião de conhecimento e tratativas por parte do consumidor/contratante acerca do produto ou serviço, há a incidência da responsabilidade pré-contratual subseqüente à omissão ou mascaramento da informação, falta de diligência ou mesmo má-fé da outra parte.

Nesta perspectiva preliminar, propomos o presente estudo.


2. BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA RESPONSABILIDADE E TIPOLOGIA NO DIREITO PRIVADO

Devidamente inspirado nos anseios de justiça do ser humano, emerge o senso de responsabilização de um agente por um dano que este tenha provocado ou cujo resultado lhe seja de alguma forma imputado, em face de outrem, a quem logicamente será devida a compensação ou ressarcimento. A tradição traz à existência o princípio clássico "In lex Aquilia et levissima culpa venit" segundo o qual, desde que haja a culpa, o agente vincula-se a indenizar a vítima, não importando o grau deste elemento subjetivo.

Entende-se, subseqüentemente, responsabilidade como obrigação que vincula um sujeito perante outro, em razão de um prejuízo causado, atribuído ao responsavelmente vinculado por fato próprio, ou de pessoas ou coisas que daquele exalam dependência.

A priori, necessária apresenta-se a tipologia no Direito Privado atentando para as seguintes distinções.

A dicotomia responsabilidade civil x responsabilidade penal é a primeira das propostas no presente estudo. É fato que nem sempre existiu tal distinção como se observa em tempos de hoje. No Império Romano, não havia diversidade entre uma e outra espécie de responsabilidade; "tudo, inclusive a compensação pecuniária, não passava de uma pena imposta ao causador do dano". [1]

Hodiernamente, a distinção surge e alerta para o fato de a ação ou omissão de um determinado agente acarretar a imposição de responsabilidade civil ou penal, isoladamente, ou ambas concomitantes.

Enquanto a responsabilidade penal faz-se agir devido à imposição de norma de direito público e o interesse eminentemente lesado é o da coletividade, tendendo à punição (forma mais grave de reprimenda), a responsabilidade civil sobrevém à ocorrência de ultraje a interesse privado, curvando-se à reparação ou compensação do evento danoso. Nessa espécie de responsabilidade, não é o réu senão a vítima que enfrenta entidades poderosas, como multinacionais ou o próprio Estado [2]. Além disso, qualquer ação ou omissão pode ser estopim para detonar a responsabilidade civil, a despeito da penal na qual a tipicidade é um dos requisitos genéricos e basilares. Finalmente, quanto à imputação penal, a culpabilidade é menos ampla que na civil, segundo aquele princípio (In lege Aquilia et levissima culpa venit), pois que a nota é de pessoalidade e intransferibilidade, tendo sua efetuação, em último caso, com a privação de liberdade.

Momentos há em que o não cumprimento do dever por parte do agente causador de dano é gerado de um inadimplemento de avença entre os componentes da relação, e há casos nos quais a infração de um dever legal acarreta incidência de responsabilidade. Nas duas situações, os requisitos para imposição de responsabilidade foram atingidos, mas a origem foi diversa. Enquanto discussão acerca da gênese do dever de reparar, pode-se diferenciar outras duas espécies de responsabilidade, a saber, a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontrato, por vários alcunhada aquiliana.

O que se exibe é que, enquanto na responsabilidade contratual há o descumprimento do pactuado, tornando-se o agente danoso inadimplente, na responsabilidade extracontratual há infração de dever legal a despeito de prévio vínculo jurídico entre vítima e causador do dano. Nessa última, cumpre ao agente lesivo, qualquer que venha a ser ele, a reparação do prejuízo, enquanto dentro do campo da responsabilidade contratual o menor só se vincula assistido por seu representante legal. Ademais, na responsabilidade aquiliana a vítima possui o encargo de demonstrar a culpa do agente causador do dano, o que dificulta sua posição (diga-se de passagem); enquanto na outra espécie, demonstrado pelo credor que a prestação foi descumprida, o onus probandi converte-se para o inadimplente, que terá de evidenciar a inexistência de culpa por sua parte, ou a existência de qualquer uma das excludentes da responsabilidade, elencadas em parágrafo subseqüente.

"Maneiras diferentes de encarar a obrigação de reparar o dano". São as palavras de Sílvio Rodrigues [3] ao explicar que responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva não são duas formas diferentes de responsabilidade, senão ângulos de visão de um quadro. A primeira delas, a subjetiva, tem a culpa como fundamento da responsabilidade civil, em uma clara influência da teoria clássica. Em contrapartida, a objetiva, funciona através de uma imposição legal de reparação sem culpa, ou seja, satisfaz-se somente com dano e relação de causalidade, sendo firmada na teoria do risco.

O Código Civil Brasileiro traz a teoria subjetiva, fundamentada na culpa, em sua prescrição ordinária. O art. 159 do antigo Código Civil erige dolo e culpa como fundamentos para a obrigação de reparar o dano, seguindo a tradição e a orientação estrangeira. O Código Civil de 2002 traz novel redação em vista de seu equivalente, o art. 159 da obra de 1916. Na antiga disposição há a determinação de que "aquele que viole direito ou cause prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano", em outros termos, a partícula disjuntiva "ou" dá margem à interpretação errônea de disposição alternativa, quando na verdade o que se quer dizer é que tanto a violação de direito como a ocorrência de dano são necessárias à indenização. O Novo Diploma corrige a disposição cambiando a partícula disjuntiva pela aditiva "e", conferindo o verdadeiro sentido da norma. Igualmente, é de importância citar que a responsabilidade objetiva também é aplicada, sendo exceção à regra e prevista nos artigos 1527 a 1529 do CC/1916, dentre outros. [4]

Em verdade, diz-se que o art. 186 e o art. 927 do Novo Código Civil são conjuntamente a correspondência ao art. 159 do atual Código com devidas alterações e melhoria de redação, corrigindo imprecisão terminológica. Também há de salientar que o Novo Código contribui com uma organização de dispositivos sobre Responsabilidade Civil, devidamente elencados nos artigos 927 usque 954, título X, Livro I, Parte Especial da nova Lei. Pela primeira vez, reúnem-se os dispostos sobre o tema responsabilidade, fazendo algumas alterações importantes e necessárias.

Apreciando-se, portanto, o codex civil brasileiro, não importa se o atual ou o de vigência finda, vislumbram-se os pressupostos para que um agente seja compelido a se responsabilizar por dano a outrem. São quatro os requisitos: ação ou omissão do agente, culpa do atuante, liame de causalidade e dano experimentado pela vítima.

O primeiro deles, a ação ou omissão do agente, refere-se tanto a um ato próprio do agente danoso como a um ato de terceiro ou de coisas, incluem-se animais, sob guarda ou proteção do mesmo. Assim, tanto o ato positivo do agente como a negativa de conduta podem ensejar imputação sobre si.

Tal referência à ação ou omissão do agente traz à baila importante distinção entre negligência e imprudência, termos em que a maioria dos autores teima confundir. No que pertine à responsabilidade pré-contratual, a negligência é a falta de informação, ou seja, a conduta negativa. Doutra feita, a imprudência é a falsidade da informação, isto é, a ação positiva. Assim, para receber quaisquer indenizações, a vítima deve provar, apesar das dificuldades de se a evidenciar, a culpa do agente, seja negligente, seja imprudente.

No século XIX, o grande jurista Rudolf von Jhering adotou verdadeiramente uma posição de vanguarda ao afirmar a existência da responsabilidade antes mesmo da formação de contrato. Segundo o ilustre, a idéia de responsabilidade pré-contratual reside na culpa. No momento da formação contratual, para Jhering, há a mesma diligência exigida no período de execução, surgindo então o famoso conceito de culpa "in contrahendo", que assim é denominada por ser contraída durante a formação do contrato em um âmbito de responsabilidade de índole contratual na sua concepção [5].

Caso deseje extinguir ou atenuar o dever de reparar dano à vítima, o agente deve fixar-se nas alegações de excludentes da responsabilidade, a saber, a culpa da vítima, fato de terceiro, o caso fortuito (ação de poderes da natureza contra os quais não se pode lutar ou impedir sua ocorrência ou suas conseqüências) e força maior (poder irresistível) e a cláusula de não indenizar. Dessa forma, por instância e como havíamos supradito, o grau de culpa da vítima pode diminuir a obrigação do agente, ou até mesmo extirpá-la (compensação). Basta que haja a análise de se a culpa da vítima foi exclusiva, razão de exclusão total da responsabilidade de reparar, ou se foi concorrente, o que ameniza a reparação de dano. Outro ponto bastante controvertido é a possibilidade, ou não, de haver entabulação acerca da cláusula de não indenizar, a qual livraria o agente do dano de qualquer reparação perante a vítima em potência, pelo fato de ela mesma havê-lo desobrigado de tal vínculo.


3. O PROCESSO CONTRATUAL ENQUANTO JUSTIFICATIVA DE UMA RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL

Como já ressabiado, a responsabilidade "contratual" (entendida lato sensu como a proveniente dum vínculo não só legal) não se implementará apenas no decorrer da vigência de uma relação jurídica formalizada e tipificada dogmaticamente como contrato, pois este é apenas a materialização para fins de segurança e garantia jurídica de que ambos os sujeitos cumprirão o que fora acordado pela vontade e liberdade de cada um deles, respeitando e atendendo as expectativas do outro que tenha agido com honestidade e boa fé.

É pacífico na doutrina civilista que o contrato seria a fonte "natural" e primeira das obrigações e, por inferência lógica, das responsabilidades tipificadas como contratuais ou não-aquilianas. Mas ao se reportar à conceituação do mesmo pode-se incorrer no sutil, mas comum, equívoco de se limitar à referência a uma relação jurídica entre dois sujeitos em virtude de um objeto e estabelecendo uma vinculação formal geralmente documentada. Não há considerar tal simplicidade ao abordar o problema, particularmente dentro da perspectiva da doutrina que já permeava o Código Brasileiro de 1916, no qual contrato é tido como "negócio jurídico" caracterizado pela manifestação da vontade humana, em acordo com outra, expressa na intenção de gerar efeitos jurídicos. Não se deseja aqui entrar no mérito de discutir, por ora, a pertinência jurídica de tal apreciação, mas vale aplaudir a iniciativa de definir a partir da essência e não das partes.

Segundo Enzo Roppo [6], o contrato não seria um elemento constatável da realidade física, mas ulteriormente externado numa seqüência de atos e comportamentos humanos que caracterizariam um processo. Seus principais esteios seriam a vontade e a liberdade de contratar, sem invadir a seara da competência exclusivamente pública e respeitando os ditames jurídicos no que se refere à capacidade do agente, forma e atributos legais do objeto.

Se, por um lado, a aferição da autonomia da vontade parece de uma subjetividade filosófica incompatível com a fundamentação positiva do direito de contratar e das obrigações decorrentes do mesmo, por outro, autores como Luiz Fachin atestam que é possível se deduzir a vontade de contratar a partir de comportamentos concludentes, casos em que a pactuação não é exclusivamente expressa a partir de uma declaração de vontade dimanada a teor da linguagem, mas também de atitudes outras as quais podem-se considerar manifestações tácitas da vontade [7] subsumidas na experiência.

De fato, mesmo o silêncio, assim como qualquer comportamento que revele de modo inconteste a intenção em, de acordo com as circunstâncias vigentes, realizar e fazer executar um contrato, tem o valor jurídico de justificar a existência de obrigações não decorrentes da defesa do interesse contratual positivo, ou seja, aquele de realizar o adimplemento, mas do que se chama interesse contratual negativo referente à ofensa à confiança [8]. Quer dizer, não é imprescindível que para uma responsabilização por violação do dever de conduta constate-se a verificação de um vínculo pactuado, pois é juridicamente conveniente que não se tutele apenas o campo dogmático-contratual (referente ao conteúdo e legalidade das cláusulas), mas também as probas intenções ao negociar das pessoas concretamente envolvidas.

Isso é legítimo, pois, se o contrato possui a qualidade de em regra ser obrigatório, quem o celebra de alguma forma se preparava desde outrora para que suas cláusulas fossem passíveis de cumprimento, e esperava o mesmo empenho da outra parte. Noutras palavras, existe, desde o momento da manifestação da vontade de contratar (determinado já pela existência de comportamentos concludentes), um compromisso entre aqueles que negociam, o qual pode ser interpretado como um vínculo da mesma natureza do que enseja a imputação por um "lesionamento contratual" – de responsabilização.

Destarte, durante as negociações, cada um dos contratantes terá que zelar pela retidão, honestidade e boa fé para que uma eventual desistência de contratar não represente prejuízos financeiros ou morais injustos para a outra parte. Tal atitude, como é cediço, viabiliza a confiança mútua entre os que contratam, facilitando um diálogo mais fluente, primordial ao equilíbrio da relação e se converte na garantia jurídica de que as discussões prévias à formalização do contrato, nas quais cada um defenderá seus interesses buscando um acordo que melhor faça convergir as vontades em questão, não representem qualquer prejuízo.

A responsabilidade pré-contratual surge, então, como um incentivo e uma garantia à fundamentação do contrato dentro da perspectiva de zelar por sua função social. Ora, se num sentido amplíssimo qualquer relação humana tem uma determinada natureza contratual (se se é moralmente responsável pelo que se cativa), seria pouco ético, como incongruente, que o Direito não reconhecesse a responsabilidade decorrente de pré-contratações corroboradas por manifestações de vontade juridicamente relevantes que, na verdade, constituem a essência dos contratos.

Sem dúvida é bastante dialética a relação de derivação entre os conceitos de contrato, obrigação, responsabilidade e vontade. Se a princípio temos que a vontade é a fonte dos contratos, que por sua vez ensejam obrigações fundamentadoras de responsabilidade, a mesma vontade denota a existência de uma responsabilidade, ligada ao conceito de capacidade (jurídica, econômica e intencional) em assegurar o cumprimento das obrigações acerca das quais um possível contrato possa deliberar.

Portanto, vale observar o negócio jurídico, seus caracteres e efeitos como constituintes de um complexo encadeamento de manifestação de vontades e obrigações, inerente aos relacionamentos humanos que a partir de um determinado momento adquirem relevância jurídica por culminarem numa espécie de responsabilidade que antecede um encontro volitivo firmado formalmente, em virtude da possibilidade concreta de danos reais por recusa ou desistência injustificadas em contratar. Assim, vê-se que as implicações contratuais não se iniciam e encerram nos parâmetros formais de celebração e de extinção, mas possuem eflúvios que precedem e sucedem o vínculo estrita e fixadamente contratual.


4. ACERCA DA CONFIANÇA E DA BOA-FÉ OBJETIVA

Embora a boa-fé seja um princípio norteador das relações jurídicas privatísticas desde os clássicos tempos romanos (bona fides), sua modalidade objetiva deriva mais precisamente do direito germânico enquanto dever de cumprimento da palavra dada em jura.

Presente pioneiramente no Código Napoleônico em seu artigo 550, porém sem descambar em qualquer dever, a boa-fé objetiva será uma das bases da responsabilidade pré-contratual propagada a partir da jurisprudência alemã para as legislações civis de países como Portugal (CC art. 227/1 – culpa na formação do contrato), Itália (CC art. 1175 e 1337 – "regole della corretezza") e Estados Unidos (Uniforme Commercial Code Seções 1-201 e 1-203 – "on good faith") [9].

Na legislação pátria tal princípio estará evidenciado principalmente no Código de Defesa do Consumidor em seus artigos 4, III e 51, IV, bem como na Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002, instituidora do Novo Código Civil, em seus artigos 112, 113, 421 e 422. Fora isso, temos apenas referências indiretas sobre as quais a jurisprudência pátria se baseia para fazer alusões interpretativas; dentre tais podem-se citar: artigo 4º da LICC, artigos 85, 109, 112, 1002, 1073, 1404, 1405, 1438, 1443 e 1444 do Código Civil de 1916, o artigo 131 inc. I do Código Comercial e o Código de Processo Civil em seu Artigo 14 inc. II [10].

De fato a maioria das referências citadas versará sobre o enfoque subjetivo da boa fé, o qual se deve diferenciar daquele presentemente tratado. Como é comum na doutrina, a boa-fé subjetiva atentaria ao animus de licitude na relação intersubjetiva enquanto, por sua vez, a boa fé objetiva seria um paradigma de comportamento esperado de um ser humano probo e escorreito. Em outras palavras, enquanto a modalidade subjetiva pode ser entendida como a intenção de agir conforme o Direito, a objetiva impõe um dever de conduta, uma norma de comportamento em acordo com padrões socialmente recomendados de idoneidade moral para não frustrar as expectativas de um outro contratante.

Ao mesmo tempo em que "cria" obrigações anexas ao contrato, evitando conflitos relacionados à violação do dever de confiança em virtude de condutas sociais que contrariem determinados deveres pré-contratuais, tratados a seguir, a boa-fé objetiva limitará o exercício abusivo dos direitos em acordo com o dever constitucional de se observar a função social do contrato [11].

Desde que os ordenamentos jurídicos evoluem da influência de um liberalismo radicalmente individualista para as moderações sociais do Estado Democrático de Direito, o dever de respeito à dignidade humana tem sido imposto em todos os âmbitos de atuação estatal: seja numa esfera legislativa, em que se buscam incluir normas definidoras de princípios sociais, seja na orientação de que o judiciário zele pelo predomínio do valor humano e pela proteção daqueles contratantes em desvantagem evidente nas negociações contratuais e freqüentemente à mercê de uma igualdade aparente nas relações obrigacionais. Isso significa que, hoje, quando já iniciado o processo contratual a partir do estabelecimento das primeiras negociações, as pessoas terão liberdade para formalizar ou não o negócio jurídico, desde que valorizando a confiança depositada pelo pólo oposto da relação dentro da perspectiva de não ser traído, ou prejudicado por negociações intencionalmente infrutíferas.

Em termos práticos, a boa fé-objetiva deve reger todo o período pré, entre e pós-contrato (dentro daquela concepção de contrato como processo, a que nos reportamos), enquanto justificadora da responsabilidade decorrente do descumprimento das obrigações conexas por ela engendradas. Particularmente, referindo-se à pré-contratação, tal princípio se aplica e desencadeia efeitos jurídicos obrigacionais quando da recusa arbitrária em contratar ou da desistência de um contrato já "entabulado".

No primeiro caso, pode-se invocar a exigência sociológica de que cada um cumpra a função inerente à atividade que escolheu exercer sem discriminações arbitrárias ou espúrias quanto ao usufrutuário dos serviços prestados, ou comprador dos bens postos à disposição do mercado. Ora, se por um lado ninguém é obrigado a vender ou a oferecer um serviço, quando se dispõe a fazê-lo, tem o dever de contratar com todo aquele que de boa índole e de plena capacidade civil e econômica o busca para tal.

Podemos citar, por exemplo, o caso de um farmacêutico que se recusasse a vender remédios a determinado desafeto seu, ou a um negro, ou a um qualquer do vulgo. Ocorre que a insistência em não efetuar o negócio contraria os fins econômicos e sociais do contrato (o suprimento de determinadas necessidades sociais versus a aferição de lucros pelos empresários), além de serem repulsivas à moral e aos bons costumes razões tão fúteis para se frustrarem as expectativas de quem deseja comprar. Sendo assim, evidencia-se a responsabilidade do comerciante em indenizar os danos decorrentes de uma eventual situação constrangedora ou vexatória para quem confiou na sua intenção de contratar e foi injustamente repelido por conveniência ou comodismo pessoal ou de terceiros.

Por sua vez, enseja também responsabilidade a desistência repentina e injustificada das primeiras negociações. Os problemas se configuram juridicamente quando a análise das circunstâncias, nas quais se encontram as preliminares contratuais, permita deduzir que ambos os negociantes possuem uma inclinação sincera e iminente à realização do contrato em questão e um dos postulantes toma a decisão arbitrária e abusiva de romper com as tratativas. Ora, dependendo do caso, a parte que confiava na realização do contrato abortado e é surpreendido pela atitude de outrem pode ser seriamente prejudicado, inclusive em termos materiais em virtude de uma série de atos preparatórios onerosos em termos de tempo e dinheiro que visavam sinceramente a possibilitar ou facilitar as negociações (viagens, documentos etc.).

Inclui-se nessa hipótese o exemplo de quem se propõe a vender um imóvel a outrem e, marcado o encontro para resolver a transferência de escrituração, desiste do negócio em virtude de uma proposta melhor ou de uma feita por amigo íntimo. O comprador originário no caso, pode ter vindo de outra cidade e preterido a possibilidade de adquirir outros imóveis além de ter acertado a entrega da moradia da qual ele era inquilino na perspectiva de se mudar para sua nova casa de acordo com os prazos definidos naquelas negociações. Não seria justo que esse comprador arcasse sozinho com os prejuízos em virtude de uma desarticulação unilateral e arbitrária do contrato pelo proprietário quando o comprometimento negocial já se encontrava adiantado.

Cabe, neste caso, a reparação pelo ocasionamento do eventus damni, uma indenização por responsabilidade pré-contratual adequada às particularidades da situação de prejuízo da vítima e capaz de reprimir a desobediência ao dever de lisura e confiabilidade a que procedeu o alienante, o qual podendo se comportar de modo objetivamente tendente à venda a um sujeito determinado recuou injustamente faltando com sua palavra ou uma sua qualquer externação convincente.

Na perspectiva da concepção do contrato como um processo, pode-se aludir aqui ao desrespeito de um compromisso de natureza análoga ao do princípio da obrigatoriedade contratual (pacta sunt servanda). Busca-se, ao invocar a boa-fé objetiva como norma de conduta, promover a garantia de que as obrigações decorrentes da manifestação de vontade por qualquer espécie de comportamento concludente terão tutela jurídica originando, pois, responsabilidade.


5. A RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTATUAL E O DIREITO DO CONSUMIDOR

A análise da temática no âmbito do Direito do Consumidor faz-se essencial, seja por trazer a discussão de novos institutos e teorias ao Direito Civil, seja pelo caráter supletivo que o Código do Consumidor veio a ocupar ante a lacuna deixada no campo do direito privado brasileiro, com a demora de atualização do Código Civil.

Para que possa haver uma melhor visualização do fenômeno da responsabilidade pré-contratual, a análise privatista costuma dividi-la em dois feitos: a recusa de contratar e o rompimento das negociações preliminares [12], como visto anteriormente. Analogamente, pode se fazer uma outra distinção em campo de estudo dividindo o processo pré-contratual em duas etapas distintas: a de negociação e a da oferta.

Este aparte é necessário não só pelo cunho didático, mas por terem estas fases recebido tratamento jurídico diferenciado, pois a negativa de cumprimento da oferta tem suas conseqüências postas em dispositivos legais, o que não acontece com os possíveis danos decorrentes da fase de negociação, que têm, constantemente, de se inspirar em o princípio geral da boa-fé objetiva. A oferta já traz uma manifestação de vontade inequívoca de contratar e, enquanto não revogada até o momento legalmente permitido, é obrigatória [13]. Já as negociações preliminares não traduzem uma vontade definitiva de vincular-se ao contrato [14]. São tratativas. Inobstante isso, não se pretende indicar que os efeitos decorrentes da quebra dos deveres da fase de oferta estejam integralmente disciplinados no CDC, tendo que muitas vezes o aplicador recorrer aos citados princípios para uma plausível resolução do caso. Será necessária a análise das circunstâncias concretas para a distinção de cada um dos fenômenos in casu.


6. A FASE DE NEGOCIAÇÃO E OS DEVERES DOS POSSÍVEIS CONTRATANTES

O contrato necessita de um período anterior a sua formação de discussões e ajustes para sua melhor adaptação à vontade dos contratantes. Período este que pode ser mais ou menos longo e complexo quando, v.g., o contrato envolve interesses econômicos relevantes ou quando há necessidade de se observarem diversos dispositivos legais.

Existe, portanto, a necessidade de amadurecimento das tratativas para que se culmine na realização do contrato. É a esta fase que nos reportaremos agora e que denominaremos negociação.

Se, pelo citado nos demais itens, comprova-se a orientação da responsabilidade pré-contratual pelo princípio da boa-fé (confiança), é de se apreender, na fase de negociação, alguns deveres derivados deste preceito que hão de ser observados pelas partes com intuito de evitar dano à outra, ora para evitar os vícios de vontade, ora para permitir a realização do contrato. Referimo-nos aos deveres de lealdade, de bem-informar e de não abusar.

Tais incumbências, que segundo parte da doutrina são secundárias na relação contratual, apresentam-se, em verdade, como essenciais no estágio de negociação [15]. Isso de tal forma é, que remansa o fato de que a sua não observância dará sanchas à indenização por perdas e danos porventura existentes pelo desrespeito à máxima da confiança.

O dever de lealdade, consiste, segundo o Professor Antônio Junqueira de Azevedo, numa exigência de confidencialidade [16]. O Código de Defesa do Consumidor não se refere expressamente a esta carência legal. Importa ressaltar ainda que não há de se confundir o supradito, que é anterior à realização do contrato, com o explicitado no inc. VII, do art. 39 – sobre repasse de informações depreciativas - que é posterior ao contrato, como se nos apresenta.

Decerto, há uma dada dificuldade de utilização do princípio no Direito do Consumidor, devido à natureza das relações de consumo em serem mais propícias aos contratos de adesão. Todavia a hipótese pode ocorrer, consoante exemplifica o Professor Azevedo, com o "médico plástico, que divulga o fato de artista conhecido o haver procurado; ou o advogado, que revela ter sido procurado por político que pretendia se divorciar" [17]. Consiste assim a lealdade, especialmente em relação ao dever de manter sigilo, num dever negativo resultante da cláusula geral de boa-fé objetiva.

Seguindo no estudo, o dever de informar reporta a uma negativa do estado silente deveras lesivo, decompondo-se, desta forma, nos deveres de esclarecer sobre as características do objeto do negócio; de aconselhar sobre as atitudes mais indicadas na realização do contrato para prosperidade das intenções da outra parte; e o de advertir, se houver riscos, dos danos que possam ser causados. Possui, portanto, gradação de austeridade, conquanto mais veemente haja de ser a cientificação. O inc. III do art. 6º do CDC incluiu o Direito à Informação como direito básico do consumidor, devendo o fornecedor "informá-lo sobre os diferentes produtos e serviços, especificações, características, composição, qualidade e preço, assim como os riscos que se apresentam."

Fundamenta-se a previsão no fato de poder a coisa tratada causar ao seu adquirente um dano ainda que não apresente ela qualquer defeito. O agravo, no caso, resultaria da má utilização do objeto, por falta de informação. Esse dever, segundo o insigne douto, "se limita ao conteúdo do contrato, especialmente as qualidades essenciais do objeto, e não à oportunidade ou vantagem do contrato (isto é, se a mercadoria dentro em pouco, vai ficar mais barata ou se há no mercado, outra superior pelo mesmo preço); quanto a esses dois pontos, vale a velha máxima caveat emptor, ‘cuide-se o comprador’". [18]

No mais, o dever de informar já era citado no Código Civil de 1916 em seu artigo 94, mesmo que de maneira genérica vez que "nos atos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa (...)". O dolo nos negócios jurídicos, como meio ou artifício de provocação do erro constitui ato ilícito, e mesmo acidentalmente acarreta a possibilidade de perdas e danos (art. 93 do CC/1916).

Arrematando o elenco ora proposto, cuidamos deixar assentado o dever de não abusar. Nos contratos, há sempre uma gama de interesses das partes negociadoras cuja harmonização constitui o objetivo mesmo da relação jurídica contratual. No exercício dos direitos que são frutos das possibilidades legais da liberdade e da vontade individual, o sujeito da relação não deve utilizar-se de uma posição de ascendência técnica, financeira ou de qualquer outra para beneficiar-se na relação através do prejuízo da parte alheia. Outrossim, ocorrerá abuso do direito quando uma certa faculdade seja exercida em termos que ofendam o sentimento de justiça dominante na comunidade social [19].

Antes do CDC e do atual pergaminho civilístico, o abuso do direito, como ato ilícito gerador de responsabilidade, ocorria como um princípio implícito decorrente da exegese e da análise a contrario sensu do art. 160 do CC. Porém com o novo Código Civil o dispositivo se aclara, consagrado que está o princípio no art. 187 rezando que "também comete ato ilícito o titular do direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes". O diploma de proteção do consumidor já havia dedicado uma seção as práticas abusivas (Seção IV, Cap. V) sendo que nesta apenas os incisos I usque V do art. 39 dizem respeito a fase pré-contratual.

Necessita o contratante, portanto, de observar este dever de não abusar, para evitar a nulidade dos atos e as indenizações, conseqüências de seu ato violador.

A última temática que devemos ter em atenção quando deste momento é a responsabilidade causada pela rutura abusiva das negociações. Diversos são os autores que indicam que o rompimento injustificado das tratativas iniciais é causa de responsabilidade pré-contratual. Entre eles, assinala Orlando Gomes [20] que "se um dos interessados, por sua atitude, cria para o outro a expectativa de contratar, obrigando-o, inclusive, a fazer despesas para possibilitar a realização do contrato, e depois, sem qualquer motivo, põe termo às negociações, o outro terá o direito de ser ressarcido dos danos que sofreu".

A grande dificuldade quanto à responsabilização por dano causado pela desistência de contratar refere-se à diferenciação entre quando esta decorre da plena utilização das faculdades legais ou quando decorre do abuso do direito de livre contratação.

Assim faz-se mister que o estágio das preliminares da contratação já tenha imbuído o espírito dos postulantes da verdadeira existência do futuro contrato [21] para que seja caracterizada a responsabilidade pelo dano, explicitando aquelas posições concludentes já ventiladas. Mesmo neste caso, é de se considerar que o desistente pode ter motivos relevantes para a abdicação, v.g., morte de parente próximo ou falta de idoneidade quanto ao outro contratante. Deste modo, a apreciação não pode ser generalista, mas específica para cada evento concreto.

Há que se inolvidar, ainda, que a legislação não explicita nenhum dispositivo quanto à rutura das negociações. Inclusive o CDC se revela omisso em relação ao tema, pelo que se haverá de socorrer no princípio geral de boa-fé objetiva para a argumentação do instituto em questão. Isto porque a responsabilidade decorrente da quebra repentina das tratativas funda-se na teorização da quebra da confiança como justificativa para a imputação do dano, alternativa intermediária entre a tradicional dicotomia da responsabilidade civil como resultante do contrato ou do delito.

Esta greta abismal, no âmbito do Direito do Consumidor, pode se dar tanto por parte do fornecedor, quanto do consumidor. Elucidativa a hipótese do pedido de reserva de produto, antes de qualquer contrato. O consumidor que desperta a confiança do fornecedor, e seguidamente a frustra, não indo buscar o produto, pode causar prejuízo; o fornecedor, por sua vez, se promete a reserva e depois não a logra, também pode causar dano ao consumidor. Esta base casuística será esboço para a justa apreciação do magistrado.

Por último, incumbe a ressalta de que não cabe propositura de uma ação de obrigação de fazer para que o desistente conclua o contrato, vez que, sendo a desistência de concluir o acordo lídima faculdade do que o propõe, a responsabilização não pode implicar efeitos de suplemento volitivo (diferente da adjudicação compulsória possível na promessa de compra e venda de imóvel). A quaestio se resolverá, outrossim, em perdas e danos.


7. OS DEVERES ESPEFÍCIFOS NA FASE DA OFERTA

Pelo já concebido, temos o contrato tal qual um processo, em que se perfazem etapas com seus diversos graus de importância. Daí, vê-se que na fase prévia à sua celebração dispõem-se o momento anteriormente analisado (negociação) e aquele que é, destarte, objeto de análise neste ponto.

Trata-se do período de oferta, que enseja igualmente certos deveres cujo inadimplemento, pautando-se no quesito da boa-fé objetiva, engendra uma conseqüente imputação por se constituir numa violação da expectativa ora traçada. Noutras palavras: gera aquilo a que nos temos referido na análise em tela: a responsabilidade pré-contratual.

Pelo caráter tecnicamente mais elaborado, e pela abrangência mais bem estruturada, continuaremos circundando o presente tópico prioritariamente à perspectiva do Código de Defesa do Consumidor (o que não nos retira da seara privativo-jurídica, que nos interessa).

Capta-se da Lei 8.078/90 que a oferta se assegura como uma proposição encoberta por elementos informativos ou disponibilizadores acerca de produto ou serviço, de alguma forma perpassada ao consumidor, fazendo este crer ter a sua frente uma intenção negocial a que conjuntará sua vontade. Isto é, vemos, outrossim, nesta definição dois âmbitos distintos de análise, equiparados e encampados por este momento da fase pré-contratual: a informação e a publicidade.

Ao nos referirmos sobre essa imputação ocasionada pelo dever constante da relação contratual em nosso momento anterior, haveremos sobressaltada a exigência de escorreição na veiculação de características de um bem economicamente apreciável. Contudo, a este dever de informação (que possui graus de austeridade diversos, conquanto variada seja a necessidade de apresentar a informação mais ou menos veemente [22]) passamos, por ora, ao dever da publicidade precisa.

Como insculpido no art. 30 e segs. do CDC, a oferta, anunciada em concomitância de prestação de informação ou de publicidade (a que se equipara), vincula o fornecedor àquilo que foi objeto da veiculação, visto que a oferta nos moldes apresentados integra, como expresso em Lei, o contrato próprio, mesmo que não se o tenha ainda celebrado.

Disto, não se nos mostra incoerência alguma, pois que tampouco se perdeu o espírito do texto (e vide para isso, i.e. sobre esta ampliação de abarcamento, o fato de que a veiculação pode atingir inclusive os consumidores equiparados de que fala o art. 29), como, ainda, que se buscou pautar pela idéia da norma de comportamento traduzida na expectativa em relação à conduta alheia, decorrente duma série de ilações a que tal esperança conduzia. Se o fornecedor (ou promitente, no Código Civil) se vale de elementos que além de informativos se mostram persuasivos (o que é definitivamente feito na publicidade), a expectação inculcada no receptor da mensagem gera, via de conseqüência, a obrigação de assim se conduzir como veiculou, nos quadros da pretensão dimanada. E não se enfadonhe o leitor ao perceber que toda a matéria se arrima, sobremaneira, no aspecto da confiança negocial.

Percebamos, assim, a circunscrição aqui proposta. Não há cogitar identidade sobre informação e publicidade, muito menos entre esta e a propaganda. O que se entende pelo dever de informar é a exigência de bem prestar, à ciência da outra parte, as características de premente explanação relativamente ao objeto do contrato. Diferentemente, havemos na publicidade, condutora da oferta (como aqui nos apraz em interesse), uma informação de vista persuasiva que busca engendrar uma vontade de contrair uma relação jurídica destinadamente econômica pela outra parte. E para efeitos de delimitação, asseguramos ser a propaganda uma veiculação qualquer de idéia que se pretende difundir [23].

Acontece que a conjuntura da oferta é francamente objetiva, e, em decorrência da rutura na expectativa e da frustração, aliados a todos os quesitos materiais inseridos, sujeita-se o violador do dever de diligência ao ressarcimento das perdas e danos (neminem laedere). E tal idéia se amplia, fazendo com que nela se busque a exigência de escorreição naquilo que é passado ao consumidor/contraente, e que visa a convencê-lo da firmação do acordo.

Não é outro, pois, o fundamento dos quesitos prescritos ao longo dos artigos 31/35 do CDC, pois que se gera, destarte, a obrigação de o contratante seguir aquilo que veiculou, bem como também se afere do artigo 427 do NCC e do 1.080 do Código Civil de 1916 ("A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio ou das circunstâncias do caso.").

Com efeito, a mostra do produto ou serviço, em caráter que visa a construir no potencial contratante um desejo consumista - i.e., a publicidade -, não se resume a elaborações metajurídicas. Inversamente, possui princípios que se encontram, inclusive, regrados em vários sistemas normativos [24], e que a tornam prenhe de higidez ética. Assim, pode-se citar, a título de exemplo, o princípio da identificação, pois que sendo um composto instigador da vontade de celebrar, a publicidade há de se reger pela diretiva da referência inequívoca ao produto ou serviço. Pauta-se, outrossim, pelo termo geral da vinculação contratual, cabendo que, como já se teve dito, a veiculação obriga o fornecedor às condicionantes apresentadas. Subordina-se, alfim, peremptoriamente ao princípio da veracidade, visto que, como se vê no artigo 31 do CDC, há que constar de informações corretas, claras, precisas e ostensivas.

Não nos cabe aqui exaustar as vicissitudes da conduta humana que se pode traduzir em desvio acerca da precisão, veracidade e escorreição da publicidade [25]. Seja enganosa, seja abusiva (nos termos do artigo 37 e §§), importa a nós que tal comportamento é hipótese/condição duma sanção jurídica, pois socialmente repugnante. Ressaltemos que o asseveramento da exigência deste dever pode descambar, inclusive, ao mais ofensivo gravame judicial previsto nos ordenamentos: a pena [26].

Inobstante as querelas a respeito de possíveis recomendações extrajurídicas, e saneamento dos vícios (como a contrapropaganda), que são de relevância mas neste apontamento descabidas, o que se quer propagar é o fato de que nos Sistemas Normativos corre, paralelo à liberdade de expressão, o direito dos demais indivíduos a não serem engabelados. O fornecedor/promitente expressa, em seu intuito lucrativo, o que quer, e pelo que disse se vincula. Daí que, mesmo estando em matéria pré-contratual, reconhece-se o alcance do dever de reparação ou compensação, conseguinte ao afronte, inclusive pelos danos futuros e pelas ocasiões frustradas com a quebra da confiança [27].


8. DISPOSIÇÕES FINAIS

Chegando ao arremate desta despretensiosa análise, importa grandemente que se concebam os dois fulcros diretivos pelo que, o que há de mais, só acrescenta aos aspectos basilares que reavivaremos agora.

No viés seguido, além de compreender o que seja responsabilidade pré-contratual, é de mister significação que se entenda o contrato (seja ele civil, seja consumerista, como outrora foi textualmente ressaltado) tal qual processo. Noutros termos, que se o perceba como uma seqüência de atos e fatos que se entrelaçam formando um vínculo ajustado de situações e efeitos jurídicos não limitados ao desenrolar contratual (celebração, desenvolvimento, adimplemento e extinção), mas que também o precedem e o sucedem. O Direito Positivo atribui alcances, resultados e produtos sucedâneos ao negócio jurídico propriamente considerado que o extrapolam e se estabelecem temporalmente além e, isto posto, aquém dele. Bem por isso, foi dentro deste ponto prévio que se elaborou a circunscrição do tema, e o trabalho foi ordenado.

Além disso, o segundo matiz se mostra tal qual sustentáculo sobre que repousa a própria justificação da responsabilidade pré-contratual: a boa-fé objetiva, tão querida na argumentação doutrinária e na vicissitude jurisprudencial, que acabou ganhando graça e guarida no Novo Código Civil (artigos 113 e 422, da Lei 10.406 de 10-1-2002).

Dividindo didaticamente o objeto em tela nos períodos de negociação e oferta, nada de crucial se apresentaria se não fossem conduzidos os apontamentos tendo sempre em vista a norma de conduta que se perpassa na expectativa do agir recíproco. O dever de informar, o de não abusar, o de veicular de forma escorreita e precisa, etc., não teriam sentido se não se dispusesse que o que gera a crença na formulação de um contrato (incluindo os contratos preliminares, que se reportam a uma firmação definitiva posterior) é tão conteúdo jurídico quanto os efeitos albergados pelo Ordenamento Jurídico em decorrência da autonomia da vontade.

Essas idéias foram razoavelmente expressas no noviço codex civil, como de plano já se as sentiram no CDC. A Lei 10.406/2002 vem farta em atendimentos aos reclamos da doutrina. Relata, outrossim, uma postura cambiante que encontrou nos Princípios Sociais [28] dum Estado Democrático de Direito assento mais conforme que as obrigatoriedades e subjetivismos dos Princípios Clássicos que orientaram a obra legal de 1916.


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10. Notas

01. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.15.

02. GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit.. p.17.

03. RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.11.

04. Cf. art. 927 par. único do NCC

05. SZAFIR, Dora. El consumidor en el derecho comunitario. Uruguay: Fundacion de Cultura. 1998. p.62.

06. FACHIN, Luiz Edson. O "aggiornamento" do direito civil brasileiro e a confiança negocial, in Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 121/122.

07. FACHIN, Luiz Edson. Op. cit. pp. 124/125.

08. FACHIN, Luiz Edson. Op. cit. p. 127.

09. FACHIN, Luiz Edson. Op. cit. pp. 135/136.

10. 15.SLAWINSKI, Célia Barbosa Abreu. A trajetória da boa-fé objetiva no direito brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=3120>. Acesso em: 10 abr. 2003.

11. MATEO JÚNIOR, Ramon. A função social e o princípio da boa-fé objetiva nos contratos do novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=2786>. Acesso em: 17 abr. 2003

12. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Ed. Atlas, 2002. v.2, pp. 477/479.

13. LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil: fontes das obrigações. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas de Bastos, 1964. v.3, p. 75.

14. VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit. p. 514.

15. A esse respeito, vide: MIRANDA, José Gustavo Souza. A proteção da confiança nas relações obrigacionais. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília. 2002. n. 153, p. 138; CORDEIRO, A. Manuel da Rocha e Meneses. Da boa-fé no direito Civil. Almedina: Coimbra, 1985. p. 583; MARTINS-COSTA, Judith. O Direito Privado como um "Sistema em Construção". In: Revista da Faculdade de Direito da UFGRS. 1998, v. 5, p.147/153.

16. AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Responsabilidade pré-contratual no Código de Defesa do Consumidor: estudo comparativo com a responsabilidade pré-contratual no direito comum. In: Revista de Direito do Consumidor n. 18, p. 27.

17. AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Op. cit. p. 27.

18. AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Op. cit. p. 28.

19. ALMEIDA COSTA. Mário Júlio de. Cadernos de Direito Privado. Universidade Federal Fluminense - Faculdade de Direito, Rio de Janeiro, n. 1, 1978, p. 51-68.

20. GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2 ed. São Paulo: RT, 1980. p. 69.

21. VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 477.

22. FRADERA, Vera Maria Jacob de. O Dever de Informar do fabricante. In: Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, 1990. n.656. p. 53

23. SZAFIR, Dora. Op. cit. pp. 62/63.

24. Vide, neste sentido, a España Ley General de Publicidad de 1988, que declara expressamente o que entende por publicidade. Em outras ordenações, como no Brasil, não há tal definição, mas sempre se encontram disposições que regulam seus efeitos e proscrevem seus desvios.

25. Para este fim, recomendamos FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direito do Consumido, São Paulo: Atlas, 1991, que procura relatar em pormenores todos os aspectos deste tema, inclusive as implicações penais.

26. Vide os artigos 66 usque 69 da Lei 8.078 de 11/09/1990 (CDC).

27. CHAVES, Antônio. Responsabilidade pré-contratual. 2ª ed. São Paulo: LEJUS, 1997, p. 247.

28. Dentre os quais podemos citar os constantes dos artigos 422, 478, 931 etc.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARRIBAS, Bruno Felipe; GOMES, Diego et al. Apontamentos acerca da responsabilidade pré-contratual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4152. Acesso em: 18 maio 2024.