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Direito e justiça

Direito e justiça

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O conceito de Justiça é algo que desde a antiguidade incomoda e instiga os filósofos a pensarem. Seguindo esta linha, o presente artigo tem como fito analisar o conceito de Justiça face ao Direito, tomando por base os grandes teóricos-juristas.

A JUSTIÇA

Kant acredita que o sujeito moral, para ser justo, deve sempre agir de maneira que a tônica de seus atos possa ser vista por todos como uma lei geral. Todavia, o problema dessa acepção de justiça é que não se tem como determinar que atos podem ser considerados genericamente obrigatórios. Já Kelsen entende que “justiça é a felicidade social, é a felicidade garantida por uma ordem social.” (Kelsen, 2001, p.2), é uma característica possível, porém não quer dizer que é necessária para a ordem social. Sendo assim, para ele, justiça é uma ordem que busca regular o comportamento dos homens com o fim de contentar a todos, de abrigar todos sob a felicidade.

Esse posicionamento de Kelsen muda o sentido subjetivo de justiça – em que o mesmo fato que é justo para um indivíduo pode não o ser para outro – para um sentido social: a felicidade da justiça e, assim, a felicidade subjetiva deve transfigurar-se em satisfação das necessidades sociais.

Para John Rawls, “cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar” e, “por essa razão, a justiça nega que a perda da liberdade de alguns se justifique por um bem maior partilhado por outros” (Rawls, 1997, p.4). Dessa forma, ele reitera que justiça é considerar invioláveis as liberdades da cidadania igual, ou seja, “os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo de interesses sociais” (ib idem). Essa é a teoria da justiça social de John Rawls.

Tomás de Aquino pontua que justiça é dar a cada um o que lhe é devido e ainda divide a noção de justiça em justiça legal e justiça particular. Assim, tem-se a justiça particular quando ela diz respeito ao que é devido a outro considerado individualmente e tem-se a justiça legal quando esta diz respeito àquilo que é devido a outro em comum ou à comunidade. Dessa forma, o objeto da justiça particular é o bem do particular e o da justiça legal é o bem comum.

O termo justiça legal ainda vigora nos dias de hoje, uma vez que, nas formas corretas de governo, cabe às leis determinar o que é bem de todos, da comunidade e, na medida em que ordena as ações humanas ao bem comum, a justiça legal, ou ainda, a virtude da justiça legal, inclui todas as demais virtudes morais, já que o bem de qualquer virtude, seja que ordene o homem a si mesmo, seja que ordene o homem a outras pessoas singulares, pode ser referido ao bem comum, ao qual se ordena a justiça legal.

Joaquim de Arruda Falcão assevera que, a priori, a justiça é uma só, que não há distinção entre justiça social e justiça legal, haja vista que “nos tempos modernos, a justiça enquanto ideal social foi apropriada pelo Estado e por sua ordem legal. Donde, para o senso comum, aplicar o direito positivo estatal e fazer justiça legal é caminho privilegiado e quiçá exclusivo de praticar justiça social” (Falcão, 1984, p.79). Todavia, ele questiona se justiça legal é necessariamente igual à justiça social ou será uma pretensão que pode não ser efetivada, ou seja, aplicar a ordem legal no Brasil é fazer justiça social?

Ele ainda pontua:

Ao falarmos de justiça, necessariamente falamos de direito, a instituição social que nas sociedades contemporâneas tem a pretensão de concretizar o justo. Neste sentido, o justo legal seria o valor social resultante da aplicação do direito legal (o direito positivo estatal), e o justo social o valor social resultante da aplicação do direito social (o direito positivo não-estatal). Por isto podemos também perguntar: Será que no Brasil de hoje existem dois direitos: um direito legal estatal e um direito social não-estatal? (FALCÃO, 1984, p.80)

Assim, ele acredita que a pretensão do direito estatal em se constituir na única forma jurídica da sociedade é uma ambição totalitária que dificilmente pode ser concretizada, já que, na maioria das vezes, o direito estatal é apenas hegemônico ou dominante e não é exclusivo. Isso porque, além das manifestações normativas estatais há as manifestações não-estatais, que assim como as primeiras, têm seu espaço na sociedade, ainda que não sejam completamente abarcadas pelo Estado.

Sobre justiça distributiva, Beauchamp e Childress (1994, p. 327 apud Mota) asseveram que

[...] refere-se à distribuição justa, eqüitativa e apropriada na sociedade determinada para justificar normas que estruturam os termos da cooperação social. Seu âmbito inclui as políticas que distribuem benefícios e responsabilidades diversas tais como a propriedade, os recursos, os impostos, os privilégios, e as oportunidades. As várias instituições públicas e privadas são envolvidas, incluindo o governo e o sistema de saúde. O termo justiça distributiva é usado às vezes amplamente para se referir à distribuição de todos os direitos e responsabilidades na sociedade.

Já para John Rawls, as desigualdades econômicas e sociais serão de tal modo combinadas que correspondam à expectativa de que deverão trazer vantagens para todos e que sejam ligadas a posições e órgãos ao alcance de todos. Assim, o princípio da justiça distributiva se aplica à distribuição de renda e riqueza ou oportunidades, constituindo-se na prioridade da justiça diante da eficiência do bem-estar. Ele busca associar justiça com liberdade e justiça com desigualdade, que são princípios independentes e não se pode defender um às custas do outro. É inadmissível que se troquem liberdades básicas por ganhos econômicos e, igualmente, jamais poderá ser sacrificada a liberdade, a não ser para criar mais liberdade. Rawls defende uma igualdade democrática que compreende a equitativa igualdade de oportunidade e a existência de desigualdade. A igualdade de condições no acesso às oportunidades deverá ser concedida a todos, sabendo-se, entretanto, que o resultado será sempre desigual. A desigualdade será aceitável como justa apenas quando trouxer vantagens para todos, a começar dos mais desfavorecidos pela sorte.

Em síntese, cabe à justiça distributiva reger a aplicação dos recursos da coletividade às diversas regiões ou setores da sociedade, além de disciplinar a fixação dos impostos e sua progressividade, a participação dos empregados nos lucros, na gestão ou na propriedade da empresa, aplicação do salário etc.

Na justiça distributiva, o sujeito beneficiário da distribuição é qualificado pela presença de uma determinada característica e, nesses termos, é um sujeito concreto. A título de exemplo, elencam-se alguns dos critérios que foram historicamente utilizados para configurar concretamente os destinatários de uma distribuição: mérito, trabalho, necessidade, posição. Para exemplificar a utilização dos critérios assinalados, pode-se fazer uma aplicação hipotética ao direito previdenciário, um dos ramos do direito mais diretamente ligados à idéia de distribuição. São conferidas pensões maiores a veteranos de guerra: a cada um segundo o seu mérito. Aqueles que decidem permanecer um tempo maior em atividade recebem mais do que aqueles que se aposentaram mais cedo: a cada um segundo o seu trabalho. Aqueles que nunca contribuíram, por não terem tido acesso a um emprego formal, depois de certa idade, receberão um benefício mínimo: a cada um segundo a sua necessidade. Determinadas categorias de funcionários poderão gozar de um regime especial: a cada um segundo a sua posição.

Como se vê, os indivíduos são posicionados como destinatários de um processo de distribuição, na medida em que possuem concretamente as características consideradas como causa da distribuição. Na distribuição, o ser humano é sempre considerado na sua concretude: pobre, trabalhador, funcionário público etc. O sujeito da justiça distributiva é, portanto, um sujeito concreto.

Já sobre justiça comutativa ele diz que cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras pessoas. De acordo com esse princípio, cada pessoa deve ter a mais abrangente liberdade, que deve ser igual a dos outros e a mais extensa possível, na medida em que seja compatível com uma liberdade similar de outros indivíduos. Esse princípio garante as liberdades básicas expressando a primazia pela liberdade, o que indica que só poderá ser estremada a serviço da própria liberdade.

Justiça comutativa seria então a virtude pela qual um indivíduo dá a outro aquilo que lhe é rigorosamente devido, observada uma igualdade simples ou real. A justiça comutativa tem a pluralidade de pessoas como a relação entre particulares. Assim, tem-se a justiça comutativa quando o comprador paga ao vendedor o preço que corresponde exatamente ao valor do produto vendido, ou quando o dano é reparado na medida do prejuízo causado pelo agressor à parte contrária.

Para Rawls, justiça tem um papel extremamente relevante na cooperação social e seu objeto primário é a estrutura básica da sociedade. Para ele,

uma sociedade é bem ordenada não apenas quando está planejada para promover o bem de seus membros mas quando é também efetivamente regulada por uma concepção pública de justiça. Isto é, trata-se de uma sociedade na qual (1) todos aceitam e sabem que os outros aceitam os mesmos princípios de justiça, e (2) as instituições sociais básicas geralmente satisfazem, e geralmente se sabe que satisfazem, esses princípios. (RAWLS, 1997, p.5).

Assim, entre indivíduos com propósitos e objetivos opostos, uma concepção partilhada de justiça propõe os vínculos da convivência social e a busca geral pela justiça limita a busca de outros fins, isto é, os indivíduos discordam sobre quais princípios definem os termos básicos de sua associação, mas cada um deles tem sua noção de justiça. Ou seja, “eles entendem que necessitam, e estão dispostos a defender, a necessidade de um conjunto de princípios para atribuir direitos e deveres básicos e para determinar o que eles consideram como a distribuição adequada dos benefícios e encargos da cooperação social” (Rawls, 1997, p. 6).

Para Rawls, os princípios da justiça são:

Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras.

Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos. (RAWLS, 1997, p. 64).

Esses princípios se aplicam à estrutura basilar da sociedade, governam a atribuição de direitos e deveres e regulam as vantagens econômicas e sociais. Entre o primeiro princípio está o direito de votar e de ocupar cargo público, liberdade de expressão e de reunião, de consciência e de pensamento, as liberdades da pessoa, incluída a proteção contra a opressão física e psicológica, direito à propriedade privada e à proteção contra a prisão arbitrária. O segundo se aplica à distribuição de renda e riqueza e às organizações detentoras de diferentes autoridades e responsabilidades.

Dessa forma, quando atendidos esses dois princípios, o primeiro e logo após o segundo, a justiça se posiciona com imparcialidade, haja vista que “essa ordenação significa que as violações das liberdades básicas iguais protegidas pelo primeiro princípio não podem ser justificadas nem compensadas por maiores vantagens econômicas e sociais” (RAWLS, 1997, p.64). Tem-se então que nenhuma dessas liberdades é absoluta, mas são ajustadas de maneira que formem um sistema único, que deve ser o mesmo para todos.

Desses princípios decorrem outros como a igualdade, donde se tem que “todos os valores sociais – liberdade e oportunidade, renda e riqueza, e as bases sociais da auto-estima – devem ser distribuídos igualitariamente a não ser que uma distribuição desigual de um ou de todos esses valores traga vantagens para todos” (RAWLS, 1997, p. 66).  

Aristóteles (apud Gramstrup) concebe os seguintes significados sobre o tema igualdade perante a norma ou igualdade na norma:

(a) igualdade numérica ou absoluta (tudo igual para todos): seria a distribuição de benefícios e ônus, em partes idênticas, a todos, criticável do ponto de vista da inverificabilidade. Não há notícia de Sociedade que não tenha efetuado alguma espécie de discriminação (nem de normas que assim não procedam: portanto, toda regra de distribuição seria desigualitária). Mas esta concepção tem alguma relação com a promessa feita nas declarações de direitos fundamentais, que, pelo menos em aparência, atribuiriam-nos equanimente a todos;

(b) igualdade proporcional (ou proporcional-quantitativa: a cada qual e de cada qual segundo certas características de grau variável): é a atribuição de benefícios maiores aos mais necessitados e ônus progressivos aos mais aquinhoados. A aplicação deste princípio depende da existência de uma regra de distribuição, cujo critério de materialização mais ou menos intensa a determine. Mas, neste caso, toda norma geral seria igualitária, por conter na hipótese elemento descritivo que serve de pauta à intensidade da distribuição;

(c) igualdade proporcional pelo mérito (a cada qual segundo seu merecimento): é uma variante da anterior, mas se tomando como característica decisiva o mérito individual relativo. O problema está na subjetividade da avaliação do mérito pessoal (é mais fácil determinar o valor relativo de coisas do que de pessoas), a reclamar a intermediação de critérios definidores, com o que, mais uma vez se reduz este caso ao da igualdade proporcional geral;

(d) igualdade pelas partes iguais ou proporcional-qualitativa (o igual aos iguais e o desigual aos desiguais): se tomado nesta pureza, resultaria, de novo, em que toda norma fosse igualitária, pois esta atribui ou exige conforme o atributo que designa como relevante, para identificar semelhança ou diferença.

Posto isso, Gramstrup chega à conclusão de que qualquer das definições atenderia as necessidades de igualdade perante a norma, mas a definição (a) não atenderia a igualdade na norma, porque ela, definição (a), é desnecessária e nos demais casos a aplicação do princípio reclamaria a intermediação de uma regra de distribuição.

Enfim, qualquer que seja a acepção de igualdade, há que se fazer uma comparação em algum grau de valoração, o que implica, invariavelmente em injustiça, já que é mais fácil comparar valores de coisas do que de pessoas.

Podem-se apontar inúmeras diferenças entre as convicções utilitaristas e a teoria da justiça como equidade rawlsiana, que possui arcabouço contratualista. A doutrina contratualista acredita que os valores imanentes e ditados pelo senso comum são de prioridade universalmente sólida, já a doutrina utilitarista aduz que esses somente têm características secundárias e configuram-se como uma ilusão socialmente útil. Percebe-se, por conseguinte, nessa comparação, que enquanto o utilitarista estende à sociedade o princípio da escolha feito a um único ser humano, a justiça como equidade sustenta que os princípios da escolha social e, portanto, os princípios de justiça, são eles próprios o objeto de um consenso original. (RAWLS, 1997, p. 30-31)

O utilitarismo diferencia-se da justiça como equidade, ademais, pelo seu caráter teleológico. O segundo instituto é uma teoria deontológica, que diferentemente do primeiro instituto não especifica o bem como independentemente do justo, ou não interpreta o justo como maximizador do bem, conclusão apresentada por John Rawls a partir de uma suposição acerca do valor de bem para a teoria utilitarista, o qual foi definido por ele como a satisfação do desejo racional. Não seria impossível, todavia, que a maximização do bem venha a ser realizada, entretanto seria apenas uma coincidência.

Difere-se o utilitarismo da teoria da justiça como equidade, por conseguinte, pois as instituições do primeiro não questionam a origem ou a qualidade dos objetos de desejo para o fomento do bem-estar social. O bem-estar social depende direta e exclusivamente dos níveis de satisfação ou insatisfação dos indivíduos. Se os seres humanos, por exemplo, têm prazer na discriminação mútua, então a satisfação desses desejos deve ser pesada de acordo com a sua intensidade de satisfação. Se a sociedade negar-lhes a satisfação, ou suprimi-los, é porque esses desejos tendem a ser socialmente destrutivos e um bem-estar maior pode ser obtido de outras maneiras. (RAWLS, 1997, p. 33)

Na teoria da justiça como equidade, entretanto, as pessoas aceitam de antemão um princípio de liberdade igual e o fazem sem conhecer seus próprios objetivos pessoais. Implicitamente, portanto, conformam-se com concepções de justiça ou pelo menos não fazem reivindicações que as violem diretamente. Os princípios do justo, e portanto da justiça, na visão rawlsiana, determinam limites estabelecendo quais satisfações são validas, determinam, portanto, quais são as concepções permeadas de razoabilidade para a consecução do bem pessoal. Ao se indagar acerca das suas aspirações os seres humanos devem estruturar seus desejos, pautando-se por essas restrições.

Ou seja, não se tomam todas as tendências e inclinações humanas como fatos admissíveis e que no porvir se deve procurar a realização. Rawls na sua teoria aduz que isso acontece ao revés e seus desejos e aspirações, na teoria da justiça como equidade, são restringidos desde o início pelos princípios de justiça que especificam os limites que os sistemas humanos de finalidades devem respeitar. Pode-se observar, destarte, que na justiça como equidade o conceito de justo precede o de bem. Essa prioridade de justo em relação ao bem se demonstra como a característica central da concepção da justiça como equidade. (RAWLS, 1997, p. 34)

Os limites iniciais estabelecidos aduzem o que é bom e quais as formas de caráter são moralmente dignas, e igualmente quais tipos de pessoas os seres humanos deveriam ser. Qualquer teoria da justiça estabelece alguns limites dessa natureza. No caso do utilitarismo ocorreria a exclusão daqueles desejos e tendências que, se incentivados ou permitidos no caso concreto, levariam a um menor saldo líquido de satisfação. (RAWLS, 1997, p. 34)

Esses desejos e tendências todavia só são mais bem explicitados na observação do caso concreto. O utilitarismo tem como característica uma grande dependência dos fatos e contingências naturais da vida humana para determinar que formas de caráter moral devem ser incentivadas numa sociedade justa. O ideal moral da justiça como equidade está mais profundamente incorporado nos princípios fundamentais de ordem ética. Isso é típico das concepções do direito natural (tradição contratualista) em comparação com a teoria da utilidade. (RAWLS, 1997, p. 35).

Sabe-se que a distribuição natural nem sempre será justa. Cabe indagar nessa teoria, porém, se a justiça das instituições é capaz de suprir diferenças que possam impedir o exercício de direitos iguais. As realizações pessoais nesse sistema podem ser possíveis, entretanto, devem melhorar ao mesmo passo a condição do outro e respeitar os limites imanentes do pacto que preservam a posição dos outros.

Conclui-se, portanto, segundo o pensamento rawsiano que uma sociedade bem organizada caminhará naturalmente e não ocorrerão desvios no caminho para a estabilidade das suas instituições. Assim, a sociedade sem estabilidade será aquela que convive com o desvirtuamento de seus poderes institucionais.

Direito e Justiça

O direito e a justiça são categorias que, ao longo da história, têm-se colocado ora em lados opostos, ora ao mesmo lado. Dá-se o antagonismo quando os ideais de justiça não encontram o que está exposto na ordem social. Ocorre a parceria no momento em que a justiça respalda uma ordem positiva ou quando esta ordem a persegue como um fim.

Os romanos, entretanto, perceberam que nem todo direito posto é justo. Tal constatação encontra-se, séculos antes, no povo grego, como retrata Sófocles, na obra Antígona. Nesta peça, a protagonista Antígona, filha de Édipo, se opõe à ordem imposta por seu tio, rei Creonte – de não enterrar Polinície, que havia tentado um golepe de estado –, por reputá-la injusta. Entre o povo hebreu também. Na Bíblia, encontram-se inúmeros relatos sobre a oposição dos profetas às ordens impostas pelos mais diversos soberanos. Esta oposição tem acompanhado a humanidade em seu percurso histórico.

Existem correntes teóricas que vislumbram a existência de um direito não estatal, o denominado direito alternativo, que consiste na idéia de que há um direito não criado pelo Estado, mas no meio social, que regula, da mesma forma, coercitivamente, a conduta humana. Não é transcendente, mas imanente, emergente, insurgente, achado na rua. Este direito é considerado, para os seus defensores, vivo, pois, além de atuante, encontra-se em permanente formação. Para esta concepção, a sociedade, historicamente, desenvolve formas distintas de soluções de conflitos. Este direito pode ter uma configuração democrática, como também bárbara, como as regras constituídas nas delegacias, prisões, criminalidade organizada etc.  Quando vinculado com os anseios legítimos da comunidade, há uma nítida relação com o ideal de justiça.

Outra doutrina de justiça é a veiculada por Jonh Rawls. Este parte da doutrina aristotélica de igualdade, como eqüidade, além da justiça distributiva, bem como da visão de contrato social de Lock, Rousseau e Kant. O contrato social, entretanto, não é visto como fundante do Estado, mas como acordo dos membros da comunidade com base em princípios da justiça. É pressuposto, para tanto, que os pactuantes partam de um lugar comum, qual seja, a igualdade de condições. Sendo necessário para a sua configuração que os acordantes não conheçam a sua posição originária, ou seja, não saber se é rico, pobre, feliz, triste etc. Nesta situação, as pessoas estariam encobertas pelo que denominou de "véu da ignorância". A partir desta posição seria possível um acordo pautado na justiça. Pode-se acrescentar, ainda, que todos os valores devem ser distribuídos igualmente, salvo se a distribuição desigual redundar em benefícios para todos. Para ele a justiça é norteada pelos seguintes princípios: a) cada pessoa terá direito a gozar das liberdades de forma mais extensa que seja compatível com a liberdade similar a dos demais; b) as desigualdades sócioeconômicas são justificáveis desde que sejam vantajosas a todos e que sejam vinculadas a posições e funções acessíveis a todos.

Outra versão é a de Pound, que na esteira do pragmatismo americano, considera a justiça a administração da solução que não afete a comunidade toda.

Noutra linha, surge Habermas com outra idéia de justiça. Para ele o direito funda-se entre a facticidade – quando as normas surgem do desígnio de um legislador político e cumprido em face da ameaça de sanção fundada no monopólio da força pelo Estado (o direito positivo) – e a validade – quando a normatividade é pautada em argumento racional ou aceitável. No direito, afirma ele, tem-se estes dois elementos: um caráter sacionador e um caráter autolegislador, já que o poder emana do povo. A tensão é resolvida, em Habermas, pela razão comunicativa. Esta distingue-se da razão prática de Kant. No idealista alemão, razão prática consiste em uma aptidão individual do sujeito que retira de sua conduta concreta a normatividade abstrata (imperativo categórico). Já a razão comunicativa baseia-se na pluralidade de indivíduos livres e iguais, orientados por procedimentos discursivos que chegam à norma. Ou seja, através da linguagem, os agentes sociais interagem e fundamentam racionalmente suas pretensões. Assim a justiça terá sempre por base um poder comunicativo jurígeno – criador do direito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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KELSEN, Hans. O que é justiça? a justiça, o direito e a política no espelho da ciência. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

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SITES CONSULTADOS

http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4386

http://www.webartigos.com/articles/22468



http://jus.com.br/revista/texto/9466/direito-e-justica#ixzz1vcXFDlxx


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