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Ética ambiental e o caput do artigo 225 da Constituição Federal do Brasil

Ética ambiental e o caput do artigo 225 da Constituição Federal do Brasil

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O objetivo geral da pesquisa foi o de analisar se o caput do art. 225 da CF positiva princípios de ética ambiental.

Resumo: O artigo discute o conceito de ética e ética ambiental e faz análise hermenêutica do caput do art. 225 da Constituição Federal de 1988 (CF). O objetivo geral da pesquisa foi o de analisar se o caput do art. 225 da CF positiva princípios de ética ambiental. O trabalho tem natureza aplicada, por meio do método exploratório, através do procedimento de pesquisa bibliográfica. Deste modo, no primeiro momento será averiguado o conceito de ética, para então adentrar no entendimento, e também conceito, de ética ambiental. A fim de se obter uma melhor compreensão, far-se-á a análise dos conceitos de ética, direito e meio ambiente, como forma de demonstrar os pontos de contato e interdisciplinaridade. Após, será apresentado o tratamento dado pela CF ao meio ambiente, e, por fim, far-se-á análise hermenêutica do caput do art. 225 da CF. Concluiu-se que, o caput do art. 225 da CF positiva princípios de ética ambiental.

 Palavras-chave: Ética Ambiental. Direito fundamental. Meio Ambiente. Caput do artigo 225 da CF.


INTRODUÇÃO

O meio ambiente é “[...] essencial à sadia qualidade de vida[2] [...]”, em outras palavras sem ele não existe vida saudável. De outro turno, o homem necessita de moradia, alimento, luz solar, água potável e bens de consumo que lhes são úteis no dia a dia. As matérias primas para a fabricação desses bens de consumo são retiradas do meio ambiente e, por motivos óbvios, é necessário interferir ou provocar mudanças nele.

Até certo limite tais mudanças são necessárias, e também toleráveis, baseado em um pensamento equilibrado, referentes às visões Eco e Antropocêntrica. Nessa linha de pensamento, é cediço que umas das finalidades do meio ambiente é a de servir ao homem, em contrapartida, este, sabedor de que o meio ambiente não é inesgotável, deve utilizá-lo de maneira equilibrada e sustentável.

A ética ambiental é o mecanismo que dá ao homem princípios cognitivos que o levem a agir de maneira correta quanto ao uso do meio ambiente. Aliada a ela está o caput do artigo 225 da CF que positiva e determina atos éticos no trato do homem para com o meio ambiente, como forma de protegê-lo às gerações presentes e futuras.


1 METODOLOGIA

A natureza da pesquisa é aplicada, pois tem a finalidade de gerar conhecimentos para aplicação prática, com a finalidade de solucionar problemas específicos. Conforme ensina McBride (2013) apud Moura (2014), pelo fato da pesquisa aplicada investigar problemas reais, seus pesquisadores estão frequentemente preocupados com a validade externa de seus estudos, observam os comportamentos a serem aplicados a situações reais. Estes pesquisadores tem o intento de aplicar seus resultados em problemas que envolvem indivíduos que não são participantes de seu estudo.

Quanto ao objetivo o método utilizado será o exploratório. De acordo com Gil (2010) este tipo de pesquisa tem a finalidade de proporcionar maior proximidade com o problema, a fim de torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. A maioria destas pesquisas envolvem levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado ou análise de exemplos que estimulem a compreensão.

Referente ao procedimento o caráter do trabalho é de pesquisa bibliográfica que para Fonseca (2002) realiza-se a partir do levantamento de bases teóricas já perscrutadas e publicadas em meios eletrônicos e escritos.


2 ÉTICA: ESCORÇO HISTÓRICO E CONCEITO

Antes de ingressarmos no estudo da ética, importante destacar, mesmo que de forma sucinta, o entendimento de moral, haja vista, a intrínseca relação entre ambos os conceitos.

Desta forma, Laland (1999) esclarece que moral se refere aos costumes, as regras de conduta admitidas numa sociedade determinada, ao estudo filosófico do bem e do mal, trata-se daquilo que é oposto ao imoral.

Pode-se distinguir entre uma moral do bem, que vista estabelecer o que é o bem para o homem – a sua felicidade, realização, prazer etc., e como se pode atingi-lo – e uma moral do dever, que apresenta a lei moral como um imperativo categórico, necessária, objetiva e universalmente válida, como ensina Kant: “O dever é uma necessidade de se realizar uma ação por respeito à lei”, ainda segundo Kant a moral é a esfera da razão prática que responde à pergunta: “O que devemos fazer?”, (Japiassú e Marcondes, 2006).

A moral é o “bom costume” louvado por determinada sociedade. É uma prática comum e aceitável no grupo. É o oposto do “imoral”. Não deturpa os princípios que regem os iguais e se esbarra na zona cinzenta de uma condutiva “moralmente duvidosa”, ou seja, que possa gerar opróbrio a outrem que é regido pelos mesmos princípios.

No que se refere à ética, far-se-á análise histórica, baseada no livro Olinto (2013), “Ética dos maiores mestres através da história”, a fim de servir de norte ao entendimento de ética, dada a importância de seu conceito no presente trabalho.

Assim, a Grécia é o berço da filosofia, e também da ética, tendo em Sócrates, Platão e Aristóteles os fundadores. Os dois últimos desenvolveram suas teorias a partir do pensamento Socrático: Platão, com seu idealismo, criou a ideia de transcendência, já Aristóteles, o da imanência.

Na Idade Média, destacaram-se dois pensadores que desenvolveram o que se pode chamar de “ética cristã”: Agostinho de Hipona, que foi influenciado por Platão, criou a ética do amor e do conflito, e Tomás de Aquino, que recebeu influência de Aristóteles, verticalizou a ética.

Nesse período, sob a guia do cristianismo os pensadores medievais verticalizaram a metafísica quando a batizaram ao identificar o conceito de ser com a realidade divina pessoal. Isto é, o ser, conceito abstrato e universal, tornou-se o nome de um ente pessoal, Deus, e a busca pelos valores sobrenaturais duelou com os prazeres deste mundo, passando este último a plano secundário, sob a ideia de implantação do Reino de Deus.

Na Idade Moderna, capitaneada por Immanuel Kant, ocorreu a subjetivação da ética. Apresentando entendimento contrário ao período cristão, pois passou a exaltar os valores humanos, trazendo-o novamente à pauta de estudo, por meio do movimento renascentista, através de uma releitura do humanismo.

A Idade Contemporânea, tornou a ética objetiva, principalmente com Jonh Rawls, através de sua teoria da justiça social, Jürgen Habermas por meio da ética discursiva e Amartya Sen, que desenvolveu a ideia do progresso como liberdade.

Este período, marcado por erupções sociais, trouxe à tônica, reflexões do real, do palpável. Dadas marcantes mudanças na sociedade, impulsionada pela globalização, a ideia de “justiça social” foi inserida na pauta das discussões éticas.

Por fim, nessa curta excursão histórica da ética, surge a bioética, que segundo o autor é uma nova maneira de entender a ética dos tempos passados; um mundo novo demanda uma ética nova, adequada às novas condições de vida. Essa ética se ocupa com os seguintes temas e áreas do saber: a) discussão ética geral dos avanços da biotecnologia; b) biogenética humana; c) biodiversidade. Pode-se perceber que a bioética, quando se ocupa com a biodiversidade, serve de embrião para o entendimento de ética ambiental.

Sobre ética existem duas concepções fundamentais: a primeira que a considera como ciência para o qual a conduta humana deve ser guiada, e dos meios para atingir tal fim, deduzindo tanto o fim quanto os meios da natureza do homem; a segunda, que a considera como a ciência do móvel da conduta humana e procura determinar tal móvel com vistas a dirigir ou disciplinar essa conduta. Essas duas concepções, que se relacionam de várias maneiras na Antiguidade e no mundo contemporâneo, são profundamente diferentes e falam duas línguas diversas. A primeira fala a língua do ideal para o qual o homem se dirige por sua natureza e, por consequência, da “natureza”, “essência” ou “substância” do homem. Já a segunda fala dos “motivos” ou “causas” da conduta humana, ou das “forças” que a determinam, pretendendo ater-se ao conhecimento dos fatos (Abbagnano, 2007).

Para esta pesquisa entender ética como ciência da conduta é o suficiente a fim de servir de base para a compreensão do conceito de ética ambiental – que pode ser entendida como uma forma qualificada ou específica da ética –, como se verá a seguir.

Na tarefa hercúlea de diferenciar moral de ética, pode-se dizer que a primeira possui um entendimento mais amplo, macro, pois sua concepção é dedutiva, ao passo que a segunda está mais próxima do normativo, porém, como esclarece Mora, às vezes estes conceitos são usados de forma intercambiável,

Moral é derivada de mors, costume, como "ética" de ethos e essa "ética" e "moral" às vezes são usados de forma intercambiável. Como Cícero disse, "no que se refere aos costumes, que os gregos chamam ethos que costumamos chamar essa parte da filosofia da moral, mas deve enriquecer a língua latina e chamá-lo de moralidade.". No entanto, o termo "moral" geralmente tem um significado mais amplo do que a palavra "ética". (1950, p. 232, tradução nossa).

Desta forma, constata-se que na maioria dos casos, os conceitos de ética e moral são utilizados de forma indistinta, pois como lidam com a conduta humana, torna-se difícil impor um limite no campo de atuação, como Japiassú e Marcondes (2006) ensinam, moral em um sentido macro é sinônimo de ética como teoria dos valores que coordenam a ação ou conduta do homem, tendo um caráter normativo ou prescritivo. Em um entendimento mais estrito, a moral refere-se aos costumes, valores e normas de conduta específicos de uma sociedade ou cultura, enquanto que a ética considera a ação humana do seu ponto de vista valorativo e normativo, em um sentido mais genérico e abstrato.


3 ÉTICA AMBIENTAL

Segundo Milaré (2009) ética ambiental é ética de terceira geração, pois supondo já a ética ou a moral individual e social, concentra-se na sobrevivência do planeta Terra com todos os seus ecossistemas e a família humana.

Trata-se de ética de terceiro geração, pois o meio ambiente – como adiante será demonstrado –, é classificado como um direito de terceira geração. Ética ambiental é uma “ética qualificada” ou “ética especializada” pois cuida das questões voltadas ao meio ambiente, inserindo nesse contexto o meio ambiente natural, artificial, paisagístico e arqueológico.

Nesse contexto é plausível afirmar que a atual ordem mundial exige uma postura moral e ética específica, atinente às questões ambientais, haja vista, que a conduta humana é o principal fator de mudança no mundo natural.

No que se refere à relação do homem quanto a subsistência do meio ambiente, no contexto de ecologia e da ética ambiental, Milaré leciona que:

E o que é a ecologia, senão “relação, inter-ação e dialogação de todas as coisas existentes (viventes ou não) entre si e com tudo o que existe, real ou potencial?” A ecologia não tem a ver apenas com a natureza (ecologia natural), mas também com a sociedade e a cultura (ecologia humana, social etc.). “Numa visão ecológica, tudo o que existe, coexiste. Tudo o que coexiste, preexiste. E tudo o que existe e preexiste subsiste através de uma teia infinita de relações compreensivas. Nada existe fora da relação. Tudo se relaciona com tudo em todos os pontos”. Essa teia de fios fortemente entrelaçados reafirma a interdependência entre todos os seres, funcionaliza as hierarquias e nega o direito do mais forte: “todos os seres, por microscópicos que sejam, contam e possuem sua relativa autonomia – nada é supérfluo ou marginal –, tem futuro não simplesmente o maior e mais forte, mas o que tiver mais capacidade de relação e disponibilidade de adaptação” (2009, p. 121).

O papel do homem, nesta relação, está em saber utilizar o meio ambiente ao seu favor e benefício, porém não de forma supérflua e indiscriminada, ou seja, não com uma visão capitalista, utilitarista ou consumista.

Nisto consiste a ética ambiental e sua razão de existência: a de instigar no homem – que segundo Aristóteles é animal político (2005) –, o uso correto do meio ambiente.

Não se defende aqui uma ideia, extremada ou polarizada, Ecocêntrica, ou de outro turno Antropocêntrica. É necessário ter uma posição equilibrada neste ponto. O homem deve servir-se do meio ambiente – até por ser medida de necessidade para sua sobrevivência e perpetuação da raça –, de maneira equilibrada e sustentável, pois, apesar de parecer lúdico e até romântico, o meio ambiente não tem fim em si mesmo, em contrapartida, a sua utilização pelo homem deve ser norteada por princípios éticos.


4 ÉTICA, DIREITO E MEIO AMBIENTE: CONCEITOS E INTERDISCIPLINARIDADE

No presente trabalho a conexão entre os conceitos de ética, direito e meio ambiente é indiscutível – levando-se em consideração que o meio ambiente em suas múltiplas formas de se relacionar com estas duas ciências, suscita a criação de normas éticas e jurídicas –, pois eles se entrelaçam e, ao se reportar a um, fatalmente ter-se-á inferências ao outro, seja de forma direta ou indireta.

A ligação entre ética e direito é inquestionável e de longa data. Também é necessário ressaltar que assim como o ramo do Direito Ambiental surgiu como remédio necessário para ordenar as questões ambientais, a ética ambiental teve sua origem em uma concepção similar: apresentar princípios norteadores que suscitem conduta humana eticamente positiva na fruição do meio ambiente.

Como leciona Milaré (2009) o mesmo sucede com a Moral ou a Ética em relação a essa nova ordem planetária. As necessidades do meio ambiente também alcançam a conduta humana em face do mundo natural e seus recursos, assim como do mundo dos homens e suas próprias concretizações, pois a presença da humanidade é fator preponderante do estado e da saúde da Terra. Em uma palavra, constrói-se uma nova moralidade dos indivíduos e da sociedade humana, perante a nossa casa comum.

O conceito de ética já fora abordado, o que, a esta altura, convém apenas rememorar que trata-se da “ciência da conduta”.

No tocante ao conceito do direito é importante salientar que se trata de tarefa demasiadamente complexa, haja vista, estar-se falando de uma concepção plurívoca. No tocante à etimologia seu entendimento mais atômico é directum ou rectum, que significa “reto”. Fiuza esclarece que “[...] A palavra direito vem do latim directum, que significa aquilo que é reto. Directum, por sua vez, vem do particípio passado do verbo dirigere que significa dirigir, alinhar [...]” (2010, p.04).

De fato, o termo direito foi inserido, com esse sentido, já na Idade Média, por volta do século IV. A palavra usada pelos romanos era ius. Quanto a esta, o entendimento dos filólogos não é pacífico. Para alguns, ius vem de iussum, particípio passado do verbo iubere, que quer dizer mandar, ordenar. O radicial, para eles, seria sânscrito, Yu (vínculo). Para outros, ius, estaria ligado a iustum, aquilo que é justo, tendo seu radical no védico Yos, significando, aquilo que é bom (ibid).

Obviamente, não é a finalidade deste trabalho a de dissecar o conceito de direito, aprofundando-se demasiadamente neste mister, em contrapartida, trazer à baila concepções, mesmo que de forma sucinta, é de salutar importância, para direcionar o entendimento. Neste sentido, é oportuno mencionar o conceito de Kelsen (1997) quando afirmar que direito trata-se de um ato através do qual uma conduta humana é prescrita, permitida ou, especificamente, facultada.

No que se refere ao meio ambiente, Silva (2009) leciona que se refere da interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas, no mesmo entendimento Milaré (2009) destaca que o meio ambiente, mediante suas múltiplas e variadas relações, inspira e fundamenta preceitos morais e normas jurídicas.


5 A CF DE 1998 E O MEIO AMBIENTE

A CF dedicou o Capítulo VI do Título VIII, Ordem Social, ao meio ambiente, que de acordo com Silva (2010) é um dos mais importantes e avançados da Constituição de 1988.

Frisa-se que mesmo antes da ECO-92 a Carta Magna já havia erigido o meio ambiente a status constitucional, o que demonstra concepção avançada sobre o tema, àquela época.

A inclusão da tutela do meio ambiente na CF foi de vital importância para alcançar uma estrutura jurídica no Direito Brasileiro que possibilite a implementação de instrumentos capazes de proteger o meio ambiente. Tal fato é um marco de grande relevância para os que militam em favor da proteção do meio ambiente, pois a questão, a partir daquela data, estava constitucionalizada (Matos, 2001).

5.1 O Meio Ambiente como Direito Fundamental

Direitos fundamentais são aqueles que reconhecem autonomia aos indivíduos, que possibilita a iniciativa e independência destes diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado, por esse motivo a doutrina costuma englobá-los na concepção de liberdade-autonomia (SILVA, 2010), em outras palavras, princípios ou direitos fundamentais é a base mínima daquilo que se garante ao indivíduo. São estabelecidos com base nos preceitos da moral e da ética.

Concernente ao meio ambiente na CF sua primeira referência está no art. 5º, LXXIII ao prescrever que:

Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência (Grifo nosso).

Este inciso instituí a Ação Popular no âmbito da Constituição, que é mecanismo que coaduna com o entendimento do parágrafo único do art. 1º da CF. A Ação Popular, constitui instrumento de democracia direta e participação política, e é ferramenta processual que busca a proteção da res publica e/ou a proteção dos direitos difusos.

Apesar deste inciso não se referir primaria e especificamente ao meio ambiente é importante destacar a relevância que lhe é dada, pois a CF lhe garante defesa. Outro ponto a ser destacado é que o meio ambiente trata-se de um direito fundamental. O fato de não constar no rol dos direitos fundamentais do art. 5º da CF, de maneira explícita, não significa que não tenha status dessa modalidade direito.

Sobre tema, o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou no sentido de que os direitos e deveres individuais e coletivos do art. 5º da CF não se trata de um rol taxativo, na verdade, outros direitos fundamentais, não presentes no art. 5º da CF, espraiam-se ao longo do texto constitucional.

Um exemplo que materializa esse entendimento da Suprema Corte, foi quando ao analisar o art. 2º, § 3º, da Emenda Constitucional (EC) n. 3, de 17-03-1993 – na ADI n. 939-7 –, que afastou o princípio da anterioridade tributária anual do antigo IPMF, entendeu que a referida EC violou à garantia individual do contribuinte, julgando-a inconstitucional.

Em seu voto, o Min. Sydney Sanches afirmou que “[...] o princípio da anterioridade da lei tributária, além de constituir limitação ao poder impositivo do Estado, representa um dos direitos fundamentais mais importantes outorgados pela Carta da República ao universo dos contribuintes [...]” (CONSULTA PROCESSUAL. Supremo Tribunal Federal, 2007, p. 12).

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no julgamento da Apelação Cível AC: 100 SP 0000100-15.2005.4.03.6125, tendo como Relatora a Desembargadora Federal Regina Costa, destacou a importância do meio ambiente como direito fundamental:

RESPONSABILIDADE CIVIL. EXTRAÇÃO DE ARENITO SEM AS CORRESPONDENTES LICENÇAS AMBIENTAIS. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO DIREITO DE DEFESA. PRECLUSÃO TEMPORAL EM RELAÇÃO À NÃO REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL. IMPRESCRITIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO DE REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL. DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO POLUIDOR. AUTONOMIA ENTRE AS ESFERAS CIVIL, PENAL E ADMINISTRATIVA. APELAÇÃO IMPROVIDA. I- A obrigação de reparação do dano ambiental é imprescritível, consoante orientação do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. II- A Constituição da República consagra o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como interesse difuso das presentes e futuras gerações, prevendo a responsabilidade civil objetiva das pessoas físicas ou jurídicas pela prática de conduta ou atividade lesiva ao meio ambiente, sem prejuízo das respectivas sanções penais e administrativas. III- Nos termos do § 1º, do art. 14, da Lei n. 6.938/81, o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. IV- À responsabilização por danos ambientais, basta a existência da conduta, do dano e do nexo de causalidade entre ambos. V- Preclusão temporal em relação às alegações de afronta ao direito de defesa, dentre outras, decorrentes da ausência de prova pericial. VI - Afirmação falsa nas razões de apelação. VII - Não caracterização de bis in idem em razão de condenação na esfera penal. VIII - Inexistência de elementos a caracterizar condenação em valor excessivo. IX - Apelação improvida. (TRF-3 - AC: 100 SP 0000100-15.2005.4.03.6125, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL REGINA COSTA, Data de Julgamento: 18/04/2013, SEXTA TURMA), (CONSULTA PROCESSUAL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, 2013, p. 1, grifo nosso).

Deste modo, apesar do meio ambiente não estar no rol dos direitos fundamentais do art. 5º da CF, tal fato não tem a força de lhe suprimir esta característica, pois como visto, a Corte Constitucional entende que os direitos fundamentais podem ser encontrados ao longo do texto constitucional.

Destaca-se que a importância de entender o meio ambiente como direito fundamental é a de que se potencializa a sua proteção. Assim, por exemplo, uma Emenda Constitucional não o poderá suprimir da CF ou no caso do art. 34, VII, “b” da CF poderá ser decretada intervenção federal, dentre outros mecanismos de defesa.

Rocha e Queiroz (2017) argumentam – no artigo “O meio ambiente como um direito fundamental da pessoa humana” –, que o meio ambiente, sob a ótica de direito fundamental, possui três dimensões: individual, social e integracional.

Individual porque enquanto pressuposto da sadia qualidade de vida, interessa a cada pessoa, considerada na sua individualidade como detentora do direito fundamental à vida sadia, neste sentido, com base no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o indivíduo tem direito a uma vida digna. Na verdade, não significa apenas manter-se vivo, é também preciso que se viva com qualidade, o que implica conjunção de fatores como saúde, educação e produto interno bruto, segundo padrões elaborados pela Organização das Nações Unidas, sendo certo que, em tal classificação, a saúde do ser humano alberga o estado dos elementos da natureza (água, solo, ar, flora, fauna e paisagem), (ibid).

Social, porque como bem de uso comum do povo (portanto, difuso), o meio ambiente ecologicamente equilibrado integra o patrimônio coletivo. Não é admissível, em nome deste direito, apropriar-se individualmente de parcelas do meio ambiente para consumo privado, pois a realização individual deste direito fundamental está intrinsecamente ligada à sua realização social (ibid).

Intergeracional, tendo em vista, que a atual geração, historicamente situada no mundo contemporâneo, deve defender e manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as futuras gerações (ibid).

5.2 O Meio Ambiente e as “Gerações” ou “Dimensões” do Direito

A doutrina jurídica costuma classificar os direitos fundamentais em “gerações” ou “dimensões”. Atualmente, porém, prefere a nomenclatura “dimensões” pois uma nova “dimensão” não abandonaria as conquistas da “dimensão” anterior e, assim, a expressão se mostraria mais adequada nesse sentido de proibição de evolução reacionária (LENZA, 2012).

Destaca-se que essa classificação tem como finalidade abordar as evoluções das garantias constitucionais conquistadas, porém, Amorim (2010) no mesmo sentido de Lenza, adverte que as ditas dimensões dos direitos fundamentais não podem ser vistas como etapas eminentemente sucessivas. Na verdade, é importante entender que essas gerações representaram movimentos constitucionais, que buscavam a conquista de determinados direitos considerados, à época, fundamentais para o desenvolvimento da sociedade. Contudo, a evolução que se propõe com a divisão dos direitos fundamentais em gerações não significa que dentro de uma determinada geração não se insira a luta por direitos que caracterizam uma outra geração.

Assim, não se deve deixar de situar todos os direitos num contexto de unidade e indivisibilidade. Como enfatizam Mendes e Branco (2015) cada direito de cada geração interage com os das outras e, nesse processo, dá-se à compreensão.

Deste modo, tendo como norte as advertências acima, de forma sucinta pode-se afirmar que:

a) Direitos fundamentais de primeira dimensão marcam a passagem de um Estado autoritário para um Estado de Direito, logo, estão ligados a ideia de liberdade.

Como leciona Bonavides (2010) os direitos de primeira dimensão têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado e são traduzidos como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.

Estes direitos, sob uma perspectiva moderna, de acordo com Amorim (2010) se consubstanciam em direitos de prestação negativa do Estado, são direitos de não intervenção, onde o Estado se mantém inerte a fim de garantir a liberdade dos indivíduos entre si, bem como, dos indivíduos em relação ao próprio Estado, que passava a ser considerado uma pessoa jurídica, um ente com personalidade, capaz de titularizar tanto direitos quanto obrigações.

b) Os direitos fundamentais de segunda dimensão tem como pano de fundo histórico a Revolução Industrial europeia, a partir do século XIX, e estão ligados a ideia de igualdade. Ao contrário do anterior, exige uma atuação positiva do Estado no sentido de proporcionar de forma igualitária e equânime justiça social, uma igualdade de fato, não de direito. São direitos de prestação, não de defesa. Como destaca Amorim (ibid) é nesse contexto que surgem as ideias de se constitucionalizar o direito à saúde, à educação, ao trabalho, à previdência social etc. Tais garantias, aliadas às liberdades da primeira geração, de fato tornam possível a assunção de uma sociedade livre e pluralista.

c) No tocante aos direitos fundamentais de terceira dimensão, estes possuem concepção de tutela coletiva, e não unicamente individual uma vez que são concebidos para a proteção não do homem isoladamente, mas de coletividades, de grupos. Tem-se aqui, o direito à paz[3], ao desenvolvimento, à qualidade do meio ambiente, à conservação do patrimônio histórico e cultural (MENDES e BRANCO, 2015, p. 593).

d) já os direitos fundamentais de quarta dimensão, para Bonavides (2010) decorrem da globalização dos direitos fundamentais, o que significa universalizá-los no campo institucional, como por exemplo o direito à paz.

O meio ambiente encontra-se situado nos direitos de “terceira dimensão” – aqueles visto sob uma ótica coletiva –, não sem motivo o art. 225 da CF utiliza palavras ligadas à ideia de coletividade: “bem de uso comum do povo”, “sadia, ligado a ideia de saúde pública”, “coletividade” e “presentes e futuras gerações”. O STF no Recurso Especial 13497/SP, tendo como relator o Ministro Celso de Mello, destacou o entendimento de que o meio ambiente pertence à terceira geração/dimensão:

RE 134297 / SP - SÃO PAULO            RECURSO EXTRAORDINÁRIO            Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO            Julgamento:  13/06/1995

Órgão Julgador:  Primeira Turma

Publicação DJ 22-09-1995 PP-30597  EMENT VOL-01801-04 PP-00670

Parte(s)

RECORRENTE: ESTADO DE SÃO PAULO

RECORRIDOS: PAULO FERREIRA RAMOS E CONJUGE

Ementa

E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - ESTAÇÃO ECOLOGICA - RESERVA FLORESTAL NA SERRA DO MAR - PATRIMÔNIO NACIONAL (CF, ART. 225, PAR.4.) - LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA QUE AFETA O CONTEUDO ECONOMICO DO DIREITO DE PROPRIEDADE - DIREITO DO PROPRIETARIO A INDENIZAÇÃO - DEVER ESTATAL DE RESSARCIR OS PREJUIZOS DE ORDEM PATRIMONIAL SOFRIDOS PELO PARTICULAR - RE NÃO CONHECIDO. – [...]Essa proteção outorgada pela Lei Fundamental da Republica estende-se, na abrangência normativa de sua incidência tutelar, ao reconhecimento, em favor do dominus, da garantia de compensação financeira, sempre que o Estado, mediante atividade que lhe seja juridicamente imputável, atingir o direito de propriedade em seu conteúdo econômico, ainda que o imóvel particular afetado pela ação do Poder Público esteja localizado em qualquer das áreas referidas no art. 225, PAR. 4., da Constituição. - Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: a consagração constitucional de um típico direito de terceira geração (CF, art. 225, caput) (CONSULTA PROCESSUAL. Supremo Tribunal Federal, 1995, p. 1, grifo nosso).

5.3 Referências implícitas e explícitas ao Meio Ambiente na Constituição Federal

A CF de 1988 também poderia ser denominada ‘verde’, tal o destaque que dá à proteção do meio ambiente (MILARÉ, 2009). Sobre a tutela do meio ambiente na CF, segue as referências explícitas e implícitas em seu texto.

5.3.1. Referências explícitas

 São textos que a CF de maneira literal se manifesta quanto ao meio ambiente:

Arts. 5º, LXXIII; 20, II; Art. 23, III, VI, VII; 24, VI, VII, VIII; 91, § 1º, III; 129, III; art. 170, VI; 174, § 3º; 186, II; 200, VIII; 216, V; 220, § 3º, II; 225; e, 231, § 1º.

5.3.2 Referências implícitas

 Textos que a CF faz referências ao meio ambiente:

Arts. 20, III, V, VI, VIII, IX, X; 21, XIX, XX, XXIV, XXV; 22, IV, XII, XXVI; 23, II, III, IV; 24, VII; e, 30, VIII, IX.

5.4 Principais leis referente ao Meio Ambiente no Brasil

Assim como os mandamentos constitucionais tratam de maneira eficiente a questão do meio ambiente, as leis infraconstitucionais tutelam diversas questões referente ao tema. Pois, a esse texto – tido como o mais avançado do Planeta em matéria ambiental, secundado pelas Cartas estaduais e Leis Orgânicas municipais – vieram somar-se novos e copiosos diplomas oriundos de todos os níveis do Poder Público e da hierarquia normativa, voltados à proteção do desfalcado patrimônio natural do País (Milaré, 2009).

Desta forma, segue lista das leis que têm maior expressão no cenário federal, referente à defesa do meio ambiente:

7.735/1989; 7.802/1989; 8.723/1993; 8.746/1993; 9.433/1997; 9.478/1997; 9.605/1998; 9.795/1999; 9.966/2000; 9.984/2000; 11.105/2005; 11.284/2006; 11.428/2006; 11.445/2007; e, 11.794/2008.

5.5 Análise hermenêutica do caput do art. 225 da Constituição Federal de 1988

De acordo como o caput do art. 225 da CF:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

O termo “Todos têm direito”, determina que tanto os brasileiros, natos ou naturalizados, e os estrangeiros residentes e não residentes, tem o direito de gozar de meio ambiente ecologicamente equilibrado.

No tocante a expressão “...ao meio ambiente...”, Lenza (2012) destaca que alguns autores chegam a criticar a expressão ‘meio ambiente’, alegando suposta redundância, uma vez que a expressão ‘meio’ já estaria englobada pela palavra ‘ambiente’, portanto, seriam sinônimas.

Em contrapartida a esse entendimento, Silva (2009) esclarece que a expressão meio ambiente se manifesta mais rica de sentido (como conexão de valores) do que a simples palavra ambiente. Ambiente expressa o conjunto de elementos. Meio refere-se ao resultado da interação desses elementos. O conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente de toda a natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico. Meio ambiente é assim a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas.

Pode-se, portanto, observar, que o conjunto deste termo abarca, não apenas, a ideia de elemento natural, mas também artificial e cultural

O trecho “... ecologicamente equilibrado ...”, de acordo com Silva (ibid), refere-se não ao meio ambiente em si, não é qualquer meio ambiente, na verdade, o que é objeto do direito é o meio ambiente qualificado (equilibrado). O direito que todos temos é à qualidade satisfatória, ao equilíbrio ecológico do meio ambiente. Essa qualidade é que se converteu em um bem jurídico.

Deste modo, trata-se de um meio ambiente adjetivado pelo equilíbrio, e tal equilíbrio consiste em proporcionar qualidade de vida ao homem, daí pode-se perceber que a CF não adotou ideia Ecocêntrica extremada, mas sim, equilibrada, pois apesar de reconhecer a importância de preservação do meio ambiente, a finalidade em preservá-lo dá-se em oferecer qualidade de vida ao homem.

No tocante a locução “... bem de uso comum do povo...”. O Código Civil prescreve nos artigos 99, I, 100 e 103 o que é bem de uso comum:

“Art. 99. São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

[...]

Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.

[...]

Art. 103. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem”.

Os bens de uso comum, apesar de pertencerem as pessoas jurídicas de direito público, podem ser utilizados, irrestrita e gratuitamente – ou em alguns casos pode haver algum tipo de contrapartida pecuniária[4] pelos particulares –, e, em regra, não necessitam de autorização para fruição. O objetivo desta expressão é universalizar o direito de uso do meio ambiente.

 De acordo com Silva (ibid) quando o caput do art. 225 da CF diz “...e essencial à sadia qualidade de vida...”, não é tanto o meio ambiente considerado nos seus elementos constitutivos, pois o que a CF visa a tutelar é a qualidade do meio ambiente, em função da qualidade de vida. Pode-se dizer que há dois objetos de tutela, no caso: um imediato – que é a qualidade do meio ambiente – e outro mediato – que é a saúde, o bem-estar e a segurança da população, que se vêm sintetizando na expressão “qualidade de vida”.

No mesmo sentido, Duarte (2006) acrescenta que ao considerar o meio ambiente como direito, com a qualidade de ser ecologicamente equilibrado, a CF que proteger não qualquer ambiente, mas aquele que resultasse de um equilíbrio entre as (dinâmicas) relações travadas entre o homem e a natureza e que, portanto, impusesse a proteção e defesa para as presentes e futuras gerações. Pode-se, assim, observar, que o texto reforça, a ideia equilibrada entre Antropocentrismo e Ecocentrismo.

Concernente a expressão “...impondo-se ao Poder Público e à coletividade[5] o dever de defendê-lo e preservá-lo...”, percebe-se que a defesa e preservação do meio ambiente deve ser realizada tanto pelo poder público, seja através dos poderes do Estado e instituições, quanto pelos particulares, todos estes utilizando mecanismos jurídicos ou não, para preservar, tutelar e reprimir qualquer dano ao meio ambiente.

Por fim, o termo “...para as presentes e futuras gerações”, não exige maiores esforços interpretativos, pois a preservação, tutela e repressão em defesa do meio ambiente, tem como finalidade a qualidade de vida, tanto dos que já o usufruem, quanto àqueles que ainda não nasceram.

Tal entendimento leva a ideia de preservação da raça, no entanto, não apenas isso, mas também que a qualidade de vida é um direito de todas as gerações. Para Duarte (ibid) em razão do alto destaque do meio ambiente, a Cata Constitucional estabeleceu toda uma política ambiental, impondo a responsabilidade de todos sobre o mesmo (e não só do Estado), e obrigando o Poder Público e a comunidade a preservarem-no para as presentes e futuras gerações. Desta forma, reconhece uma indissociabilidade do vínculo Estado-sociedade civil no dever jurídico de defesa e proteção do meio ambiente.


CONCLUSÃO

O artigo 225 da CF consagra e positiva princípios de ética ambiental ao determinar a universalidade do direito ao meio ambiente, qualificando-o em ecologicamente equilibrado e instituindo-o como bem comum de uso do povo, e assim o faz, por ser essencial à qualidade de vida, e também prova que o meio ambiente não tem um fim em si mesmo.

Ademais, esclarece que para defesa e preservação deste direito, todos devem se comprometer: poder público e particulares, e estes assim agirão em favor das gerações existentes e que estão em expectativa de vir a existir.

A primeira parte do artigo “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (...)”, define o objeto em que irá recair os atos de ética ambiental. Este é elemento inanimado, e por motivos óbvios, não lhes é possível requerer atos volitivos.

Já a segunda parte “(...) impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” esclarece quem terá atos de ética ambiental: poder público e particulares, pois estes podem ter suas condutas guiadas pela ética e pela moral, e também serem responsabilizados por seus atos[6].

Destarte, a proteção do meio ambiente cabe à coletividade, independente de que se questione a quem pertence sua a propriedade. Acrescenta-se que o interesse da coletividade se sobrepõe a interesses particulares e, no caso do meio ambiente com mais força, haja vista, os efeitos catastróficos oriundos de sua má utilização.

A ética ambiental atua no âmbito individual com reflexos na coletividade a fim de impulsionar a todos a agirem de maneira proba ao usufruírem o meio ambiente, contudo, ainda há muito que evoluir nesse sentido. No que se refere aos interesses individuais, é indiscutível que estes devem se sobrepor aos interesses coletivos, tendo a ética ambiental como norte e régua que irá determinar e medir até onde os anseios da minoria terão lugar, nesta sociedade que tanto busca bens de consumo para satisfazer suas necessidades.

Esta consciência ambiental deve ser inoculada no seio da sociedade a fim de que os princípios de ética ambiental sejam sedimentados na consciência de todos. Não por motivos puritanos ou demagógicos, mas sim por questão de necessidade, tendo em vista o estado avançado de degradação ambiental.

É inquestionável que a conduta humana deve ser orientada por princípios morais e éticos. Em relação à preservação do meio ambiente há a ética ambiental e aliada a ela está o direito que atua de forma centrípeta ao comportamento do homem, além de ser atributivo, coercitivo e coativo.

Caso ocorra desrespeito às suas normas, ter-se-á fatalmente uma consequência impositiva ao infrator e, apesar de que o ideal é ter uma ação positivamente espontânea, sabe-se que, por interesses diversos e, em sua maioria, escusos, há aqueles que não coadunam com a proteção do meio ambiente, para esses deve ser aplicado o rigor da lei.

Diante de todas os argumentos apresentados, pode-se confirmar que direito, moral e ética, são mecanismos eficazes de profilaxia social, na busca pela preservação do meio ambiente, e que o art. 225 da CF, confirmando essa máxima, acertadamente, houve por positivar princípios de ética ambiental.


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Notas

[2] Trecho do caput do art. 225 da CF.

[3] Ressalta-se que Paulo Bonavides entende que o direito à paz deve ser entendido como uma “dimensão autônoma”, em: BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 25. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 593.

[4] Por exemplo, nos casos da Lei 8.987/1995 (Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências); e Lei 11.079/2004 (Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública).

[5] Os estrangeiros, com certas limitações, pois, por exemplo, somente brasileiro nato e naturalizado, no pleno gozo de seus direitos políticos, têm autorização constitucional para propor ação popular (art. 5º, LXXIII). Logo, o estrangeiro, seja residente ou não, não pode utilizar da ação popular para discutir interesse difuso em relação ao meio ambiente. Contudo, por exemplo, podem utilizar do mandado de segurança ou de uma ação ordinária, para fazer valer o direito individual de usufruir o meio ambiente, ao combinar os caputs dos art. 5º e 225 da CF.

[6] Não olvidando o fato da responsabilização da pessoa jurídica, quando causar danos ao meio ambiente. Porém é tema complexo que merece estudo aprofundado, não sendo o foco deste trabalho.


Abstract: The article discusses the concept of ethics and environmental ethics and does hermeneutic analysis of the caput of art. 225 of the Federal Constitution of 1988 (CF). The general objective of the research was to analyze whether the caput of art. 225 of the CF positive principles of environmental ethics. The work has an applied nature, through the exploratory method, through the bibliographic research procedure. In this way, in the first moment, the concept of ethics will be investigated, to enter into the understanding, and also concept, of environmental ethics. In order to obtain a better understanding, the concepts of ethics, law and the environment will be analyzed as a way of demonstrating points of contact and interdisciplinarity. Afterwards, the treatment given by CF will be presented to the environment, and finally, a hermeneutic analysis will be made of the caput of art. 225 of the CF. It was concluded that, the caput of art. 225 of the CF positive principles of environmental ethics.

Keywords: Environmental Ethics. Fundamental right. Environment. Caput of Article 225 of the CF.


Autor

  • Adriano Brito Feitosa

    Advogado, professor, palestrante, consultor jurídico e empresarial.

    Mestrando em Filosofia (UFBA); MBA (em andamento) em Marketing, Branding e Growth (PUC/RS); Especialização (em andamento) em Direito 4.0: Direito Digital, Proteção de dados e Cibersegurança (PUC/PR); Especialização (em andamento) em Gestão de Risco, Compliance e Auditoria (PUC/PR); Graduação (em andamento) em Ciências Contábeis; Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Advocacia Trabalhista. Especialista em Relações Pessoais e Gestão de Conflitos. Especialista em Métodos de ensino e aprendizagem numa perspectiva andragógica. Bacharel em Direito. Bacharel em Teologia. Bacharel em Filosofia.

    Fui técnico judiciário no Tribunal de Justiça do estado de Rondônia, onde exerci a função gratificada de conciliador judicial. Fui estagiário de Direito nos seguintes órgãos: Tribunal de Justiça, Justiça Federal, Procuradoria Geral Estadual, Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal. Fui estagiário de direito nos escritórios Enry Gouvea Advocacia e Carlos Alberto Trancoso Justo Advocacia. Fui estagiário administrativo no Ministério da Fazenda.

    Foi membro/colaborador do grupo de estudos "Fenomenologia e Hermenêutica", na Universidade Estadual de Feira de Santana, departamento de Filosofia, sob a orientação da Doutora Tatiane Boechat Abraham Zunino; Foi membro/colaborador do grupo de estudos "Nomisma, Riqueza e Valor: um estudo sobre o pensamento econômico de Aristóteles", na Universidade Estadual de Feira de Santana/BA, departamento de Filosofia, sob a orientação da Doutora Adriana Tabosa. Foi membro/colaborador do grupo de estudos "Pós-modernidade", no Seminário Latino Americano de Teologia da Bahia, sob a orientação do Doutor Daniel Lins; - Foi aluno especial do Mestrado em Ciências Sociais da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FEITOSA, Adriano Brito. Ética ambiental e o caput do artigo 225 da Constituição Federal do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5109, 27 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58568. Acesso em: 26 abr. 2024.