Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/5881
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Taxação dos inativos

Taxação dos inativos

Publicado em . Elaborado em .

A EC nº 41 é constitucional no que atine à possibilidade de tributação dos aposentados, todavia, não pode prosperar quanto à discriminação desarrazoada e desproporcional da base de cálculo tomada.

1 – INTRODUÇÃO

Nos limites de um artigo doutrinário, o presente trabalho tem por fim discorrer sobre o tema "taxação dos inativos", abordando tão apenas sua adequação em face do sistema do direito positivo brasileiro. A par disso, tentaremos evitar discussões infrutíferas, verbi gratia, sobre a justiça e elementos políticos que influenciaram o governo petista a se valer do poder constituinte derivado, ou mesmo as orientações jurisprudenciais que andam em sentido análogo.

O assunto não é novo, mas vem à tona com maior intensidade pelo advento da Emenda Constitucional nº 41 de 2003, a qual, dentre outras modificações, deu nova redação ao art. 40 da Constituição Federal, reformando a previdência do setor público.

Aludida por ilustres nomes da literatura jurídica como inquinada por incontáveis máculas, não obstante, encontra-se no ordenamento jurídico pátrio, não fosse a iminência da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 3105-8/DF proposta pelo CONAMP (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público). (* ver nota de atualização no final do presente texto)

Não obstante, as cautelas sobre o tema merecem ressaltos da maior ordem, com toda a consideração científica na tentativa de descrever sua eficácia e validade, ausentes, nos limites da possibilidade, de quaisquer inspirações profissionais ou recursos retóricos que em nada contribuam para o desvendar da fenomenologia da exação e sua implicações no sistema.

Dentre os inúmeros embates atinentes, trataremos da natureza das contribuições previdenciárias para aferir se há necessidade de uma efetiva contraprestação do Estado à tributação na inatividade; a possibilidade de tal exação se caracterizar bis in idem inconstitucional tendo-se em conta a incidência do Imposto de Renda; o caráter solidário da contribuição previdenciária e de seguridade social; sobre a possibilidade de aplicação de isonomia entre os servidores públicos e os sujeitos ao regime geral de previdência (RGPS); a conformação do Princípio da Irredutibilidade dos benefícios e suas balizas; para, enfim, discorrer sobre a validade da citada "taxação" em confronto com direitos fundamentais do homem como o direito adquirido.


2 – A PREVIDÊNCIA NACIONAL

A Seguridade Social é um "sistema" [1] que compreende a saúde a previdência e a assistência social, conceituada como o conjunto de princípios e preceitos que conformam institutos, instituições e condutas a fim de estabelecer uma segurança social aos indivíduos contra contingências [2] que os impeçam de prover a suas necessidades pessoais básicas e de suas famílias, integrado por ações de iniciativa pública e particular.

O histórico da previdência é um emaranhado de siglas que podem causar grande confusão. Não obstante, vale o esforço. Da Lei Eloy Chaves [3], passando pelas demais CAP’s a serem fusionadas na IAPFESP [4]; os IAP’s [5] atendiam os trabalhadores urbanos, enquanto os IPASE’s tutelavam os funcionários públicos. A LOPS (Lei Orgânica da Previdência Social – Lei nº 3.807/60) padronizou o sistema e ampliou o leque de benefícios. Entretanto, somente em 1966 foi criado o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social) pelo Decreto-lei nº 72, unificando os IAP´s. Através do SINPAS (Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social – Lei nº 6.439/77) houve uma reorganização previdenciária com a sua integração às funções sociais, a exemplo da LBA, FUNABEM, CEME, do INAMPS, DATAPREV e do IAPAS (fiscalização e cobrança das contribuições). Pois bem, com a Lei nº 8.029/1990 fundiu-se o IAPAS ao INPS, surgindo a partir de então o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, tendo as demais entidades sido extintas. [6]

O que se extrai desse contexto histórico é que com a crescente preocupação do Estado com a Ordem Social nasceram os direitos de segunda geração como ressaltos de obrigações estatais positivas, inserindo-se aí o direito previdenciário. Desde o início, contudo, houve uma nítida separação entre o regime geral (RGPS) e o regime especial, detendo até 2003 uma plena prevalência este último. Verbi gratia, não dispunha o regime do setor público de "teto previdenciário" [7] e em alguns casos a aposentadoria implicava mesmo uma promoção do servidor (regime militar).

Outrossim, com os desacertos na administração dos fundos sociais, a necessidade de se criar uma desvinculação econômica dos entes políticos tornou-se em parte [8] uma realidade. Trata-se, assim, a previdência, de verdadeira descentralização legal de serviço público, mediante a criação de pessoa jurídica própria para a tutela de interesses socialmente relevantes [9]; eis um dos aspectos parafiscais das contribuições previdenciárias.

Enquanto o INSS arrecada, cobra, fiscaliza e administra as contribuições, bem como fornece benefícios, o regime público é administrado por autarquias próprias, a exemplo dos militares e servidores públicos civis federais, estaduais, municipais e distritais.

Discorrer sobre a "taxação dos inativos" é delinear matéria referente à tributação dos servidores públicos aposentados e apenas a esses, refugindo ao regime geral de previdência. Isso ocorre mesmo com a atual aproximação do regime público ao privado, conquanto somente os servidores públicos aposentados que aufiram proventos superiores ao teto do regime geral [10] possam ser tributados. Os demais são, ex posits, imunes, à luz do art. 40, §18 e art. 195, inc. II, da Constituição Federal.


3 – CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. NATUREZA JURÍDICA E VINCULAÇÃO.

Um dos discursos de vedação da tributação dos inativos se conjuga no aspecto da necessidade de auferição de benefícios ulteriores à aposentaria, já que tais tributos seriam vinculados. Assim, se a contribuição social previdenciária depende de uma atuação estatal, a tributação daqueles que houveram por contribuir por longo período de suas vidas deveria vir atrelada a um benefício social correspondente.

O argumento de que as contribuições não sejam tributos é ultrapassado, pretendendo ver no aspecto constitucional topográfico e nas peculiaridades dessa sorte de exação elementos próprios de uma nova figura. Se tributo é termo plurissemântico, por outro lado é certo que se trata de "uma função", no extrato de sua definição colhida da implicitude do texto magno. Não importa, com efeito, o nomen juris ainda que consagrado pelos pretórios (art. 4º, inc. I, CTN), o tributo, seja como objeto da prestação, seja como a prestação em si, seja mesmo como a obrigação jurídica ou ainda a relação em toda a sua dinâmica, é tributo pelo simples característico de exercer coerção ao sujeito passivo para que recolha prestação pecuniária, desde que não constitua sanção por ato ilícito. [11]

Fixada a primeira premissa, temos que as contribuições previdenciárias são tributos. Mas o que seria um tributo vinculado? A vinculação diz respeito a uma atuação, mesmo que indireta, do Estado ou quem lhe faça as vezes. Mais precisamente, o tributo vinculado nasce pela imputação formal [12] de uma relação jurídico-tributária a uma conduta comissiva do poder público.

A doutrina é praticamente unânime em afirmar que as contribuições, mesmo as sociais, incluindo-se aí as previdenciárias, são tributos vinculados. A propósito, há muito ressalta o grande Geraldo Ataliba que tais obrigações jurídicas têm muita semelhança com as taxas, distinguindo-se destas apenas pela referibilidade indireta ao contribuinte.

Todavia, na tentativa de captar a essência das contribuições, advoga o mestre que a sua dependeria da conformação da atuação estatal posta no cerne da h.i. (daí a referibilidade), ou seja, se é provocante ou provocada, in verbis:

"Daí a classificação que fazemos das contribuições em duas categorias: conforme a atuação estatal posta no cerne da h.i. seja provocante ou provocada, teremos uma ou outra variedade de contribuição.

O gráfico esclarece bem a idéia que se quer transmitir:

1) Atuação provocante

2) Atuação provocada

No primeiro caso a atuação estatal provoca uma conseqüência (elemento intermediário) , a qual se refere (se liga) ao obrigado .

É nitidamente o caso das contribuições de melhoria, como já vimos.

No segundo caso, a atuação estatal é provocada por uma situação, fato, acontecimento (elemento intermediário) a qual se refere (se liga) ao obrigado . (...)

No segundo caso, o obrigado desenvolve uma atividade que causa uma situação, a qual, por sua vez, provoca uma atuação pública. Aqui também, o contribuinte se relaciona à atuação mediante a situação que provocou (elemento intermediário." [13]

Data vênia, não podemos concordar com a doutrina do eterno mestre. Em meio a essa explanação, onde se encontra a imputação da obrigação tributária? Se a atuação estatal advém como efeito da situação provocada pelo contribuinte, devemos ou não esperar o seu acontecimento para que nasça o tributo? De resto, teríamos de ter essa atuação sempre que a situação fosse comprovada. Não é o que ocorre. Mais além, tal exposição não apresenta sequer conteúdo jurídico, acabando por percorrer a mesma senda de Achille Donato Giannini. [14]

É dos assertos do próprio Ataliba que vamos extrair o que sejam tributos vinculados, na medida em que "definem-se os tributos vinculados como aqueles cujo aspecto material da h.i consiste numa atuação estatal". [15]

Sentido a vertente da realidade jurídica, como já enfatizava Alfredo Augusto Becker, obtempera Roque Antônio Carrazza [16] que as contribuições sociais nem sempre dependem de uma atuação estatal, ora tendendo, assim, a se apresentarem com a estrutura de taxas, ora de verdadeiros impostos [17].

Para melhor compreendermos o que se aduz, nada melhor do que visualizarmos, ao gosto de Kelsen, a norma primária que institui uma contribuição social, sua regra -matriz. Verbi gratia, a Cofins [18] somente pode nascer do auferimento de receita pela pessoa jurídica de direito privado (inclusive as a ela equiparadas pela legislação do imposto de renda), nada tendo a ver com a atuação estatal. O critério material é – Auferir receita bruta.

Repise-se: da mesma sorte, não há na hipótese normativa (h.i.) das contribuições previdenciárias, como subespécie das contribuições sociais [19], qualquer referência a uma atuação estatal, ainda que indiretamente. Vale gizar, o sujeito passivo não deve recolher tais contribuições por decorrência de uma prestação ou utilidade fornecida pelo Estado; deve assim proceder pelo simples fato de perceber salário (ou ainda que o pague), receita, lucro, remuneração, subsídios etc.

Se o recolhimento de contribuição previdenciária tem o fim precípuo de beneficiar o contribuinte, tal pode apenas ser afirmado em altiplano pré-legislativo ou empírico [20], já que inexiste qualquer sinalagma entre tal tributo e a concessão de benefícios previdenciários.

De outra sorte, como explicar os casos de substituição tributária que soem ocorrer neste particular em âmbito jurídico [21]? E as contribuições recolhidas pela empresa com base na folha de salários? E o financiamento da assistência social com os recursos previdenciários, conquanto aqui inexista relação de custeio? E a possibilidade de se auferir benefícios acidentários, os quais não exigem prazo de carência, como na aposentadoria por invalidez, ainda que no primeiro dia de labor? Como explicar também o período de graça (art. 15 da Lei nº 8.213/91), no qual o sujeito, não obstante a ausência de custeio (recolhimento de contribuição), ainda faça jus aos benefícios, mantendo-se na condição de "segurado"? E a aposentadoria do anistiado e as pensões especiais como a dos portadores de síndrome de talidomida e por decorrência de hemodiálise em Carandiru? E o fato de inexistir qualquer contraprestação do Estado, v.g., pela exoneração do servidor público antes de completados os requisitos necessários à aquisição de qualquer benefício?

Fica evidente que a prestação dos serviços da previdência é evento que não compõe e nada diz respeito com o nascimento da obrigação tributária. O sujeito passivo aqui deve pagar não pela prestação previdenciária, mas, numa visão pré-jurídica, para o serviço público e prestações que integram a seguridade social, a qual, inclusive, vai além dos objetivos previdenciários. [22]

O Estado, por seu turno, ainda que tratemos de prestação previdenciária, não atua por implicação da contribuição recolhida, mas por obrigação legal, advinda de regra constitucional e administrativa [23]. O que pode ocorrer, porém, é que o contribuinte "inadimplente", a despeito da ocorrência de evento infausto, venha a bater às portas da entidade previdenciária competente [24]. Ainda aqui, não se há dizer que a atuação estatal sempre dependa da quitação tributária, mas antes que em alguns casos [25], o prazo de carência, cujo término é o átimo necessário ao surgimento do direito ao benefício, somente se começa a contar com a regularidade fiscal do contribuinte.

Ademais, outro cuidado que devemos ter é que do simples fato de certos benefícios pecuniários continuativos (art. 28 da Lei nº 8.213/91) ofertados pela previdência levarem em conta, em seu critério quantitativo, a base de cálculo da contribuição previdenciária, qual seja, o salário-contribuição, não se pode concluir daí que há sinalagma ou medida de contraprestação. Isso ocorre por prevenção financeira e econômica, de modo a atender à ciência atuarial e ao Princípio da Contrapartida (art. 201, caput, CF/88), equilibrando as contas dos serviços da seguridade, sob pena de um colapso geral [26], o que atentaria contra a Ordem Pública.

Se ao nascimento do tributo previdenciário os serviços públicos são fattipecii irrelevantes, seria a "hipótese de incidência tributária" das contribuições galgada numa álea, risco ou contingência social provocada por determinada situação do contribuinte? Esta foi a premissa trilhada pela Teoria do Prêmio de Seguro na tentativa de explicar a natureza jurídica das contribuições sociais. É Sérgio Pinto Martins quem nos recorda:

"Alberto Xavier (1974:68-9) defende a referida tese ao mencionar que ´´tais contribuições não tem natureza de taxas (...) Trata-se, sim, da relação sinalagmática própria de toda e qualquer relação de seguro, em que uma prestação - o prêmio - é realizada como contrapartida de uma prestação aleatória, devida pela ocorrência do risco assegurado. Isso, que é assim no seguro privado facultativo, também o é no seguro social obrigatório`. Tal natureza seria evidente para o citado jurista em relação aos próprios beneficiários, mas manifesta dúvida quanto às contribuições devidas por terceiro, como em relação as devidas às entidades patronais.

Há de se ressaltar que o prêmio é a contraprestação devida pelo segurado ao segurador, em função de risco assumido pelo segundo. A idéia, porém, de prêmio de seguro não se assemelha à previdência social, pois esta tem por objetivo amparar as pessoas que se encontrem em uma situação de necessidade, que não se verifica no seguro se não houver o pagamento das prestações. A Seguridade Social tem também por objetivo distribuir renda, o que não se observa nas empresas de seguro, que inclusive são privadas." [27]

Arrematando, se o sinalagma [28] diz respeito à necessária vinculação entre duas prestações entre si coligadas, de modo que o inadimplemento de uma implique mesmo na resolução do quanto pactuado, como argumentar, com base nessas razões, de sua pertinência em âmbito previdenciário? Quem não dispõe de tais benefícios então não deve recolher as debatidas contribuições? Então como explicar a contribuição patronal, conquanto as pessoas jurídicas não se aposentem e não fiquem doentes? E os benefícios deferidos aos dependentes [29]? Fica cada vez mais claro que o que a doutrina tracejou com fortes linhas, a respeito da distinção entre a relação de custeio e a relação de benefício, toma vulto.

A propósito, a legislação, pretendendo deixar claro a distinção entre uma relação e outra, veiculou normas específicas em leis distintas. Assim que a Lei nº 8.212 cuida da relação de custeio e a Lei nº 8.213 se reporta ao plano de benefícios, tendo ambas sido publicadas no mesmo dia 24 de julho de 1991, aplicando-se a cada qual princípios e preceitos diversos.

Ex posits, o argumento de que com a aposentadoria cessam os motivos para o pagamento da contribuição sob a tênue tese de que isso retiraria sua finalidade é inconsistente, já que parte da errônea premissa de que existe sinalagma sem sequer saber se haverá uma contraprestação, para então concluir que a finalidade que deve imperar não é social, mas egoística. Sem encerrar, destaque-se que o aposentado continua a fazer jus aos benefícios da assistência social, saúde pública, reabilitação profissional e salário família, mesmo no regime geral (§2º, art. 18, Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 9.528/97).


4 – 0 BIS IN IDEM E O IMPOSTO DE RENDA

Como vimos, nada tem a ver o nascimento da obrigação tributária com a atividade previdenciária desenvolvida pelo Estado, ou pelo menos quase nada. É que o fim previdenciário, a destinação do tributo, antes de ser norma de direito financeiro, o é de direito tributário, a despeito das doutas opiniões em sentido contrário. [30]

Sem embargo, a destinação tributária algumas vezes advém como norma de estrutura [31] que autoriza o ente tributante a lançar mão de determinados fatos ou situações jurídicas à instituição de hipóteses normativo-tributárias. Sem essa normatividade, que deve surgir com a regra matriz da contribuição, tal qual preceitua a Constituição Federal, falta mesmo competência à entidade política, podendo ser o caso de bis in idem ou bitributação inconstitucional, como bem preleciona o professor Luciano da Silva Amaro:

"Se a União instituir tributo sobre o faturamento das empresas sem especificar a destinação exigida pelo art. 195 da Constituição, a exação (ainda que apelidada de contribuição) é inconstitucional, entre outras possíveis razões, pela invasão de competência dos Estados ou dos Municípios (conforme se trate de faturamento de mercadorias ou de serviços)." [32]

Temos assim que a destinação previdenciária é norma de estrutura que deve integrar o conteúdo do veículo legal introdutório que institua a contribuição, como forma de legitimar o poder público a sacar de sua competência tributária. Mas aqui residiria uma questão: como conformar tal tese à literalidade do art. 4º, inc. II, do CTN? [33]

O que o Códex Tributário preceitua é que o que se faz ou se deixa de fazer com as quantias recolhidas a título de tributo não tem o condão de corromper a natureza tributária de uma obrigação, não dizendo respeito com a classificação a ser adotada (espécie tributária). É que se determinada obrigação é um tributo, o destino de sua arrecadação não lhe retira o característico de "ser tributário", o que não impede de atinar à sua espécie, em determinados casos. Neste particular, a respeito da espécie tributária, também ganha relevo a base de cálculo e a sua consonância com a materialidade tributária constitucionalmente eleita.

Interessa agora que façamos uma rápida digressão para análise relevante na estrutura das contribuições previdenciárias. Se é certo que as mesmas possuem base de cálculo ínsita aos impostos [34], tanto que se cogita serem um bis in idem ao IR, medindo direta ou indiretamente a capacidade contributiva do obrigado tributário, argumentar que seriam tributos vinculados, sem que haja atuação Estatal efetivamente prestada, equivale a afirmar que todas as contribuições sociais são inconstitucionais, já que detêm base imponível não compatível com a hipótese normativa, malferindo o Princípio da Tipologia Tributária, como bem adverte o prof. Paulo de Barros Carvalho. [35]

Estudioso do assunto, Klaus Tipke arremata que "o Princípio da capacidade contributiva não pergunta pela vantagem que o contribuinte tem dos serviços públicos, ou quais custos ele causa ao Estado, mas apenas com quanto o contribuinte pode contribuir para o financiamento das tarefas do Estado em razão de sua renda disponível". [36]

Prosseguindo no tema proposto, classificar é forma de separar elementos sistêmicos [37] de acordo com determinadas peculiaridades que os ata; "é distribuir objetos em categorias distintas (classes) de acordo com as semelhanças entre os conceitos que os designam" [38]. Dessarte, se tais semelhanças são o resultado das particularidades eleitas (critérios), a classificação é sempre atuação subjetiva, variando de pessoa a pessoa.

Remarque-se, outrossim, que a classificação adotada, per se, não transmuda o regramento jurídico aplicável. Sem embargo, se o direito não é, mas deve ser, não existindo no plano das reações físico-biológicas, seu aspecto ontológico se conforma com o regramento e premissas a ele postos, tal como emerge das entranhas do evento social.

Se se pretende chamar as contribuições previdenciárias de imposto, isso não logra modificar a realidade jurídica que impele o legislador a consignar na lei [39] que institui a regra matriz enunciados que nos remetam à norma de estrutura legitimante; desse modo, deveríamos chamá-las de "impostos com destinação específica"; da mesma sorte, se aludíssemos aos empréstimos compulsórios, deveríamos dá-los por "impostos restituíveis".

Com efeito, é a destinação constitucional que distingue as contribuições dos demais tributos. Havendo a norma de estrutura que legitima o ente político a instituir a contribuição previdenciária nos lindes do art. 195, da Constituição Federal, de acordo com as materialidades ali dispostas, há permissivo maior à ocorrência de bitributação ou mesmo de bis in idem. [40]

Fora disso, na eleição de materialidade alheia daquelas consignadas no art. 195, CF/88, a duplicidade de incidência sob o mesmo suporte (h.i. e b.c.) dos impostos já delineados, se fada à inconstitucionalidade, como retrata o §4º do art. 195 cc. inc. I do art. 154 da Carta Magna. [41]

Em suma, seja como "imposto com destinação especial", seja como contribuição social, o fato é que as fattispecii consignadas no art. 195 permitem a existência de um bis in idem (caso a União seja o ente instituidor, ex vi do art. 149, caput, CF/88) ou mesmo de uma bitributação (no caso dos Estados, Distrito Federal e Municípios instituírem contribuições previdenciárias sobre seus servidores, conforme art. 149, §1º, CF/88) em face do Imposto sobre a Renda e Proventos de qualquer natureza.


V – PRINCIPIO DA SOLIDARIEDADE E DA IGUALDADE

Com a nova redação do caput do art. 40 da Constituição Federal dada pela EC. 41 de 2003, o texto passou a descrever que as contribuições previdenciárias têm caráter solidário. Com base nisso, as procuradorias passaram a proclamar o surgimento de um novo princípio, o qual, a despeito da vinculação das contribuições sociais, faria com que os inativos passassem a colaborar para a manutenção do sistema social. Improcede a assertiva.

A solidariedade é vista pela legislação civilista (art. 264, CC) como relação singular de direito material, sendo essa a mesma concepção galgada pelo CTN (art. 124, inc. I). Todavia, a intelecção do termo deve advir do cotejo com o art 193 da Lex Legum. De fato, a solidariedade aqui empregada apenas veio à lume para enfatizar a política da Seguridade Nacional, aplicando à previdência do regime especial seus preceitos.

Para melhor entendermos a questão, faz-se necessário que desloquemos nossa atenção aos primados da Ordem Social. Assenta-se a Ordem Social no trabalho livre, tendo este sido elevado, antes mesmo de alicerce da Ordem Econômica (art. 170, VIII), à categoria de pressuposto da dignidade humana (art. 1º, inc. IV; art. 5º, inc. XII; art. 6º e art. 7º, todos da Constituição Federal).

Com efeito, o trabalho é norte a ser perseguido pela República Federativa do Brasil e deita suas raízes nos intangíveis direitos sociais do homem para se apresentar como sustentáculo da economia nacional. A preocupação do constituinte se justifica, na medida em que ao trabalhar, o homem, além de contribuir para o desenvolvimento nacional, deixa à margem suas necessidades e vicissitudes.

Se a Ordem Social se funda no trabalho para a promoção do desenvolvimento nacional, por outro lado limita o jogo egoístico do capital com o valor da justiça. Daí a necessária conjugação dos dois termos – somente com uma liberdade equilibrada do poder econômico podemos ter um ideário de bem-estar social.

São as palavras de José Afonso da Silva:

"Não é fácil realizar a justiça social num sistema em que predomina a concentração da riqueza. É que ela só se concretizará mediante eqüitativa distribuição da riqueza nacional, pois num regime de justiça social será aquele em que cada um deve poder dispor dos meios materiais de viver confortavelmente segundo as exigências de sua natureza física, espiritual e política. Um regime democrático de justiça social não aceita profundas desigualdades, a pobreza e a miséria" (42)

Pois bem, como forma relativamente eficaz de deslocar fiat´s de atuação também aos mais necessitados, a intervenção do Estado na economia acabou por consagrar a Seguridade Social. Com efeito, o homem, enquanto ser limitado, fadado a um inexorável fim, necessita de bens materiais e imateriais que podem, em parte, ser supridos pelo Estado [43], desde que corroborado pela sociedade.

A par disso, a conotação de solidariedade que deve imperar é no sentido de promover justiça social. Em outras palavras, o que a EC 41/2003 fez foi nos lembrar que a instituição das contribuições sociais, incluindo-se aí as previdenciárias, tem por fim precípuo repartir riqueza, ainda que de modo indireto, protegendo o labor digno e livre.

O princípio ora em debate, antes de relacionar-se com a seguridade, nos remete à própria concepção de contrato social, ligando-se fundamentalmente ao derradeiro valor da igualdade. Decorre daí o Princípio da Eqüidade no Custeio (inc. V do art. 194, CF/88), conquanto as pessoas submetidas ao poder soberano do Estado se vejam na contingência de ter de arcar com a manutenção de suas sólidas estruturas na exata medida da igualdade entre seus assemelhados.

Entretanto, mudando agora o rumo do embate, resta-nos averiguar se com a aproximação do regime público ao regime geral de previdência [44], de lege lata, e a aplicação do critério isonômico do art. 150, inc. II, CF/88 [45], fazem jus os servidores públicos à imunidade insculpida no art. 195, inc. II da Carta Magna.

Quem melhor perscrutou o tema da igualdade em âmbito nacional foi o mestre Celso Antônio Bandeira de Melo, o qual aduz, in literis:

"Parece-nos que o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem a quebra da isonomia se divide em três questões:

a)a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação;

b)a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado;

c)a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados." [46]

Aplicando os assertos, uma regra de imunidade pode ser aplicada por analogia? Qual seria o critério de igualdade entre os inativos do regime público e aqueles do regime geral (RGPS), a inatividade? Existe correlação lógica entre os regimes previdenciários (geral/especial) e o tratamento tributário dispensado a um e outro?

Em primeiro lugar, a disposição do §2º do art. 108 do CTN [47] deve ser afastada, pois que pensamos que o enunciado está a tratar de casos de analogia e equidade em face de incidência tributária, portanto dentro da esfera de competência. A idéia da isonomia para emprego da imunidade do inc. II do art. 195 aos servidores públicos inativos diz apenas com interpretação constitucional, no intuito de aferir os delineamentos negativos de competência dos entes tributantes.

A par das controvérsias, se por um lado se discute sobre se as imunidades merecerem uma interpretação extensiva, sempre com o fim de tutelar direitos impostergáveis [48], por outro achamos que não é essa a melhor exegese, pois que a interpretação teleológica é que deve trazer à tona toda a sua dimensão.

Entrementes, se a aplicação da debatida isonomia se revela possível à luz do §12 do art. 40, CF/88 [49] a partir do advento da EC 20/98, posição essa já afirmada pelo STF [50], não pode, por outro lado, deter extensão que passe por cima de claro "texto de lei" em sentido contrário. Acontece que o preceito é suplementar, se aplicando ao regime especial apenas naquilo que couber, sob pena de antinomia real.

A Constituição não autoriza expressamente a imunidade dos inativos do regime especial, mas, pelo contrário, prescreve a tributação dos que recebam aposentadorias de valor superior ao limite previsto ao regime geral (hoje em R$2.400,00) por eficácia da EC 41/2003. Se o texto constitucional narra tal fato de forma translúcida, cabe aqui como uma luva a parêmia latina in claris cessat interpretatio.

Sem embargo, partindo-se da premissa de que inexiste hierarquia entre as normas constitucionais [51], vigora neste plano a hermenêutica da Uniformidade [52] (Grundsatz der praktischen Konkordanz) como contrabalanço ao Princípio da Máxima Efetividade, já que "os princípios não obedecem em caso de conflito a uma lógica do tudo ou nada, antes podem ser objeto de ponderação e concordância pratica, consoante o seu peso e as circunstancias do caso". [53]

Fora isso, restaria a análise referente aos limites do poder constituinte derivado, o que será abordado no próximo item, valendo de logo lembrar que desde a EC 20 de 1998, a imunidade dos proventos dos aposentados e pensionistas maiores de 65 anos foi revogada no que atine ao imposto sobre a renda, consoante dispunha o antigo inc. II, §2º, art. 153, da CF88, com os ressaltos de Roque Antonio Carrazza [54].

Em segundo lugar, pensamos que não há igualdade entre a previdência especial e a geral (INSS), ainda que ambas tenham sido aproximadas [55]. Além da possibilidade de perceber integralmente os proventos da inatividade, das diferenças de benefícios, de alíquotas, salários-de-contribuição e prazos de carência, mesmo de critérios objetivos a dar-se a aposentadoria [56], o servidor público é tutelado por entidade distinta, desvinculada do regime geral e administrada com maior rigor.

Se inexiste igualdade relevante ao tema entre os inativos do serviço público e os do regime geral, o critério de discriminação que devemos ter em mente dá-se (e deve dar-se) apenas entre os próprios servidores públicos, exatamente nas medidas de suas capacidades contributivas ou seja, quem mais ganha, mais deve pagar. A par disso, conquanto um servidor público aposentado aufira proventos acima do teto, ganhando mais do que outro, detém capacidade contributiva diversa, ao que deve ser diferentemente tributado na exata medida da dessemelhança existente.

Essa exatidão de medida ganha linhas mais visíveis quando estamos a tratar do teto previdenciário, pois que, para se pretender tributar o aposentado do regime especial, não basta mesmo que este possa auferir benefícios pecuniários acima do limite veiculado no regime do art. 201, CF/88, já que nesse ponto todos (os servidores) se equiparam; faz-se mister que ele efetivamente perceba proventos acima deste limite, podendo tão somente ser tributado no que sobejar.

Não obstante, a Emenda Constitucional nº 41 de 2003 assim dispôs:

"Art. 4º Os servidores inativos e os pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, em gozo de benefícios na data de publicação desta Emenda, bem como os alcançados pelo disposto no seu art. 3º, contribuirão para o custeio do regime de que trata o art. 40 da Constituição Federal com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.

Parágrafo único. A contribuição previdenciária a que se refere o caput incidirá apenas sobre a parcela dos proventos e das pensões que supere:

I - cinqüenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal, para os servidores inativos e os pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II - sessenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal, para os servidores inativos e os pensionistas da União."

O que o dispositivo está a averberar é que a contribuição previdenciária incidirá com a mesma alíquota recolhida pelos servidores ativos, tendo como base de cálculo, todavia, não o teto disposto, mas o que exceder a R$1.200,00 (hum mil e duzentos reais) para os servidores que não sejam da União e R$1.440,00 (hum mil quatrocentos e quarenta reais) para esses.

Pensamos que neste ponto a EC 41/2003 seja inconstitucional, não apenas por discriminar servidores públicos que estejam em idêntica conditio juris, mas por preceituar medida não razoável e desproporcional, andando ainda de encontro com a própria literalidade do §18 do art. 40 da Constituição [57].

Tendo como imunidade preceito expressamente previsto no seio constitucional [58], delineando negativamente as competências tributárias através de enunciados que reportem a um dado certo e específico, temos para nós que o § 18 do art. 40 dispôs regra de imunidade. Agora, tal imunidade não atinge apenas os servidores que aufiram aposentadorias cujo valor se limite ao teto previdenciário do regime geral, mas os próprios proventos de tais servidores, de modo que, mesmo os que ganhem acima de tal teto devem escapar da tributação sobre os proventos cuja pecúnia se cinja ao debatido limite [59]. De outra sorte, se estará infringindo o Princípio da Igualdade, Capacidade Contributiva e o Princípio Republicano.

Sem embargo, à uma o texto da emenda distingue desarrazoadamente os servidores públicos estaduais, municipais e distritais dos servidores da União e, não bastando, impõe tributação não conforme com a exatidão da capacidade contributiva, na medida da desigualdade existente entre os que aufiram proventos aquém e além do limite do regime geral.


VI – PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DOS BENEFÍCIOS

A Constituição de 1991 consagrava a irredutibilidade como garantia à magistratura, tendo a Constituição de 1934 a estendido aos ministros do Tribunal de Contas. Com a superveniência da Constituição de 1988 sua abrangência deu-se aos trabalhadores (art. 7º, VI), servidores públicos (art. 37, XV), integrantes do ministério público (art. 128, §5º, inc. I, alínea "c") e beneficiários do sistema da seguridade social (art. 194, parágrafo único, inc. IV).

Que fique de logo claro que o Princípio da Irredutibilidade somente se refrata nas prestações pecuniárias, não compreendendo as prestações in natura, posto que estas têm uma menor transcendência quantitativa, o que não significa dizer ausência de conotação econômica.Todavia, conquanto o salário e os vencimentos sejam irredutíveis apenas em face de seus valores nominais, aduzem alguns que da mesma sorte seriam os benefícios da seguridade. Muito embora, temos para nós que o Princípio da Irredutibilidade vai mais além com relação aos benefícios [60].

A preocupação do constituinte quanto aos benefícios da seguridade pode ser constatada nos enunciados do § 4º do art. 201, bem como do § 8º do art. 40, todos da Carta Maior, preceituando que em caráter permanente deve ser procedido o seu reajustamento periódico a fim de conformar seu valor nominal com índices idôneos a preservar seu poder de compra [61].

Ultrapassadas essas primeiras considerações, tendo por certo que o Princípio da Irredutibilidade abrange também a previdência especial dos servidores públicos e desdobra efeitos nos valores nominais e reais dos benefícios pecuniários concedidos, resta-nos analisar seus limites normativos.

O art. 114 da Lei nº 8.213 de 1991 remarca três vertentes do multicitado Princípio da Irredutibilidade: com relação ao segurado, a terceiros e ao INSS. Quanto a este último, se proíbe a apropriação dos benefícios, abrindo exceções o art. 115, ao predizer, in exthensis:

"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:

I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;

II - pagamento de benefício além do devido;

III - Imposto de Renda retido na fonte;

IV - pensão de alimentos decretada em sentença judicial;

V - mensalidades de associações e demais entidades de aposentados legalmente reconhecidas, desde que autorizadas por seus filiados.

VI - pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, públicas e privadas, quando expressamente autorizado pelo beneficiário, até o limite de trinta por cento do valor do benefício. (Incluído pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)"

Tome-se nota que tais dispositivos se aplicam também ao regime previdenciário do setor público, mormente tenham cunho meramente explicativo do enredo de normas entrelaçadas em âmbito constitucional. Mais além, a possibilidade de se tributar a auferição de benefícios não é apenas percebida pela indiscutível "incidência" do Imposto de Renda, mas também pelo desconto procedido pelo INSS sobre o salário-maternidade [62].

Em suma, o Princípio da Irredutibilidade é limite objetivo ao legislador e ao aplicador do direito no sentido de manter o valor nominal e real dos benefícios pecuniários ofertados pelo sistema da seguridade, sendo que, não obstante, encontra lindes constitucionalmente delineados por uma intelecção sistemática e teleológica.


VII – DIREITO ADQUIRIDO À NÃO TRIBUTAÇÃO

Enfim, chegamos ao último ponto do tema que nos propusemos a discorrer, a possibilidade de se tributar os inativos em face do direito adquirido proclamado no seio constitucional. Sem dúvida o direito adquirido é um direito fundamental, inalterável, como garantia, mesmo através de emenda constitucional, sendo encontrando no inc. XXXVI do art. 5º da Constituição Federal, bem como na Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), art. 6º, § 2º.

São clássicas as palavras de Francesco Gabba sobre o assunto:

"É direito adquirido todo direito que":

a)seja conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo no qual o fato se viu realizado, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova a respeito do mesmo; e que

b)nos termos da lei sob o império da qual se verificou o fato de onde se origina, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu." [63]

Entendemos que a dificuldade de se conceituar o instituto resida na confusão que o tempo na norma acarreta a exegetas incautos. Com efeito, o direito adquirido não é simplesmente aquele que não se consolidou em virtude de lei na época vigente. É mais, é direito a uma situação jurídica ou qualificação pessoal, sempre lícita, que muito embora não tenha se cristalizado em época passada, por haver seu titular cumprido todos os requisitos necessários ao seu reconhecimento, integre o seu patrimônio de maneira irrefragável, não por ultra-atividade da norma revogada [64], mas por sua natural "incidência", não obstante a aplicação somente seja feita em lapso temporal ulterior. A propósito, é cediço que tempus regit actum.

Sobre a questão, todavia, o Supremo Tribunal Federal [65] decidiu que não haveria direito adquirido a regime jurídico cuja modificação decorre de texto constitucional (STF, RE nº 100.144-SP, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 109/1175, j. em 7/07/83). Mas como não há direito adquirido a regime jurídico, seja ele público ou privado, quando isso é exatamente o que aquele visa assegurar?

Merece destaque a lição de Tércio Sampaio Ferraz Jr. ao aduzir que um direito adquirido sempre diz respeito a normas de estrutura [66], enquanto que os atos jurídicos perfeitos referem-se a normas de conduta [67]. Dessa sorte, o direito adquirido sempre nos remete a uma situação de capacidade, competência ou qualificação que o seu titular dispunha em face às normas gerais e abstratas então vigentes.

Contudo, tentando-se precaver da argüição de direito adquirido, a EC 41/2003, em seu art. 9º, ao instituir a tributação dos inativos, fez alusão ao art. 17 ADCT, o qual dispõe:

"Art 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título."

Sem permeio, uma dúvida vem à tona: poderia o poder constituinte derivado modificar preceitos excepcionais da Constituição Federal? Pensamos que não. Isso porque a ratio do poder originário foi exatamente traçar um parâmetro com relação aos rendimentos anteriores à Constituição. Tratando o preceito aludido de disposição transitória, se nos parece ilógico que se admita que o poder decorrente possa dele se valer para se esquivar de seus limites, (aliás, existem limites implícitos) fazendo tábua rasa do esforço constitucional.

Irrelevante também a argüição de que o direito adquirido estaria apenas protegido de lei, [68] pois, como podemos mesmo constatar de uma análise literal e topográfica, insere-se nos direito fundamentais do homem, como limite material ao poder reformador derivado (§ 4º, inc. IV, art. 60, CF/88).

Porém, dois pontos nos parecem relevantes como limitação do direito adquirido: em primeiro lugar o direito adquirido somente se delineia como tal ao mundo jurídico com a declaração procedida pela autoridade competente [69]. Em segundo, inexiste direito que se avulte de forma absoluta, cabendo lembrar que mesmo o direito à vida comporta restrições no período de guerra [70] (inc. XLVII, alínea "a", art. 5º, CF/88).

Dentro dessas limitações, não se pode conceber direito adquirido em face de interesse público, a consagrar uma patente ilicitude. Não se diga que a superveniência de norma revogadora implica sempre em mudança de interesse para o caso regulado. É que também é publicamente relevante que se mantenham determinadas situações a dar segurança às relações jurídicas.

Pertinentemente ao tema debatido, o direito adquirido se aplica ao servidor público que satisfaça todos os requisitos para a aposentadoria, muito embora não haja requerido em tempo oportuno; Mais além, o aposentado faz jus aos benefícios pelos quais caracterize o preenchimento dos requisitos atinentes, ainda que a legislação haja sido modificada. Fora esses casos, não há guarida a pretensão a direito adquirido.

Decorrência lógica, o simples fato da aposentadoria não consolida no patrimônio jurídico do servidor a situação de não ser tributado. Outra conclusão se nos afigura mesmo absurda e insustentável. A tributação dos inativos não deve atingir apenas aqueles que passem a se aposentar a partir de 2003, observada a publicação respectiva da lei e o prazo da anterioridade nonagesimal, mas aqueles que se encontrem relacionados na mesma situação ou fato consagrados na "hipótese de incidência" da contribuição, sob pena de flagrante afronta ao Princípio da Igualdade, Estrita Legalidade e Tipicidade Cerrada.

Senão imagine-se a esdrúxula situação na qual determinado sujeito, proprietário de imóvel em perímetro urbano, face à majoração do IPTU, venha argüir direito adquirido à anterior situação, ressaltando que a exacerbação somente valeria para os posteriores adquirentes. Ninguém com o mínimo de compromisso com a técnica diria de seu cabimento. Mais além, enveredar em sentido contrário implicaria mesmo em propugnar pela inexistência de revogação de isenção ou benefícios fiscais.

Como já ressaltava Klaus Tipke, precursor da doutrina da justiça fiscal, se por um lado o direito o planejamento fiscal envolve um prévio conhecimento da lei por parte do contribuinte (Savoir pour prévoir, prévoir pour prevenir), por outro, mesmo a proteção da boa-fé não pode ir tão longe a ponto de preservar os beneficiários de toda a decepção de suas expectativas na continuidade da situação jurídica, [71].

Pari passu a uma interpretação sistemática do texto constitucional, podemos extrair que ninguém pode se esquivar da "incidência" tributária rigidamente prevista. É que o Princípio da Tipicidade Cerrada, corolário do Princípio da Legalidade, impõe que todos aqueles insertos na descrição hipotética sejam compelidos a observar o preceito da obrigação tributária, o que deve apenas ser sopesado com o controle externo do poder judiciário. Pensar, assim, em direito adquirido em "não ser tributado" não tem qualquer sentido. É desconsiderar o próprio pacto social sob o qual vivemos, desatendendo os mais prestigiados interesses públicos que norteiam a vivência em comum.


VIII – CONCLUSÃO

A contribuição previdenciária, como subespécie de contribuição social, não é tributo vinculado, instaurando-se na realidade jurídica independentemente de qualquer fato do Estado, sendo que devemos nos atentar que certos fatos podem confundir o intérprete, v.g. da prestação de alguns benefícios pecuniários continuativos ofertados pela previdência levarem em conta em seu critério quantitativo a base de cálculo da contribuição previdenciária, e a necessidade, em certos casos, de estar em regularidade fiscal para cômputo do prazo de carência.

No que atine à possibilidade de uma duplicidade de incidência sobre a auferição de proventos a respeito do Imposto de Renda, o fato é que as materialidades consignadas no art. 195 a título de contribuição social permitem a existência de um bis in idem (caso a União seja o ente instituidor, ex vi do art. 149, caput, CF/88) ou mesmo de uma bitributação (no caso dos Estados, Distrito Federal e Municípios instituírem contribuições previdenciárias sobre seus servidores, conforme art. 149, §1º, CF/88)

Já o Princípio da Irredutibilidade é limite objetivo ao legislador e ao aplicador do direito no sentido de manter o valor nominal e real dos benefícios pecuniários ofertados pelo sistema da seguridade, sendo que, não obstante, encontra limites constitucionais, como a possibilidade de tributação e retenção a título de prestação alimentar.

Por fim, inexiste direito adquirido a não ser tributado, já que mesmo as cláusulas pétreas encontram balizas constitucionais. Tendo sido procedida a atuação conforme a hipótese normativa, o tributo pode e deve ser aplicado ao caso concreto, sob pena de afronta ao Princípio da Tipicidade Cerrada, corolário do Princípio da Legalidade, e mesmo da Igualdade.

Concluímos com a exposição que devemos ter cuidado com certos conceitos e premissas adotadas corriqueiramente, lembrando ao gosto de Alfredo Augusto Becker a Teoria dos Fundamentos Óbvios. Assim, temos que a EC nº 41 de 2003, que modificou o sistema previdenciário brasileiro, ao atribuir competência para instituir a contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria e pensão dos servidores inativos, é constitucional no que atine à possibilidade de tributação dos aposentados, todavia, não pode prosperar quanto à discriminação desarrazoada e desproporcional da base de cálculo tomada (art. 4º), desigualando servidores públicos que estejam na mesma situação jurídica e sem a devida observância de suas capacidades contributivas.


Notas

1 Com a pertinente ressalva da Teoria Autopoiética. Essa teoria tem como idéia básica um sistema organizado auto-suficiente. Este sistema produz e recicla seus próprios componentes diferenciando-se do meio exterior. O termo Autopoiese foi criado pelos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela, tendo a concepção de sistema sido aplicada às demais ciências.

2 São os chamados riscos sociais, na medida em que o homem, como ser limitado e fadado a um fim, pode se precaver da possibilidade do desemprego ou mesmo da insuficiência de recursos necessários a uma vida digna.

3 Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923, que instituiu as Caixas de Aposentadorias e Pensões para os ferroviários, as CAPs.

4 Decreto nº 34.586, de 12 de novembro de 1953 que criou o Instituto dos Trabalhadores de Ferrovias e Serviços Públicos (IAPFESP).

5 Institutos de Aposentadoria e Pensão.

6 Com exceção do DATAPREV (Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social), empresa pública instituída pela Lei nº 6.125, de 4 de novembro de 1974.

7 Era a chamada integralidade.

8 Algumas das contribuições sociais como A COFINS, CPMF, CSLL e o PIS/PASEP são administrados pela Secretaria da Receita Federal (SRF). A respeito, vale a pena que reflitamos sobre a sua possibilidade em face do sistema, já que nos valendo de uma interpretação sistemática, temos que a destinação constitucional impõe uma efetiva separação dos "fundos" arrecadados do patrimônio dos entes políticos (parafiscalidade). O tema foi esquadrinhado por nomes do tomo de Hugo de Brito Machado, Ives Gandra da Silva Martins, Lucia Valle Figueiredo e Wagner Balera na obra intitulada "As Contribuições No Sistema Tributário Brasileiro" em edição conjunta da Dialética e do Instituto Cearense de Estudos Tributários - ICET.

9 Devemos ainda tem em mente o caráter democrático que assegura a participação dos trabalhadores e segurados nos órgãos colegiados que decidam matéria deste jaez (art. 10, CF/88).

10 Hoje avaliado em R$2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais) segundo o art. 28, §5º, Lei nº 8.212/91; art. 5º da EC nº41/2003 e a Portaria nº12, de 6 de janeiro de 2004 do Ministério da Previdência Social.

11 Note-se que nem mesmo a menção a lei é rudimento insofismável à caracterização tributária, já que a sua existência não se confunde com a sua validade (preferimos adotar a separação dos planos da existência e da validade como meio de propiciar uma maior articulação lingüística).

12 Hans Kelsen distingue a causalidade, ligada ao plano fenomênico, da imputação como conseqüência lógico deôntica (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.86).

13 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6º ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.186.

14 ATALIBA. Op. cit., p.184.

15 Idem. Ibidem, p.146.

16 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso constitucional de direito tributário. São Paulo:Malheiros, 2003, pp. 516, 520 e 523.

17 A propósito, mesmo o professor Sacha Calmon, antevendo as contribuições previdenciárias como tributos vinculados (RDDT nº 103, p. 157 ), acaba por afirmar em sua excepcional obra Curso de Direito Tributário Brasileiro que "Nas contribuições previdenciárias o caráter sinalagmático da relação é irrecusável. Nas demais contribuições, inclusive as sociais, este aspecto inexiste. São idênticas, estas últimas contribuições, aos impostos. São impostos afetados a fins determinados com o nome de contribuições" (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 6 ª ed. Rio de Janeiro, 2002, p. 405).

18 Lei Complementar nº 70 de 1991, art. 1º; Lei nº 9.715 de 1998, art. 2º; Lei nº 9.718 de 1998, art. 2º; Lei nº 10.637 de 2002, art. 1º; e Lei nº 10.833 de 2003, art. 1 o.

19 Se a Carta Maior subdivide as contribuições sociais em interventivas na atividade econômica, profissionais, e sociais propriamente dita, essa classificação deve ser vista em sentido amplo, pois que em verdade são todas elas espécie do gênero Contribuições Especiais (art. 149, caput, CF/88). As sociais têm fulcro no art. 195, CF/88

20 Diria a respeito Emmanuel Kant: Surge desse modo uma questão que não se pode resolver à primeira vista: será possível um conhecimento independente da experiência e das impressões dos sentidos? (KANT, Emmanuel. Crítica da razão pura. Trad. J. Rodrigues de Merege. Acrópolis).

21 Com o fenômeno da substituição tributária aplicada às contribuições previdenciárias pode ocorrer caso em que o empregador (substituto tributário) não recolha o quantum fiscal destinado à previdência, sendo que, não obstante, o empregado (comum e equiparado - avulso) fará jus aos benefícios legais, observados os prazos de carência (inc. I, art. 27, Lei nº 8.213/91).

22 No regime especial se contribui apenas para a previdência respectiva, sendo importante notar que tal fato não afasta os servidores públicos dos benefícios da assistência social e saúde. Pensando a respeito, temos que somente no regime especial podemos afirmar a existência de uma legítima "contribuição previdenciária", a despeito da exigência de vinculação das receitas tributárias (contribuições) do regime geral à finalidade de custear os benefícios pecuniários devidos (art. 167, inc. XI, CF/88).

23 Apesar do antecedente da norma que institui a obrigação do Estado prestar ou dar benefício ter como critério material a efetiva ocorrência do risco social, em alguns casos agrega-se ainda elementos acidentais como a (i) explicitação da situação da necessidade, (ii) a carência, e (iii) a causa da contingência social, consoante alinha Daniel Pulino em Aposentadoria por Invalidez no Direito Positivo, p. 71 e ss., narrado por Wanderlei Pedro Costenaro em sua excelente tese de Mestrado em Direito Previdenciário (COSTENARO, Wanderlei Pedro. O princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios no regime geral da previdência social. São Paulo:PUC/SP, 2004, p. 98).

24 Lembramos que isso não sói ocorrer em âmbito público, pois que o funcionário já recebe seus vencimentos com o desconto tributário.

25 Desde que se trate de empregado doméstico, contribuinte individual, empresário, trabalhador autônomo, segurado especial e facultativo, e que se refira a benefícios que exijam carência (art. 27, inc. II, Lei nº 8.213/91).

26 Daí se explicar a instituição do fator previdenciário no cálculo do valor de certos benefícios. No demais, "Russomano, no seu Curso de Previdência Social, defende a necessidade absoluta de planejamento em matéria previdenciária. E o plano de custeio nada mais é do que o dado de planejamento indispensável para a caracterização do sistema de proteção que tenha confiabilidade; que não seja abalado constantemente por oscilações econômicas conjunturais e estruturais; enfim, que não fique sujeito a injunções políticas nem sempre atentas ao interesse coletivo" (Apud. Wagner Balera in As contribuições no sistema tributário brasileiro, p.577).

27 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 91.

28 O termo sinalagma significa "nexo que existe entre as obrigações recíprocas", não tendo guarida em sede de direito público (VALLETTA, Maria Laura. Diccionario jurídico. Valletta ediciones, 1999, p. 654).

29 Elucida João Antônio G. Pereira Leite: "A relação entre o dependente e o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) é direta e não por via oblíqua, através do segurado. Vincula-se o dependente por direito próprio sem substituir o segurado na relação jurídica ou, em outras palavras, sem que se verifique sucessão" (PEREIRA LEITE, João Antônio G. Curso elementar de direito previdenciário. São Paulo: LTR,1977, p.87).

30 Vide Aliomar Baleeiro, Geraldo Ataliba, Amílcar Falcão e Alfredo Augusto Becker.

31 Assinala Ross que toda norma de estrutura pode ser convertida em norma de conduta (ROSS, Alf. Direito e justiça. Edipro, 2003, 76).

32 AMARO, Luciano da Silva. Conceito e classificação dos tributos, Revista de Direito Tributário nº55. São Paulo: RT, 1991, p.285.

33 "Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II - a destinação legal do produto da sua arrecadação."

34 Com efeito, se à unanimidade apresentam as contribuições sociais base de cálculo que infere a capacidade contributiva do sujeito passivo, como argumentar que a elas se aplicariam o Princípio do Ressarcimento? Note-se que tais princípios são inconciliáveis. Enquanto o Princípio da Capacidade Contributiva remarca um fato presuntivo de riqueza ligada ao contribuinte, o Princípio do Ressarcimento refere-se ao custo procedido pelo serviço público, de modo a obedecer à recomposição do patrimônio afetado e a vedação do enriquecimento ilícito

35 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.29 e Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência.São Paulo: Saraiva, 1999, pp. 171–181.

36 TIPKE, Kaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 32.

37 Arranjo do repertório, ao gosto de Tércio Sampaio Ferraz Jr.

38 MARQUES, Márcio Severo. Classificação constitucional dos tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000, p.144.

39 Veículo introdutor primário de normas jurídicas.

40 Temos uma bitributação em caso de duplicidade de incidência tributária produzida por entes políticos distintos sobre a mesma materialidade. A contrario sensu, temos o bis in idem quando o mesmo ente tributante cria regras tributárias de conduta sobre o mesmo suporte fáctico.

41 "Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: § 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I".

"Art. 154. A União poderá instituir: I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;" (grifos nossos).

42 SILVA. José Afonso da. Aplicabilidade das normas consitucionais. 3ª. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 141.

43 "O princípio do Estado Social ou princípio da solidariedade é apenas um dentre vários princípios do Estado Social e Liberal de Direito. A tríade dos valores fundamentais consiste na liberdade, na igualdade e na solidariedade" (TIPKE, Kaus e YAMASHITA, Douglas. Op. cit. p. 43).

44 Com o advento da EC nº 20 de 1998, além da modificação do art. 195, se inseriu o §12 ao art. 40 com a seguinte literalidade: "Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado o regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo."

45 "Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos (...)"

46 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade.3ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 21.

47 "Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará, sucessivamente, na ordem indicada: (...) §2º o emprego da equidade não poderá resultar dispensa do pagamento do tributo devido."

48 Averba a respeito Bernardo Ribeiro de Moraes: "As normas imunitárias devem ser interpretadas através de exegese ampliativa Não podem ser restritivamente interpretadas, uma vez que o legislador menor ou o intérprete não podem restringir o alcance da Lei Maior" (MORAES, Bernardo Ribeiro de. Curso de direito tributário. 1ª ed., São Paulo: RT, p. 407.

49 "Art. 40. (..)§12 Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios do regime geral da previdência social."

50 Rcl. 1.602 AgR-SE; Rcl. 1.603 AgR-SE; Rcl. 1.607 AgR-SE; RE 357.956-RS; RE 387211-RS, RE 387517-RS, RE 357299-RS; RE 357833-RS; RE 358402-RS, RE 367392-RS etc.

51 Mesmo as chamadas cláusulas pétreas são normas de igual patamar às demais consignadas no Texto Maior, detendo, todavia característico específico de intangibilidade pelo poder constituinte derivado (art. 60, inc. IV, § 4º, CF/88).

52 Também chamado de Justeza ou Conformidade Funcional, Princípio da Harmonização, Concordância Prática ou Unidade da Constituição segundo Canotilho e Vital Moreira, como nos lembra Alexandre de Morais (MORAIS, Alexandre de. Direito constitucional. 12ª. ed. São Paulo: Atlas, 2002, pp. 44 e 45).

53 CANOTILHO, JJ Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 2001, p.1146.

54 Aduz o mestre: "a Emenda Constitucional n. 20/98 revogou, pura e simplesmente (art. 17), o inciso II do § 2º do art. 153 da Constituição Federal. Todavia, dentro da linha de pensamento que adotamos, estamos convencidos de que este dispositivo continua em vigor e irradiando efeitos. Realmente, tratando de imunidade tributária (direito fundamental do contribuinte), ele veicula cláusula pétrea (cf. art. 60, §4º, IV, da CF), imodificável, pois, por meio de emenda constitucional, fruto do mero poder constituinte derivado" (CARRAZZA, Roque Antônio. Op. Cit. p.712).

55 Agora, mesmo o regime público pode ter limites beneficiários, da mesma sorte que o RGPS, conquanto os entes competentes instituam previdência complementar (§14, art. 10, CF/88), com a ressalva dos direitos adquiridos e atos jurídicos perfeitos (§16, art. 40, CF/88).

56 Inexiste, e.g., aposentadoria por idade ou tempo de contribuição no regime especial dos servidores públicos, sendo os critérios conjugados ainda com um tempo necessário de 10 anos de serviço e mais 5 anos no cargo efetivo em que se der a aposentadoria (inc. II. §1º, art. 40, CF/88).

57 O Princípio da Uniformidade não consegue atar tais preceitos, pois, de outra sorte, afrontaria o rudimento mais ínsito à justiça – a igualdade.

58 No dizer de Paulo de Barros, é "a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional pra expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas" (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 181).

59 Seria verdadeiro caso de "imunidade parcial" consoante já dispôs o prof. Sacha Calmon a respeito da imunidade dos rendimentos de aposentadoria e pensão recebidos por pessoas com mais de 65 anos de idade (COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à constituição de 1988: Sistema tributário. 2ª. ed. Rio de janeiro: Forense, 1990, p. 402).

60 O valor nominal é aquele expresso na moeda, é a cifra com base na qual se paga e se recolhe. Já o valor real é intrínseco, correspondendo ao poder efetivo de compra perante o mercado e a economia. A defasagem entre um e outro nos revela a corrosão da moeda utilizada.

61 A respeito, ressalta o art. 41 da Lei nº 8.212 de 1991: "Art. 41. Os valores dos benefícios em manutenção serão reajustados a partir de 2004, na mesma data de reajuste do salário mínimo, pro rata, de acordo com suas respectivas datas de início ou do seu último reajustamento, com base em percentual definido em regulamento, observados os seguintes critérios: (Redação dada pela Lei nº 10.699, de 9.7.2003) I - preservação do valor real do benefício; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 24.8.2001) II - (Revogado pela Lei nº 8.542, de 23.12.92) III - atualização anual; (Alínea incluída pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 24.8.2001) IV - variação de preços de produtos necessários e relevantes para a aferição da manutenção do valor de compra dos benefícios. (Alínea incluída pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 24.8.2001)" (grifamos).

62 O salário-maternidade é provento ressarcitório, sendo, portanto inacumulável com qualquer outro benefício substitutivo. Mais além, é sempre integral para a empregada e trabalhadora avulsa, tendo o STF decidido que seu valor pode ultrapassar o limite do teto previdenciário, vide art. 28 da Lei 8212/91 e art. 72 da Lei nº 8213/91.

63 GABBA, Francesco. Teoria della Retroattività delle Leggi. 3ª. Ed. Turim: Utet, 1891, p. 191.

64 Daí porque não se trata de estudo de direito intertemporal.

65 Também o Superior Tribunal de Justiça no Mandado de Segurança nº 7- DF. Rel. Min. Miguel Ferrante, R. Sup. Trib. Just. 2(7)/pp.173, 1990, j. em 12/12/1989.

66 As normas de estrutura, assim, também "incidiriam" como as normas de conduta. A dicotomia (estrutura/conduta), apesar de poder ser revertida (Ross), fornece ao operador do direito recursos lingüísticos que facilitam seu trabalho, daí porque dela nos servimos.

67 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo, Atlas, 1991.

68 "(...) O direito adquirido, garantido no §3º do Art. 153 da Constituição Federal, somente é oponível à lei. Contra a própria Constituição não há direito adquirido. (...)" (STF, Pleno, Representação n. 895, Rel. Min. Djaci Falcão, RTJ 67/327).

69 Faz-se, pois, necessário que o direito seja reconhecido em linguagem competente, como a individualização da norma geral e abstrata sob o império da qual o titular preencheu os requisitos. Imprescindível a norma jurídica individualizada; compondo, em conjunto com as demais, o sistema do direito positivo. Essa é a razão pela qual achamos incoerente a aferição do direito adquirido como direito subjetivo em contraste com o direito objetivo. Se é direito, como tal somente pode ser reconhecido por haver sido vertido em linguagem, em enunciados, sobre os quais, debruçando-se o intérprete, pode construir a norma jurídica aplicável.

70 Assim, há autores que, fazendo uma distinção entre direito e garantia ao direito adquirido, averbam que apenas enquanto garantia, isto é, como norma enunciada no art. 5º, XXXVI, do texto constitucional, se avulte com assomos de intangibilidade. Não vislumbramos tal distinção.

71 TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Op. cit. p. 42.


NOTA DE ATUALIZAÇÃO (do Editor)

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3105, referida no presente trabalho, foi julgada improcedente em 18/08/2004, tendo sido redigida a seguinte ata:

"O Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação em relação ao caput do artigo 4º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, vencidos a Senhora Ministra Ellen Gracie, relatora, e os Senhores Ministros Carlos Britto, Marco Aurélio e Celso de Mello.

Por unanimidade, o Tribunal julgou inconstitucionais as expressões "cinqüenta por cento do" e "sessenta por cento do", contidas, respectivamente, nos incisos I e II do parágrafo único do artigo 4º da Emenda Constitucional nº 41/2003, pelo que aplica-se, então, à hipótese do artigo 4º da ec nº 41/2003 o § 18 do artigo 40 do texto permanente da Constituição, introduzido pela mesma Emenda Constitucional.

Votou o presidente, o Senhor Ministro Nelson Jobim.

Redigirá o acórdão o Senhor Ministro Cezar Peluso."

Mais informações:

- Acompanhamento Processual

- Notícia no site do STF

- Íntegra dos votos de alguns Ministros (em formato PDF)


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORDEIRO, André Felipe de Barros. Taxação dos inativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 494, 13 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5881. Acesso em: 26 abr. 2024.