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Taxação dos inativos

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A EC nº 41 é constitucional no que atine à possibilidade de tributação dos aposentados, todavia, não pode prosperar quanto à discriminação desarrazoada e desproporcional da base de cálculo tomada.

1 – INTRODUÇÃO

Nos limites de um artigo doutrinário, o presente trabalho tem por fim discorrer sobre o tema "taxação dos inativos", abordando tão apenas sua adequação em face do sistema do direito positivo brasileiro. A par disso, tentaremos evitar discussões infrutíferas, verbi gratia, sobre a justiça e elementos políticos que influenciaram o governo petista a se valer do poder constituinte derivado, ou mesmo as orientações jurisprudenciais que andam em sentido análogo.

O assunto não é novo, mas vem à tona com maior intensidade pelo advento da Emenda Constitucional nº 41 de 2003, a qual, dentre outras modificações, deu nova redação ao art. 40 da Constituição Federal, reformando a previdência do setor público.

Aludida por ilustres nomes da literatura jurídica como inquinada por incontáveis máculas, não obstante, encontra-se no ordenamento jurídico pátrio, não fosse a iminência da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 3105-8/DF proposta pelo CONAMP (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público). (* ver nota de atualização no final do presente texto)

Não obstante, as cautelas sobre o tema merecem ressaltos da maior ordem, com toda a consideração científica na tentativa de descrever sua eficácia e validade, ausentes, nos limites da possibilidade, de quaisquer inspirações profissionais ou recursos retóricos que em nada contribuam para o desvendar da fenomenologia da exação e sua implicações no sistema.

Dentre os inúmeros embates atinentes, trataremos da natureza das contribuições previdenciárias para aferir se há necessidade de uma efetiva contraprestação do Estado à tributação na inatividade; a possibilidade de tal exação se caracterizar bis in idem inconstitucional tendo-se em conta a incidência do Imposto de Renda; o caráter solidário da contribuição previdenciária e de seguridade social; sobre a possibilidade de aplicação de isonomia entre os servidores públicos e os sujeitos ao regime geral de previdência (RGPS); a conformação do Princípio da Irredutibilidade dos benefícios e suas balizas; para, enfim, discorrer sobre a validade da citada "taxação" em confronto com direitos fundamentais do homem como o direito adquirido.


2 – A PREVIDÊNCIA NACIONAL

A Seguridade Social é um "sistema" [1] que compreende a saúde a previdência e a assistência social, conceituada como o conjunto de princípios e preceitos que conformam institutos, instituições e condutas a fim de estabelecer uma segurança social aos indivíduos contra contingências [2] que os impeçam de prover a suas necessidades pessoais básicas e de suas famílias, integrado por ações de iniciativa pública e particular.

O histórico da previdência é um emaranhado de siglas que podem causar grande confusão. Não obstante, vale o esforço. Da Lei Eloy Chaves [3], passando pelas demais CAP’s a serem fusionadas na IAPFESP [4]; os IAP’s [5] atendiam os trabalhadores urbanos, enquanto os IPASE’s tutelavam os funcionários públicos. A LOPS (Lei Orgânica da Previdência Social – Lei nº 3.807/60) padronizou o sistema e ampliou o leque de benefícios. Entretanto, somente em 1966 foi criado o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social) pelo Decreto-lei nº 72, unificando os IAP´s. Através do SINPAS (Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social – Lei nº 6.439/77) houve uma reorganização previdenciária com a sua integração às funções sociais, a exemplo da LBA, FUNABEM, CEME, do INAMPS, DATAPREV e do IAPAS (fiscalização e cobrança das contribuições). Pois bem, com a Lei nº 8.029/1990 fundiu-se o IAPAS ao INPS, surgindo a partir de então o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, tendo as demais entidades sido extintas. [6]

O que se extrai desse contexto histórico é que com a crescente preocupação do Estado com a Ordem Social nasceram os direitos de segunda geração como ressaltos de obrigações estatais positivas, inserindo-se aí o direito previdenciário. Desde o início, contudo, houve uma nítida separação entre o regime geral (RGPS) e o regime especial, detendo até 2003 uma plena prevalência este último. Verbi gratia, não dispunha o regime do setor público de "teto previdenciário" [7] e em alguns casos a aposentadoria implicava mesmo uma promoção do servidor (regime militar).

Outrossim, com os desacertos na administração dos fundos sociais, a necessidade de se criar uma desvinculação econômica dos entes políticos tornou-se em parte [8] uma realidade. Trata-se, assim, a previdência, de verdadeira descentralização legal de serviço público, mediante a criação de pessoa jurídica própria para a tutela de interesses socialmente relevantes [9]; eis um dos aspectos parafiscais das contribuições previdenciárias.

Enquanto o INSS arrecada, cobra, fiscaliza e administra as contribuições, bem como fornece benefícios, o regime público é administrado por autarquias próprias, a exemplo dos militares e servidores públicos civis federais, estaduais, municipais e distritais.

Discorrer sobre a "taxação dos inativos" é delinear matéria referente à tributação dos servidores públicos aposentados e apenas a esses, refugindo ao regime geral de previdência. Isso ocorre mesmo com a atual aproximação do regime público ao privado, conquanto somente os servidores públicos aposentados que aufiram proventos superiores ao teto do regime geral [10] possam ser tributados. Os demais são, ex posits, imunes, à luz do art. 40, §18 e art. 195, inc. II, da Constituição Federal.


3 – CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. NATUREZA JURÍDICA E VINCULAÇÃO.

Um dos discursos de vedação da tributação dos inativos se conjuga no aspecto da necessidade de auferição de benefícios ulteriores à aposentaria, já que tais tributos seriam vinculados. Assim, se a contribuição social previdenciária depende de uma atuação estatal, a tributação daqueles que houveram por contribuir por longo período de suas vidas deveria vir atrelada a um benefício social correspondente.

O argumento de que as contribuições não sejam tributos é ultrapassado, pretendendo ver no aspecto constitucional topográfico e nas peculiaridades dessa sorte de exação elementos próprios de uma nova figura. Se tributo é termo plurissemântico, por outro lado é certo que se trata de "uma função", no extrato de sua definição colhida da implicitude do texto magno. Não importa, com efeito, o nomen juris ainda que consagrado pelos pretórios (art. 4º, inc. I, CTN), o tributo, seja como objeto da prestação, seja como a prestação em si, seja mesmo como a obrigação jurídica ou ainda a relação em toda a sua dinâmica, é tributo pelo simples característico de exercer coerção ao sujeito passivo para que recolha prestação pecuniária, desde que não constitua sanção por ato ilícito. [11]

Fixada a primeira premissa, temos que as contribuições previdenciárias são tributos. Mas o que seria um tributo vinculado? A vinculação diz respeito a uma atuação, mesmo que indireta, do Estado ou quem lhe faça as vezes. Mais precisamente, o tributo vinculado nasce pela imputação formal [12] de uma relação jurídico-tributária a uma conduta comissiva do poder público.

A doutrina é praticamente unânime em afirmar que as contribuições, mesmo as sociais, incluindo-se aí as previdenciárias, são tributos vinculados. A propósito, há muito ressalta o grande Geraldo Ataliba que tais obrigações jurídicas têm muita semelhança com as taxas, distinguindo-se destas apenas pela referibilidade indireta ao contribuinte.

Todavia, na tentativa de captar a essência das contribuições, advoga o mestre que a sua dependeria da conformação da atuação estatal posta no cerne da h.i. (daí a referibilidade), ou seja, se é provocante ou provocada, in verbis:

"Daí a classificação que fazemos das contribuições em duas categorias: conforme a atuação estatal posta no cerne da h.i. seja provocante ou provocada, teremos uma ou outra variedade de contribuição.

O gráfico esclarece bem a idéia que se quer transmitir:

1) Atuação provocante

2) Atuação provocada

No primeiro caso a atuação estatal provoca uma conseqüência (elemento intermediário) , a qual se refere (se liga) ao obrigado .

É nitidamente o caso das contribuições de melhoria, como já vimos.

No segundo caso, a atuação estatal é provocada por uma situação, fato, acontecimento (elemento intermediário) a qual se refere (se liga) ao obrigado . (...)

No segundo caso, o obrigado desenvolve uma atividade que causa uma situação, a qual, por sua vez, provoca uma atuação pública. Aqui também, o contribuinte se relaciona à atuação mediante a situação que provocou (elemento intermediário." [13]

Data vênia, não podemos concordar com a doutrina do eterno mestre. Em meio a essa explanação, onde se encontra a imputação da obrigação tributária? Se a atuação estatal advém como efeito da situação provocada pelo contribuinte, devemos ou não esperar o seu acontecimento para que nasça o tributo? De resto, teríamos de ter essa atuação sempre que a situação fosse comprovada. Não é o que ocorre. Mais além, tal exposição não apresenta sequer conteúdo jurídico, acabando por percorrer a mesma senda de Achille Donato Giannini. [14]

É dos assertos do próprio Ataliba que vamos extrair o que sejam tributos vinculados, na medida em que "definem-se os tributos vinculados como aqueles cujo aspecto material da h.i consiste numa atuação estatal". [15]

Sentido a vertente da realidade jurídica, como já enfatizava Alfredo Augusto Becker, obtempera Roque Antônio Carrazza [16] que as contribuições sociais nem sempre dependem de uma atuação estatal, ora tendendo, assim, a se apresentarem com a estrutura de taxas, ora de verdadeiros impostos [17].

Para melhor compreendermos o que se aduz, nada melhor do que visualizarmos, ao gosto de Kelsen, a norma primária que institui uma contribuição social, sua regra -matriz. Verbi gratia, a Cofins [18] somente pode nascer do auferimento de receita pela pessoa jurídica de direito privado (inclusive as a ela equiparadas pela legislação do imposto de renda), nada tendo a ver com a atuação estatal. O critério material é – Auferir receita bruta.

Repise-se: da mesma sorte, não há na hipótese normativa (h.i.) das contribuições previdenciárias, como subespécie das contribuições sociais [19], qualquer referência a uma atuação estatal, ainda que indiretamente. Vale gizar, o sujeito passivo não deve recolher tais contribuições por decorrência de uma prestação ou utilidade fornecida pelo Estado; deve assim proceder pelo simples fato de perceber salário (ou ainda que o pague), receita, lucro, remuneração, subsídios etc.

Se o recolhimento de contribuição previdenciária tem o fim precípuo de beneficiar o contribuinte, tal pode apenas ser afirmado em altiplano pré-legislativo ou empírico [20], já que inexiste qualquer sinalagma entre tal tributo e a concessão de benefícios previdenciários.

De outra sorte, como explicar os casos de substituição tributária que soem ocorrer neste particular em âmbito jurídico [21]? E as contribuições recolhidas pela empresa com base na folha de salários? E o financiamento da assistência social com os recursos previdenciários, conquanto aqui inexista relação de custeio? E a possibilidade de se auferir benefícios acidentários, os quais não exigem prazo de carência, como na aposentadoria por invalidez, ainda que no primeiro dia de labor? Como explicar também o período de graça (art. 15 da Lei nº 8.213/91), no qual o sujeito, não obstante a ausência de custeio (recolhimento de contribuição), ainda faça jus aos benefícios, mantendo-se na condição de "segurado"? E a aposentadoria do anistiado e as pensões especiais como a dos portadores de síndrome de talidomida e por decorrência de hemodiálise em Carandiru? E o fato de inexistir qualquer contraprestação do Estado, v.g., pela exoneração do servidor público antes de completados os requisitos necessários à aquisição de qualquer benefício?

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Fica evidente que a prestação dos serviços da previdência é evento que não compõe e nada diz respeito com o nascimento da obrigação tributária. O sujeito passivo aqui deve pagar não pela prestação previdenciária, mas, numa visão pré-jurídica, para o serviço público e prestações que integram a seguridade social, a qual, inclusive, vai além dos objetivos previdenciários. [22]

O Estado, por seu turno, ainda que tratemos de prestação previdenciária, não atua por implicação da contribuição recolhida, mas por obrigação legal, advinda de regra constitucional e administrativa [23]. O que pode ocorrer, porém, é que o contribuinte "inadimplente", a despeito da ocorrência de evento infausto, venha a bater às portas da entidade previdenciária competente [24]. Ainda aqui, não se há dizer que a atuação estatal sempre dependa da quitação tributária, mas antes que em alguns casos [25], o prazo de carência, cujo término é o átimo necessário ao surgimento do direito ao benefício, somente se começa a contar com a regularidade fiscal do contribuinte.

Ademais, outro cuidado que devemos ter é que do simples fato de certos benefícios pecuniários continuativos (art. 28 da Lei nº 8.213/91) ofertados pela previdência levarem em conta, em seu critério quantitativo, a base de cálculo da contribuição previdenciária, qual seja, o salário-contribuição, não se pode concluir daí que há sinalagma ou medida de contraprestação. Isso ocorre por prevenção financeira e econômica, de modo a atender à ciência atuarial e ao Princípio da Contrapartida (art. 201, caput, CF/88), equilibrando as contas dos serviços da seguridade, sob pena de um colapso geral [26], o que atentaria contra a Ordem Pública.

Se ao nascimento do tributo previdenciário os serviços públicos são fattipecii irrelevantes, seria a "hipótese de incidência tributária" das contribuições galgada numa álea, risco ou contingência social provocada por determinada situação do contribuinte? Esta foi a premissa trilhada pela Teoria do Prêmio de Seguro na tentativa de explicar a natureza jurídica das contribuições sociais. É Sérgio Pinto Martins quem nos recorda:

"Alberto Xavier (1974:68-9) defende a referida tese ao mencionar que ´´tais contribuições não tem natureza de taxas (...) Trata-se, sim, da relação sinalagmática própria de toda e qualquer relação de seguro, em que uma prestação - o prêmio - é realizada como contrapartida de uma prestação aleatória, devida pela ocorrência do risco assegurado. Isso, que é assim no seguro privado facultativo, também o é no seguro social obrigatório`. Tal natureza seria evidente para o citado jurista em relação aos próprios beneficiários, mas manifesta dúvida quanto às contribuições devidas por terceiro, como em relação as devidas às entidades patronais.

Há de se ressaltar que o prêmio é a contraprestação devida pelo segurado ao segurador, em função de risco assumido pelo segundo. A idéia, porém, de prêmio de seguro não se assemelha à previdência social, pois esta tem por objetivo amparar as pessoas que se encontrem em uma situação de necessidade, que não se verifica no seguro se não houver o pagamento das prestações. A Seguridade Social tem também por objetivo distribuir renda, o que não se observa nas empresas de seguro, que inclusive são privadas." [27]

Arrematando, se o sinalagma [28] diz respeito à necessária vinculação entre duas prestações entre si coligadas, de modo que o inadimplemento de uma implique mesmo na resolução do quanto pactuado, como argumentar, com base nessas razões, de sua pertinência em âmbito previdenciário? Quem não dispõe de tais benefícios então não deve recolher as debatidas contribuições? Então como explicar a contribuição patronal, conquanto as pessoas jurídicas não se aposentem e não fiquem doentes? E os benefícios deferidos aos dependentes [29]? Fica cada vez mais claro que o que a doutrina tracejou com fortes linhas, a respeito da distinção entre a relação de custeio e a relação de benefício, toma vulto.

A propósito, a legislação, pretendendo deixar claro a distinção entre uma relação e outra, veiculou normas específicas em leis distintas. Assim que a Lei nº 8.212 cuida da relação de custeio e a Lei nº 8.213 se reporta ao plano de benefícios, tendo ambas sido publicadas no mesmo dia 24 de julho de 1991, aplicando-se a cada qual princípios e preceitos diversos.

Ex posits, o argumento de que com a aposentadoria cessam os motivos para o pagamento da contribuição sob a tênue tese de que isso retiraria sua finalidade é inconsistente, já que parte da errônea premissa de que existe sinalagma sem sequer saber se haverá uma contraprestação, para então concluir que a finalidade que deve imperar não é social, mas egoística. Sem encerrar, destaque-se que o aposentado continua a fazer jus aos benefícios da assistência social, saúde pública, reabilitação profissional e salário família, mesmo no regime geral (§2º, art. 18, Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 9.528/97).


4 – 0 BIS IN IDEM E O IMPOSTO DE RENDA

Como vimos, nada tem a ver o nascimento da obrigação tributária com a atividade previdenciária desenvolvida pelo Estado, ou pelo menos quase nada. É que o fim previdenciário, a destinação do tributo, antes de ser norma de direito financeiro, o é de direito tributário, a despeito das doutas opiniões em sentido contrário. [30]

Sem embargo, a destinação tributária algumas vezes advém como norma de estrutura [31] que autoriza o ente tributante a lançar mão de determinados fatos ou situações jurídicas à instituição de hipóteses normativo-tributárias. Sem essa normatividade, que deve surgir com a regra matriz da contribuição, tal qual preceitua a Constituição Federal, falta mesmo competência à entidade política, podendo ser o caso de bis in idem ou bitributação inconstitucional, como bem preleciona o professor Luciano da Silva Amaro:

"Se a União instituir tributo sobre o faturamento das empresas sem especificar a destinação exigida pelo art. 195 da Constituição, a exação (ainda que apelidada de contribuição) é inconstitucional, entre outras possíveis razões, pela invasão de competência dos Estados ou dos Municípios (conforme se trate de faturamento de mercadorias ou de serviços)." [32]

Temos assim que a destinação previdenciária é norma de estrutura que deve integrar o conteúdo do veículo legal introdutório que institua a contribuição, como forma de legitimar o poder público a sacar de sua competência tributária. Mas aqui residiria uma questão: como conformar tal tese à literalidade do art. 4º, inc. II, do CTN? [33]

O que o Códex Tributário preceitua é que o que se faz ou se deixa de fazer com as quantias recolhidas a título de tributo não tem o condão de corromper a natureza tributária de uma obrigação, não dizendo respeito com a classificação a ser adotada (espécie tributária). É que se determinada obrigação é um tributo, o destino de sua arrecadação não lhe retira o característico de "ser tributário", o que não impede de atinar à sua espécie, em determinados casos. Neste particular, a respeito da espécie tributária, também ganha relevo a base de cálculo e a sua consonância com a materialidade tributária constitucionalmente eleita.

Interessa agora que façamos uma rápida digressão para análise relevante na estrutura das contribuições previdenciárias. Se é certo que as mesmas possuem base de cálculo ínsita aos impostos [34], tanto que se cogita serem um bis in idem ao IR, medindo direta ou indiretamente a capacidade contributiva do obrigado tributário, argumentar que seriam tributos vinculados, sem que haja atuação Estatal efetivamente prestada, equivale a afirmar que todas as contribuições sociais são inconstitucionais, já que detêm base imponível não compatível com a hipótese normativa, malferindo o Princípio da Tipologia Tributária, como bem adverte o prof. Paulo de Barros Carvalho. [35]

Estudioso do assunto, Klaus Tipke arremata que "o Princípio da capacidade contributiva não pergunta pela vantagem que o contribuinte tem dos serviços públicos, ou quais custos ele causa ao Estado, mas apenas com quanto o contribuinte pode contribuir para o financiamento das tarefas do Estado em razão de sua renda disponível". [36]

Prosseguindo no tema proposto, classificar é forma de separar elementos sistêmicos [37] de acordo com determinadas peculiaridades que os ata; "é distribuir objetos em categorias distintas (classes) de acordo com as semelhanças entre os conceitos que os designam" [38]. Dessarte, se tais semelhanças são o resultado das particularidades eleitas (critérios), a classificação é sempre atuação subjetiva, variando de pessoa a pessoa.

Remarque-se, outrossim, que a classificação adotada, per se, não transmuda o regramento jurídico aplicável. Sem embargo, se o direito não é, mas deve ser, não existindo no plano das reações físico-biológicas, seu aspecto ontológico se conforma com o regramento e premissas a ele postos, tal como emerge das entranhas do evento social.

Se se pretende chamar as contribuições previdenciárias de imposto, isso não logra modificar a realidade jurídica que impele o legislador a consignar na lei [39] que institui a regra matriz enunciados que nos remetam à norma de estrutura legitimante; desse modo, deveríamos chamá-las de "impostos com destinação específica"; da mesma sorte, se aludíssemos aos empréstimos compulsórios, deveríamos dá-los por "impostos restituíveis".

Com efeito, é a destinação constitucional que distingue as contribuições dos demais tributos. Havendo a norma de estrutura que legitima o ente político a instituir a contribuição previdenciária nos lindes do art. 195, da Constituição Federal, de acordo com as materialidades ali dispostas, há permissivo maior à ocorrência de bitributação ou mesmo de bis in idem. [40]

Fora disso, na eleição de materialidade alheia daquelas consignadas no art. 195, CF/88, a duplicidade de incidência sob o mesmo suporte (h.i. e b.c.) dos impostos já delineados, se fada à inconstitucionalidade, como retrata o §4º do art. 195 cc. inc. I do art. 154 da Carta Magna. [41]

Em suma, seja como "imposto com destinação especial", seja como contribuição social, o fato é que as fattispecii consignadas no art. 195 permitem a existência de um bis in idem (caso a União seja o ente instituidor, ex vi do art. 149, caput, CF/88) ou mesmo de uma bitributação (no caso dos Estados, Distrito Federal e Municípios instituírem contribuições previdenciárias sobre seus servidores, conforme art. 149, §1º, CF/88) em face do Imposto sobre a Renda e Proventos de qualquer natureza.

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Sobre o autor
André Felipe de Barros Cordeiro

Pós-graduando em direito tributário pela PUC/SP; advogado em São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORDEIRO, André Felipe Barros. Taxação dos inativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 494, 13 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5881. Acesso em: 19 abr. 2024.

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