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Teto de retribuição pecuniária e direito adquirido

uma abordagem acerca da Emenda Constitucional nº 41/2003

Teto de retribuição pecuniária e direito adquirido: uma abordagem acerca da Emenda Constitucional nº 41/2003

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O presente trabalho afirma a impossibilidade, na ordem constitucional brasileira, de se proceder a qualquer redução das retribuições pecuniárias dos agentes públicos, se estas (retribuições) tiverem se incorporado ao seu (dos agentes) patrimônio jurídico e estiverem de acordo com os limites impostos pela Constituição originária.

RESUMO

O presente trabalho afirma a impossibilidade, na ordem constitucional brasileira, de se proceder a qualquer redução das retribuições pecuniárias dos agentes públicos, se estas (retribuições) tiverem se incorporado ao seu (dos agentes) patrimônio jurídico e estiverem de acordo com os limites impostos pela Constituição originária. Diferencia os poderes constituinte e reformador, ressaltando que somente o primeiro é inicial, soberano e incondicionado e que cada um tem um titular diverso. Conceitua direito adquirido, analisando suas características e relacionando-o com o princípio da irretroatividade das leis. Expõe que a garantia do direito adquirido é cláusula pétrea da Constituição Federal de 1988, devendo ser respeitada inclusive por emenda constitucional. Após trabalhar os conceitos de agentes públicos e retribuição pecuniária, analisa os termos do teto de retribuição posto na Constituição originária e elucida o verdadeiro significado normativo do art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Discorre sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal referente à questão do teto de retribuição pecuniária, frisando a peculiar situação das vantagens pecuniárias de caráter individual ou relativas à natureza ou ao local de trabalho e suas conseqüências quanto à configuração de direito adquirido. Fala sobre a não-auto-aplicabilidade do art. 29 da Emenda Constitucional nº 19/98. A partir da constatação de que há direito adquirido contra as emendas constitucionais, conclui pela inconstitucionalidade do art. 9º da Emenda Constitucional nº 41/2003. Antes, no entanto, refuta os argumentos de que o interesse público e o princípio da razoabilidade poderiam justificar a redução das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos. Afasta também, por intermédio do princípio da proporcionalidade, o conflito entre a moralidade e a segurança jurídica.

Palavras-chave: Emenda Constitucional. Direito adquirido. Poder constituinte. Poder Reformador. Cláusula pétrea. Teto de retribuição pecuniária. Agentes públicos. Vantagem pessoal. Segurança jurídica. Moralidade. Proporcionalidade. Declaração de inconstitucionalidade.


INTRODUÇÃO

Às vezes, na vida de uma nação, medidas são tomadas pelos governantes (e aqui se entenda não só os do Poder Executivo), gerando calorosos aplausos por grande parte do povo. São as raras ocasiões em que se alcança uma quase-unanimidade. No entanto, algumas dessas providências, intencionalmente ou não, acabam por trazer consigo o germe de nefastas conseqüências que só mais tarde são verificadas.

O presente estudo analisará uma dessas medidas que são largamente aplaudidas pelo senso-comum (e também por alguns juristas), mas que parecem possuir um potencial de destruição incalculável. Está-se a tratar da redução das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos, medida claramente visada pela norma insculpida no art. 9º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003.

Essa Emenda, seguindo os passos já trilhados pela Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, incluiu, no seu art. 9º, norma que permitiria a redução nominal das retribuições pecuniárias percebidas pelos agentes públicos em desacordo com o novo teto estabelecido na própria Emenda. Ocorre que, em inúmeros casos, essas retribuições estavam de acordo com o teto estabelecido na Constituição Federal, tanto na sua redação originária quanto na redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98, tendo em vista, principalmente, interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal, máxime no tocante às vantagens pecuniárias de caráter pessoal e as relativas à natureza e ao local de trabalho. O presente estudo questionará a possibilidade de a Emenda Constitucional nº 41/2003, ao reduzir o teto de retribuição dantes posto, incidir sobre parte do patrimônio jurídico dos agentes públicos, ferindo seu direito adquirido, sob a justificativa de adequar as situações concretas às novas normas constitucionais.

No primeiro capítulo, far-se-á uma apuração da possibilidade ou não de uma emenda constitucional ferir direito adquirido. Para isso, analisar-se-ão as características dos poderes constituinte e reformador, declinar-se-á o conceito de direito adquirido e se observará como funciona, no que se refere à emenda constitucional, a cláusula que garante a intocabilidade do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julga (art. 5º, inciso XXXVI, CF).

No segundo capítulo, perquirir-se-á se se configura algum direito adquirido em favor dos agentes públicos no tocante ao teto de retribuição pecuniária. Após delimitar os conteúdos das expressões agentes públicos e retribuição pecuniária, será necessário, então, fazer uma retrospectiva da legislação, analisando-se os limites de retribuição pecuniária postos na Constituição originária e o verdadeiro significado normativo do art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. E tal análise não dispensará, por imprescindível, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito do assunto.

No terceiro capítulo, abordar-se-á a situação trazida pela Emenda Constitucional nº 41/2003, tanto o novo teto de retribuição pecuniária dos agentes públicos (art. 37, inciso XI, CF) quanto seu art. 9º, que traz a referência à aludida redução. Não sem antes, todavia, tecer observações sobre o conflito entre os princípios da moralidade e da segurança jurídica, conflito esse cuja solução passa, inexoravelmente, pelo princípio da proporcionalidade.

Enfim, as páginas que se lerão daqui por diante podem (ou não) se encaminhar para uma conclusão que muitos receberiam a contragosto, que certamente não contaria com o aplauso da grande maioria do povo. É preciso salientar, no entanto, seja qual for o resultado do presente trabalho, que aquilo que mais motivou a pesquisa do tema foi a intenção de propugnar pelo respeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadão.


CAPÍTULO I

EMENDA CONSTITUCIONAL E DIREITO ADQUIRIDO

1.1.PODER CONSTITUINTE E PODER REFORMADOR

Ao discorrer sobre emenda constitucional, imperiosa se faz a prévia abordagem sobre os poderes constituinte e reformador. Enquanto a Constituição originária é obra do primeiro, a emenda constitucional (assim como a revisão [1]) é fruto do segundo. Dessa forma, para se fazer qualquer análise jurídica acerca da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, é preciso, antes de tudo, conhecer as características e limitações do poder de onde emanou.

1.1.1.Características do poder constituinte e do poder reformador

A melhor forma para se delinear com acuidade as características do poder reformador é esclarecer o que caracteriza o poder constituinte. Isso se dá porque os poderes constituinte e reformador são essencialmente distintos. Tal distinção é tão acentuada que se pode dizer incorreta a própria denominação de poder constituinte derivado que a doutrina confere ao poder reformador.

A expressão poder constituinte derivado é uma contradição em si mesma. Ou o poder é constituinte ou é derivado. Isso ocorre porque uma característica essencial do poder constituinte é a inicialidade.

O poder constituinte é aquele que inaugura o Estado e estrutura suas bases. No dizer de Manoel Gonçalves Ferreira Filho [2], ele (o poder constituinte) é inicial porque não se funda em nenhum outro poder, mas, muito pelo contrário, é dele que derivam os demais poderes. Daí surge a constatação de que só há um único poder verdadeiramente constituinte, não passando os demais (aqui incluído o poder reformador) de simples poderes constituídos.

Essa característica de inicialidade levou Jorge Reinaldo Vanossi a considerar no próprio conceito de poder constituinte a idéia de separação de poderes. Para ele,

"[...] Era óbvio que não podia haver uma distribuição do Poder sem a pressuposição da existência de um poder superior, que praticasse essa distribuição, isto é: para poder falar de diversos poderes, das diversas funções do poder que estavam repartidas e distribuídas, havia-se que supor a existência prévia, lógica e cronologicamente falando, de um poder supremo que realizasse essa repartição, que levasse a cabo essa distribuição; [...]" [3] [grifo nosso]

Assim, o que se verifica é a distinção entre, de um lado, o poder constituinte e, de outro, os poderes constituídos. Cabe ao primeiro, no momento inicial de fundar o Estado, fazer a distribuição dos poderes estatais entre seus vários órgãos. Questiona-se, então: o poder de reforma constitucional (poder do qual emanou a Emenda Constitucional nº 41/2003) pode alterar a distribuição das funções estatais entre os demais Poderes do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário)?

A resposta que se impõe parece ser a negativa. Isso porque somente o poder constituinte "[...] não se acha coordenado com outros poderes divididos (Legislativo, Executivo, Judiciário), mas serve de fundamento a todos os poderes constituídos [...]". [4] O poder reformador, pelo contrário, está ao lado dos demais poderes do Estado [5], o que realça sua natureza constituída e não constituinte. Aliás, uma característica do poder constituinte (que, portanto, não está presente no poder reformador) apontada por Carlos Ayres Britto é a solidão. Esse autor, ao comparar o poder constituinte a Deus, assim assevera: "[...] Se Deus pudesse criar um segundo Deus, à completa imagem e semelhança Dele, primitivo Deus, o que impediria o novo Deus ‘onipotente’ de refundir, ou até mesmo descriar o Primeiro?" [6]

Assim, é inconcebível a existência de dois poderes constituintes, um originário e outro derivado. Até porque aquilo que se chama de poder constituinte derivado não possui uma outra característica indispensável ao poder constituinte: a ilimitabilidade ou soberania. [7] Enquanto o poder constituinte não encontra limites na sua tarefa de criar o Direito, o poder reformador é, pelo menos na tradição constitucional brasileira, exercido dentro de severas (e necessárias) limitações.

Abra-se um parêntese aqui para refutar a opinião de certos autores, a exemplo de Canotilho, para quem o poder constituinte não é tão ilimitado assim. Segundo esse autor, o poder constituinte obedece a padrões de conduta espirituais, culturais, éticos, está adstrito a princípios de justiça e vinculado a princípios de Direito Internacional. [8]

Quanto ao Direito Internacional, este apenas passará a vincular, independentemente do consentimento, o Direito interno dos Estados quando o poder constituinte se transferir do povo enquanto nação para o povo enquanto humanidade. Mesmo nessa hipótese, o poder constituinte não perderá seu caráter soberano, apenas o titular da soberania é que terá mudado. Quanto aos padrões de conduta espirituais, culturais, éticos e quanto aos princípios de justiça, estes, na verdade, não limitam o poder constituinte, mas são forças que compõem o próprio poder. Assim, se é que se pode falar em limites, eles são autolimites. E todo poder que se autolimita, autodeslimita-se a qualquer momento, não perdendo o caráter soberano. Assim afirma Constantino Mortati:

"[...] a constituição, enquanto ato ou fato jurídico, não pode ser expressão de um poder sujeito a limites. Tais limites, permanecendo internos às próprias forças de que ela emana, colocam-se como autolimites enquanto os limites que circunscrevem as manifestações do poder de revisão são heterolimites, limites que derivam de uma vontade diversa e supra-ordenada àquela que opera dentro do seu âmbito." [9] [grifo nosso]

Portanto, o poder constituinte é soberano, ilimitado. O mesmo não se pode falar do poder reformador, que está adstrito a limitações impostas pelo próprio poder constituinte. Há tanto limites implícitos [10] quanto explícitos. Os primeiros consistem em princípios que, mesmo não positivados, uma vez descumpridos, implicam a ruptura da ordem constitucional (é o chamado espírito da Constituição). Já os limites explícitos estão contidos, de forma expressa, na Constituição. São eles de ordem temporal, circunstancial, formal e material (sobre os limites explícitos ao poder reformador na Constituição de 1988, ver item 1.1.3, infra).

Destarte, o poder reformador, ao dar ensejo a uma emenda constitucional, deve, obrigatoriamente, observar os limites que o poder constituinte (único poder verdadeiramente soberano) lhe impôs. Uma vez ultrapassados esses limites, cabe ao Poder Judiciário (e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica nesse sentido [11]), por intermédio do controle de constitucionalidade, restabelecer a supremacia da Constituição. E aqui se apresenta mais uma distinção entre o poder constituinte e o poder reformador. A Constituição originária, obra do primeiro, não pode ser objeto de controle de constitucionalidade, enquanto a norma constitucional veiculada por emenda (ou revisão) pode. [12]

Uma outra característica do poder constituinte e que o diferencia, de forma clara, do poder reformador é sua incondicionalidade. O poder constituinte não está subordinado a qualquer procedimento preestabelecido para sua manifestação. Ninguém dita ao poder constituinte como, quando e onde se manifestar. [13] Já o poder reformador só se expressa de acordo com o procedimento previsto na Constituição (são os limites formais que adiante se verão).

Por fim, saliente-se ainda o caráter estritamente político (e não jurídico) do poder constituinte. [14] Ao contrário do poder reformador, que só existe porque está previsto e regulado pela Constituição, o poder constituinte antecede a qualquer norma de Direito e se constitui no único momento político-normativo que vai da sociedade para o Estado. No dizer de Carlos Ayres Britto, o poder constituinte não se exaure na obra que edita (permanência), sobrevivendo do lado de fora e podendo fazer quantas Constituições quiser. [15]

1.1.2. Permanência e titularidade do poder constituinte

A característica do poder constituinte que acabou de se afirmar, ou seja, aquela de que ele não se exaure na obra que edita (permanência), fez com que surgisse, ignorando todas as diferenças entre os poderes constituinte e reformador, o pensamento de que o poder constituinte engloba tanto a possibilidade de fazer quanto a de alterar a Constituição (quem pode o mais pode o menos). Por esse raciocínio, o poder reformador é, na verdade, uma extensão do próprio poder constituinte (e, nesse caso, a Emenda Constitucional nº 41/2003 seria resultado do exercício de um poder constituinte). Tal pensamento parece não ser o mais condizente com a realidade.

O poder de reformar a Constituição não pode ser o mesmo poder que a inicialmente elabora porque seus titulares são diversos (além, claro, de todas as diferenças acima apontadas). [16] Enquanto o poder constituinte (poder de elaborar a Constituição) pertence, numa visão democrática, ao povo-nação, o poder reformador (poder de reformar a Constituição) tem como titular o povo-população. [17] Explique-se.

Povo-nação nada mais é do que o povo considerado como uma unidade política soberana. É o que Sieyès chama simplesmente de nação e que Carlos Ayres Britto denomina sociedade política. [18] Já o povo-população consiste no conjunto de indivíduos (considerados individualmente) que habitam um território em certo momento [19]. Na definição de Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, povo-nação

"[...] Designa o povo como unidade política com capacidade de realizar e com a consciência de sua singularidade política e vontade de existência política: por outro lado, o povo, enquanto não existir como nação, não passará de mera associação de homens unidos com alguma forma de coincidência étnica ou cultural, mas não necessariamente política." [20]

Há, portanto, uma "[...] diferença qualitativa entre o contingente humano que se faz matriz de um poder constituinte e esse mesmo contingente que se faz o berço de um poder apenas constituído." [21] Sabendo-se que os elementos constitutivos de um Estado são o povo, o território e a soberania, pode-se muito bem afirmar que o povo, enquanto conjunto de indivíduos que habitam um certo território num dado momento (povo-população), só detém capacidade de constituir um Estado no momento em que adquire soberania. É, destarte, essa soberania que faz com que surja o poder constituinte, que nada mais é do que o poder de estabelecer uma Constituição organizadora das bases do Estado.

Por isso parece ser equivocada a idéia de que o poder constituinte está com o povo-população (conjunto de pessoas). Ora, se o poder constituinte estivesse com cada pessoa individualmente, bastaria haver uma população (conjunto de pessoas) e um território para se formar um Estado. E não é assim que acontece. É necessário que esse povo adquira uma unidade, uma objetividade que o transforme em nação.

No momento em que o povo-população se transforma em povo-nação (realidade objetiva e intertemporal) é que surge a soberania e, por conseguinte, a capacidade de fundar um Estado (poder constituinte). E só surge a soberania quando o povo-nação não encontrar mais limites, nem internos nem externos, para sua afirmação (daí a ilimitabilidade do poder constituinte).

E é exatamente nesse ponto que se apresenta a grande importância da diferenciação entre os titulares dos poderes constituinte e reformador. Se ao mesmo povo titular do poder reformador (povo-população) fosse também creditado o poder constituinte, ter-se-ia que aceitar a reforma indiscriminada da Constituição, pois quem pode criar pode modificar como bem entender. A se aceitar que o poder de reformar a Constituição é, na verdade, uma extensão permanente do poder constituinte, ter-se-ia que admitir também sua ilimitabilidade. Ter-se-ia que considerar (como, de fato, alguns já consideram) que as limitações materiais ao poder reformador não passam de simples moções.

Como se procurou demonstrar, o caráter permanente do poder constituinte, ou seja, o fato de ele não se esgotar na obra que produz, não implica dizer que essa permanência se dê através do poder reformador. Este não é a continuação no tempo daquele. O poder constituinte é permanente, mas fica em estado de latência, aguardando o momento em que o povo-nação (seu único titular) resolva destruir a ordem constitucional anterior, fundando uma nova. O poder reformador, por sua vez, é um poder constituído como os demais poderes do Estado e, como toda criatura, não pode se rebelar contra o criador. Assim assevera Carlos Ayres Britto, ao enfatizar a natureza constituída (e limitada) do poder reformador:

"Que paradoxo então se apresentaria aos olhos incrédulos do estudioso dos fenômenos político-jurídicos! A Constituição originária criaria um poder cuja função seria a de reformá-la para que ela não perdesse a atualidade e assim atualizada pudesse inibir o surgimento de um poder de fato que a retirasse do mundo dos vivos, e como sairia aparelhado esse poder de reforma? Sairia aparelhado com a energia assassina de poder se assumir, a todo instante, como aquele preciso poder de fato que a Constituição quis evitar... para não ser morta." [22]

Outra importante conseqüência da diferenciação entre os titulares dos poderes constituinte e reformador é a superação do que Canotilho chama de paradoxo da democracia. [23] Segundo esse autor, o paradoxo se apresenta na dúvida de como um poder pode estabelecer limites às gerações futuras, de como pode aprisioná-las. O constitucionalismo se revelaria de uma antidemocraticidade básica ao impor cadeias para o futuro?

A superação desse paradoxo, que, na verdade, é aparente, dá-se através do reconhecimento de que o poder constituinte tem como titular o povo-nação e não o povo-população, este detentor apenas do poder reformador (e dos demais poderes constituídos do Estado). Assim, quando o poder constituinte estabelece limites intransponíveis à reforma constitucional, não há aprisionamento de um povo-população futuro (conjunto de indivíduos que habitam um território) por um povo-população presente. Isso ocorre porque quem elabora a Constituição não é o povo-população de um determinado momento histórico, mas sim o povo-nação, que encarna os valores consolidados durante várias gerações (caráter intertemporal do poder constituinte).

O poder constituinte não está à disposição dos indivíduos enquanto indivíduos, mas existe em função do interesse da comunidade como um todo e em sua permanência estável no tempo. Os interesses circunstanciais do povo-população não podem se contrapor aos interesses duradouros do povo-nação. [24] A rigidez constitucional, caracterizada, entre outros aspectos, pela previsão de cláusulas pétreas, não é, portanto, uma forma autoritária de impor a vontade de uma geração sobre outra.

1.1.3. As limitações explícitas ao poder reformador na Constituição de 1988

Restando claro que a Emenda Constitucional nº 41/2003 (assim como toda emenda ou revisão constitucional) adveio do exercício do poder reformador (e não de uma espécie de poder constituinte), um poder constituído e limitado, implícita e explicitamente, pela Constituição Federal de 1988, mister se faz agora conhecer quais esses limites explícitos. [25] Assim está redigido o art. 60 da Constituição Federal:

"Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II – do Presidente da República;

III – de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros;

§ 1º. A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.

§ 2º. A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

§ 3º. A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

§ 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

III – a separação dos Poderes;

IV – os direitos e garantias individuais.

§ 5º. A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa." [grifo nosso]

Conforme se asseverou no item 1.1.1, as limitações explícitas ao poder reformador são de ordem temporal, circunstancial, formal e material. As limitações temporais, que não estão presentes na atual Carta Constitucional brasileira, são aquelas que estabelecem um prazo dentro do qual a Constituição não poderá ser reformada. As de ordem circunstancial prevêem situações excepcionais que, uma vez constatadas e até seu término, obstam a emenda à Constituição (art. 60, § 1º). Já os limites formais são aquelas regras que estabelecem um procedimento dificultoso para a elaboração das emendas. São prescrições a respeito da iniciativa, do quorum de votação e da necessidade de mais de uma sessão (art. 60, incisos I, II e III e seus §§ 2º e 5º).

As limitações materiais consistem na proibição de deliberação de proposta de emenda tendente a abolir alguns dos postulados fundamentais da Constituição (art. 60, § 4º). Os limites materiais dizem respeito ao próprio conteúdo das emendas e visam a proteger certos princípios sem os quais haveria uma ruptura da ordem constitucional vigente. Assim, as decisões políticas fundamentais do poder constituinte são postas fora do alcance dos poderes constituídos.

Dentre esses postulados fundamentais da Constituição de 1988 estão os direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º, IV). São eles a mais clara expressão do verdadeiro caráter democrático da atual Constituição Federal, pois representam, acima de tudo, uma proteção do indivíduo contra o exercício arbitrário do poder estatal. E uma das mais importantes garantias dos cidadãos está consubstanciada no art. 5º, inciso XXXVI: a garantia do direito adquirido.

1.2. CONCEITO DE DIREITO ADQUIRIDO

Mas o que vem a ser direito adquirido? São palavras de Ovídio Bernardi:

"[...] Todos nós sabemos o que seja direito adquirido. Qualquer homem de relativa sensatez jurídica sabe o que ele seja. Mas, na hora de defini-lo, os obstáculos se apresentam. O direito adquirido é um instituto de direito natural, está na ordem das coisas, e, por isso, todo homem pode compreendê-lo, diante das circunstâncias concretas. Mas porque ele pode desdobrar-se numa série infinita de casos, como a superfície cromática de um prisma, é que se torna refratário a qualquer conceituação jurídica ou técnica." [26]

O direito adquirido surge, primeiramente, como instituto jurídico de Direito privado. No Direito brasileiro, somente a partir da Constituição de 1934 ele aparece como princípio constitucional. Antes disso, as Constituições brasileiras só tratavam da irretroatividade das leis.

Aliás, o direito adquirido nasceu como um princípio-reflexo do postulado da irretroatividade das leis. Explique-se logo que não se está a dizer que direito adquirido é o mesmo que irretroatividade das leis. Conforme sintetiza Raul Machado Horta [27], no Direito Constitucional brasileiro podem ser destacados dois períodos na evolução do direito adquirido: no primeiro, a irretroatividade está localizada na Constituição e o direito adquirido não passava de um princípio-reflexo dessa irretroatividade; posteriormente, o direito adquirido passou a ser previsto em norma infraconstitucional para, já no segundo período, adentrar as Constituições, "[...] absorvendo nele a irretroatividade da lei, que deixou de figurar no enunciado da Constituição, por sua absorção na regra do direito adquirido". [28]

É, na verdade, o que ocorre hoje. Enquanto o princípio da irretroatividade das leis consubstancia uma garantia de imutabilidade dos efeitos passados dos fatos (ou atos) pretéritos, o direito adquirido consiste em uma garantia dos efeitos futuros dos fatos (ou atos) passados. O espectro de proteção é, portanto, infinitamente maior. Diz-se que, atualmente, o postulado do direito adquirido absorve o da irretroatividade das leis porque, por consectário lógico, não se garantiria a imutabilidade dos efeitos futuros de certo fato (ou ato) sem que estivessem igualmente protegidos os efeitos já consumados.

Isso se dá porque tanto o princípio da irretroatividade das leis quanto o do direito adquirido são límpidas expressões do princípio da segurança jurídica. Este está enunciado no art. 5º, caput, da Constituição Federal e se constitui num dos pilares indispensáveis a qualquer ordenamento jurídico, pois visa a conferir certeza e estabilidade às relações jurídicas. [29] Que estabilidade se alcançaria ao, de um lado, garantir a imutabilidade dos efeitos futuros de um fato (ou ato), se, por outro lado, não se tem certeza nem quanto ao passado?

E foi nessa transformação qualitativa de mera proteção contra a retroatividade das leis a ampla garantia de perpetuidade dos direitos já incorporados ao patrimônio jurídico dos cidadãos que o princípio do direito adquirido se libertou da esfera privada e adentrou também no ramo público do Direito. E essa sua estréia no Direito público se deu logo da forma mais eminente possível, pois passou a constituir um princípio constitucional fundamental.

Destarte, como garantia constitucional que é, o conceito de direito adquirido não pode advir de outro lugar senão da própria Constituição. Como assevera Canotilho, o Direito Constitucional "[...] é um direito que gravita sobre si mesmo, apelando para as suas próprias forças e garantias, de forma a assegurar as condições de realização e execução das suas normas [...]." [30] Conquanto o art. 6º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil [31] forneça uma base para se chegar à delimitação do que seja direito adquirido, somente a Constituição poderá delimitar o seu conteúdo, já que o alcance de uma garantia constitucional não pode ficar à mercê do legislador ordinário (nem do reformador), sob pena de amesquinhamento da própria garantia. São palavras de Paulo Modesto:

"[...] Se o conceito de direito adquirido constituísse matéria de caráter ordinário, a garantia constitucional do direito adquirido estaria de modo indireto à disposição do legislador, subordinada aos seus humores, esvaziada enquanto norma de proteção individual. Além disso, teríamos de admitir o paradoxo de um limite ao legislador depender da atuação do próprio legislador." [32]

Talvez ciente do que se afirmou acima, ou seja, de que o direito adquirido é refratário a qualquer conceituação jurídica ou técnica, a Constituição Federal de 1988 não traz qualquer conceito de direito adquirido. Embora a Constituição se omita (omissão, frise-se, de excelente técnica legislativa), certas características, uma vez presentes no caso concreto, indicam a configuração do direito adquirido. [33]

A primeira delas é a existência de um fato (ou ato) aquisitivo, idôneo a produzir direito. Embora esteja certo Limongi França quanto à possibilidade de uma lei, por si só, independentemente de qualquer fato ou ato jurídico, conferir um direito, o direito adquirido surge, com muito mais freqüência, a partir da realização de um certo fato ou ato jurídico. Assim, por exemplo, o direito adquirido à incorporação de certa gratificação salarial pode surgir pelo desempenho de uma função durante determinado tempo. Similarmente, o direito adquirido à percepção de proventos emana do preenchimento dos requisitos para a aposentadoria. Num e noutro casos, houve um fato ou ato que deu ensejo ao direito, que, então, diz-se adquirido.

Mas é necessário que esse fato (ou ato) seja idôneo a produzir direito, ou seja, é imprescindível que ele seja realizado em conformidade com a lei vigente à época de sua realização. A norma abstrata, ao mesmo tempo em que declara o direito, traz em seu bojo todos os requisitos para sua concessão. Para que o fato (ou ato) seja idôneo, deve ele revestir todos os requisitos dantes postos na lei (ou na própria Constituição). Assim, uma vez respeitada a legislação então em vigor, pode-se falar em direito adquirido.

Não basta, no entanto, a existência de um fato (ou ato) aquisitivo e a vigência de uma lei à época da realização desse fato. Uma característica imprescindível para a configuração do direito adquirido é que tenha esse direito se incorporado ao patrimônio jurídico (que pode ser material ou moral) do seu titular. É, entre outras razões, por causa disso que um agente público, por exemplo, não tem direito adquirido a regime jurídico, pois sempre é deferido ao Estado redefinir os termos dentro dos quais atuará, o que impede que qualquer regramento favorável a um dado agente público se incorpore a seu patrimônio. Situação diferente se verifica quanto à percepção de sua retribuição pecuniária, pois esta, tendo a função precípua de garantir a sobrevivência digna do agente público e de sua família, não pode ser retirada (nem minorada) pelo Poder Público. [34]

Por fim, para se falar que um certo direito é adquirido, não pode esse direito já se ter exercido em todos os seus efeitos, exaurindo-se. Nesse caso, estar-se-ia a tratar não de um mero direito adquirido, mas de um direito já consumado.

Enfim, mesmo sabendo dos inconvenientes que toda conceituação sempre traz, forçoso é reconhecer que é bastante satisfatório o conceito de Limongi França, para quem direito adquirido "[...] é a conseqüência de uma lei, por via direta ou por intermédio de fato idôneo; conseqüência que, tendo passado a integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, não se fez valer antes da vigência de lei nova sobre o mesmo objeto." [35] [grifo do autor]

O importante é que se deixe claro que o direito adquirido, qualquer que seja o conceito adotado, será sempre uma das mais alvissareiras manifestações do princípio constitucional da segurança jurídica. Por intermédio da garantia do direito adquirido, o poder constituinte visou a proteger a esfera patrimonial e moral dos cidadãos contra as ilegalidades dos outros particulares e, principalmente, contra os abusos de poder por parte do Estado. Afinal, nenhuma sociedade civilizada pode sobreviver sem que seus cidadãos tenham o passado definitivamente sepultado (irretroatividade das leis) e o futuro minimamente garantido (direito adquirido).

1.3. O DIREITO ADQUIRIDO COMO CLÁUSULA PÉTREA

A garantia do direito adquirido está consubstanciada no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, que assevera que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". Assim, uma vez preenchidos todos os requisitos exigidos pela lei então em vigor (ou diretamente pela Constituição) e tendo se incorporado ao patrimônio jurídico de seu titular, o direito se qualifica como adquirido e não pode mais ser tocado por lei posterior. Esse é o postulado inscrito no art. 5º, XXXVI, da Constituição de 1988 e que reflete o princípio da segurança jurídica.

Dúvidas não há de que é vedado à lei ordinária (bem como à complementar e delegada), ao irromper no ordenamento jurídico, prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Tal conclusão decorre da própria literalidade do texto constitucional e da supremacia da Constituição sobre a lei. Assim, toda norma infraconstitucional que contrarie o direito adquirido estará desrespeitando a Constituição e será, portanto, inconstitucional.

Também pacífica é a assertiva de que não há direito adquirido contra a Constituição originária. Como já visto nos itens precedentes, a Constituição originária é o produto acabado do exercício do poder constituinte, um poder inicial, soberano e incondicionado. Nada (além dele mesmo [36]) impõe limites a sua capacidade normante.

O poder constituinte é, ao mesmo tempo, desconstituinte. Ele não tem o compromisso de preservar nenhuma norma anterior, bem como seus efeitos concretos. Daí que os direitos adquiridos com base numa ordem constitucional pretérita não constituem óbice para a Constituição nova, que pode, simplesmente, repudiá-los.

A única controvérsia que surge a esse respeito é se precisa ser expressa ou não a Constituição originária ao revogar situações jurídicas já estabilizadas. Carlos Ayres Britto defende que sim, que a Constituição originária precisa ser expressa para atingir tanto os efeitos já exauridos da norma anterior quanto aqueles que ainda estejam a fluir (como os direitos adquiridos, por exemplo). [37]

Não parece ser essa a melhor solução. Quanto aos efeitos que estão sendo produzidos continuamente (a exemplo de proventos de aposentadoria), basta, para acabar com os efeitos concretos, que a nova norma geral (Constituição originária) seja incompatível com aquela norma geral anterior que deu ensejo ao direito. Se a própria Constituição originária, de forma clara e inequívoca, retira validade da norma geral anterior, de onde os efeitos concretos estarão partindo? Em outras palavras, sendo a norma constitucional (originária) posterior totalmente incompatível com a norma anterior que gerou o direito adquirido, extingue-se o direito. E para se operar essa extinção não precisa ser expressa a Constituição. [38] Quanto aos efeitos já produzidos à exaustão, aí sim seria necessário que a Constituição expressamente dissesse que lhes atingiria. [39]

A questão que suscita maiores debates e cuja resposta, particularmente, será de imensa importância para o encaminhamento das análises subseqüentes, é se há ou não direito adquirido contra as emendas constitucionais. Em outras palavras, a dúvida consiste na possibilidade ou não de o poder reformador desconstituir direitos já incorporados ao patrimônio jurídico dos cidadãos (direitos adquiridos).

1.3.1. A emenda constitucional como fruto do poder reformador

Diga-se, logo de início, que há sim direito adquirido contra as emendas constitucionais. Estas não podem, desrespeitando a garantia insculpida no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição de 1988, atingir as relações jurídicas já estabilizadas sob a forma de direito adquirido. A garantia do direito adquirido (como o próprio direito adquirido, conforme se esclarecerá adiante) constitui uma cláusula pétrea, barreira intransponível para a emenda constitucional.

E a primeira razão para essa afirmativa, qual seja, a de que há direito adquirido contra a emenda constitucional, está na própria natureza do poder de que emana a emenda. Conforme já se teve a oportunidade de frisar, a emenda constitucional é fruto do poder reformador [40], um poder essencialmente constituído. O poder de emendar a Constituição é derivado, limitado e condicionado pelo poder constituinte.

Um desses limites é exatamente a intangibilidade do direito adquirido. O poder constituinte, através de sua obra, a Constituição originária, deixou expressa a garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, numa reverência clara ao princípio da segurança jurídica. Mais que isso, o poder constituinte apôs o carimbo de cláusula pétrea a esses institutos, colocando-os ao largo, inclusive, da sanha reformadora. Assim assevera Cármen Lúcia Antunes Rocha:

"[...] o que se adquire na vigência de uma norma constitucional não pode ser desconstituído por ação do elaborador normativo constituído, como é, dentre outros, o reformador constituinte. Não se pode desconstituir o quanto já integrado ao patrimônio jurídico de uma pessoa, porque assim determinado pela Constituição da República, no capítulo dos direitos fundamentais e que é ali definido como limite material inexpugnável à ação do órgão competente a promover as alterações que lhe venham a ser necessárias [...]." [41]

1.3.2. O direito adquirido e sua garantia

Ocorre que, visando a permitir que uma emenda constitucional revogue os direitos já incorporados ao patrimônio jurídico dos cidadãos e reduza a cinzas o princípio da segurança jurídica elencado no art. 5º, caput, da Constituição Federal, fez-se uma diferenciação entre o direito adquirido e a norma de sua garantia. A partir dessa premissa, concluiu-se que cláusula pétrea é somente a garantia, não o próprio direito.

Paulo Modesto, ao destacar que a garantia do direito adquirido "trata-se de garantia que opera no plano dos efeitos jurídicos, no plano concreto das relações jurídicas, não no plano lógico abstrato das normas jurídicas [...]" [42], diferencia o direito adquirido da garantia do direito adquirido. Fala que o primeiro é uma situação individual concreta que se apresenta de inúmeras formas e em inúmeros casos enquanto a segunda é uma norma geral abstrata contemplada na Constituição Federal. Para ele, somente a norma geral abstrata consubstanciadora da garantia do direito adquirido pertenceria ao rol das cláusulas pétreas, pois estas "[...] dizem respeito a normas que constam da Constituição e não a situações jurídicas concretas titularizadas pelo Poder Público ou por particulares. [...]" [43]

É certo que direito adquirido não é o mesmo que garantia do direito adquirido. Como afirma José Afonso da Silva, "[...] os direitos são bens e vantagens conferidos pela norma, enquanto as garantias são meios destinados a fazer valer esses direitos, são instrumentos pelos quais se asseguram o exercício e gozo daqueles bens e vantagens." [44] Já a conclusão de que somente a garantia (e não o direito) constitui cláusula pétrea parece ter sido equivocada.

E por uma razão simples: uma garantia só é digna do nome se assegurar (garantir) a efetiva fruição do direito. Uma garantia constitucional, ao mesmo tempo em que protege o direito, confere ao indivíduo os meios para a efetiva consecução do direito garantido (do contrário não se chamaria garantia). Afirma Carlos Sánchez Viamonte que "[...] garantia é a instituição criada em favor do indivíduo, para que, armado com ela, possa ter ao seu alcance imediato o meio de fazer efetivo qualquer dos direitos individuais que constituem em conjunto a liberdade civil e política." [45]

Se o indivíduo não tem como fazer efetivo seu direito adquirido frente a uma emenda constitucional, claro está que essa emenda lhe retirou a própria garantia imposta pelo poder constituinte. Se uma garantia só tem razão de ser se confere um meio eficaz para que o indivíduo usufrua um direito, ao retirar esse direito, a emenda constitucional esvazia a garantia.

É possível pensar na existência de uma garantia sem qualquer direito a garantir? Se se pode falar em supressão da garantia com manutenção do direito, o mesmo não ocorre quando há supressão do direito. Ferindo-se o direito, fere-se a garantia.

Uma emenda constitucional que venha a retirar da norma geral abstrata da Constituição o poder de assegurar o efetivo respeito do direito adquirido estará a suprimir uma garantia. Se a emenda constitucional pudesse ferir o direito adquirido (situação concreta), a própria norma abstrata da garantia restaria prejudicada. Que função teria uma norma que garante o direito adquirido se este pode ser retirado a qualquer tempo?

É exatamente por isso que também o direito adquirido (situação individual concreta) se constitui numa cláusula pétrea, inalcançável até mesmo pelo poder reformador. A Constituição Federal, em seu art. 60, § 4º, inciso IV, veda a deliberação de emenda que vise a abolir os direitos e garantias individuais ou que simplesmente tenda à abolição. Assim, não só a supressão da norma geral abstrata enunciada no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, como também a tentativa de dessubstancialização da garantia através do ferimento ao direito, ultrapassa o limite material imposto pelo poder constituinte. É como bem afirma Carlos Ayres Britto:

"Em diferentes palavras, ao proibir a discussão de emenda tendente a abolir as cláusulas pétreas, a Lei Maior desta Terra de Santa Cruz preveniu-se contra a mutilação indireta dos valores jurídicos subtraídos à ação reformista do Congresso Nacional, vedou o artifício de ‘se comer por dentro’ ou de se ‘roer as entranhas’ de tais valores, inaceitando fórmula legislativa de relativização daquilo que somente é idêntico a si mesmo na medida em que absolutamente intocado (e relativização só pode significar toda medida legislativa de tocabilidade nos elementos conceituais de cada cláusula pétrea, dispersos pelo assoalho da Constituição) [...]." [46]

Quando a Constituição fala que não será deliberada proposta de emenda que tenda a abolir a garantia do direito adquirido, ela quer dizer que a garantia deve permanecer com toda a força que lhe conferiu. Não é proibido à emenda constitucional apenas abolir a norma abstrata da garantia, retirando da Constituição o art. 5º, inciso XXXVI. É vedado também retirar da garantia parcela de sua força, força esta que foi dada para garantir um direito.

A inconstitucionalidade se escancara ao se perceber que revogar direitos adquiridos significa retirar o próprio núcleo da garantia, deixando apenas uma casca que nenhuma valia tem. E para que serviria a garantia do direito adquirido se ela nada garantiria, já que o poder reformador estaria autorizado a ignorá-la? Onde estaria o respeito à segurança jurídica, núcleo basilar do princípio do direito adquirido?

É forçoso notar que o princípio do direito adquirido existe no ordenamento jurídico brasileiro para cumprir um papel de estabilizador das relações jurídicas. Assim, uma vez cumpridos os requisitos exigidos pela lei ou pela própria Constituição, a perpetuidade dos efeitos futuros dos fatos passados se impõe. Da mesma forma, foi visando à plenitude do princípio da segurança das relações jurídicas que o poder constituinte erigiu o direito adquirido ao posto de garantia constitucional individual fundamental, cláusula pétrea, portanto.

Não teria sentido o poder constituinte estabelecer a garantia dos direitos adquiridos, em homenagem ao princípio da segurança jurídica e visando, principalmente, a proteger a esfera patrimonial dos indivíduos contra os abusos de poder do Estado, se esses direitos pudessem ficar ao talante do próprio Estado (frise-se que é um órgão do Estado – o Congresso Nacional – o responsável por elaborar as emendas constitucionais). Estar-se-ia diante da absurda situação de uma garantia de fachada, de uma norma "para inglês ver". E não se concebe tão inusitada peculiaridade num verdadeiro Estado Democrático de Direito.

1.3.3. O significado da palavra "lei" no art. 5º, inciso XXXVI da Constituição

Mais uma tentativa de burlar o princípio da segurança jurídica e relativizar a garantia do direito adquirido se vê através da interpretação equivocada que se conferiu ao art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal. Segundo tal exegese, esse dispositivo constitucional, ao se referir expressamente à lei ("A lei não prejudicará.. ."), exclui a emenda constitucional da vedação imposta. Assim, o art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal seria um mandamento a vincular o legislador ordinário, não o reformador.

Carlos Ayres Britto e Valmir Pontes Filho [47] afirmam que existe uma razão lógica para não se ter falado em emenda constitucional. Citam esses juristas outros dispositivos constitucionais em que a referência é feita apenas à lei (art. 5º, incisos XXXV, XXXIX e XL, da Constituição). E aí questionam: por que a referência apenas à lei e não à emenda constitucional em matéria penal e processual? Resposta: porque foi para a lei que a Constituição reservou a regulação da matéria (art. 22, I, CF).

Da mesma forma, seguem Carlos Ayres Britto e Valmir Pontes Filho, foi para a lei que a Constituição remeteu a tarefa de criar direitos subjetivos. É a lei e não a emenda constitucional o veículo normativo ordinário de inovação da ordem jurídica. A emenda constitucional é (ou pelo menos deveria ser) episódica e se caracteriza não pela indicação das matérias que lhe são reservadas, mas pela indicação das matérias que lhe são proibidas. [48] Se a Constituição se referisse à emenda constitucional como veículo normativo ordinário, estaria a admitir que ela mesma (Constituição) já nasceu capenga, pois poderia ter desde logo regulado o que reservou à emenda. [49]

Caso emblemático é o do art. 5º, inciso II, da Lei Fundamental brasileira: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei." Quer dizer, então, que a emenda constitucional não pode obrigar, positiva ou negativamente, alguém? Claro que não significa isso. O silêncio da Constituição foi porque ela, em nenhum momento, se referiu às emendas como veículo de concessão de direitos ou imposição de deveres. E também porque não fez da emenda um instrumento usual de regulação jurídica. [50]

Destarte, o fato de o art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição não se referir expressamente à emenda constitucional não conduz à interpretação de que ela pode ferir direito adquirido. A garantia do direito adquirido, como tantas vezes já frisado, é uma clara manifestação do princípio da segurança jurídica. E esse princípio se impõe tanto ao legislador ordinário quanto ao reformador.

1.3.4. Teses e antíteses a respeito da petrealidade do direito adquirido

Ao se sustentar que os direitos adquiridos (situações concretas e individuais) não são cláusula pétrea, costumam-se apontar, ainda, alguns argumentos em desfavor do entendimento contrário. O primeiro deles seria o de que, ao se considerar imutáveis os direitos adquiridos, o legislador ordinário estaria autorizado a criar inúmeras cláusulas pétreas, tornando, de forma indireta, completamente inútil a delimitação do art. 60, § 4º, da Constituição. Paulo Modesto [51] afirma que as cláusulas pétreas se referem a normas constitucionais e não a atos inferiores.

Ocorre que as várias situações individuais e concretas caracterizadas como direito adquirido se petrealizam não porque a lei de que emanou o direito se tornou cláusula pétrea, mas sim porque o próprio direito adquirido está inserido na norma de sua garantia (vide item 1.3.2, supra). Esclarece Carlos Ayres Britto:

"O que fica intocável, portanto, é aquela dimensão da norma geral que passou, em caráter definitivo, de pedaço de vida humana objetivada a pedaço de vida humana subjetivada. O que se protege, então, já não é a norma geral, mas determinados titulares do direito por ela ensejado. [...]" [52] [grifo do autor]

Dessa forma, só existe, na verdade, uma norma geral abstrata com a cláusula de intangibilidade: é o art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição. Agora essa norma é lata o suficiente para abrigar todos os chamados pelo precitado autor pedaços de vida humana subjetivada. Saliente-se, mais uma vez, que essa é a única forma de se garantir a efetividade do princípio da segurança jurídica.

Outro argumento contra a petrealidade do direito adquirido é o de que se criaria um imobilismo exacerbado no ordenamento jurídico. Imobilismo nenhum existe, já que aquilo que se torna imutável não é a norma abstrata que deu ensejo ao direito. Ela continua ao alcance do legislador, pois o direito individual é que se pereniza. O ordenamento jurídico, portanto, não perde sua dinamicidade.

Costuma-se argüir também que a Constituição, como texto político, pode ampliar ou limitar situações individuais, pois suas normas representam a intenção da coletividade. Argumenta-se que quem pode fazer nova Constituição (e já ficou assentado que não há direito adquirido contra a Constituição originária) pode também modificá-la para atingir direitos adquiridos (quem pode o mais pode o menos). Do contrário, escravizar-se-iam as futuras gerações.

Aqui é de se lembrar o já estatuído no item 1.1.2, onde se procurou mostrar a diferença entre os titulares dos poderes constituinte e reformador. O primeiro pertence ao povo-nação e o segundo, ao povo-população. É incorreta, portanto, a assertiva de que o mesmo povo que pode modificar a Constituição pode criar uma nova. A garantia dos direitos adquiridos representa a vontade do povo-nação (realidade objetiva e intertemporal), não estando à disposição dos interesses episódicos do povo-população (indivíduos de uma determinada geração). Daí porque também não há qualquer escravização de uma geração futura por outra passada. [53]

Cogita-se, por fim, a tese de que, ao se petrealizar os direitos adquiridos (situações individuais concretas), fomentar-se-ia a ruptura constitucional. E a descontinuidade formal é uma pá de cal no princípio da segurança jurídica. Por esse raciocínio, não seria inaceitável (seria até louvável mesmo) uma interpretação restritiva das cláusulas pétreas para que as mudanças constitucionais pudessem ocorrer sem ruptura da ordem constitucional.

Ora, é uma solução às avessas. Em vez de se evitar a descontinuidade formal dando amplo alcance ao princípio fundamental da segurança jurídica e exercendo o atento controle de constitucionalidade das emendas, prefere-se evitar tal descontinuidade através da diminuição da esfera de proteção do próprio princípio fundamental da segurança jurídica. Esse último pensamento traria como conseqüência nefasta a mesma que uma descontinuidade formal traria: amesquinhamento da segurança jurídica.

O verdadeiro argumento, mas não contra a petrealidade do direito adquirido e sim a seu favor, é que estaria aberta a possibilidade de se desrespeitar também o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. O dispositivo constitucional é o mesmo e os fundamentos também. [54] Pelo raciocínio de autores como, por exemplo, Paulo Modesto, as várias decisões judiciais transitadas em julgado também não seriam cláusulas pétreas, mas apenas a norma geral abstrata (como se a norma, sozinha, representasse alguma garantia). E "cesteiro que faz um cesto faz um cento".

1.3.5. Considerações finais

É preciso que fique claro que uma coisa é a norma constitucional contida na Constituição originária e outra bastante diferente é aquela introduzida por emenda à Constituição. A norma constitucional originária pode desconstituir tanto os efeitos passados de fatos pretéritos (neste caso tem que estar expresso), quanto os direitos adquiridos cujo exercício se dá através de uma relação de trato sucessivo (neste caso, basta a norma constitucional retirar, de forma clara e inequívoca, a validade da norma geral abstrata anterior que serviu de fonte para a aquisição do direito). Já a norma constitucional introduzida no ordenamento jurídico por emenda à Constituição não pode nem uma coisa nem outra. Isso se dá, essencialmente, porque o poder reformador [55] está cerceado por limites de toda ordem, entre eles a intangibilidade da garantia do direito adquirido, que não é (nem pode ser) uma norma abstrata vazia.

Assim, na esteira do pensamento de Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, "[...] inexiste invocação de direito adquirido contra a Constituição Federal, só que não se pode alterar a Constituição naquilo que afrontar o direito adquirido." [56] E tal conclusão parece ser a única a respeitar o princípio supremo da segurança jurídica, pois sem o mínimo de estabilidade nas relações jurídicas nenhuma sociedade se mantém organizada. São palavras de Cármen Lúcia Antunes Rocha:

"[...] Afirmar que o direito adquirido, tal como a coisa julgada, pode ser infirmado pela ação do constituinte reformador significaria mais ainda: que o direito no Brasil não teria o fundamento que justifica a sua observância em toda a história da humanidade, qual seja, o de ser o elemento que dá segurança ao indivíduo, para que ele viva numa sociedade política com a convicção do seu presente e a projeção do seu futuro [...]." [57]


CAPÍTULO II

CONFIGURAÇÃO DO DIREITO ADQUIRIDO EM FACE DO TETO DE RETRIBUIÇÃO PECUNIÁRIA DOS AGENTES PÚBLICOS

2.1. A DELIMITAÇÃO DE ALGUNS CONCEITOS

Após enunciar, em linhas gerais, as características identificadoras do direito adquirido e demonstrar que uma emenda constitucional, porquanto decorrente de um poder limitado (poder reformador), não pode desconstituir os direitos já integrados ao patrimônio jurídico dos cidadãos, tendo em vista o freio imposto pela garantia insculpida no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, introduzir-se-á o debate acerca do teto de retribuição pecuniária dos agentes públicos. Essa questão tem ocupado o legislador desde a promulgação da atual Carta Política, com constantes alterações supervenientes de índole constitucional. Analisar-se-á a posição dos agentes públicos frente a esse cambiante tema, especialmente no que diz respeito à configuração (e respectiva proteção) de direitos adquiridos.

É necessário, no entanto, para se alcançar um maior rigor técnico e evitar possíveis dúvidas quanto à extensão das situações adiante analisadas, delimitar os contornos jurídicos das expressões agentes públicos e retribuição pecuniária. Tais conceitos se mostrarão importantes ao especificar quem se submete ao teto e quais espécies estipendiais estarão nele incluídas. Em outras palavras, visa a conferir um conteúdo concreto à expressão extremamente genérica teto de retribuição pecuniária dos agentes públicos.

2.1.1. Agentes públicos

Conforme ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, a expressão agentes públicos "[...] é a mais ampla que se pode conceber para designar genérica e indistintamente os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente." [58] Em outras palavras, agente público é todo aquele que exerce uma função pública, esteja ela contida ou não no plexo de competências de um cargo ou emprego. Quanto a essa conceituação, é quase unânime a doutrina brasileira. [59]

O dissenso ocorre na hora de subdividir o grande grupo formado pelos agentes públicos. Cada autor tem sua classificação e, mesmo na hipótese de subdivisões semelhantes, pode acontecer que um mesmo subgrupo (os agentes políticos, por exemplo) tenha extensões diversas, a depender do autor.

Muito longe de querer esgotar o tema (até porque se trata de um tópico meramente auxiliar à discussão central), podem-se classificar os agentes públicos em: a) agentes políticos; b) servidores públicos em sentido amplo, compreendendo os servidores ocupantes de cargo (servidores públicos em sentido estrito) [60], servidores ocupantes de emprego (empregados públicos) e servidores contratados por tempo determinado (art. 37, IX, CF); c) agentes honoríficos e d) agentes delegados.

Os agentes políticos, como assevera Hely Lopes Meirelles, "[...] são os componentes do Governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais [...]." [61] São aqueles que ditam os rumos do Estado, pois integram seu (do Estado) núcleo de estrutura de poder: o Presidente da República e seus Ministros, os Governadores de Estado, os Prefeitos e seus respectivos Secretários, os Deputados Federais e Estaduais, os Senadores, os Vereadores, os Magistrados, os membros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas. [62] São (ou melhor, deveriam ser) remunerados exclusivamente por subsídio (arts. 39, § 4º, 128, inciso I, alínea "c", 73, § 3º e 75, todos da Constituição Federal).

Os servidores públicos em sentido amplo compreendem todas as pessoas físicas ligadas ao Poder Público através de um vínculo profissional. Podem elas ser titulares de cargo público, mantendo-se um vínculo estatutário (servidores públicos em sentido estrito), ocupantes de emprego público (empregados públicos) ou contratados por tempo determinado, regendo-se estes dois últimos pelas normas da Consolidação das Leis do Trabalho. Incluem tanto os agentes da Administração direta quanto os da indireta (neste último caso, há apenas empregados públicos). Recebem remuneração [63] por seu trabalho diretamente dos cofres da Administração Pública (direta ou indireta).

Os agentes honoríficos são aqueles designados, nomeados ou requisitados para o exercício de funções públicas relevantes. Não são titulares de cargos ou empregos, mas, por exercerem função pública, podem, eventualmente, ser remunerados pelo Estado. São os jurados, os mesários eleitorais, os comissários de menores, os membros de comissão de estudo, etc.

Por fim, são agentes delegados aquelas pessoas que prestam serviços públicos por delegação do Estado. Compreendem os empregados das empresas permissionárias e concessionárias de serviço público, os empregados dos serviços notariais, entre outros. Não são remunerados diretamente pelo Estado, mas sim pela pessoa (natural ou jurídica) privada a que estão subordinados.

Após essa rápida classificação e sem prejuízo de outras existentes, o importante é destacar que se submetem ao teto de retribuição pecuniária previsto no art. 37, inciso XI, da Constituição Federal todos os agentes públicos que percebem retribuição pecuniária [64] diretamente dos cofres de uma pessoa estatal (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), suas autarquias e fundações. As empresas públicas, as sociedades de economia mista e suas subsidiárias que receberem recursos de alguma das pessoas estatais para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral também terão seus empregados submetidos ao referido teto (art. 37, § 9º, CF).

Assim, como se pode depreender diretamente da norma constitucional insculpida no art. 37, inciso XI, todos os agentes políticos ("[...] membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos [...]"), todos os servidores públicos em sentido amplo ("ocupantes de cargos, [...] e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional [...]") e todos aqueles que, como alguns agentes honoríficos, exercerem função pública remunerada ("ocupantes de [...] funções [...] da administração direta, autárquica e fundacional [...]") estão submetidos ao teto constitucional de retribuição pecuniária. Os agentes delegados, por não serem remunerados diretamente pelo Estado, não estão sujeitos ao limite constitucional.

2.1.2. Retribuição pecuniária

Da mesma forma que agente público é o termo genérico utilizado para designar todas as pessoas físicas que prestam serviço para o Estado, retribuição pecuniária corresponde a toda contraprestação em dinheiro paga pelo Estado ao agente público (ou a alguém por este), seja em razão da prestação atual ou passada de um trabalho ou para fazer face a despesas contraídas pelo agente público no exercício de sua função. A retribuição pecuniária é o gênero de que são espécies o subsídio, a remuneração, os proventos, as pensões e as indenizações. As quatro primeiras constituem espécies remuneratórias e a última, espécie indenizatória. [65]

O subsídio, em sua formatação atual, foi incluído na Constituição Federal de 1988 através da Emenda Constitucional nº 19/98. Consiste ele em parcela única, "[...] vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória [...]" (o que indica a compatibilidade com as espécies indenizatórias), paga aos agentes políticos (art. 39, § 4º, CF) e a alguns servidores públicos (arts. 39, § 8º, 135 e 144, § 9º, todos da Constituição Federal). Inobstante a vedação taxativa da Constituição Federal, o subsídio, em respeito ao princípio da harmonia das normas constitucionais, deve se compatibilizar com os direitos previstos no próprio texto constitucional, a exemplo dos conferidos pelo art. 39, § 3º.

A remuneração é espécie de retribuição pecuniária, de caráter remuneratório (como o próprio nome indica), paga aos agentes públicos em atividade que não são remunerados através de subsídio. É a forma mais comum de contraprestação pecuniária do Estado ao trabalho do agente público. Pode-se afirmar que o sistema de remuneração se constitui de três círculos concêntricos. O menor deles é o chamado vencimento ou vencimento básico; o intermediário consiste nos vencimentos; e o maior constitui a remuneração.

O vencimento ou vencimento básico é a retribuição pecuniária paga ao ocupante de cargo, emprego ou função públicos pelo seu simples exercício e corresponde ao padrão ou valor de referência fixado em lei. Na esfera federal, o vencimento básico, nos termos do art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.852/94, compreende a retribuição a que se refere o art. 40 da Lei nº 8.112/90 para os servidores civis estatutários, o soldo para os servidores militares e o salário básico para os empregados públicos.

Vencimentos, no dizer de Cármen Lúcia Antunes Rocha, "[...] compreende a soma dos valores correspondentes ao padrão definido legalmente para o cargo, função ou emprego acrescido das parcelas outorgadas como vantagens que são garantidas, em caráter permanente e fixo, para o agente [...]." [66] Assim, os vencimentos correspondem ao vencimento mais as vantagens pecuniárias permanentes, isto é, aquelas vantagens que, por qualquer motivo [67], tenham se incorporado ao patrimônio do agente público.

Conforme ensina Hely Lopes Meirelles, as vantagens pecuniárias podem ser concedidas a título definitivo ou transitório pela decorrência do tempo de serviço (ex facto temporis), pelo desempenho de funções especiais (ex facto officii), em razão das condições anormais em que se realiza o serviço (propter laborem) ou em razão das condições pessoais do servidor (propter personam). As duas primeiras são os adicionais e as duas últimas são as gratificações. [68]

Sem a necessidade de aprofundar as diferenças entre os vários tipos de vantagens pecuniárias, basta aqui salientar que há vantagens que se incorporam aos vencimentos do agente público e outras que não são incorporadas. Não é de bom alvitre querer estabelecer uma classificação rígida a esse respeito, pois a lei pode simplesmente estabelecer que, por exemplo, um adicional de função, a princípio não incorporável aos vencimentos, seja incorporado após um certo período de tempo. Assim, uma vantagem relativa ao exercício de uma função, paga pro labore faciendo, passa a se constituir numa vantagem pessoal, paga pro labore facto. [69]

O importante é distinguir as vantagens pecuniárias permanentes das transitórias. Aquelas fazem parte dos vencimentos, estas englobam apenas a remuneração, que vem a ser justamente a soma dos vencimentos com as vantagens pecuniárias transitórias. As primeiras fazem parte do patrimônio jurídico dos agentes públicos, não podendo lhes ser, por hipótese alguma, retiradas; as segundas, pela própria transitoriedade, não são intangíveis. Daí se falar em irredutibilidade de vencimentos e não de remuneração (art. 37, XV, CF). [70]

Por fim, são espécies de retribuição pecuniária os proventos, as pensões e as indenizações. As duas primeiras são espécies remuneratórias (assim como o subsídio e a remuneração), só que pagas aos agentes públicos aposentados ou seus beneficiários (no caso das pensões). A última é espécie indenizatória e visa a retribuir o agente público pelos gastos extraordinários contraídos no exercício de sua função. [71]

De acordo com a redação atual do art. 37, inciso XI, da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 41/2003, estão limitados pelo teto a remuneração, o subsídio, os proventos, pensões ou qualquer outra espécie remuneratória. Dessa observação, abstraem-se duas conclusões: a) a expressão teto de remuneração, largamente utilizada, deve ser substituída por teto de retribuição pecuniária [72]; b) somente as espécies remuneratórias de retribuição pecuniária estão incluídas no teto constitucional, o que exclui as indenizações.

2.2. O TETO DE RETRIBUIÇÃO ESTABELECIDO NA CONSTITUIÇÃO ORIGINÁRIA E O VERDADEIRO SIGNIFICADO DO ART. 17 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS (ADCT)

O teto de retribuição pecuniária, entendido como limite constitucional à percepção, por parte dos agentes públicos (nem todos – vide item 2.1.1, supra), de altas retribuições pecuniárias (não de todas as espécies – vide item 2.1.2, supra), está positivado desde 5 de outubro de 1988, com a promulgação da atual Constituição Federal. Ele é, inegavelmente, um instrumento para se concretizar um dos matizes do princípio da moralidade. [73]

Foi, inclusive, com esse escopo que o poder constituinte, no exercício de sua soberania (vide item 1.1.1, supra), estatuiu o art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ordenando a imediata redução daquelas retribuições pecuniárias que estivessem em desacordo com o teto estabelecido na Constituição, sem que se pudesse invocar direito adquirido. Problema algum haveria se o teto de retribuição pecuniária dos agentes públicos não fosse questão tão afeita a mudanças por parte do poder reformador (a última foi através da Emenda Constitucional nº 41/2003). E o que é pior: mudanças que vieram (ou pelo menos intentaram) ferir direitos intangíveis dos agentes públicos.

2.2.1. O teto de retribuição na redação originária da Constituição de 1988

Para se ter uma idéia do iminente [74] desrespeito aos direitos adquiridos de alguns agentes públicos, o primeiro passo será fazer um breve relato de como a Constituição Federal tratou, originariamente, a importante questão do teto de retribuição pecuniária dos agentes públicos. A Constituição Federal originária, no art. 37, inciso XI, assim enunciava:

"XI - a lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos Poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal e seus correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, e, nos Municípios, os valores percebidos como remuneração, em espécie, pelo Prefeito;" [grifo nosso]

Vê-se que o teto instituído pelo poder constituinte era configurado de tal forma que certos limites poderiam ser estabelecidos posteriormente por lei ordinária e outros foram desde já estipulados na Constituição. A lei ordinária poderia estabelecer um limite máximo igual ou inferior aos paradigmas constitucionais. Quando estabelecia um valor inferior, dizia-se que instituiu um redutor ou subteto. [75] E havia dois tipos de subteto: o fixo ("[...] fixará o limite máximo [...]") e o móvel ("[...] fixará [...] a relação de valores entre a maior e a menor remuneração [...]"). [76]

2.2.2. O verdadeiro significado do art. 17 do ADCT

A observação de que o teto constitucional de retribuição pecuniária originariamente posto continha três tipos de limites (dois postos pela lei e um pela Constituição) é fundamental, como se verá mais adiante, para se apurar o verdadeiro significado normativo do art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Esse dispositivo constitucional transitório é peça-chave para se entender o porquê da invocação de direito adquirido contra as normas da Emenda Constitucional nº 41/2003 que tratam do teto de retribuição pecuniária (mais especificamente seu art. 9º).

Isso porque o art. 17 do ADCT, como norma emanada do poder constituinte, podia (como pode) ferir direitos adquiridos. Ocorre que sua aplicação deve se circunscrever, exclusivamente, às situações inicialmente previstas pelo poder constituinte, único poder ilimitado. Assim, ao conhecer as situações referidas pelo poder constituinte, em relação às quais não se poderia invocar direito adquirido, acaba-se por esclarecer, a contrario sensu, todas aquelas que estão protegidas pela garantia constitucional insculpida no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal.

Assim dispõe o art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:

"Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título." [grifo nosso]

A primeira pergunta a ser feita é a seguinte: seria necessária a positivação da norma contida nesse art. 17 do ADCT? Em outras palavras, tendo a Constituição originária, através de seu art. 37, inciso XI, estipulado limites máximos de retribuição pecuniária, precisaria uma norma transitória explicitar que esses limites se imporiam desde logo, sem a possibilidade de invocação de direito adquirido?

A questão é pertinente, pois, como se asseverou no item 1.3, basta que a Constituição originária retire validade da norma geral abstrata de onde emanam os efeitos futuros de fatos passados para que cessem esses efeitos. [77] Dessa forma, um agente público que vinha percebendo um dado valor de retribuição pecuniária (um direito adquirido, portanto), quando da entrada em vigor do art. 37, inciso XI, da Constituição Federal (originária), perdeu o direito de receber as parcelas que ultrapassassem os limites impostos pela Constituição. Isso em razão do simples enunciado constitucional trazido pelo poder constituinte (art. 37, XI), que tem vigência imediata.

O princípio da supremacia e da eficácia imediata das disposições constitucionais é atualmente pacífico na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. [78] Veja-se, a título apenas exemplificativo, a ementa do acórdão exarado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 140.499-0/GO, em que foi relator o Ministro Moreira Alves:

"EMENTA: Pensões especiais vinculadas a salário mínimo. Aplicação imediata a elas da vedação da parte final do inciso IV do art. 7º da Constituição de 1988.

- Já se firmou a jurisprudência desta Corte no sentido de que os dispositivos constitucionais têm vigência imediata, alcançando os efeitos futuros de fatos passados (retroatividade mínima). Salvo disposição expressa em contrário – e a Constituição pode fazê-lo -, eles não alcançam os fatos consumados no passado nem as prestações anteriormente vencidas e não pagas (retroatividades máxima e média).

Recurso extraordinário conhecido e provido." [RE nº 140.499-0/GO – STF – Primeira Turma – Rel. Min. Moreira Alves – DJ 09/09/1994] [grifo nosso]

Como visto, da mesma forma que as pensões especiais de que trata a ementa do acórdão acima mencionada deveriam se adequar à vedação imposta no art. 7º, inciso IV, da Constituição Federal, "alcançando os efeitos futuros de fatos passados (retroatividade mínima)", as retribuições pecuniárias dos agentes públicos deveriam se adequar imediatamente ao teto estabelecido no art. 37, inciso XI. Não haveria necessidade, para esse mister, da enunciação feita pelo art. 17 do ADCT. São esclarecedoras as palavras do Ministro Moreira Alves no voto proferido quando do julgamento do já citado Recurso Extraordinário nº 140.499-0/GO:

"Portanto, ainda que se pretenda que o art. 17 do ADCT não alcança as pensões por não se referir a elas, devendo ser interpretado estritamente por se tratar de princípio restritivo, o certo é que a aplicação imediata da vedação da parte final do inciso IV do art. 7º do texto permanente da Constituição é de aplicação imediata, tendo, portanto, retroatividade mínima, o que implica dizer que ele alcança as prestações mensais posteriores a ele de pensões que anteriormente a ele foram concedidas."

Seria, então, inútil a positivação do art. 17 do ADCT? Ou teria sido ele, como defende Paulo Modesto [79], confeccionado para permitir que, de forma especial, além da própria Constituição, a lei ordinária de que tratava o art. 37, inciso XI também pudesse ferir os direitos adquiridos? Parecem ser incorretas ambas as conclusões.

A primeira porque levaria ao entendimento de que o legislador constituinte editou norma desprovida de qualquer significado jurídico. A segunda porque conduziria o intérprete da norma constitucional à constatação de que o legislador constituinte conferiu ao legislador ordinário poderes que apenas o próprio poder constituinte poderia manejar.

Ao se conferir aos subtetos a prerrogativa de reduzir ainda mais as retribuições pecuniárias dos agentes públicos, desrespeitando-se os direitos já adquiridos, o princípio da segurança jurídica estaria ferido de morte e a cláusula pétrea insculpida no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal de nada valeria. E é sempre bom relembrar que o poder constituinte é solitário e sobrevive, em estado de latência, do lado de fora da Constituição. Seria uma incongruência tamanha o poder constituinte deixar dentro da Constituição uma espécie de apêndice seu para, ao bel prazer do legislador ordinário (que estaria munido de poderes verdadeiramente constituintes), amesquinhar-se a garantia do direito adquirido, arruinando o princípio da segurança jurídica.

É, na verdade, o que aconteceria se a lei ordinária de que tratava o art. 37, inciso XI, da Constituição Federal, em sua redação originária, pudesse também ferir direitos adquiridos. Ao estabelecer um limite máximo menor que o paradigma constitucional e reduzir as retribuições pecuniárias já adequadas aos novos limites decorrentes da Constituição, a lei ordinária estaria a colocar de lado o princípio da segurança jurídica. Quem garantiria que nova lei não seria editada, reduzindo-se ainda mais o limite legal de retribuição pecuniária? Que segurança poderiam ter os agentes públicos quanto a esse importante aspecto de tranqüilização de suas expectativas que é a irredutibilidade de vencimentos? Absolutamente nenhuma.

O que, afinal, está a dizer o enunciado normativo do art. 17 do ADCT? Qual a razão de existir dessa norma?

Como já se destacou acima, o teto de retribuição pecuniária estabelecido na Constituição Federal originária continha limites desde já estipulados pela própria Constituição e limites outros que poderiam ser colocados pela lei ordinária. A razão de ser do art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias foi a de deixar fora de qualquer dúvida a proteção aos direitos adquiridos contra os limites que a Constituição incumbiu ao legislador ordinário fixar. Pode-se chegar a essa conclusão através de uma interpretação a contrario sensu do dispositivo constitucional transitório.

Quando o artigo 17 do ADCT fala que as retribuições pecuniárias percebidas em desacordo com a Constituição serão reduzidas aos limites dela decorrentes, refere-se tão-somente aos limites já postos na própria Constituição originária. Os conhecidos subtetos eram limites decorrentes da lei. Evidência disso é que as retribuições pecuniárias deveriam ser reduzidas imediatamente, ou seja, em momento em que ainda não existia sequer a lei ordinária (que era facultativa, diga-se) fixadora dos outros limites. [80]

Foi exatamente para ressalvar que os limites decorrentes da lei não poderiam reduzir as retribuições que estivessem dentro do limite decorrente da Constituição que o poder constituinte elaborou a norma do art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Através dela, ficou definitivamente claro que somente os limites decorrentes da própria Constituição originária poderiam ferir o direito adquirido (daí a expressão "neste caso"). Em outras palavras, o art. 17 do ADCT, ao enunciar que não se poderia invocar direito adquirido contra os limites estabelecidos na Constituição, protegeu, a contrario sensu, aquelas retribuições pecuniárias que se amoldassem ao disposto na Constituição originária, mas que por acaso extrapolassem os limites estabelecidos posteriormente pela lei (ou por qualquer emenda constitucional superveniente). [81]

Essa a razão de existir da norma. Deixar evidenciado que mesmo aquela lei autorizada pelo poder constituinte a impor limites às retribuições pecuniárias dos agentes públicos teria que respeitar o direito adquirido, o mesmo acontecendo, por razões idênticas (impossibilidade de subjugar o princípio da segurança jurídica), com qualquer emenda constitucional futura que viesse a impor limites mais estreitos que os impostos na Constituição originária. Se mesmo existindo o art. 17 do ADCT ainda havia quem defendesse que a lei ordinária poderia reduzir as retribuições pecuniárias dos agentes públicos [82], imagine-se se não houvesse tal esclarecimento por parte do Constituinte de 1988.

Enfim, o que se procurou demonstrar com a análise do art. 17 do ADCT foi que os limites contra os quais não se poderia invocar direito adquirido eram somente aqueles impostos desde já pela Constituição Federal, na redação originária do art. 37, inciso XI. Em face desses limites não há mesmo que se invocar direito adquirido, pois não há direito adquirido contra a Constituição originária. Por outro lado, uma vez conforme os limites constitucionais estabelecidos pelo poder constituinte (e somente por eles), as retribuições pecuniárias dos agentes públicos se tornam irredutíveis, passando, agora sim, a estar protegidas, inclusive contra as emendas constitucionais, pela garantia do direito adquirido, cláusula pétrea da atual ordem constitucional.

Conheçam-se, então, quais os limites estabelecidos pelo poder constituinte.

2.3. A ABRANGÊNCIA DO TETO DE RETRIBUIÇÃO NA CONSTITUIÇÃO ORIGINÁRIA SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Para se conhecer os limites de retribuição decorrentes da Constituição originária, indispensável a análise da jurisprudência que se formou no Supremo Tribunal Federal. Não se vai aqui questionar o acerto ou não desse entendimento jurisprudencial, até porque o eixo central deste trabalho está justamente na busca do entendimento da legislação que veio a superar a legislação anterior que dava suporte à jurisprudência. Dessa forma, qualquer valoração acerca da antiga jurisprudência do Pretório Excelso se mostrará inócua neste momento.

Foi, na verdade, o entendimento consolidado durante alguns anos pelo Supremo Tribunal, juntamente com a nova legislação constitucional que surgiu a fim de contrariá-lo, o que gerou toda essa celeuma acerca do teto de retribuição pecuniária dos agentes públicos e o (des)respeito aos direitos adquiridos. Tudo começou, segundo relato de Paulo Modesto [83], com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 14-4/DF, que está assim ementada:

"EMENTA: - Ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros. O parágrafo 2º do artigo 2º da Lei Federal nº 7.721, de 6 de janeiro de 1989, quando limita os vencimentos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal – computados os adicionais por tempo de serviço – à remuneração máxima vigente no Poder Executivo, vulnera o art. 39, § 1º, in fine, da Constituição, que sujeita a tal limite apenas os vencimentos, excluídas as vantagens pessoais. Compatibilidade do conceito de vencimentos estabelecido na Lei Complementar nº 35/79 e em outros artigos da Lei Maior com a exegese do aludido dispositivo constitucional.

Procedência parcial da ação para declarar inconstitucionais as expressões ‘... e vantagens pessoais (adicionais por tempo de serviço)...", constante do § 2º, art. 2º da Lei 7.721/89." [ADI nº 14-4/DF – STF – Tribunal Pleno – Rel. Min. Célio Borja – DJ 1º/12/1989] [grifos do original]

Por essa decisão, ficou assentado que, para que se respeitasse efetivamente a isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (art. 39, § 1º, da Constituição Federal, na sua redação originária), seria necessária a equivalência entre os vencimentos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Ministros de Estado e dos membros do Congresso Nacional (princípio da equivalência). Somente com a vinculação a tetos de retribuição pecuniária equivalentes é que o princípio da isonomia entre os servidores dos três Poderes poderia ser verdadeiramente concretizado.

Mas o art. 39, § 1º, da Constituição Federal originária, que tratava do princípio da isonomia, tinha uma ressalva importante: excluía da equivalência as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho. Senão, veja-se:

"Art. 39. [...]

§ 1º. A lei assegurará, aos servidores da Administração Direta, isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho." [grifo nosso]

Daí então surgiu o entendimento [84], ratificado, posteriormente, por inúmeros acórdãos do próprio Supremo Tribunal Federal [85], de que, pela análise do art. 37, inciso XI combinado com o art. 39, § 1º, ambos da Constituição Federal em sua originária redação, as vantagens pecuniárias de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho não seriam computadas para a incidência do teto constitucional de retribuição pecuniária. Dito de outro modo, parcela significativa dos estipêndios de alguns agentes públicos estava livre das amarras do teto de retribuição.

Vantagens pecuniárias de caráter individual são aquelas que dizem respeito, única e exclusivamente, à pessoa do agente público. São vantagens pecuniárias que somente são pagas em razão de características especiais do agente público ou tendo em vista circunstâncias que o individualizem. Diferem das vantagens relativas ao cargo, pois estas são pagas aos agentes públicos pelo exercício do cargo, independentemente da pessoa do titular ou do que anteriormente ele tenha sido. A esse respeito, a título exemplificativo, veja-se a ementa do acórdão exarado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1344-MC/ES:

"EMENTA: - Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido de medida liminar. Par. 1. do artigo 71 da Lei Complementar n. 46, de 31 de janeiro de 1994, do artigo 2. da Lei Complementar n. 48, de 19 de abril de 1994, e artigo 1. da Lei Complementar n. 50, de 18 de julho de 1994, todas do Estado do Espírito Santo.

- Vantagens pessoais excluídas do teto de remuneração. Plausibilidade jurídica do pedido de liminar com relação às vantagens que as normas impugnadas excluem do teto de remuneração e que não são vantagens de caráter individual, por serem correspondentes ao exercício do cargo ou função, independentemente de quem seja o titular ou do que anteriormente ele tenha sido. No caso, são elas: as gratificações pelo exercício de função gratificada, pelo exercício de cargo em comissão, de produtividade e de representação [...]." [ADI nº 1344-MC/ES – STF – Tribunal Pleno – Rel. Min. Moreira Alves – DJ 19/04/1996 ] [grifo nosso]

Toda essa diferenciação entre as vantagens de caráter individual e relativas à natureza ou ao local de trabalho e aquelas relativas ao cargo ou função se justifica no fato de que as primeiras foram excluídas da incidência do teto exatamente porque diziam respeito a circunstâncias individuais do agente público. E como ressalvava o então vigente art. 39, § 1º da Constituição, não se poderia concretizar o princípio da isonomia tratando de forma igual agentes públicos desiguais, isto é, sem levar em consideração as dessimilitudes geradas por circunstâncias individuais.

Na esteira desse pensamento, mas também – e principalmente – em razão das permissões expressamente consignadas na própria Constituição Federal (art. 37, inciso XVI), as retribuições pecuniárias que excedessem o teto constitucional porque advindas da acumulação remunerada (desde que constitucionalmente legítima) de cargos também não seriam restringidas. Aliás, o próprio art. 37, inciso XI, na originária redação da Constituição de 1988, não se refere à hipótese de acumulação de cargos.

O que se conclui, portanto, é que os limites de retribuição pecuniária postos pelo poder constituinte não incluíam as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho nem consideravam a hipótese de acumulação remunerada de cargos. Isso quer dizer que parcelas das retribuições pecuniárias dos agentes públicos continuaram, legitimamente (frise-se), a ser percebidas.

Ocorre que, como se destacou no item 2.1.2, as vantagens pecuniárias podem ser concedidas a título definitivo ou transitório e, para diferenciá-las, não há um critério rígido, pois a lei pode estabelecer que uma vantagem inicialmente transitória (pro labore faciendo, por exemplo) se torne permanente depois de um determinado tempo ou cumprido certo requisito. Assim, como já se asseverou anteriormente, uma vantagem relativa ao exercício de uma função (função gratificada, por exemplo), paga pro labore faciendo, passa a se constituir numa vantagem de caráter individual, paga pro labore facto.

E foi exatamente esse tipo de situação que se multiplicou após a decisão do Supremo Tribunal Federal de excluir do teto de retribuição pecuniária dos agentes públicos as vantagens de caráter individual. Várias leis posteriores trouxeram dispositivos que permitiram a incorporação dessas vantagens aos vencimentos (que são irredutíveis – art. 37, inciso XV, CF) dos agentes públicos, isso sem contar aquelas vantagens individuais que, por natureza, já eram incorporadas (adicional de tempo de serviço, por exemplo). Diante disso, como não podia ser diferente, o Pretório Excelso sufragou a legalidade do percebimento dessas parcelas remuneratórias, nos moldes de sua jurisprudência, já então formada. Veja-se outro exemplo:

"EMENTA:

Teto de remuneração. Vantagem pessoal. - Esta Corte já firmou o entendimento de que as vantagens pessoais do servidor público estão excluídas do cálculo da remuneração sujeita à observância do teto previsto no artigo 37, XI, da Constituição. No caso, a gratificação de representação de Secretário de estado incorporada à remuneração do ora recorrido, que é Delegado de Polícia, pelo fato de haver exercido aquele cargo pelo tempo previsto na legislação local para fazer jus a essa incorporação é vantagem pessoal, pois não decorre do simples exercício do referido cargo, mas depende, ainda, do fato individualizador que é o preenchimento de tempo mínimo de exercício dele. Recurso extraordinário não conhecido." [RE nº 208222/CE – STF – Primeira Turma – Rel. Min. Moreira Alves – DJ 03/03/2000] [grifo nosso]

Já que os limites de retribuição pecuniária decorrentes do poder constituinte, isto é, os postos desde já na Constituição Federal originária, não incluíam, para seu cálculo, as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza e ao local de trabalho e nem levavam em consideração a acumulação remunerada de cargos, certas parcelas remuneratórias, legitimamente percebidas (o que indica a existência de fato idôneo), incorporaram-se ao patrimônio jurídico dos agentes públicos, configurando-se um verdadeiro direito adquirido. [86] E não há que se falar aqui em aplicação do art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, pois, segundo a construção jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, tais parcelas remuneratórias não estavam sendo percebidas em desacordo com os limites decorrentes da Constituição.

E então surge a controvérsia a que se pretende, com este trabalho, sugerir uma solução: pode uma emenda constitucional, ao incluir expressamente na incidência dos limites máximos de retribuição as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza e ao local de trabalho, bem como as retribuições advindas de acumulação remunerada de cargos, intentar reduzir ou até mesmo eliminar dos estipêndios dos agentes públicos aquelas parcelas já incorporadas a seu patrimônio?

2.4. O TETO DE RETRIBUIÇÃO PECUNIÁRIA ESTABELECIDO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 19/98 E SUA NÃO-AUTO-APLICABILIDADE

Essa questão veio à tona quando da promulgação da Emenda Constitucional nº 19/98. A emenda, através de seu artigo 3º, deu nova redação ao art. 37, inciso XI, da Constituição Federal, incluindo expressamente no teto de retribuição pecuniária dos agentes públicos qualquer espécie remuneratória, percebida cumulativamente ou não, contando-se também com as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza. Assim ficou configurado o teto de retribuição depois da promulgação da Emenda Constitucional nº 19/98:

"Art. 37 (...)

XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal;" [grifo nosso]

Mas a Emenda Constitucional nº 19/98 não se limitou a alterar a redação do art. 37, inciso XI, da Constituição Federal, muito pelo contrário, modificou inúmeros dispositivos constitucionais e ainda cunhou normas que não integraram seu texto permanente. Vejam-se as inovações, no que interessa diretamente ao presente estudo:

"Art. 3º. O caput, os incisos I, II, V, VII, X, XI, XIII, XIV, XV, XVI, XVII e XIX e o § 3º do art. 37 da Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação, acrescentando-se ao artigo os §§ 7º a 9º:

[...]

XV – o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;

XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

[...]

Art. 29. Os subsídios, vencimentos, remuneração, proventos da aposentadoria e pensões e quaisquer outras espécies remuneratórias adequar-se-ão, a partir da promulgação desta Emenda, aos limites decorrentes da Constituição Federal, não se admitindo a percepção de excesso a qualquer título." [grifo nosso]

Pode-se perceber, pela análise conjunta das novas normas trazidas pela Emenda Constitucional nº 19/98, que o legislador reformador parece ter se empenhado em que os novos limites constitucionais fossem rigorosamente observados. A dúvida estava em dois pontos: a) teria o legislador reformador intentado impor o novo teto de retribuição pecuniária inclusive para aqueles agentes públicos que já tinham direito adquirido às suas retribuições nos valores em que percebiam até então? b) se a resposta à questão anterior fosse afirmativa, poderia o poder reformador concretizar tal intento?

A doutrina brasileira se dividiu. Enquanto alguns autores defendiam a imediata redução das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos, com espeque no art. 29 da Emenda Constitucional nº 19/98 e nas ressalvas introduzidas no art. 37, incisos XV e XVI, da Constituição Federal, outros sustentavam que o art. 29 da referida Emenda deveria ser interpretado conforme a Constituição Federal, para se respeitar os direitos adquiridos, o mesmo ocorrendo com as ressalvas introduzidas no texto permanente da Constituição.

Os atualizadores da obra de Hely Lopes Meirelles, por exemplo, a fim de abstrair o verdadeiro significado normativo do art. 29 da Emenda Constitucional nº 19/98, buscaram compará-lo com o art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Segundo esses autores, o art. 29 da Emenda Constitucional nº 19/98 não determinou a imediata redução dos vencimentos e nem afastou o direito adquirido. Essa norma utilizou expressão no futuro ("[...] adequar-se-ão [...]"), bem diferente do art. 17 do ADCT, que enunciou um mandamento categórico para o presente ("[...] que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes [...]"). [87]

Carlos Alberto Menezes Direito também correlacionou o art. 29 da citada Emenda com o art. 17 do ADCT, mas não para concordar com os atualizadores da obra de Hely Lopes Meirelles. Disse aquele autor que a Emenda Constitucional nº 19/98 impunha a imediata redução das astronômicas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos. Tanto é assim que, ainda nas palavras de Carlos Alberto Menezes Direito, o poder constituinte derivado [88] "[...] teve o cuidado de repetir a regra do constituinte originário, no art. 29 [...]." [89] [grifo nosso] Conclui esse autor, ao comentar a ressalva feita pelo art. 37, inciso XV, da Constituição, que aquilo "[...] que o constituinte derivado deixou induvidoso foi a redutibilidade dos subsídios e os vencimentos se acima do teto previsto no art. 37, XI." [90]

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, mesmo destacando que os direitos adquiridos deveriam ser respeitados, interpretou a ressalva introduzida no art. 37, inciso XV, da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 19/98 ("[...] ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo [...]") no sentido de não se poder invocar a irredutibilidade de vencimentos para manter retribuições pecuniárias que, à época da promulgação da Emenda Constitucional nº 19/98, estavam sendo percebidas acima do novo teto. Segundo a autora, a ressalva ao princípio da irredutibilidade de vencimentos era reforçada pela norma do art. 29 da referida Emenda Constitucional. [91] A mesma observação fizeram Odete Medauar [92] e Helio Saul Mileski. [93]

Por outro lado, vários juristas defenderam a interpretação do art. 29 da Emenda Constitucional nº 19/98 conforme a Constituição. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello [94], Uadi Lammêgo Bulos [95], Diogenes Gasparini [96], Cármen Lúcia Antunes Rocha [97] e Alexandre de Moraes [98], o art. 29 da referida Emenda deveria ser entendido como reportado aos limites de retribuição postos na Constituição originária, não se aplicando o novo teto às situações jurídicas já consolidadas, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade ao ferir direitos adquiridos.

Afirma Diogenes Gasparini que a ressalva contida no art. 37, inciso XV, da Constituição Federal permite apenas que sejam reduzidos os vencimentos que estiverem sendo percebidos em desacordo com os limites postos na Constituição originária, consoante prescreve o art. 17 do ADCT. [99] Também em defesa da aplicação do princípio da irredutibilidade de vencimentos, Cármen Lúcia Antunes Rocha assevera:

"O maior problema posto nesta matéria refere-se, ainda uma vez, à existência de vencimentos ou de valores pagos para ocupantes de cargos e empregos sujeitos a subsídio e que superam o teto, mas que estão sendo pagos em concordância com normas anteriormente vigentes. A irredutibilidade, cuja previsão normativa constitucional antecede a própria norma enfatizada e alterada pela Emenda Constitucional n. 19/98, traz em seu objeto uma absoluta impropriedade jurídica ou, mesmo, uma impossibilidade constitucional, qual seja, a de se dar à aplicação de redutor, ou do fator de redução, sobre os valores que superem o teto ou o valor máximo." (100)

No mesmo sentido, enuncia Alexandre de Moraes, ao analisar o art. 29 da Emenda Constitucional nº 19/98:

"(...) Diferentemente, será o tratamento jurídico-constitucional dos servidores públicos que já tenham incorporadas ao seu patrimônio vantagens pessoais juridicamente reconhecidas. Em relação a esses, não haverá possibilidade de retroatividade do presente art. 29, continuando os mesmos a perceberem integralmente seus vencimentos, em face da existência do direito adquirido e a impossibilidade de reconhecer-se uma retroatividade que desconstitua uma situação jurídica perfeita e acabada, consolidada na vigência da norma constitucional originária anterior, acarretando uma irregular irredutibilidade de vencimentos devidamente incorporados ao patrimônio." (101)

Pois bem, após já terem ocorrido vários debates na esfera doutrinária, finalmente a questão chegou ao órgão de mais alta hierarquia do Poder Judiciário. Mas quando se pensava que o Supremo Tribunal Federal daria uma resposta às dúvidas, ao analisar a aplicação do art. 29 da Emenda Constitucional nº 19/98, o Pretório Excelso simplesmente procrastinou a resolução do problema, decidindo pela não auto-aplicabilidade do dispositivo.

Em sessão administrativa do Supremo Tribunal Federal, em 24 de junho de 1998, assim ficou assentado:

"O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, reunido em sessão administrativa, deliberou por 7 votos a 4, vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Veloso, Marco Aurélio e Ilmar Galvão, que não é auto-aplicável a norma constante do art. 29 da Emenda Constitucional n. 19/98, por entender que essa regra depende, para efeito de sua plena incidência e integral eficácia, da necessária edição de lei, pelo Congresso Nacional, lei essa que deverá resultar de projeto de iniciativa conjunta do Presidente da República, do Presidente da Câmara dos Deputados, do Presidente do Senado Federal e do Presidente do Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal nessa mesma sessão administrativa, entendeu que, até que se edite a lei definitiva do subsídio mensal a ser pago a Ministro do Supremo Tribunal Federal, prevalecerão os três (3) tetos estabelecidos para os três poderes da República, no art. 37, XI, da Constituição, na redação anterior à que lhe foi dada pela EC 19/98, vale dizer: no Poder Executivo da União, o teto corresponderá à remuneração paga a Ministro de Estado; no Poder Legislativo da União, o teto corresponderá à remuneração paga aos membros do Congresso Nacional; e no Poder Judiciário, o teto corresponderá à remuneração paga atualmente, a Ministro do Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal na Sessão administrativa hoje realizada declarou que não dispõe de competência, para, mediante ato declaratório próprio, definir o valor do subsídio mensal. Essa é matéria expressamente sujeita à reserva constitucional de lei em sentido formal."

Dessa forma, tendo sido criada pela Emenda Constitucional nº 19/98 a figura do subsídio (art. 39, § 4º, CF), que, como já se viu anteriormente, é uma das espécies de retribuição pecuniária, e, principalmente, tendo ficado estipulado como limite único de retribuição de todos os agentes públicos o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, entendeu a Excelsa Corte que o teto estabelecido pela Emenda e, conseqüentemente, o comando normativo que impunha o respeito desses limites (art. 29 da Emenda Constitucional nº 19/98) só teriam aplicabilidade após a fixação, por lei de iniciativa conjunta dos Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal (art. 48, XV, CF, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98), dos subsídios dos ministros do STF. [102] Enquanto isso, perduraria toda a situação anterior já aqui narrada, ou seja, prevaleceriam os limites impostos pelo poder constituinte, o que significava a possibilidade de percepção das vantagens de caráter individual e as relativas à natureza e ao local de trabalho, bem como a acumulação remunerada de cargos, independentemente de qualquer teto de retribuição. [103]

Como nunca se materializaram as condições políticas para a propositura do projeto de lei que fixaria os subsídios dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista a quádrupla iniciativa, a situação anterior à Emenda Constitucional nº 19/98 perdurou até a promulgação da Emenda Constitucional nº 41/2003. Esta emenda, além de desfazer o equívoco da necessidade de iniciativa conjunta para a propositura do projeto de lei que fixará os subsídios dos Ministros do STF, dispôs, em seu art. 8º, que, "até que seja fixado o valor do subsídio de que trata o art. 37, XI, da Constituição Federal, será considerado, para os fins do limite fixado naquele inciso, o valor da maior remuneração atribuída por lei na data de publicação desta Emenda a Ministro do Supremo Tribunal Federal [...]". [104]

Com isso, a auto-aplicabilidade do art. 37, XI, da Constituição Federal deixou de ser um empecilho para a total eficácia do novo limite de retribuição, que já não é mais somente o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (art. 37, XI, CF, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 41/2003), mas continua a incluir em sua incidência, explicitamente, as vantagens de caráter pessoal ou de qualquer outra natureza. Chega-se, finalmente, ao art. 9º da Emenda Constitucional nº 41/2003 e a questão dantes posta retorna à ordem do dia. É juridicamente possível, sob o argumento de adequação ao novo teto, reduzir as retribuições pecuniárias dos agentes públicos, retirando-lhes vantagens legalmente incorporadas a seu patrimônio? É o que se verá no próximo capítulo.


CAPÍTULO III

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 41/2003: O CONTRAPONTO ENTRE O NOVO TETO E O "VELHO" DIREITO

3.1. O NOVO TETO DE RETRIBUIÇÃO ESTABELECIDO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 41/2003 E A IMPOSSIBILIDADE DE FERIMENTO AO DIREITO ADQUIRIDO

A resposta à questão que se deixou em aberto no capítulo anterior já pode ser inferida, mesmo antes de ser, categoricamente, declinada no presente trabalho. Isso porque a maior parte da base teórica necessária para a resposta já foi explicitada, restando tão-somente conjugar as conclusões obtidas nos capítulos precedentes e fazer umas poucas observações complementares.

É preciso, primeiramente, analisar os novos termos do art. 37, inciso XI, da Constituição Federal, depois da promulgação da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003. Senão, veja-se:

"Art. 37. (...)

XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;" [grifo nosso]

Como visto, conquanto se tenha alterado (e alargado) a lista dos paradigmas constitucionais, o teto de retribuição pecuniária estabelecido pela Emenda Constitucional nº 41/2003 continuou a considerar nele incluso, nos moldes já elencados pela Emenda Constitucional nº 19/98, qualquer espécie remuneratória, percebida cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza. É por isso que a dúvida dantes posta em questão (e que o Supremo Tribunal Federal não sanou quando da análise do art. 29 da Emenda Constitucional nº 19/98) permanece. Pode uma emenda constitucional, ao incluir expressamente na incidência dos limites máximos de retribuição as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza e ao local de trabalho, bem como as retribuições advindas de acumulação remunerada de cargos, intentar reduzir ou até mesmo eliminar dos estipêndios dos agentes públicos aquelas parcelas já incorporadas a seu patrimônio?

A resposta, depois de toda a explanação já feita, não pode ser outra se não a negativa. Primeiramente, como se viu no Capítulo I deste trabalho, uma emenda constitucional não tem poderes suficientes para afastar a garantia do direito adquirido. Não o tem porque as emendas constitucionais advêm do poder reformador, que é derivado, subordinado e condicionado pelo poder constituinte. E dentre os limites impostos pelo poder constituinte ao reformador está a intocabilidade dos direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º, IV, CF), entre eles a garantia do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, CF), que, frise-se, não pode ser entendida senão de forma conjugada com os próprios direitos a que visa garantir.

Mas há direito adquirido à percepção das parcelas de retribuição pecuniária apontadas? Foi o que se demonstrou no Capítulo II. A partir da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que entendeu fora do alcance do teto estabelecido pelo art. 37, inciso XI, da Constituição Federal originária as vantagens individuais e as relativas à natureza e ao local de trabalho, várias parcelas estipendiais foram se incorporando, legitimamente, aos vencimentos dos agentes públicos. E uma vez incorporada ao patrimônio jurídico de determinado agente público, a vantagem pecuniária se tornou um direito adquirido, protegido pela cláusula pétrea insculpida no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal. Nesse sentido, averba Alexandre de Moraes:

"Devemos nos lembrar que se os vencimentos – mesmo que extrapolem futuro teto salarial fixado em lei – estão sendo percebidos, isso decorre da própria interpretação que o Supremo Tribunal Federal pacificou em relação à antiga redação do inciso XI do art. 37, entendendo que as vantagens de caráter pessoal não deveriam ser computadas no teto original previsto no inciso XI do art. 37 da Constituição Federal. Assim entendendo, o Pretório Excelso reconheceu que determinada vantagem pessoal que acresceu aos vencimentos do servidor público, mesmo acima do teto salarial, incorporou seu patrimônio, concedendo-lhe direito adquirido a recebê-las, independentemente de futura alteração de regime jurídico" [105] [grifo do autor]

Se se configurou direito adquirido e uma emenda constitucional não pode ferir direito adquirido, forçoso é reconhecer que é inconstitucional qualquer tentativa de reduzir as retribuições pecuniárias dos agentes públicos legitimamente percebidas. E não se pode aduzir, como fez Gracielle Carrijo Vilela [106], que a redução das altas retribuições pecuniárias estaria justificada no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Essa autora afirma que o art. 17 do ADCT, elaborado pelo poder constituinte e ainda em pleno vigor, afasta a possibilidade de invocação do direito adquirido no caso em análise (lembre-se que o poder constituinte podia fazê-lo). Não se discorda da assertiva de que o art. 17 do ADCT possa ainda estar em vigor [107], mas, como se falou no capítulo precedente, tal dispositivo transitório está umbilicalmente vinculado aos limites postos pelo próprio legislador constituinte.

Assim, uma vez conforme os limites decorrentes da Constituição originária, as retribuições pecuniárias se tornam irredutíveis, tanto por força do princípio do direito adquirido quanto do princípio da irredutibilidade de vencimentos. Aliás, consoante decisão recente do Supremo Tribunal Federal, a irredutibilidade de vencimentos é modalidade qualificada de direito adquirido. [108] Não se pode, portanto, aplicar o art. 17 do ADCT quando a retribuição pecuniária de determinado agente público já se adequou ao teto referido pelo art. 37, inciso XI, da Constituição Federal originária. Veja-se, a título exemplificativo, trecho do voto do Ministro Carlos Velloso, no julgamento unânime do Recurso Extraordinário nº 137.366-1/MA:

"O acórdão recorrido afirma não ocorrer, no caso, o excesso de remuneração que o art. 17 do ADCT à CF/88 visa a corrigir. É dizer, o acórdão afirma que os vencimentos não ultrapassam os limites inscritos no inciso XI do art. 37 da Constituição [limites esses que não incluíam as vantagens pessoais e as relativas à natureza e ao local de trabalho, nem levavam em conta a acumulação remunerada de cargos]. Por isso, a redução de tais vencimentos, sob color de cumprimento ao art. 17 do ADCT, aplica maus tratos no princípio da irredutibilidade de vencimentos inscrita no inc. XV do citado art. 37 da Constituição." [RE nº 137.366-1/MA – STF – Segunda Turma – Rel. Min. Carlos Velloso – DJ 11/06/1993] [grifo nosso]

Destarte, a grande maioria [109] das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos não podem ser reduzidas pela superveniência da Emenda Constitucional nº 41/2003. Embora vultosas, tais retribuições pecuniárias integraram o patrimônio jurídico dos agentes públicos, pois as parcelas estipendiais de alto valor monetário (ou que se tornou alto depois da cumulação de várias vantagens legitimamente percebidas) são exatamente aquelas que o Supremo Tribunal Federal julgou imune aos limites impostos pelo poder constituinte.

3.1.1. Interesse público e razoabilidade frente ao direito adquirido

Há, no entanto, ainda dois outros argumentos que precisam ser rechaçados, pois visam a afastar a configuração do direito adquirido no caso das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos. O primeiro consiste no pensamento de que a garantia do direito adquirido deve ser relativizada em face de normas de ordem pública. O segundo considera inexistente o próprio direito adquirido, pois as vantagens pecuniárias de alto valor feririam o princípio da razoabilidade, sendo, portanto, inconstitucionais.

O pensamento de que o direito adquirido deveria ceder espaço a normas de ordem pública não é novo. [110] Serpa Lopes, ao comentar as desvantagens da consagração do princípio da irretroatividade [111] na Constituição, afirmava ser "[...] incontestável que situações existem em que o princípio da irretroatividade precisaria ceder o passo a reformas legislativas de impressionante necessidade ao interesse público [...]." [112] Na mesma esteira de pensamento, Gracielle Carrijo Vilela defende que o direito adquirido, por ter advindo do ramo privado do Direito, não pode contrariar o interesse público. Ainda segundo a autora, no Direito Público, o direito adquirido só se aplica se não ferir o interesse público. [113]

Assim, sustenta-se que a imediata redução das retribuições pecuniárias exorbitantes de alguns agentes públicos seria do mais alto interesse público [114], não se podendo invocar no caso a garantia do direito adquirido. Não obstante a imensa popularidade da medida e o constante uso político que se faz dela (e aqui está um dos maiores perigos para os direitos fundamentais), perece ser equivocado tal pensamento.

Primeiro porque a garantia do direito adquirido não sofre (e não pode sofrer) relativizações frente a normas de ordem pública. A existência do interesse público não autoriza o amesquinhamento da garantia constitucional individual. A garantia do direito adquirido não pode ser relativizada porque ela compreende uma proteção do indivíduo contra o Estado, o mesmo Estado que tem o poder de invocar o interesse público ao editar normas jurídicas de observância geral. É como adverte Cunha Gonçalves, ao tratar do princípio da irretroatividade das leis no Direito Português: "[...] tendo todas as leis por fim a realização da harmonia social e a defesa dos interesses gerais, todas poderiam ser aplicadas retroativamente, destruindo-se a regra do art. 8º." [115]

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é assente ao dizer que a garantia do direito adquirido se impõe também em face das normas de ordem pública. [116] Veja-se, a título meramente exemplificativo, a ementa do acórdão exarado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 493-0/DF:

"EMENTA: Ação Direta de Insconstitucionalidade.

[...]

- O disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedente do S.T.F..

[...]" [ADI nº 493-0/DF – STF – Tribunal Pleno – Rel. Min. Moreira Alves – DJ 04/09/1992]

Ademais, a percepção das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos não coloca, a rigor, o interesse meramente particular em conflito com o interesse público. Lembrando-se que essas retribuições pecuniárias estão sendo legitimamente percebidas, configurando-se um direito adquirido, e que a garantia do direito adquirido é cláusula pétrea da Constituição Federal, pode-se afirmar que o verdadeiro interesse público está na proteção irrestrita ao direito adquirido e não na sua relativização.

A garantia do direito adquirido é norma dirigida ao próprio legislador, seja ele reformador ou ordinário. É uma manifestação do poder constituinte no sentido de que o legislador deve respeitar o direito adquirido. Assim, não pode esse legislador ferir a Constituição sob o argumento de que revela um interesse público. Verdadeiro interesse público é o respeito à cláusula pétrea constitucional.

Enquanto inserida no Direito Privado, a garantia do direito adquirido tinha uma conotação meramente individual. Já no Direito Público, ela agrega um aspecto que faz com que seu respeito seja desejado por toda a sociedade e não só pelo indivíduo. Ela passou a ser uma garantia fundamental do cidadão contra o arbítrio do Estado. E é interesse de todos, para que se preserve o Estado Democrático, que o poder estatal seja exercido dentro dos limites a ele impostos, sem que haja uma válvula de escape para arbitrariedades camufladas.

Os atualizadores da obra de Hely Lopes Meirelles, no entanto, vão além e, ao defenderem a imediata redução das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos, sustentam não a inoponibilidade de direito adquirido frente às leis de ordem pública, mas a própria inexistência de direito adquirido no caso em análise. Senão, veja-se:

"É manifesto que somente o que foi adquirido de conformidade com a ordem jurídica constitucional e legal então vigente é que tem a garantia do direito adquirido. Nessa linha, no nosso entender, remunerações que estejam em valores notoriamente desproporcionais ao limite máximo constitucional – porque as vantagens pessoais, nelas incorporadas, foram excluídas no cálculo desse limite – não guardam, quanto aos valores que foram computados para aquele cálculo, razoabilidade e moralidade. Tais remunerações, portanto, podem e devem ser revistas, para o restabelecimento da observância desses princípios. Insista-se: o caminho está no exame da razoabilidade entre as vantagens pessoais, antes não sujeitas ao cálculo do teto, e os valores computados nesse cálculo. Como se vê, é possível alcançar o ideal sem ofensa às garantias individuais e, portanto, aos mandamentos constitucionais e ao real e legítimo direito adquirido." [117] [grifo nosso]

Em nota de rodapé, consta ainda na obra atualizada de Hely Lopes Meirelles:

"Se até lei pode ser declarada inconstitucional com fulcro no princípio da razoabilidade, é claro que as leis que concederam vantagens pessoais não razoáveis e imorais também podem ser declaradas inconstitucionais, o que ensejaria uma redução de remuneração a níveis razoáveis e morais. A respeito, v. as ADIn 1.047-DF, 1.063-DF e 1.158-AM." (118)

Os autores se utilizam, portanto, do princípio da razoabilidade, também conhecido como princípio da proporcionalidade [119], para justificar a inconstitucionalidade da percepção, por parte de alguns agentes públicos, de retribuições pecuniárias cujos valores que não se submetiam ao teto constitucional anterior ao trazido pela Emenda Constitucional nº 41/2003 são desarrazoadamente vultosos em relação aos valores que a ele se submetiam. Sendo inconstitucionais as vantagens, não estaria configurado direito adquirido e a garantia de intocabilidade deixaria de existir.

Ocorre que, como bem asseveraram os próprios atualizadores da obra de Hely Lopes Meirelles na nota de rodapé acima transcrita, o que pode ser declarado inconstitucional com base no princípio da razoabilidade é a lei que concede esta ou aquela vantagem pessoal. Com base nesse princípio, pode o Poder Judiciário ponderar se a vantagem (e não seu valor) é ou não razoável, isto é, se é ou não destituída de causa. Veja-se a ementa do acórdão exarado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.158-8/AM (citada, inclusive, pelo autor para sustentar seu posicionamento):

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI ESTADUAL QUE CONCEDE GRATIFICAÇÃO DE FÉRIAS (1/3 DA REMUNERAÇÃO) A SERVIDORES INATIVOS – VANTAGEM PECUNIÁRIA IRRAZOÁVEL E DESTITUÍDA DE CAUSA – LIMINAR DEFERIDA.

- A norma legal, que concede a servidor inativo gratificação de férias correspondente a um terço (1/3) do valor da remuneração mensal, ofende o critério da razoabilidade que atua, enquanto projeção concretizadora da cláusula do ‘substantive due process of law’, como insuperável limitação ao poder normativo do Estado.

- Incide o legislador comum em desvio ético-jurídico, quando concede a agentes estatais determinada vantagem pecuniária cuja razão de ser se revela absolutamente destituída de causa." [ADI nº 1.158-8-MC/AM – STF – Tribunal Pleno – Rel. Min. Celso de Mello – DJ 26/05/1995] [grifo do original]

E aí surge a seguinte dúvida: a vantagem pecuniária concedida em razão do tempo de serviço (adicional de tempo de serviço), em razão do exercício, durante alguns anos, de função de confiança, em razão do local ou das condições do trabalho, entre outras são irrazoáveis? Em outras palavras, são essas vantagens absolutamente destituídas de causa? Não! E como podem ser declaradas inconstitucionais?

Há que se fazer outra reflexão: é deferido ao Poder Judiciário, além de aferir a razoabilidade da vantagem pecuniária, formular juízo de valor em relação ao seu quantum? Faz-se essa pergunta porque é exatamente isso o que defendem os atualizadores da obra de Hely Lopes Meirelles: examinar se é razoável que, perante os valores inseridos no então teto constitucional, as vantagens pessoais sejam pagas em valor tal ou qual. Pretendem os citados autores que o Poder Judiciário, com arrimo no princípio da razoabilidade, diga que o valor "x" pago a título de vantagem pessoal pode ultrapassar o teto e que o valor "y", não.

Em que pese o posicionamento dos respeitados autores, parece que essa solução exorbita os poderes conferidos pela Constituição ao Judiciário. Fere, portanto, a cláusula pétrea insculpida no art. 60, § 4º, inciso III, da Constituição Federal: o princípio da separação de Poderes.

Não se quer aqui condenar o uso do princípio da proporcionalidade pelo Poder Judiciário, até porque ele será utilizado neste mesmo trabalho para solucionar o aparente conflito entre os princípios da moralidade e da segurança jurídica. [120] Quer-se apenas evitar que o abuso desse princípio constitucional implícito leve a uma invasão, por parte do juiz, da competência do legislador. A solução defendida na obra atualizada de Hely Lopes Meirelles parece dar razão aos críticos da utilização do princípio da proporcionalidade em sede constitucional. [121] As palavras de Hans Huber devem ser ouvidas com atenção:

"De modo especial os princípios abertos de direito se tornam perigosos quando transpõem as respectivas fronteiras, abandonando dessa maneira os seus conteúdos. É aí que eles favorecem os deslocamentos secretos de poder na organização do Estado, tais aqueles, por exemplo, ocorridos entre juiz e legislador e legislador e administrador, conforme se há demonstrado." (122)

É por isso que Willis Santiago Guerra Filho [123], ao constatar a tendência de super-expansão do princípio da proporcionalidade, defende que se lhe atribua reflexividade, isto é, que apenas seja utilizado quando houver adequação, exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito. [124] E não parece que os atualizadores da obra de Hely Lopes Meirelles tenham assim agido quando propuseram a redução das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos.

3.1.2. Considerações finais

Destarte, as vantagens de caráter pessoal e as relativas à natureza ou local de trabalho, legitimamente incorporadas aos vencimentos dos agentes públicos até a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 41/2003, qualquer que seja seu valor, configuraram-se em direito adquirido e, como tal, não podem ser alcançadas pela superveniência de qualquer lei ou emenda constitucional. Não importa se, em decorrência da percepção dessas vantagens, as retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos se tornaram vultosas a ponto de serem alvo de discursos moralizadores.

Em relação às retribuições pecuniárias que ultrapassam o teto por decorrerem de acumulação remunerada de cargos, a questão é ainda mais grave. Não só as retribuições pecuniárias pagas até a data de vigência da Emenda Constitucional nº 41/2003 ficam protegidas, mas também as que se consolidarem depois. Isso porque se afigura como inconstitucional a expressão "percebidos cumulativamente ou não", introduzida pela Emenda Constitucional nº 41/2003 no art. 37, inciso XI da Constituição Federal de 1988. A esse respeito, nada se tem a acrescentar diante das palavras do Ministro Marco Aurélio, proferidas em seu voto na Sessão Administrativa do Supremo Tribunal Federal de 05 de fevereiro de 2004:

"É sabido que o teto constitucional tem como escopo racionalizar o sistema remuneratório, impedindo perniciosas inversões de valores. Daí a necessária observância da ordem natural das coisas, cabendo manter, tanto no campo interpretativo, quanto no cotejo constitucional, a harmonia de entendimento, a razoabilidade. Afigura-se extravagante a conclusão de que há de tomar-se o teto, representado pela remuneração de um único cargo – o de Ministro do Supremo Tribunal Federal -, para limitar remuneração decorrente de acumulação permitida pelo texto constitucional. A situação esdrúxula configura-se a partir do momento em que se terão inúmeros casos a revelar, de um lado, a delimitada permissão constitucional de acumulação e, de outro, a redução do que devido, porque, somadas as quantias satisfeitas pela ocupação dos cargos, o teto restará suplantado [...].

Tenha-se em conta o conflito da cláusula ‘percebidos cumulativamente ou não’ inserida com a Emenda Constitucional nº 41/03, no que deu nova redação ao artigo 37, inciso XI, com o texto primitivo da Constituição Federal, cuja única razão de ser está ligada à menção a remuneração, subsídio, proventos, pensões e outras espécies remuneratórias. Admitida pela Lei Maior a acumulação, surge inconstitucional emenda que a inviabilize, e a tanto equivale restringir os valores remuneratórios dela resultantes. A previsão limitadora – ‘percebidos cumulativamente ou não’ – além de distanciar-se da razoável noção de teto, no que conduz a cotejo individualizado, fonte a fonte, conflita com a rigidez constitucional decorrente do art. 60, §4º, inciso IV, da Carta.

Simplesmente o Estado não pode dar com uma das mãos e retirar com a outra; não pode assentar como admissível a acumulação e, na contramão desta, afastar a contrapartida que lhe é natural, quer no todo – quando, então, se passaria a ter prestação de serviço gratuito -, quer em parte, mitigando-se o que devido. Direitos e garantias individuais são aqueles previstos na Constituição, não cabendo distinguir posições, ou seja, integração passada, presente ou futura, em certa relação jurídica."

É bom frisar que a existência de um teto de retribuição pecuniária dos agentes públicos é um instrumento para a concretização do princípio da moralidade. Mais que isso, é mesmo necessário para que o Estado não passe a ser um veículo de aprofundamento das desigualdades sociais. Para cumprir esse papel moralizador, é realmente desejável que o teto de retribuição seja propositadamente rigoroso e impeça qualquer tentativa de burla.

O que não pode ocorrer, no entanto, é que o legislador reformador, no afã de corresponder aos anseios da sociedade por eliminação das injustiças sociais, eleja alguns agentes públicos como mártires, talvez para esconder a falta de implementação de algumas políticas públicas mais eficazes. E o que é mais perigoso é que, por trás de uma medida altamente popular, está o ferimento a um dos basilares princípios da ordem constitucional vigente: a segurança jurídica. Como afirma Canotilho, os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos são elementos constitutivos do Estado de Direito. [125] O seu desrespeito abre um precedente enorme para que direitos de maior alcance social sejam alvejados no futuro.

3.2. MORALIDADE VERSUS SEGURANÇA JURÍDICA

3.2.1. Uma observação necessária

Chega-se, por fim, à discussão acerca do princípio da moralidade. No fundo, a intenção que move grande parte dos bem intencionados a defender a redução das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos não é outra se não o sentimento mais que louvável da busca por maior justiça social, pelo arrefecimento das desigualdades, etc. Num país em que as distâncias sociais são enormes, qualquer atitude (nem que seja meramente simbólica) que sinalize para a contenção dos gastos estatais com os indivíduos mais aquinhoados é aplaudida e incentivada por todos.

Na seara jurídica, no entanto, não se pode subscrever uma medida sem procurar enxergar não só suas conseqüências imediatas, mas também seus possíveis desdobramentos, ainda mais quando está em jogo um direito fundamental como o direito adquirido, corolário do basilar princípio da segurança jurídica, este, como dito acima, um dos elementos constitutivos do Estado de Direito. Foi o que se propôs fazer no presente trabalho.

Seria moralmente insustentável (conquanto juridicamente possível) defender a manutenção de altas retribuições pecuniárias de alguns poucos agentes públicos, estando imbuído de uma vontade meramente egoística. Mas, quando se vislumbra que a redução de tais retribuições pecuniárias pode, ao relativizar um direito fundamental, fazer estremecer as bases de um princípio constitucional (segurança jurídica) que, em última análise, mantém a harmonia social, tanto o Direito quanto a Moral indicam um posicionamento pelo respeito ao direito adquirido.

Com essa observação, quer-se deixar claro que a solução adiante proposta para o conflito entre os princípios da moralidade e da segurança jurídica no caso em tela não parte de um desprezo (muito menos de uma discordância) ao primeiro. Como se verá, o que anima o caminho trilhado é muito menos a preocupação com o dinheiro dos agentes públicos mais afortunados do que a necessidade de impedir que se abra um precedente perigoso a outros direitos adquiridos.

3.2.2. O princípio da proporcionalidade como guia a solucionar o conflito

O fato é que o princípio da moralidade é largamente utilizado para justificar a redução das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos. A primeira pergunta que vem à mente é se se constitui mesmo em imoralidade a percepção dessas retribuições pecuniárias por parte dos agentes públicos. Essa questão dificilmente foge de uma valoração subjetiva de cada um que analise o caso.

Tal subjetivismo decorre da existência dos vários aspectos que podem ser focalizados. Por um lado, ao se analisar a média salarial dos trabalhadores brasileiros, ver-se-á que as altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos destoam, gerando um sentimento de perplexidade. Por outro lado, pode-se sopesar que, em grande parte, os agentes públicos de que trata o presente trabalho são de alta qualificação, exercentes, na maioria das vezes, de cargos de grande responsabilidade.

Não se pode negar que a percepção de altas retribuições pecuniárias por parte de alguns agentes públicos vai de encontro ao sentimento comum da sociedade do que seja moral. No entanto, talvez esse sentimento esteja mais ligado ao baixo valor da base do que ao alto valor do teto. Pode-se afirmar (agora com um grau de certeza maior) que aquilo que mais fere o princípio da moralidade, no que se refere ao tema da retribuição pecuniária de agente público, é a ainda comum prática de auferir vantagens pecuniárias sem prestar o correspondente serviço. [126]

Mas, para se atingir o mínimo de certeza que o discurso científico requer, não se pode pautar uma solução (redução ou não das retribuições pecuniárias) apenas em impressões subjetivas. Se há quem considere imoral (e, até certo ponto, é mesmo) a percepção das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos e, com base nesse argumento, defenda sua imediata redução, há que se analisar a questão juridicamente. Há que se buscar no Direito uma resposta.

De um lado está, portanto, o princípio da moralidade a justificar a mencionada redução. De outro se encontra o princípio da segurança jurídica a pugnar pelo respeito ao direito adquirido. Ambos os princípios se materializam em sede constitucional e, nessa qualidade, têm a mesma hierarquia. Para solucionar o conflito, entra em cena o princípio da proporcionalidade.

Como se sabe, os princípios, diferentemente das regras, não incidem sob a forma do tudo ou nada. Diante das circunstâncias do caso concreto, pode-se não aplicar um princípio aos fatos que, prima facie, a ele se subsumem. [127] Como afirma, textualmente, Daniel Sarmento,

"Isso ocorre porque, ao contrário das regras, os princípios são dotados de uma dimensão de peso. Tal característica revela-se quando dois princípios diferentes incidem sobre determinado caso concreto, entrando em colisão. Nesta hipótese, o conflito é solucionado levando em consideração o peso relativo assumido por cada princípio dentro das circunstâncias concretas presentes no caso, a fim de que se possa precisar em que medida cada um cederá espaço ao outro." (128)

E é exatamente essa a tarefa do princípio da proporcionalidade: identificar, no caso concreto, a dimensão de peso de cada princípio contraposto. Esse princípio (o da proporcionalidade) adveio do Direito Administrativo [129], onde era (e ainda é) utilizado para limitar o poder discricionário do administrador. Ingressou no Direito Constitucional com a missão de limitar o igualmente discricionário poder do legislador, máxime no tocante às limitações aos direitos fundamentais. É como assevera Paulo Bonavides:

"Ora, o princípio da proporcionalidade – e esta é talvez a primeira de suas virtudes enquanto princípio que limita as limitações aos direitos fundamentais – transforma, enfim, o legislador num funcionário da Constituição, e estreita assim o espaço de intervenção ao órgão especificamente incumbido de fazer as leis." (130)

O princípio da proporcionalidade está implícito no texto constitucional brasileiro, sendo inferido a partir do princípio do devido processo legal [131], considerado este em seu caráter substantivo. Pelo menos é assim que vem entendendo o Supremo Tribunal Federal [132], nitidamente inspirado pela interpretação evolutiva que se fez nos Estados Unidos e que culminou com a definição do substantive due process of law. [133]

O princípio da proporcionalidade, no dizer de Willis Santiago Guerra Filho, juntamente com o princípio da isonomia, são "[...] engrenagens essenciais do mecanismo político-constitucional de acomodação dos diversos interesses em jogo, em dada sociedade, sendo, portanto, indispensáveis para garantir a preservação de direitos fundamentais [...]". [134] Assim, o princípio da proporcionalidade permite o sopesamento dos interesses e bens jurídicos em conflito, solucionando-o de forma a que maximize o respeito a todos os interesses envolvidos.

Para que realize seu trabalho a contento, o princípio da proporcionalidade se subdivide em três sub-princípios: a) princípio da conformidade ou adequação dos meios; b) princípio da exigibilidade ou da necessidade e c) princípio da proporcionalidade em sentido estrito. [135] É através da análise, no caso concreto, do respeito (ou não) a esses três sub-princípios que se verá se a redução das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos, possivelmente alicerçada no princípio da moralidade, é (ou não) proporcional aos estragos causados ao princípio da segurança das relações jurídicas.

3.2.3. Moralidade e segurança jurídica sob a ótica da adequação, exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito

Para que a redução das retribuições pecuniárias dos agentes públicos, calcada no princípio da moralidade, esteja de acordo com o princípio da proporcionalidade e seja, portanto, constitucional, necessário que a medida coativa ao direito adquirido [136] seja adequada, exigível e proporcional. Faltando um dos elementos, será inaceitável qualquer relativização do direito individual sob a justificativa de favorecimento ao interesse geral da sociedade.

O sub-princípio da adequação consiste em verificar se os meios utilizados são aptos (adequados) para a consecução do fim a que se propôs. Pois bem, a finalidade da redução das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos é concretizar o princípio da moralidade, eliminando situações que o contrariem. Sob essa ótica, a redução pretendida por alguns atinge, de certo modo, seu objetivo.

Considerando que a percepção das altas retribuições pecuniárias é realmente imoral, sua (das retribuições) imediata redução auxilia na concretização do princípio da moralidade. Destaque-se, porém, que essa concretização se dá de forma muito tímida, já que várias outras situações existem que contrariam muito mais o princípio da moralidade. Certamente se medidas fossem tomadas para aumentar o valor da base salarial dos agentes públicos, para acabar com a existência de agentes públicos fantasmas, entre outras perplexidades, o princípio da moralidade agradeceria muito mais.

Vê-se, portanto, que apenas uma ínfima parcela do conteúdo axiológico do princípio da moralidade seria beneficiada com a redução das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos. Adequada, destarte, a medida até que pode ser, mas isso porquanto os objetivos são muito modestos.

Mas será que a redução das retribuições pecuniárias passa pelo teste da exigibilidade? Daniel Sarmento, ao tratar do sub-princípio da exigibilidade (ou necessidade), fala que "[...] a tônica deste sub-princípio recai sobre a idéia de que se deve perseguir, na promoção dos interesses coletivos, a menor ingerência possível na esfera dos direitos fundamentais do cidadão." [137] Acrescenta Canotilho que, para uma maior operacionalidade prática desse sub-princípio, a doutrina acrescenta alguns elementos (exigibilidade material, espacial, temporal e pessoal). [138]

Ora, o interesse coletivo que se busca com a imediata redução de todas as retribuições pecuniárias dos agentes públicos para que elas (as retribuições pecuniárias) se adeqüem ao teto estabelecido pela Emenda Constitucional nº 41/2003 é, como dito acima, concretizar uma parcela do princípio da moralidade. O novo teto constitucional veio com a manifesta intenção de impedir as distorções hoje existentes. Será que, para impor novo paradigma moral (e jurídico) do que seja aceitável em termos de retribuição pecuniária, o poder reformador precisava tocar nas situações já cobertas pelo manto da garantia do direito adquirido? Em outras palavras, será que, para falar que a percepção desenfreada de vantagens de caráter pessoal ou de qualquer outra natureza não seria mais moralmente (e juridicamente) aceita, a Emenda Constitucional nº 41/2003 necessitava ordenar a redução daquelas vantagens já incorporadas ao patrimônio jurídico dos agentes públicos?

Tudo leva a crer que não. O princípio da moralidade, cujo conteúdo é fluido e varia conforme a evolução da sociedade, estaria da mesma forma sendo privilegiado se as exigências de adequação ao novo teto de retribuição pecuniária dos agentes públicos fossem aplicadas ex nunc, ou seja, apenas às situações que viessem a se configurar posteriormente (exigibilidade temporal). Tal medida, além de privilegiar o princípio da moralidade, respeitaria in totum o princípio da segurança jurídica, pois resguardaria o direito adquirido, cláusula pétrea constitucional.

Imagine-se se o princípio da moralidade pudesse justificar a constante retroação de medidas coercitivas a direitos fundamentais. Suponha-se, por exemplo, que no futuro a sociedade venha a considerar imoral o percebimento de pensões (assim como já considerou em relação às pensões das filhas de militares). Para que a nova moralidade se impusesse, necessário seria o imediato corte de todas as pensões até então legitimamente percebidas? Parece que não. A eficácia ex nunc dos novos valores morais (e jurídicos) pode muito bem (e deve) se harmonizar com a transitória persistência de situações já consolidadas sob a ordem jurídica (e moral) anterior.

Dessa forma, a redução das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos é uma medida desnecessária, inexigível para a concretização de parcela (ínfima, repita-se) do princípio da moralidade. Os direitos adquiridos dos agentes públicos estariam a sofrer uma ingerência dispensável para a obtenção do fim almejado (moralidade). Se se aplicar o novo teto de retribuição pecuniária apenas às situações futuras, preservam-se a moralidade e a segurança jurídica. É, portanto, um meio menos gravoso aos direitos fundamentais.

O que mais salta aos olhos, no entanto, não é nem a inexigibilidade da mencionada redução, mas sim sua desproporcionalidade. Ao tratar do sub-princípio da proporcionalidade em sentido estrito, Daniel Sarmento assevera que

"Na verdade, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito convida o intérprete à realização de autêntica ponderação. Em um lado da balança devem ser postos os interesses protegidos com a medida, e no outro, os bens jurídicos que serão restringidos ou sacrificados por ela. Se a balança pender para o lado dos interesses tutelados, a norma será válida, mas, se ocorrer o contrário, patente será a sua inconstitucionalidade." (139)

Assim, há que se medir os prós e os contras, as vantagens e desvantagens da redução das retribuições pecuniárias dos agentes públicos. Se as vantagens forem maiores, proporcional será a medida. Do contrário, sua inconstitucionalidade se verifica. E a segunda opção é a que se dá no caso sob comento.

Ora, como já se demonstrou acima, a redução das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos só pode ser tida como adequada exatamente porque os objetivos visados com a medida são muito modestos. Insulta muito mais a moralidade o reduzido valor da retribuição pecuniária dos que ganham menos, a desavergonhada (mas freqüente) prática de auferir retribuição pecuniária sem trabalhar (como ocorre em inúmeros cargos de comissão). A redução das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos (normalmente de alta formação acadêmica e profissional), se tem um viés moralizador, certamente representa contribuição mínima para a concretização do princípio da moralidade (atuarialmente a contribuição também é diminuta). E o que se vê do outro lado da balança?

Embora pareça que a redução das altas retribuições pecuniárias não imponha à coletividade grandes sacrifícios, pois só atingiria uma pequena elite de agentes públicos, esse sacrifício é enorme. Não se pode perder de vista que o bem jurídico que se pretende relativizar é um direito fundamental da República Federativa do Brasil, cláusula pétrea da Constituição Federal. O direito adquirido, portanto, funciona não somente como uma garantia para o indivíduo, mas também como uma garantia para a sociedade de que o Estado atuará dentro dos limites a ele impostos.

Acrescente-se que uma relativização, por menor que seja, da garantia do direito adquirido teria conseqüências devastadoras no princípio da segurança jurídica. Este, que pugna pela previsibilidade e tranqüilização das relações jurídicas, estaria a ser relativizado no que tem de essencial (isso quer dizer que estaria sendo aniquilado). Quer prejuízo maior para uma sociedade do que perder exatamente aquilo que fez com que ela se organizasse através do Direito, ou seja, a busca da segurança das relações?

Através da redução das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos, medida altamente popular, estaria aberto o precedente para o sistemático desrespeito aos direitos adquiridos. E mesmo que tal precedente nunca seja invocado (o que não se pode assegurar), basta a situação de total insegurança dos cidadãos para que a mencionada redução seja inconstitucional. A qualquer momento outros direitos adquiridos poderão vir a ser relativizados em nome de interesse nem tão elogiável assim. E não se justifica o sacrifício completo de um direito fundamental (direito adquirido) para a obtenção de tão poucos resultados.

Destarte, ao se analisar o conflito entre os princípios da moralidade e da segurança jurídica no caso do teto de retribuição pecuniária dos agentes públicos sob a ótica da adequação, exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito (sub-princípios do princípio da proporcionalidade em sentido amplo), conclui-se pela maior importância, no caso, do segundo. Para se compatibilizar tais princípios, basta que se garanta a percepção daquelas retribuições pecuniárias já incorporadas ao patrimônio jurídico dos agentes públicos e se aplique, daí por diante, o novo regramento constitucional. Com essa solução, ambos os princípios se harmonizam e se evita a supressão total de um deles (no caso, o princípio da segurança jurídica). [140]

3.2.4. Dignidade da pessoa humana, democracia e direito adquirido

Há ainda outra razão para se dar maior ênfase ao princípio da segurança jurídica em seu conflito com a moralidade. É que, ao se privilegiar, no caso, a segurança das relações jurídicas, dá-se destaque a uma garantia individual (direito adquirido), garantia essa que, como todos os direitos e garantias individuais postos na Constituição Federal, na esteira do pensamento de Carlos Ayres Britto, é uma concretização do princípio da dignidade da pessoa humana e está intimamente relacionado com a democracia. [141]

Ao se resolver conflito entre princípios constitucionais, notadamente através do princípio da proporcionalidade, deve-se sempre buscar, como afirma Daniel Sarmento, a promoção dos valores humanísticos superiores que, não por acaso, estão sintetizados no princípio da dignidade da pessoa humana. [142] E a garantia do direito adquirido, como toda garantia da esfera individual do cidadão, está a serviço, em última análise, da promoção da dignidade da pessoa humana.

Partindo-se, então, da idéia lançada por Carlos Ayres Britto de que os direitos e garantias individuais são desdobramentos do princípio da dignidade da pessoa humana – e são mesmo, pois não se vislumbraria esse princípio sem os direitos e garantias individuais – e da constatação de Daniel Sarmento de que a ponderação de interesses deve se orientar para a concretização dos valores humanísticos superiores sintetizados na dignidade da pessoa humana, o conflito entre os princípios da segurança jurídica e da moralidade, no caso do teto de retribuição pecuniária dos agentes públicos, deve se orientar para o maior respeito à segurança jurídica, pois esta, no caso em análise, está a proteger uma garantia individual (direito adquirido).

É a solução mais consentânea, aliás, com a própria democracia, pois reforça os limites do poder do ente estatal e protege o indivíduo contra a sanha incontrolável do Estado em cada vez mais interferir na vida dos cidadãos. E não se precisa explicitar a que fim leva o caminho de constante ampliação das competências estatais em detrimento dos direitos e garantias individuais do cidadão. À negação da democracia. Dignas de nota são as palavras de Carlos Ayres Britto:

"Nessa mesma direção, imaginemos uma fundada hesitação exegética entre ampliar ou restringir a eficácia de uma norma constitucional que outorgue direito individual oponível ao Estado. Qual a preferência do intérprete? A preferência é pelo fortalecimento eficacial da norma, sabido que os direitos e garantias individuais cumprem o papel técnico e até mesmo histórico de afirmar o princípio da dignidade da pessoa humana e assim conter o Poder em certos limites. E a Democracia política vive é de técnicas restritivas do Poder, ora diretamente, ora de esguelha, e não de mecanismos ampliadores das competências governamentais para além dos estritos limites da necessidade do exercício delas [e já se demonstrou que a redução das retribuições pecuniárias não é uma medida necessária]" (143) [grifo nosso]

E não se diga que o só fato de se estar a defender as altas retribuições pecuniárias de uma elite de agentes públicos faria com que o ferimento aos princípios democrático e da dignidade da pessoa humana não passasse, no caso, de pura retórica, forçosamente aplicada. Isso porque a redução das retribuições pecuniárias dos agentes públicos, como já afirmado [144], é aqui denunciada menos por causa de suas conseqüências no contracheque mensal de alguns agentes públicos e mais por causa do precedente nefasto aos direitos e garantias individuais que se abriria ao Poder Estatal, sempre ávido por mais poder. Dessa forma é que os princípios da dignidade da pessoa humana e da democracia se aproximam de um tema aparentemente alheio a eles. Lembre-se que a História traz inúmeros casos em que os grandes males tiveram como embrião justificativas até certo ponto elogiáveis.

Dessa forma, não há mesmo qualquer possibilidade jurídica de se reduzirem as retribuições pecuniárias dos agentes públicos sob o argumento de adequação aos novos limites constitucionais. A garantia do direito adquirido, corolário do princípio da segurança jurídica, um dos pilares do Estado Democrático de Direito e, conseqüentemente, cláusula pétrea da Constituição Federal, deve ser rigorosamente respeitada até mesmo por emenda constitucional. E o respeito ao direito adquirido não é em nada incompatível com a observância do princípio da moralidade.

3.3. A NECESSÁRIA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 9º DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 41/2003

Após toda a explanação feita, resta apenas responder a um questionamento: é indispensável, para se manter o respeito à ordem constitucional vigente, declarar-se a inconstitucionalidade do art. 9º da Emenda Constitucional nº 41/2003? Ou será que a técnica da interpretação conforme a Constituição [145] pode ser utilizada para se evitar a sempre traumática expulsão de uma norma do ordenamento jurídico? Veja-se, inicialmente, o que diz o art. 9º da referida emenda constitucional:

"Art. 9º. Aplica-se o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias aos vencimentos, remunerações e subsídios dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza." [grifo nosso]

Primeiramente, ressalte-se que, havendo possibilidade de se manter uma norma no ordenamento jurídico, é sempre preferível essa solução a uma declaração de inconstitucionalidade, pois gera menos traumas ao sistema jurídico (conjunto interligado de normas). No entanto, afirma Canotilho que "[...] a interpretação conforme a constituição só é legítima quando existe um espaço de decisão (=espaço de interpretação) aberto a várias propostas interpretativas, umas em conformidade com a constituição e que devem ser preferidas, e outras em desconformidade com ela [...]". [146]

No caso em estudo, infelizmente, não há como se escapar da declaração de inconstitucionalidade da norma jurídica supracitada. Isso porque a literalidade (e também a finalidade) do referido art. 9º conduz ao entendimento único de que se pretende aplicar o art. 17 do ADCT, que autoriza a redução de retribuições pecuniárias percebidas em desacordo com a Constituição, não se podendo invocar direito adquirido, às retribuições percebidas "[...] cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza". Em outras palavras, de forma inequívoca, o dispositivo em análise intentou aplicar às retribuições pecuniárias dos agentes públicos, incluindo todas as vantagens pecuniárias de caráter remuneratório, um artigo transitório da Constituição que se referia a limites de retribuição que não incluíam as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza e ao local de trabalho e nem consideravam a acumulação remunerada de cargos.

A questão não está em saber se o art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias está ou não exaurido [147], mas sim em analisar a quais limites se reporta o art. 9º da Emenda Constitucional nº 41/2003 quando manda aplicar o art. 17 do ADCT. Se, ao mencionar o art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a Emenda Constitucional nº 41/2003 tivesse se reportado também aos mesmos limites impostos no art. 37, inciso XI, da Constituição Federal originária, não haveria pecha de inconstitucionalidade, embora fosse inútil o dispositivo. [148]

O que ocorre, na verdade, é uma tentativa de burla ao direito adquirido. O art. 9º da Emenda Constitucional nº 41/2003 não podia se remeter à aplicação do art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias sem que se referisse também àqueles limites postos na Constituição originária. Ao incluir as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, bem como a acumulação de cargos, o discurso normativo se tornou inconstitucional.

E não cabe aqui se aplicar a técnica da interpretação conforme a Constituição com redução de texto [149], em que se declararia a inconstitucionalidade somente da expressão "[...] percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza", pois isso resultaria, como já destacado, na completa desnecessidade da norma restante. Não há necessidade que uma norma (art. 9º) diga que outra (art. 17 do ADCT) será aplicada nas situações que esta (art. 17 do ADCT) mesma estabelece. Segundo palavras do Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, "[...] irregularidades existentes hão de ser expungidas mediante o acionamento dos preceitos de regência, sendo dispensável nova normatização". [150] Ademais, assim adverte Canotilho:

"[...] Se os órgãos aplicadores do direito, sobretudo os tribunais, chegarem à conclusão, por via interpretativa, de que uma lei contraria a constituição, a sua atitude correcta só poderá ser a de desencadear os mecanismos constitucionais tendentes à apreciação da inconstitucionalidade da lei. Daqui se conclui também que a interpretação conforme a constituição só permite a escolha entre dois ou mais sentidos possíveis da lei mas nunca uma revisão do seu conteúdo. A interpretação conforme a constituição tem, assim, os seus limites na <letra e na clara vontade do legislador>, devendo <respeitar a economia da lei> e não podendo traduzir-se na <reconstrução> de uma norma que não esteja devidamente explícita no texto [...]." [151]

Destarte, a declaração de inconstitucionalidade do art. 9º da Emenda Constitucional nº 41/2003 é indispensável, pois qualquer tentativa de conformá-lo à Constituição está, na verdade, a forçar uma correção pelo Poder Judiciário de uma norma claramente inconstitucional. E é inconstitucional porque visa a ferir a cláusula pétrea da garantia do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, CF), corolário do princípio da segurança jurídica, um dos elementos constitutivos do Estado de Direito.


CONCLUSÕES

Após o presente estudo, pode-se chegar às seguintes conclusões:

1) O poder constituinte é essencialmente diverso do poder reformador. Várias são as razões: a) enquanto o poder constituinte inaugura o Estado e estrutura suas bases (inicialidade), o poder reformador é criação do próprio poder constituinte, sendo dele derivado; b) o poder constituinte é solitário e não divide espaço com nenhum outro poder, enquanto o poder reformador se encontra coordenado com os demais poderes do Estado; c) ao passo que o poder constituinte é soberano, não encontrando limites na sua tarefa de criar o Direito, o poder reformador está adstrito a limitações de ordem temporal, circunstancial, formal e material; d) as emendas constitucionais, fruto do poder reformador, podem sofrer controle de constitucionalidade por parte do Poder Judiciário e a Constituição originária, obra do poder constituinte, não; e) o poder constituinte não está subordinado a qualquer procedimento preestabelecido para sua manifestação (incondicionalidade), enquanto o poder reformador só se expressa através de um procedimento previamente estabelecido pela Constituição; f) enquanto o poder constituinte tem caráter estritamente político e está fora da Constituição, o poder reformador é de natureza política e jurídica, estando inserido no texto constitucional.

2) O poder constituinte tem a característica de não se exaurir na obra que edita, pois é sempre permanente e fica em estado de latência. Isso não significa dizer que o poder reformador é uma extensão no tempo do poder constituinte.

3) Os titulares dos poderes constituinte e reformador são diversos. Enquanto o poder constituinte pertence, numa visão democrática, ao povo-nação (unidade política soberana, abstratamente considerada), o titular do poder reformador é o povo-população (conjunto de pessoas que habitam um território em certo momento).

4) O fato de os titulares dos poderes constituinte e reformador serem diversos faz com que o poder reformador não possa ser exercido para alterar indiscriminadamente a Constituição.

5) A imposição de limites ao poder de reformar a Constituição não significa escravização de uma geração futura por uma passada, pois quem impõe os limites não é o povo-população de uma determinada época histórica, mas o povo-nação, que encarna os valores consolidados durante várias gerações (caráter intertemporal do poder constituinte).

6) Os limites materiais ao poder reformador dizem respeito ao próprio conteúdo das emendas. Estas não podem contrariar as decisões políticas fundamentais do poder constituinte (cláusulas pétreas). Entre as cláusulas pétreas da Constituição de 1988 está a garantia do direito adquirido (art. 5º, inciso XXXVI).

7) O direito adquirido, que nasceu como princípio-reflexo da irretroatividade das leis, hoje engloba o princípio da irretroatividade, pois consiste, mais do que numa garantia dos efeitos passados dos atos pretéritos, numa garantia dos efeitos futuros dos atos passados.

8) Tanto o princípio do direito adquirido quanto o da irretroatividade das leis são manifestações do princípio da segurança jurídica, pilar fundamental de qualquer ordenamento jurídico.

9) Mesmo refratário a qualquer conceituação jurídica ou técnica, a presença de certas características identificam a configuração do direito adquirido, a saber: a) fato aquisitivo, idôneo a produzir direito; b) conformidade com a lei vigente à época da realização do fato; c) incorporação do direito no patrimônio jurídico de seu titular; d) não exaurimento do direito.

10) O direito adquirido é cláusula pétrea da Constituição Federal de 1988, não podendo lei ordinária (bem como complementar e delegada) o afetar.

11) Não há direito adquirido contra a Constituição originária.

12) Para que a Constituição originária repudie certo direito adquirido, basta que ela (Constituição) seja incompatível com a norma geral abstrata anterior que dava ensejo ao direito adquirido.

13) Há direito adquirido contra as emendas constitucionais.

14) A emenda constitucional deve respeitar o direito adquirido porque ela é fruto do poder reformador, um poder que está limitado pelas cláusulas pétreas (uma delas é a garantia do direito adquirido).

15) Embora direito adquirido e garantia do direito adquirido sejam coisas diferentes, parece equivocada a idéia de que somente a norma abstrata da garantia seria intangível. Isso porque os vários direitos adquiridos dos cidadãos (situações concretas) integram a norma constitucional de sua garantia, não se podendo aceitar a existência de uma garantia que nada garante.

16) Ao ferir um direito adquirido, uma emenda constitucional também está a ferir a norma de sua garantia (ferindo-se o direito, fere-se a garantia), pois é vedado ao poder reformador a deliberação de emenda que vise a abolir ou que simplesmente tenda à abolição da garantia do direito adquirido.

17) Embora o art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal fale apenas em "lei", também a emenda constitucional não pode prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

18) Ao se proteger o direito adquirido contra as emendas constitucionais não se está a criar inúmeras cláusulas pétreas porque a norma constitucional da garantia do direito adquirido é lata o suficiente para abrigar todas as situações individuais concretas.

19) A petrealidade do direito adquirido não cria um imobilismo do ordenamento jurídico, pois a norma abstrata que deu ensejo ao direito não se torna imutável.

20) Não se pode argüir, para fins de ferimento do direito adquirido por emenda constitucional, que a coletividade detentora do poder reformador (povo-população) poderia não só modificar, mas também criar uma nova Constituição (quem pode o mais pode o menos). Isso porque a prerrogativa de criar uma nova Constituição não está ao alcance do povo-população.

21) Interpretar restritivamente a cláusula pétrea do direito adquirido para se evitar a ruptura constitucional e se privilegiar a segurança jurídica é um contra-senso, pois o princípio da segurança jurídica estaria da mesma forma sendo afetado se a emenda constitucional pudesse, a todo tempo, ferir o direito adquirido.

22) Ao se abrir a possibilidade de a emenda constitucional ferir direito adquirido, abre-se também a igualmente nefasta possibilidade de ferimento ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada.

23) Todos os agentes públicos que recebem retribuição pecuniária diretamente dos cofres de uma pessoa estatal (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), suas autarquias e fundações, bem como das empresas públicas e sociedades de economia mista que recebem recursos dos entes estatais para pagamento de pessoal e custeio em geral, estão submetidos ao teto de retribuição pecuniária previsto no art. 37, inciso XI, da Constituição Federal.

24) Retribuição pecuniária é o gênero do qual são espécies o subsídio, a remuneração (esta consiste no vencimento básico, nos vencimentos e na remuneração), os proventos, as pensões e as indenizações. As quatro primeiras espécies têm natureza remuneratória enquanto a última tem natureza indenizatória.

25) Os vencimentos, que compreendem o vencimento básico e as vantagens pecuniárias de caráter permanente, são irredutíveis.

26) Somente as espécies remuneratórias de retribuição pecuniária estão incluídas no teto constitucional.

27) A Constituição Federal originária continha limites de retribuição pecuniária desde já estipulados pela própria Constituição e limites outros que poderiam ser colocados pela lei ordinária.

28) A verdadeira razão de existir da norma insculpida no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias foi dar proteção, a contrario sensu, às retribuições pecuniárias que se amoldassem aos limites desde já estipulados na Constituição, mesmo que ultrapassassem os limites postos posteriormente pela lei (ou por emenda constitucional).

29) Os limites contra os quais não se poderia invocar direito adquirido eram somente aqueles impostos desde já pela Constituição Federal, na redação originária do art. 37, inciso XI.

30) Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, as vantagens pecuniárias de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho não eram computadas para a incidência do teto de retribuição pecuniária contido na Constituição Federal originária.

31) Continuando a ser legitimamente percebidas, várias vantagens pessoais acabaram, por natureza ou por vontade da lei, incorporando-se aos vencimentos dos agentes públicos, configurando-se um direito adquirido.

32) O art. 29 da Emenda Constitucional nº 19/98, que intentava reduzir as retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos, foi tido, pelo Supremo Tribunal Federal, por não-auto-aplicável, permanecendo, assim, os limites do teto constitucional anterior.

33) Mesmo a Emenda Constitucional nº 41/2003 tendo trazido dispositivo transitório (art. 8º) que sanou a falta de aplicabilidade imediata do novo art. 37, inciso XI, da Constituição Federal, é vedado à referida Emenda, através de seu art. 9º, reduzir as retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos, pois a garantia do direito adquirido se impõe inclusive contra qualquer emenda constitucional.

34) Não se pode invocar a supremacia do interesse público para ferir o direito adquirido dos agentes públicos quanto às suas retribuições pecuniárias primeiro porque a garantia do direito adquirido é exercitável mesmo diante de normas de ordem pública e segundo porque, em última análise, o interesse público está na preservação da cláusula pétrea do direito adquirido, corolário do princípio da segurança jurídica.

35) Não se pode também invocar o princípio da razoabilidade para que o Poder Judiciário interfira no quantum das vantagens pecuniárias dos agentes públicos, sob pena de abalroamento da cláusula da separação de Poderes.

36) As vantagens de caráter pessoal e as relativas à natureza ou local de trabalho, legitimamente incorporadas aos vencimentos dos agentes públicos até a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 41/2003, qualquer que seja seu valor, configuraram-se em direito adquirido e, como tal, não podem ser alcançadas pela superveniência de qualquer lei ou emenda constitucional.

37) No que se refere às retribuições pecuniárias que ultrapassam o teto por decorrerem de acumulação remunerada de cargos, a proteção contra eventuais reduções não se limita às retribuições percebidas até a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 41/2003, pois é inconstitucional a expressão "percebidos cumulativamente ou não", introduzida pela referida Emenda no art. 37, inciso XI, da Constituição Federal de 1988.

38) O princípio da moralidade, que estaria a autorizar a redução das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos, e o princípio da segurança jurídica, que estaria a pugnar pelo respeito ao direito adquirido, devem ser sopesados através do princípio da proporcionalidade, tendo este como tarefa identificar, no caso concreto, a dimensão de peso de cada um dos princípios.

39) Sob a ótica da adequação, exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito (sub-princípios do princípio da proporcionalidade), a segurança jurídica e, portanto, o direito adquirido devem permanecer incólumes, visto que a redução das altas retribuições pecuniárias de alguns agentes públicos, mesmo que possa ser uma medida adequada para concretizar uma pequena parcela do princípio da moralidade, não é necessária nem proporcional aos prejuízos causados.

40) O ferimento ao direito adquirido dos agentes públicos vai de encontro, em última análise, aos princípios democrático e da dignidade da pessoa humana.

41) O art. 9º da Emenda Constitucional nº 41/2003 deve ser declarado inconstitucional, pois qualquer tentativa de lhe prestar uma interpretação conforme a Constituição está, na verdade, a "forçar a barra", a querer corrigir uma norma claramente maculada de vício de inconstitucionalidade.

42) Enfim, na ordem constitucional brasileira vigente, impossível proceder a qualquer redução das retribuições pecuniárias dos agentes públicos, se estas (retribuições) tiverem se incorporado ao seu (dos agentes) patrimônio jurídico e estiverem de acordo com os limites impostos pela Constituição originária.


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MODESTO, Paulo. Teto constitucional de remuneração dos agentes públicos: uma crônica de mutações e emendas constitucionais. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 49, fev. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=328>. Acesso em: 07 mar. 2004.

4. Legislação

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: atualizada até a emenda constitucional n. 38, de 12-6-2002. 30. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002.

BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998. Modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências. Constituição da República Federativa do Brasil: atualizada até a emenda constitucional n. 38, de 12-6-2002. 30. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002.

BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003. Modifica os arts. 37, 40, 42, 48, 96, 149 e 201 da Constituição Federal, revoga o inciso IX do §3º do art. 142 da Constituição Federal e dispositivos da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 dez. 2003. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccvil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc41.htm>. Acesso em: 29 fev. 2004.

5. Jurisprudência

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros. O parágrafo 2º do artigo 2º da Lei Federal nº 7.721, de 6 de janeiro de 1989, quando limita os vencimentos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal – computados os adicionais por tempo de serviço – à remuneração máxima vigente no Poder Executivo, vulnera o art. 39, § 1º, in fine, da Constituição, que sujeita a tal limite apenas os vencimentos, excluídas as vantagens pessoais. Compatibilidade do conceito de vencimentos estabelecido na Lei Complementar nº 35/79 e em outros artigos da Lei Maior com a exegese do aludido dispositivo constitucional. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 14-4/DF. Relator: Ministro Célio Borja. Brasília, 1º de dezembro de 1989. Disponível em: <http://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nph-brs?d=SJUR&s1=($''ADI''+OU+$''ADI''$+OU+''ADI''$).SCLA.+E+14.NUME.&u=http://www.stf.gov.br/Jurisprudencia/Jurisp.asp&Sect1=IMAGE&Sect2=THESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=SJURN&p=1&r=1&f=G&l=20>. Acesso em: 28 dez. 2003.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido de medida liminar. Par. 1. do artigo 71 da Lei Complementar n. 46, de 31 de janeiro de 1994, do artigo 2. da Lei Complementar n. 48, de 19 de abril de 1994, e artigo 1. da Lei Complementar n. 50, de 18 de julho de 1994, todas do Estado do Espírito Santo. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.344/ES. Relator: Ministro Moreira Alves. Brasília, 19 de abril de 1996. Disponível em: <http://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nph-brs?d=SJUR&n=-julg&s1=1344&u=http://www.stf.gov.br/Jurisprudencia/Jurisp.asp&Sect1=IMAGE&Sect2=THESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=SJURN&p=1&r=3&f=G&l=20>. Acesso em: 28 dez. 2003.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade – Lei Estadual que concede gratificação de férias (1/3 da remuneração) a servidores inativos – vantagem pecuniária irrazoável e destituída de causa – liminar deferida. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.158-8/AM. Relator: Ministro Celso de Mello. Brasília, 26 de maio de 1995. Disponível em: <http://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nph-brs?d=SJUR&n=-julg&s1=1158&u=http://www.stf.gov.br/Jurisprudencia/Jurisp.asp&Sect1=IMAGE&Sect2=THESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=SJURN&p=1&r=2&f=G&l=20>. Acesso em: 07 mar. 2004.


Notas

1 Utilizar-se-á a expressão "reforma" para designar o gênero de que são espécies a "revisão" e a "emenda". Essa distinção é feita por alguns autores, a exemplo de Paulo Bonavides (Curso de Direito Constitucional. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 184-187) e José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 62). No caso brasileiro, a única via atualmente possível de reforma da Constituição de 1988 é a emenda, uma vez que já se procedeu à revisão prevista no art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

2 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 23.

3 VANOSSI, Jorge Reinaldo apud BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: Arts. 5º a 17. 2 v. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 142.

4 BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: Arts. 5º a 17. 2 v. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 146-147.

5 Tanto é assim que a possibilidade de promulgação de emendas constitucionais está inserida no mesmo art. 59 da Constituição Federal, ao lado dos demais instrumentos normativos do Estado.

6 BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 16.

7 A característica da soberania é mais apropriada do que a da autonomia. Esta é mais comumente utilizada pelos jusnaturalistas, que acreditam numa limitação do Poder Constituinte pelo Direito Natural.

8 Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 75. Ainda o mesmo autor, mas agora na obra Direito Constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1995. p. 115-119, elenca alguns elementos que, segundo ele, são limites ao poder constituinte.

9 MORTATI, Constantino apud SAMPAIO, Nelson de Sousa. O Poder de Reforma Constitucional. 3. ed. rev. e atual. por Uadi Lamêgo Bulos. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1995. p. 125.

10 Cf. SAMPAIO, Nelson de Sousa. op. cit., p. 89-108, sobre os limites implícitos ao poder reformador.

11 ADI nº 829/DF (DJ 16/09/1994), ADI nº 833/DF (DJ 16/09/1994), ADI nº 2024 MC/DF (DJ 01/12/2000), ADI nº 926 MC/DF (06/05/1994), ADI nº 939/DF (DJ 18/03/1994), ADI nº 1420 MC/DF (DJ 19/12/1997).

12 Essa característica levará, como poderá ser visto mais adiante, à constatação de que só é aceitável a afirmação de que não há direito adquirido contra a Constituição se se referir à Constituição originária, esta sim imune ao controle do Poder Judiciário.

13 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Constituinte: Assembléia, Processo, Poder. 2. ed. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 20-23, onde o autor sustenta que o poder constituinte não é tão incondicionado assim, pois já recebe prefixadas certas regras de atuação e deliberação. Ocorre que essas regras a que se refere o autor já fazem parte do exercício do poder constituinte.

14 Cf. BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: Pré-Constitucionalismo. O Estado. Constituição. Arts. 1º a 4º. 1. v. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 144-149, sobre o acirrado debate sobre a natureza política ou jurídica do poder constituinte. Os normativistas tendem a considerá-la política (é o caso de Carl Schmitt). Já os jusnaturalistas (caso de Emmanuel Sieyès), acreditando na supremacia do Direito Natural, dão caráter jurídico ao poder constituinte.

15 BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 44-47.

16 Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1995. p. 98-102, quanto às teorias sobre a titularidade do poder constituinte.

17 Anote-se que numa visão não-democrática não é o povo que transcende para se transformar em nação. É um rei, uma casta, uma aristocracia, etc. Por isso que se utilizou sempre a palavra "povo" antes das palavras "nação" e "população". Foi para deixar bem claro o viés democrático que se adotou.

18 BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 48-58.

19 O conceito de povo-população equivale ao que Carlos Ayres Britto (Teoria da Constituição. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 48-52) chama de sociedade civil.

20 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Poder Constituinte Reformador: limites e possibilidades da revisão constitucional brasileira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 81.

21 BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 54.

22 BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 85.

23 Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 68.

24 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. op. cit., p. 82.

25 Não há consenso na doutrina quanto à extensão dos limites implícitos. Aqui basta consignar que certamente está entre eles o próprio art. 60 da Constituição, o que impede a revisão de dupla face, ou seja, aquela revisão que primeiro altera os próprios limites impostos ao poder reformador para, num segundo momento, modificar o conteúdo que antes era tido como pétreo. Não obstante tal dificuldade, a elucidação dos contornos dos limites explícitos é suficiente para o objetivo deste trabalho.

26 BERNARDI, Ovídio apud BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: Arts. 5º a 17. 2 v. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 186.

27 HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 274.

28 Ibid., p. 276.

29 Lembre-se que uma das funções do Direito, senão a mais importante, é a de conferir sustentabilidade ao corpo social. É evitar conflitos e impedir que o homem retorne ao estado de natureza. Sem erigir o princípio da segurança jurídica a postulado inafastável, nenhuma ordem jurídica sobrevive. Um mínimo de estabilidade é necessária para se manter a paz social.

30 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1995. p. 141.

31 Art. 6º, § 2º. Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

32 MODESTO, Paulo. Reforma administrativa e direito adquirido. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 211, p. 79-94, jan./mar. 1998. p. 80.

33 Cf. FRANÇA, R. Limongi. A Irretroatividade das Leis e o Direito Adquirido. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 212-219, sobre os elementos caracterizadores do direito adquirido.

34 Utilizando-se a distinção feita por Carlos Ayres Britto (Teoria da Constituição. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 115-116), para quem "[...] certas situações jurídicas ativas são incompatíveis com a figura do direito adquirido porque têm a particularidade de nascer mais condicionadas pelos interesses da sociedade do que condicionando tais interesses [...]" [grifo do autor], é possível concluir que não há direito adquirido a regime jurídico porque este está condicionado pelos interesses da sociedade, já que não se pode proibir o Estado de modificar as normas que regem sua atuação. De outro lado, a percepção das retribuições pecuniárias dos agentes públicos, uma vez que visam, precipuamente, a garantir o sustento do agente público e de sua família, estão condicionando os interesses da sociedade. É por isso que o regime jurídico não se incorpora ao patrimônio dos agentes públicos e não se constitui em direito adquirido e a percepção de suas (dos agentes públicos) retribuições pecuniárias sim.

35 FRANÇA, R. Limongi. op. cit., p. 216.

36 Relembre-se da observação feita acima no sentido de que, se é que se pode falar em limites ao poder constituinte, esses limites são autolimites, o que não retira seu caráter soberano e ilimitado.

37 BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 106-107.

38 Retomar-se-á essa questão no Capítulo II, item 2.2.2, quando se estiver tratando do art. 17 do ADCT.

39 Essa conclusão, no que se refere a esse específico ponto, está de acordo com o propalado por Paulo Modesto (Reforma administrativa e direito adquirido. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 211, p. 79-94, jan./mar. 1998. p. 87). No entanto, como se perceberá adiante, esse autor não faz distinção entre norma constitucional originária e norma constitucional advinda de emenda. Essa ressalva é importantíssima porque a Constituição originária, não estando adstrita a quaisquer limites, pode, implícita ou explicitamente (só explicitamente no caso de efeitos concretos já exauridos), aniquilar direitos adquiridos. A emenda constitucional encontra uma barreira na cláusula pétrea da garantia do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, CF). Isso quer dizer que as observações feitas acima se aplicam somente à Constituição originária, única advinda do poder que tudo pode.

40 Anote-se, conforme se explicitou no item 1.1.2 supra, que a permanência do poder constituinte não se dá através do poder reformador. Este, portanto, não é a prolongação no tempo do poder verdadeiramente ilimitado.

41 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 106-107.

42 MODESTO, Paulo. op. cit., p. 81.

43 Ibid., p. 83.

44 SILVA, José Afonso da. op. cit., p. 415.

45 VIAMONTE, Carlos Sánchez apud BONAVIDES, Paulo. op. cit., p. 483.

46 BRITTO, Carlos Ayres. As cláusulas pétreas e sua função de revelar e garantir a identidade da Constituição. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). Perspectivas do Direito Público: Estudos em homenagem a Miguel Seabra Fagundes. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 175-195. p. 186.

47 BRITTO, Carlos Ayres, PONTES FILHO, Valmir. Direito Adquirido contra as emendas constitucionais. In: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio (Org.). Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba 2 – Direito Constitucional e Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 152-161.

48 Ibid., p. 158.

49 Imagine-se o hipotético exemplo: "Cabe à emenda constitucional disciplinar o instituto ‘x’." Por que a própria Constituição não já o disciplinou?

50 BRITTO, Carlos Ayres, PONTES FILHO, Valmir. op. cit., p. 158.

51 MODESTO, Paulo. op. cit., p. 83.

52 BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 114.

53 Os conceitos aqui tratados já o haviam sido no item 1.1.2, onde se explicou, com mais pormenores, essa situação.

54 Cf. FRANÇA, R. Limongi. op. cit., p. 219-223, onde o autor chega a dizer que bastaria o art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição falar em direito adquirido. Ato jurídico perfeito seria, em última análise, um direito adquirido consumado, exercido. Da mesma forma, a coisa julgada é um direito adquirido reconhecido judicialmente e também um ato jurídico perfeito de natureza jurisdicional. Além disso, tanto o ato jurídico perfeito quanto a coisa julgada geram direitos adquiridos. Partindo dessas premissas, seria ainda mais perigoso admitir o ferimento ao direito adquirido, pois, uma vez atingido o direito adquirido, atingir-se-ia também o ato jurídico perfeito e coisa julgada, já que eles, em última análise, não passam de direitos adquiridos sob outras vestes.

55 Ver diferenças entre poder constituinte e poder reformador supra-referidas.

56 PEREIRA, Cláudia Fernanda de Oliveira. Reforma Administrativa: O Estado, o serviço público e o servidor. 2. ed. atual. rev. e ampl. Brasília: Brasília Jurídica, 1998. p. 298.

57 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. op. cit., p. 108.

58 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 219.

59 Quanto ao conteúdo genérico da expressão agentes públicos, dispõem ainda no mesmo sentido autores como José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 662), Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. atual. por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 73-74) e Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 431). Cármen Lúcia Antunes Rocha (Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 61), no entanto, não considera agentes públicos os agentes de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público nem os empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista.

60 Aqui estão incluídos tanto os servidores civis quanto os militares. Mesmo a Constituição, a partir da Emenda Constitucional nº 18/98, tendo extinguido a expressão servidores públicos militares, estes continuam a ser servidores públicos, embora sujeitos a regime diferenciado.

61 MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 75.

62 Celso Antônio Bandeira de Mello (op. cit., p. 222) e Maria Sylvia Zanella Di Pietro (op. cit., p. 432-433) excluem do rol dos agentes políticos os magistrados, os membros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas. Ocorre que esses agentes públicos exercem parcela da soberania do Estado, seja através da função jurisdicional ou da fiscalizadora, devendo ser tidos por agentes políticos. Evidência disso é que o art. 37, inciso XI, da Constituição Federal, após se referir aos membros de qualquer dos Poderes (o que inclui os magistrados), cunhou a expressão "e dos demais agentes políticos".

63 Como se verá adiante, remuneração engloba tudo o que o servidor recebe em contraprestação ao seu trabalho.

64 No subitem seguinte se elucidará a compreensão do que seja retribuição pecuniária. Desde logo se esclareça que ela compreende tanto o subsídio quanto a remuneração.

65 Parece não ser a mais acertada a classificação das indenizações como vantagens pecuniárias integrantes do sistema remuneratório do agente público, como o faz, por exemplo, no âmbito da União, o art. 49 da Lei nº 8.112/90. Isso se dá porque a indenização não se constitui, rigorosamente, em uma vantagem para o agente público, pois não há qualquer acréscimo patrimonial. Daí porque se afirma que as indenizações constituem uma espécie distinta de retribuição pecuniária, posta ao lado das espécies remuneratórias. Na própria esfera federal, o art. 1º, inciso III, da Lei nº 8.852/94, embora com várias imprecisões técnicas, é claro ao excluir do âmbito remuneratório as parcelas com caráter indenizatório.

66 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. op. cit., p. 306.

67 Não é precisa a linguagem do art. 1º, inciso II, da Lei nº 8.852/94 quando, ao tratar dos vencimentos dos agentes públicos federais, refere-se apenas às vantagens permanentes relativas ao cargo, emprego, posto ou graduação. As vantagens permanentes de caráter pessoal também se incorporam aos vencimentos do agente público.

68 MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 455.

69 Um exemplo disso ocorria, no âmbito da União, até a promulgação da Lei nº 9.527/97, com a vantagem paga pelo exercício de função de direção, chefia e assessoramento (art. 62 da Lei nº 8.112/90). Embora se tratasse de vantagem que, a princípio, só deveria ser paga enquanto perdurasse o exercício da função (pro labore faciendo), a lei permitia a incorporação de um quinto do valor da função a cada ano de exercício, até o limite de cinco quintos. As parcelas incorporadas passavam, então, por vontade da lei, a integrar os vencimentos dos servidores, sendo pagas não mais pelo exercício da função, mas pela circunstância individual de a terem exercido por determinado tempo (pro labore facto).

70 A questão do respeito aos direitos adquiridos dos agentes públicos quando da aplicação do novo teto está, como se verá adiante, intimamente ligada às vantagens pecuniárias permanentes, ou seja, aquelas que já integraram seus (dos agentes públicos) vencimentos.

71 Cf. MODESTO, Paulo. Teto constitucional de remuneração dos agentes públicos: uma crônica de mutações e emendas constitucionais. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 49, fev. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=328>. Acesso em: 07 mar. 2004, a respeito das características definitórias das indenizações (elas são eventuais, isoladas, compensatórias e referenciadas a fatos).

72 Ibid.

73 Como se verá no Capítulo III, item 3.2, no entanto, esse matiz representa apenas uma mínima parcela do conteúdo axiológico do princípio da moralidade.

74 Falou-se em iminente porque o desrespeito aos direitos adquiridos de alguns agentes públicos em decorrência da Emenda Constitucional nº 41/2003 já começou a ser questionado no Poder Judiciário. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, recebeu, recentemente, para julgamento, a Suspensão de Segurança nº 2347 e o Mandado de Segurança nº 24875, ambos do ano de 2004 e relacionados à questão do teto de retribuição pecuniária.

75 Somente o Poder Executivo da União editou a lei estabelecendo um redutor (Lei nº 8.852/94, modificada pela Lei nº 9.624/98).

76 MODESTO, Paulo. Teto constitucional de remuneração dos agentes públicos: uma crônica de mutações e emendas constitucionais. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 49, fev. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=328>. Acesso em: 07 mar. 2004.

77 Cf. BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 106-107, para quem até mesmo os efeitos futuros de fatos passados só seriam atingidos pela nova Constituição através de um mandamento impositivo como, por exemplo, o do art. 17 do ADCT.

78 HC nº 72465/SP (DJ 24/11/1995), RE nº 143812/GO (DJ 18/10/1996), RE nº 179562/GO (DJ 25/04/1997), entre outros.

79 MODESTO, Paulo. Reforma administrativa e direito adquirido. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 211, p. 79-94, jan./mar. 1998. p. 86.

80 BRITTO, Carlos Ayres. op. cit., p. 111.

81 Como se asseverou no Capítulo I, tanto a lei quanto a emenda constitucional estão impossibilitadas de ferir direito adquirido.

82 MODESTO, Paulo. Reforma administrativa e direito adquirido. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 211, p. 79-94, jan./mar. 1998.

83 MODESTO, Paulo. Teto constitucional de remuneração dos agentes públicos: uma crônica de mutações e emendas constitucionais. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 49, fev. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=328>. Acesso em: 07 mar. 2004.

84 Como já se falou acima, atualmente é inócuo discutir se esse entendimento era ou não o mais apropriado.

85 RE nº 185842/PE (DJ 02/05/1997), RE nº 199374/SC (DJ 29/06/2001), RE nº 190943/SC (DJ 13/08/1999), entre outros.

86 Estão presentes todos os requisitos caracterizadores do direito adquirido: fato aquisitivo, idôneo a produzir direito, pois de acordo com a legislação então vigente, e incorporação ao patrimônio jurídico, pois as vantagens pecuniárias se integraram aos vencimentos, que são irredutíveis.

87 MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 479-480.

88 A expressão é do autor. Lembre-se que, como se destacou no Capítulo I, item 1.1.1, não se considera correta a expressão poder constituinte derivado.

89 DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Reforma administrativa: a emenda nº 19/98. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 213, p. 133-139, jul./set. 1998. p. 137.

90 Ibid., p. 137.

91 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 458.

92 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 338.

93 MILESKI, Helio Saul. Efeitos da Reforma Administrativa sobre a remuneração dos agentes públicos. AJURIS – Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, a. 25, n. 73, p. 76-98, jul. 1998. p. 96.

94 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. op. cit., p. 297.

95 BULOS, Uadi Lammêgo. Cláusulas pétreas e direito adquirido. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 46, out. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=373>. Acesso em: 28 dez. 2003.

96 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 170.

97 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. op. cit., p. 321-322.

98 MORAES, Alexandre de. Reforma Administrativa: Emenda Constitucional nº 19/98 revista, ampliada e atualizada de acordo com a EC nº 20/98. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 109.

99 GASPARINI, Diógenes. loc. cit.

100 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. op. cit., p. 335.

101 MORAES, Alexandre de. op. cit., p. 112.

102 Esse entendimento foi, posteriormente, ratificado em sede judicial. Servem como exemplo a ADI nº 1898/DF (DJ 30/04/2004) e o RE nº 285706/RJ (DJ 26/04/2002).

103 Há entendimentos contrários a essa decisão do STF. Paulo Modesto (Teto constitucional de remuneração dos agentes públicos: uma crônica de mutações e emendas constitucionais. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 49, fev. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=328>. Acesso em: 07 mar. 2004.) e Kiyoshi Harada (Novo teto de vencimentos e a decisão administrativa do STF. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 36, nov. 1999. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=329>. Acesso em: 07 mar. 2004.) criticam a solução dada pelo Pretório Excelso. Esse debate, no entanto, está superado, tendo em vista a mudança de legislação.

104 Na primeira sessão administrativa de 2004, realizada em 05 de fevereiro de 2004, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, decidiu que o limite fixado pelo art. 8º da Emenda Constitucional nº 41/2003 é de R$ 19.115,19 (dezenove mil, cento e quinze reais e dezenove centavos). Na mesma oportunidade, ficou consignado, por unanimidade, que, no caso específico da acumulação dos cargos de Ministro do Supremo Tribunal Federal e Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, não se aplica a cumulação das remunerações para fins de incidência do limite estabelecido pelo art. 37, XI, da Constituição Federal.

105 MORAES, Alexandre de. Reforma Administrativa: Emenda Constitucional nº 19/98 revista, ampliada e atualizada de acordo com a EC nº 20/98. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 111.

106 VILELA, Gracielle Carrijo. Aposentadorias exorbitantes dos servidores públicos em face do direito adquirido. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 227, p. 157-165, jan./mar. 2002. p. 160-161.

107 Como se verá no item 3.3, infra, não se pode afirmar que o art. 17 do ADCT está esgotado sem que se proceda a uma pesquisa detalhada e completa das retribuições pecuniárias de todos os agentes públicos do Brasil, bem como aposentados e pensionistas.

108 Cf. notícia publicada no site do Supremo Tribunal Federal (www.stf.gov.br), de 08 de agosto de 2003, em que se comenta o julgamento do RE nº 298694 (DJ 23/04/2004).

109 Fala-se em grande maioria porque não se pode garantir que, em meio a centenas de agentes públicos que recebem altas retribuições pecuniárias, todos as recebem de acordo com os limites impostos pelo poder constituinte.

110 Cf. FRANÇA, R. Limongi. A Irretroatividade das Leis e o Direito Adquirido. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 249-259.

111 Como se falou no Capítulo I, item 1.2, o princípio da irretroatividade das leis foi o embrião do direito adquirido, estando aquele hoje inserido neste.

112 LOPES, Serpa apud FRANÇA, R. Limongi. op. cit., p. 184.

113 VILELA, Gracielle Carrijo. op. cit., p. 158.

114 A respeito do princípio da moralidade, normalmente invocado para justificar a presença do interesse público no caso, ver item 3.2, infra.

115 GONÇALVES, Cunha apud FRANÇA, R. Limongi. op. cit., p. 252.

116 AI nº 198506 AgR/PR (DJ 21/02/2003), RE nº 200965/RS (DJ 22/11/1996), RE 252498/SP (DJ 09/08/2002), entre outros.

117 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. atual. por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 481.

118 Ibid., p. 481

119 Utilizou-se aqui os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade com significados equivalentes. Nesse sentido, cf. SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. Em sentido contrário, cf. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p. 54.

120 Ver item 3.2, infra.

121 A respeito das críticas ao princípio da proporcionalidade, cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 389-394 e SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 141-152.

122 HUBER, Hans apud BONAVIDES, Paulo. op. cit., p. 391.

123 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Celso Bastos, 1999. p. 80.

124 A adequação, a exigibilidade e a proporcionalidade em sentido estrito são os três sub-princípios do princípio da proporcionalidade. Eles serão vistos com mais detalhes no item 3.2 deste trabalho.

125 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 250.

126 Os cargos em comissão, cujo provimento dispensa o concurso público, são largamente utilizados para essa prática. Além de serem criados em demasia apenas para satisfazer compromissos políticos, os cargos em comissão às vezes têm como titular pessoa que sequer conhece o lugar onde "trabalha". Se se voltassem as atenções para, em vez do combate às altas retribuições pecuniárias, a denúncia dessa repugnante prática, talvez o princípio da moralidade fosse resgatado em parcela muito maior de sua carga axiológica.

127 Cf. SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 45.

128 Ibid., p. 45.

129 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit., p. 259.

130 BONAVIDES, Paulo. op. cit., p. 386.

131 Conforme relata Canotilho (op. cit., p. 259), há autores que pretendem derivar o princípio da proporcionalidade do princípio do Estado de Direito e outros que acentuam sua conexão com os direitos fundamentais.

132 AI nº 265064 AgR-ED-ED/MT (DJ 23/08/2002), ADI nº 1922 MC/DF (DJ 24/11/2000), ADI nº 1976 MC/DF (DJ 24/11/2000), entre outros.

133 Cf. SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 82, a respeito da evolução do princípio da proporcionalidade nos Estados Unidos.

134 GUERRA FILHO, Willis Santiago. op. cit., p. 65.

135 Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit., p. 262-263, GUERRA FILHO, Willis Santiago. op. cit., p. 66-68, BONAVIDES, Paulo. op. cit., p. 360-361 e SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 88-90.

136 A existência do direito adquirido no caso sob comento já foi amplamente demonstrada.

137 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 88.

138 Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit., p. 262.

139 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 89.

140 Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1995. p. 228, a respeito do princípio da concordância prática ou harmonização.

141 Cf. BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 189-190.

142 SARMENTO, Daniel. op. cit., p. 59-60.

143 BRITTO, Carlos Ayres. op. cit., p. 200.

144 Ver item 3.2.1, supra.

145 Cf. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 43-45.

146 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1995. p. 230.

147 Os professores José Afonso da Silva e Diogo de Figueiredo Moreira Neto (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO – CONAMP. Reforma da Previdência: Texto da Emenda Constitucional nº 41/2003, ADIns da CONAMP, Pareceres dos Professores José Afonso da Silva, Celso Antônio Bandeira de Mello e Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Rio de Janeiro, 2004) apontam o exaurimento da norma contida no art. 17 do ADCT. No entanto, mais prudente seria não afirmá-lo de forma categórica, pois a norma do art. 17 do ADCT só se exaure com o fim de todas as situações sobre as quais visava incidir. Pode ser, portanto, que ainda haja alguém no Brasil percebendo retribuição pecuniária em desacordo com os limites postos pelo poder constituinte. Isso, claro, se não se tiver constatado o contrário através de uma pesquisa individualizada da retribuição pecuniária de cada agente público do Brasil (federal, estadual, distrital e municipal).

148 Mais uma razão para se detectar a real intenção do legislador reformador e declarar a inconstitucionalidade do art. 9º da Emenda Constitucional nº 41/2003, já que ele (legislador) não se daria ao trabalho de editar um dispositivo inútil.

149 Cf. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 44, a respeito da interpretação conforme a Constituição com redução do texto.

150 Voto proferido na primeira sessão administrativa de 2004 do Supremo Tribunal Federal, realizada em 5 de fevereiro de 2004.

151 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 1172.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Júlio de Melo. Teto de retribuição pecuniária e direito adquirido: uma abordagem acerca da Emenda Constitucional nº 41/2003. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 517, 6 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6017. Acesso em: 10 maio 2024.