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A expropriação na execução por quantia certa e a efetividade do processo executivo.

Abordagem em consonância com os PL nº 3253/2004 e nº 4497/2004

A expropriação na execução por quantia certa e a efetividade do processo executivo. Abordagem em consonância com os PL nº 3253/2004 e nº 4497/2004

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Os atos expropriatórios, tal como regulados no CPC, devem ser urgentemente revistos, pois é inadmissível que uma execução que já ultrapassou a fase cognitiva dos embargos ainda se arraste por anos e anos até a satisfação da pretensão do exeqüente.

Observações:

1.os comentários feitos relativamente ao PL 3253/2004 tomam por base a redação do mesmo aprovada na Câmara Federal, visto que até 24/06/2005 (data da atualização do presente texto), o PL ainda está tramitando no Senado Federal;

2.os comentários atinentes ao PL 4497/2004 tomam por base a redação inicial apresentada junto à Câmara Federal, visto que este ainda (até 24/06/2005) não foi aprovado em nenhuma das Casas do Congresso Nacional.


RESUMO

Trata o presente trabalho sobre a expropriação na execução por quantia certa, entendendo-se esta como o ato estatal coativo através do qual o Judiciário aliena bens do devedor com vistas a satisfazer obrigação de pagar inadimplida. Referida abordagem é feita sob o prisma da efetividade do processo, demonstrando-se as dificuldades existentes no nosso sistema processual para a satisfação de um crédito exeqüendo, mormente se diz respeito a uma obrigação de pagar. Além da investigação com vistas a identificar as dificuldades referidas, faz-se ainda uma abordagem acerca das mudanças legislativas em andamento que objetivam senão eliminar, mas pelo menos amenizar os óbices existentes para o bom andamento do processo de execução da espécie evidenciada. Procura-se, ademais, sugerir condutas para otimização dos procedimentos expropriatórios, mesmo antes da vigência das mudanças legislativas que ora encontram-se em andamento no Congresso Nacional.

Palavras-chave:Expropriação – Efetividade – Processo


INTRODUÇÃO

A atual sistematização do processo de execução civil brasileiro é extremamente bem arquitetada; dando amplas possibilidades recursais, e descendo a minúcias no sentido de regular detalhe por detalhe os procedimentos.

A afirmação acima pode parecer contraditória ante a uma proposta de estudo que visa justamente identificar falhas no nosso processo executivo, demonstrar as iniciativas de mudanças, e propor possíveis soluções. Contudo, não existe contradição in casu, pois é verdade sim que o nosso processo de execução, formalmente falando, beira a perfeição.

O Direito, porém, não vive somente de formalismos e abstrações. Quem foi lesado em seus interesses, e que precisa do Estado para executar uma pretensão líquida, certa e exigível; não quer saber dos ritos formalmente perfeitos (mas materialmente improdutivos), quer saber sim das melhores formas de poder alcançar o bem da vida pretendido, que está sendo-lhe injustamente sonegado. E nesse desiderato, nosso processo de execução tem se revelado um desastre. A morosidade e onerosidade aparentemente passaram a ser seus principais princípios.

Logo, o trabalho no qual ora se tecem as considerações preambulares mostra-se absolutamente pertinente na conjuntura processual de nossa pátria.

Assim, considerando que o processo de execução por expropriação possui três fases (proposição, instrução e pagamento); e considerando que cada fase possui um conjunto de atos que lhes compõem, e ainda, que seria extremante extenuante tratarmos de todas as fases, foi que escolhemos abordar unicamente os atos expropriatórios (que estão situados dentro da fase de instrução) sob o foco da efetividade do processo, como forma de dar uma pequena contribuição ao estudo da execução civil.

Fizemos a abordagem em cinco Capítulos, quais sejam:

1º) A efetividade do processo de execução: onde demonstramos o contexto atual do processo de execução no Brasil (destacando as mudanças recentemente empreendidas e aquelas que ainda estão em andamento), e defendemos a extrema necessidade deste se nortear pelo princípio da efetividade processual;

2º) A expropriação na execução por quantia certa contra devedor solvente: no qual esmiuçamos a estruturação do processo da espécie evidenciada, visto ser este o principal foco do nosso trabalho, especificamente em seu momento expropriatório propriamente dito, e ainda nesse Capítulo, trabalhamos acerca da avaliação como procedimento preparatório para a expropriação;

3º) Arrematação, adjudicação, usufruto executivo e remição de bens: aqui examinamos os meios de expropriação evidenciados no artigo 647 do CPC, e mais a remição de bens, que apesar de não constar em tal dispositivo, nós poderíamos dizer que é um meio sui generis de expropriação;

4º) Entraves na alienação judicial de bens do executado: fiéis aos objetivos colimados, aqui passamos a identificar os principais empecilhos para o bom desenrolar da expropriação.

5º) Mudanças necessárias no procedimento expropriatório para privilegiar a efetividade do processo: nesse ponto nosso estudo encontra seu ápice, pois nesse Capítulo cogitamos as mudanças necessárias para sanar as deficiências da expropriação, expondo inclusive as modificações legislativas em andamento que visam lhe dar maior efetividade.

Ex positis, esclarecidos os postulados basilares em que se sustenta a abordagem que ora se inicia, fica preparado o terreno para o aprofundamento da temática escolhida, labor este que será levado a efeito nas páginas subseqüentes.


1 A EFETIVIDADE DO PROCESSO DE EXECUÇÃO

1.1.A necessidade de um processo de execução efetivo

Processo efetivo nada mais é do que aquele que consegue não somente reconhecer um direito material em tempo hábil, mas também proporcionar ao seu titular o exercício de tal direito.

Acreditamos, pois, esclarecer a exata noção de efetividade do processo os ensinamentos de Luiz Wambier e Teresa Wambier (2003, p. 54) abaixo transcritos:

O direito ao processo, portanto, com o tônus da efetividade, pertence ao conjunto desses direitos, ditos fundamentais, que estão ligados ao conceito de dignidade humana, princípio sobre o qual está assentada a estrutura do Estado brasileiro (art. 1º, inc. III, da Constituição Federal).

[...]

É reconhecida por todos a natureza instrumental do processo diante dos direitos que visa a assegurar em juízo. A instrumentalidade, como "marca" do processo, leva a que dele se espere resultado absolutamente compatível com o objetivo perseguido pela parte que vai a juízo. Resultado diverso, isto é, que não respeite a máxima de que o processo deve proporcionar à parte exata e precisamente aquilo que ela obteria se do processo não necessitasse (i.é, se a obrigação fosse pela outra parte cumprida espontaneamente), determina a "frustração" do sistema.

Portanto, a efetividade do processo decorre da sua própria natureza instrumental sem perder de vista o fator temporal. Processo efetivo, pois, é aquele que proporciona a rápida e integral satisfação da justa pretensão deduzida em juízo; ou ainda, que possibilita a entrega da prestação jurisdicional em tempo hábil e de forma justa.

Aliás, como alerta LUCON (2001, p. 877):

É sabido e ressabido que a prestação jurisdicional intempestiva de nada ou pouco adianta para a parte que tem razão, constituindo verdadeira denegação de justiça; como efeito secundário e reflexo, a demora do processo desprestigia o Poder Judiciário e desvaloriza todos os operadores do direito. O processo com duração excessiva tem efeitos sociais graves, já que as pessoas se vêem desestimuladas a cumprir a lei, quando sabem que outras a descumprem reiteradamente e obtêm manifestas vantagens, das mais diversas naturezas.

Destarte, em um processo de conhecimento que não se norteie pela efetividade, a prestação jurisdicional é demorada e não garante a justa composição da lide, muitas vezes negando o direito material àquele que o possui.

Já em um processo de execução que não seja efetivo, o Estado, mesmo já sendo líquido e certo o direito, não consegue fazer com que seu titular a ele tenha acesso de maneira rápida e integral.

Portanto, de nada adianta um Judiciário que com rapidez e justiça diga a quem pertence um direito, se não consegue transformar tal pronunciamento em um bem da vida. Logo, pouco resolve termos um processo de conhecimento efetivo [1], se não tivermos um processo de execução com a mesma característica.

Hodiernamente, após diversas mudanças já feitas no processo de conhecimento, principalmente dando amplas possibilidades para a concessão de medidas antecipatórias (na forma de cautelares ou de antecipação de tutela), surge como grande desafio a adequação da legislação processual relativa à execução.

De outra banda, é bem verdade que somente a mudança da legislação não fará com que, como em um "passe de mágica", passemos de um processo moroso e dispendioso para um processo efetivo. Contudo, a adequação legislativa é uma fase a ser transposta para que cheguemos ao objetivo maior almejado pela sociedade, qual seja: um processo que permita a rápida e justa composição de uma lide, com a entrega não somente virtual, mas real da prestação jurisdicional.

Assim, de tudo que foi dito ao norte, uma verdade nítida pode ser extraída: um sistema processual que não permita, através de uma execução efetiva que o credor tenha acesso (e em lapso temporal razoável) a um direito líquido e certo de que é titular, resta como totalmente prejudicado, pois garantir plenamente um direito não se restringe unicamente em reconhecê-lo judicialmente, mas engloba, e principalmente, forçar o devedor ao cumprimento da obrigação já reconhecida.

1.2 Modificações recentes no processo de execução

Conforme se pode extrair do próprio Código de Processo Civil Brasileiro, temos as seguintes espécies de execução:

a)execução para a entrega de coisa [2] (artigos 621 a 631);

b)execução das obrigações de fazer e de não fazer (artigos 632 a 645);

c)execução por quantia certa, que se desdobra em:

c.1) execução por quantia certa contra devedor solvente (artigos 646 a 731); e

c.2) execução por quantia certa contra devedor insolvente (artigos 748/786-A)

Recentemente, foram introduzidas grandes mudanças no processo de execução das obrigações de fazer e de não fazer, e na execução das obrigações para a entrega de coisa. Tal se operou pelas normas inseridas no CPC por força da Lei nº 10.444, de 07.05.2002, que alterou os seguintes dispositivos, todos insertos no Livro II – Do Processo de Execução: artigo 621 (modificações no caput, e inclusão de um parágrafo único); artigos 624, 627 (modificação apenas dos seus parágrafos 1º e 2º) e 644.

Agora, a grande inovação no processo civil de execução (operada pela Lei nº 10444/2002), conforme acreditamos, não foi propriamente no Livro II, mas sim no Livro I – Do Processo de Conhecimento, com a modificação do parágrafo 5º, e inclusão do parágrafo 6º, ambos do artigo 461; e com a inclusão do artigo 461-A.

O artigo 461, parágrafo 5º; pertinente às ações que tenham por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (dispositivo que também se aplica às obrigações de entrega de coisa ex vi artigo 461-A, parágrafo 3º) autoriza o seguinte:

Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

Com fulcro no dispositivo referenciado, conquanto, pode o juiz (de ofício ou a requerimento) impor multa à parte demandada em ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa, no intuito de forçá-lo a cumprir imediatamente o provimento jurisdicional. É a integração do processo de conhecimento com a execução, tornando desnecessária uma execução autônoma quando a sentença cognitiva determinar o cumprimento de uma obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa. A sentença do processo de conhecimento passa a ter o chamado efeito executivo.

Logo, com as alterações operadas no artigo 461, e com a introdução do artigo 461-A, fica esvaziada a execução (enquanto processo autônomo), baseada em título judicial, das espécies de obrigações mencionadas no parágrafo anterior.

Destaque-se, outrossim, que legislador, através da Lei nº 10444/2002, foi mais longe ainda no intuito de privilegiar a efetividade do processo ao modificar a redação do parágrafo 3º, do artigo 273, do CPC, que passou a determinar o seguinte: "A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas no arts. 588, 461, parágrafos 4º e 5º, e 461-A". Portanto, se o juiz conceder tutela antecipada de obrigação de fazer, não fazer ou de entrega de coisa, poderá já na decisão interlocutória engendrar mecanismos no sentido de garantir o efetivo cumprimento do provimento judicial, como faria somente na sentença final de mérito.

Alerte-se, ademais, que os mecanismos constantes nos artigos 461, 461-A e 273, que foram objeto das considerações pretéritas, são manejáveis somente em se tratando de execução de sentença, pois quando a execução for de título extrajudicial, esta deverá ser procedida na forma dos artigos 621/631 (em se tratando de obrigação de entregar coisa) e dos artigos 632/645 (em se tratando de obrigação de fazer e de não fazer).

Assim, inegável que, hoje, os mecanismos processuais existentes para garantia de um efeito prático rápido nas execuções das obrigações multimencionadas, outorgadas via sentença, privilegiam a efetividade do processo; tendo o Poder Judiciário e o credor instrumentos eficientes no sentido de forçar o devedor a cumprir sua obrigação.

Nesse ponto, começa-se a perceber que os esforços legislativos com o intuito de modernizar nosso processo executivo começam a render frutos. Observe-se, todavia, que a maior parte das execuções existentes não são de obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa, mas sim de obrigações de pagar, ou seja, são execuções por quantia certa. E aí está, ainda, o grande desafio dos nossos legisladores, qual seja: tornar nossa legislação processual eficiente no sentido de garantir ao credor de quantia certa o recebimento de seu crédito. Aliás, nesse desiderato tramitam no Congresso Nacional dois Projetos de Lei tendentes a modificar a legislação que rege a execução por quantia certa. Trata-se dos PL’s 3.253/2004 e 4.497/2004, que serão objeto de nossa análise nos tópicos imediatamente posteriores.

1.3 As principais alterações do CPC propostas pelo PL 3253/2004

A grande alteração proposta pelo PL 3253/2004 na legislação processual diz respeito a instituir o efeito executivo da sentença que condenar o demandado em obrigação de pagar. Propõe-se, pois, grande mudança no processo de execução por quantia certa; ficando esta, enquanto ação autônoma sendo útil apenas para a execução de título extrajudicial.

Luiz Guilherme Marinoni (2005) explica o fenômeno anunciado acima com as seguintes colocações:

No caso de inadimplemento do pagamento da quantia fixada na sentença, estabelece-se não apenas que o débito será acrescido de multa, como também resta autorizada a expedição imediata de mandado de penhora e avaliação, dispensando-se a ação de execução.

Nessa hipótese, a sentença autoriza a prática de atos executivos, e não somente a propositura da ação de execução. A sentença tem efeito executivo, integrando conhecimento e execução, ao contrário da antiga sentença condenatória, que apenas abria oportunidade para a propositura da ação de execução. Os atos executivos, agora expressamente autorizados pela própria sentença, antes dependiam da iniciativa da parte. Se os atos executivos, antigamente, não eram decorrência automática da sentença, não era a sentença que instaurava a execução, e sim a ação de execução.

Note-se que o ilustre processualista do qual transcrevemos os ensinamentos, quando utiliza o verbo no presente, faz referência às regras que poderão ser instituídas por conta da aprovação do PL 3253/2004 (que ainda encontra-se em tramitação); e, quando utiliza o verbo no passado, faz referência à nossa legislação processual ainda vigente.

Assim, feitas tais observações, fica nítida na explanação transcrita a grande modificação que se pretende introduzir no processo executivo pátrio, direcionada no sentido de tornar desnecessária a execução em processo autônomo da obrigação de pagar já reconhecida judicialmente.

Inexistindo processo de execução autônomo, conseqüentemente, deixa o devedor de ter oportunidade de interpor embargos; assim sendo, a execução de sentença, nos moldes que se busca, permitirá ao demandado unicamente apresentar impugnação face à atividade executiva, que somente terá efeito suspensivo nos casos previstos no artigo 475-M (que pretende-se incluir no CPC), in verbis:

Art. 475-M. A impugnação não terá efeito suspensivo, podendo o juiz atribuir-lhe tal efeito desde que relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação.

Parágrafo Primeiro. Mesmo se atribuído efeito suspensivo à impugnação, é lícito ao exeqüente requerer o prosseguimento da execução, oferecendo e prestando caução suficiente e idônea, arbitrada pelo juiz e prestada nos próprios autos da execução.

Parágrafo Segundo. Deferido efeito suspensivo, a impugnação será instruída e decidida nos próprios autos, caso contrário, em autos apartados.

Parágrafo Terceiro. A decisão da impugnação é recorrível mediante agravo de instrumento, salvo quando importar extinção da execução, caso em que caberá apelação.

Portanto, as inovações propostas pretendem romper com paradigmas há muito assentados no nosso direito processual; mudanças essas que, ao nosso ver, são absolutamente necessárias, pois não se pode mais admitir que verdadeiros dogmas processuais injustificáveis continuem obstando o efetivo exercício de direitos reconhecidos judicialmente.

1.4 A execução por quantia certa com base em título executivo extrajudicial

Como vimos no tópico anterior, já temos iniciativas concretas no sentido de possibilitar uma execução por quantia certa com base em título executivo judicial mais eficiente.

A execução por quantia certa com base em título executivo extrajudicial, todavia, não foi esquecida pelo legislador. Existe tramitando no Congresso Nacional o PL 4497/2004, que visa justamente alterar regras do CPC relativas ao processo executivo referido. Embora com tramitação mais atrasada do que o PL 3253/2004 (que já foi aprovado na Câmara), também se constitui em PL que tramita sob regime de prioridade [3].

Como sabemos, no atual sistema, no processamento da execução referida no presente tópico, o juiz determina a citação do devedor para pagar o débito em 24 (vinte e quatro) horas ou oferecer, no mesmo prazo, bens à penhora. Efetivada a constrição, abre-se espaço para que o executado embargue, passando-se à instrução dos mesmos nos moldes ordinários do processo de conhecimento. Portanto, temos um processo de conhecimento do qual fica dependente a execução manejada, visto tais embargos possuírem efeito suspensivo. Julgados procedentes os embargos, passa-se para a via crucis da avaliação e respectiva venda judicial. Nesta última fase, uma vez arrematado ou adjudicado o(s) bem(s) penhorado(s), e obedecidos certos requisitos legais, ainda pode o devedor apresentar novos embargos (à arrematação ou à adjudicação), aplicando-se a eles o mesmo procedimento dos embargos do devedor.

Logo, pouca vantagem tem o credor de título executivo extrajudicial no sentido de lhe garantir o recebimento do seu crédito, pois caso maneje a execução, tem que sujeitar a diversos expedientes processuais que o devedor tem a seu dispor.

Isto posto, percebe-se de plano a real necessidade de se repensar o procedimento adotado na espécie de execução em destaque no presente tópico, pois da forma como está apenas incentiva o inadimplemento, na medida em que parece refletir em seu bojo, conforme pensamos, uma verdadeira inversão de valores, tratando o devedor (que muitas vezes age de má-fé já na realização do negócio jurídico) de forma benevolente (outorgando-lhe meios processuais de defesa, que por sua amplitude, acabam por se configurar mais em verdadeiro direito de procrastinação) em detrimento dos interesses do credor.

1.4.1 Alterações propostas pelo PL 4497/2004

O PL em destaque traz proposta de diversas alterações no procedimento de execução por título extrajudicial, concentrando-se mais especificamente nas regras relativas à execução por quantia certa contra devedor solvente.

Inclusive, conforme ressalta o Ministro da Justiça na Exposição de Motivos do PL, a intenção é que após a aprovação da proposição, o Livro II do CPC, que atualmente trata do "Processo de Execução" em geral, passe a tratar somente das execuções por título extrajudicial [4], posto que após aprovado o PL relativo à execução de sentença que impõe obrigação de pagar (permitindo a execução desta no bojo do próprio processo de conhecimento); e considerando ainda que as obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa, quando reconhecidas judicialmente, não necessitam mais ser executadas em processo autônomo, não terá mais motivo para o credor por título judicial manejar processo executivo autônomo para executar a sua pretensão.

Portanto, está se delineando uma organização no nosso sistema processual civil digno de destaque histórico; pois pretende-se superar a dicotomia entre processo de conhecimento e processo executivo. Ademais, nosso ilustre Ministro da Justiça bem destaca essa transição, ao defender a extinção da dualidade autônoma entre processo de conhecimento e executivo, conforme segue:

Com efeito, as teorias são importantes, mas não podem transformar-se em um embaraço a que se atendam as exigências naturais relativas aos objetivos do processo, isso só por apego a tecnicismos formais. A velha tendência de restringir a jurisdição ao processo de conhecimento é hoje idéia do passado, de sorte que a verdade por todos aceita é a da completa e indispensável integração das atividades cognitivas e executivas. Conhecimento e declaração sem execução – proclamou COUTURE, é "academia" e não processo (apud Humberto Theodoro Júnior, A execução de sentença e a garantia do devido processo legal, Ed. Aide, 1987, p.74)

Registrado acima a mudança estrutural que se pretende empreender, passemos a demonstrar as alterações específicas propostas pelo PL referenciado; alertando desde já que as alterações no tocante à expropriação (relativas à arrematação, remição, adjudicação e usufruto executivo) trataremos em Capítulo específico (Cap. 5), por ser este o objeto principal do presente trabalho.

Vamos às alterações:

a) Indicação de bens à penhora

Como sabemos, na sistemática atual do processo executivo, após ser citado, pode o devedor oferecer bens à penhora; vendo-se o credor, na maioria das vezes, obrigado a aceitar tal indicação para tentar promover a celeridade processual, mesmo sabendo que a indicação foi feita pelo devedor conforme sua conveniência. Nesse particular o PL inova ao dar possibilidade para o exeqüente já indicar na inicial os bens que pretende ver penhorados (art. 652, §2º), não havendo previsão de momento após a citação para que o executado indique bens à penhora.

b) Citação do devedor

Na sistemática atual, o executado é citado para pagar ou nomear bens à penhora no prazo de 24 (vinte e quatro) horas. Pelo Projeto, se prevê que o devedor será citado para, no prazo de três dias, efetuar o pagamento da dívida. Não ocorrendo o pagamento, o oficial de justiça deve proceder de imediato a penhora de bens e sua avaliação. Não há, como se vê, espaço para a inoportuna espera de nomeação de bens pelo devedor, estabelecendo-se quanto a isto o improdutivo contraditório de ver se o credor aceita a nomeação, e subseqüente decisão do juiz; procedimento este que, em algumas comarcas, chega a levar meses e meses. Contudo, o PL antevê a possibilidade de se ter dificuldades em encontrar bens do devedor, autorizando o juiz, a qualquer momento, ordenar que o executado indique bens passíveis de penhora (art. 652, §3º). De se destacar, ainda, que há previsão no sentido de que, se o executado, intimado, não indica ao juiz, em cinco dias, quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores, pratica ato atentatório à dignidade da Justiça, sujeitando-o às penas da lei.

c) Impenhorabilidade

É reformulado o sistema de impenhorabilidades. No tocante a se privilegiar a efetividade do processo, destacamos as alterações relativas à previsão de penhorabilidade de rendimentos (salários, pensões, proventos etc.) até o limite de 40% (quarenta por cento) do total líquido recebido mensalmente acima de vinte salários mínimos, e a do bem de família quando o valor deste for superior a mil salários mínimos.

Quanto à alteração proposta no sentido de limitar a incidência da impenhorabilidade do bem de família, acreditamos que há muito tempo há a necessidade da alteração ainda em andamento. Aliás, a temática "impenhorabilidade", mesmo estando largamente disciplinada no Código de Processo Civil, tem na Lei nº 8009/90 um instrumento legal de referência elementar no dia a dia dos tribunais; e o seu artigo primeiro, conforme pode-se deduzir literalmente, consagra a impenhorabilidade da totalidade do imóvel residencial que obedeça os requisitos lá descritos.

Desse jeito, podem ocorrer situações nas quais o imóvel residencial é extremamente suntuoso, mas em obediência à lei não pode ser determinada a penhora do mesmo, mormente se este não puder ser dividido sem redução do valor global, considerando-se como tal a soma dos valores individuais de cada parte dividida.

Vislumbramos como injustificável tal proteção, haja vista que, ocasiões podem ocorrer em que o credor está em situação econômica muito pior que o devedor, mas mesmo assim vê seu direito perecer por conta da restrição legal em evidência.

Acreditamos, pois, ser injusto não se permitir, por exemplo, a penhora de um imóvel residencial que valha R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), quando se tem uma dívida de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), que muito bem poderia ser paga com o produto da alienação; e ainda ser garantido o direito de moradia (em outro imóvel, por óbvio) dos devedores com os R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) restantes.

Adicione-se, também, às disparidades já apontadas, o fato de que existem imóveis que são perfeitamente divisíveis, mas que mesmo assim parte da jurisprudência, em uma interpretação literal da Lei 8009/90, nega ao credor o direito de ver seu crédito pago com a venda judicial de parte do imóvel residencial do devedor.

Com esse teor, por exemplo, o seguinte aresto:

Bem de família. Totalidade do bem. A impenhorabilidade do bem de família, dada pela L 8009/90, atinge a totalidade do bem, independentemente de seu valor, sendo ilegal a decisão que determina a penhora, reservando 20% do valor do imóvel para garantir o bem de família. (1º TACivSP, 11ª Câm., Ag 732461-4-Jaú, rel. Juiz Antonio Marson, v.u., j. 11.4.1997, BolAASP 2076/744)

Ademais, mesmo o STJ tem se demonstrado relutante em tomar decisões no sentido de resguardar os direitos dos credores quando o assunto é impenhorabilidade parcial do imóvel residencial do devedor.

Leia-se o seguinte decisum:

PROCESSUAL CIVIL. LEI 8009/90. BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL RESIDENCIAL. DESMENBRAMENTO. CIRCUNSTÂNCIAS DE CADA CASO. DOUTRINA. RECURSO PROVIDO.

I - Como residência do casal, para fins de incidência da Lei nº 8009/90, não se deve levar em conta somente o espaço físico ocupado pelo prédio ou casa, mas também suas adjacências, como jardim, horta, pomar, instalações acessórias etc., dado que a lei, em sua finalidade social, procura preservar o imóvel residencial como um todo.

II - Admite-se a penhora de parte do bem de família quando possível o seu desmembramento sem descaracterizar o imóvel, levando em consideração, com razoabilidade, as circunstâncias e peculiaridades de cada caso.

(STJ, 4ª Turma, RESP 188706/MG, DJU 13.09.1999, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira)

Lendo a íntegra do Acórdão cuja ementa transcreveu-se ao norte, percebe-se o quão difícil é conseguir o desmembramento de um imóvel residencial para fins de penhorabilidade, visto entenderem os julgadores que não deve ser agredida a posição social do devedor, não pode haver redução de valor do imóvel como um todo após o desmembramento etc.

Desse jeito, percebe-se que muita resistência há em se resguardar o credor contra eventuais atitudes de pessoas bem posicionadas socialmente, que simplesmente se endividam voluntariamente (já sabendo que não poderão honrar o débito), mas que mantêm intacta sua suntuosa residência.

De outra banda, afigura-nos como claro que quando se quer assegurar a dignidade da pessoa humana através da restrição à penhora do imóvel residencial familiar, não se quer prestigiar a má-fé de devedores contumazes, nem tão pouco garantir à família do inadimplente o luxo a que estavam acostumados. Pelo contrário, o desiderato maior é garantir condições medianas de moradia ao executado e seus dependentes, mas isso sem exorbitar a razoabilidade a ponto de proporcionar-lhes uma vantagem indevida em detrimento do credor.

Por essas razões, acreditamos extremamente feliz a mudança que se propõe [5], lamentando apenas o fato do limite de impenhorabilidade ainda ser muito alto: mil salários mínimos.

d) Penhora de dinheiro

Sabe-se que no atual CPC [6] já se dá preferência à penhora de dinheiro (art. 655, I). Tal norma, todavia, tem se demonstrado infértil, visto entenderem a maioria dos juízes, imbuídos do princípio de que a execução deve ser efetivada do modo menos oneroso para o devedor, que havendo outros bens penhoráveis, mormente indicados pelo próprio devedor, devem sobre estes recair a penhora. Assim, temos visto vários juízes indeferirem requerimentos de credores solicitando que seja oficiado casas bancárias para descobrir valores depositados em nome dos executados, sob o pretexto da existência de outros bens do devedor disponíveis para penhora. Quicá isso mude com a previsão de mudança do CPC, onde se prevê que a penhora deve recair preferencialmente sobre dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira. Perceba que na atual redação do nosso codex fala-se apenas em dinheiro; logo, por uma leitura rápida, parece-nos que o projeto deixa uma mensagem no sentido que deverá ser obedecida a ordem legal de preferência mesmo no tocante a dinheiro depositado em instituição financeira. Tanto isso é verdade que propõe o projeto a inclusão do artigo 655-A com a seguinte redação:

Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará á autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.

Com a alteração acima, pois, parece que a Justiça Comum parece querer ingressar no sistema de penhora on-line nos moldes já adotado pelo Judiciário Trabalhista; que apesar das críticas, tem servido para aumentar a credibilidade daquela especializada.

e) Depósito dos bens penhorados

Segundo sabemos, na atual sistemática do depósito dos bens penhorados, privilegia-se que fique como depositário o próprio devedor. Nesse sentido o artigo 666 do CPC apregoa que, somente não concordando o credor, ficarão como depositários outras pessoas; já tendo assentado a jurisprudência (NEGRÃO, 2003, p. 722) que: "A não concordância do credor há de estar calcada em motivos plausíveis, para ser acolhida. Não é absoluta e discricionária a recusa" [7]. Logo, atualmente, o devedor fica como depositário do bem penhorado; ficando, na prática, utilizando normalmente tal bem, não tendo qualquer interesse no desfecho do processo executivo. O PL nesse particular inova na redação do art. 666, estabelecendo que os bens penhorados serão preferencialmente depositados junto a instituições e pessoas que cita. Traz, ainda, em seu §3º orientação já consagrada na jurisprudência no sentido de que: "A prisão de depositário judicial infiel será decretada no próprio processo, independentemente de ação de depósito".

f) Embargos do devedor

O PL mantém os embargos como meio de defesa do devedor no tocante à execução por título executivo extrajudicial, diferentemente do que ocorre com as propostas de mudanças na execução de obrigação de pagar com base em título judicial, onde o devedor pode apresentar apenas impugnação.

A nova sistemática dos embargos, porém é muito diferente da atualmente existente. Primeiramente, os embargos poderão ser oferecidos no prazo de quinze dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de citação. Não se conta mais (pela proposta), pois, o prazo a partir da juntada da certidão de intimação da penhora. Aliás, nem é mais imprescindível que ocorra a penhora para se embargar; pois a intenção dos autores do projeto foi simplesmente expurgar a exceção de pré-executividade da prática forense na medida em que não se exige (pelo PL) a penhora para que o devedor possa se defender.

Nesse sentido é explicado na Exposição de Motivos do Projeto:

Nas execuções por título extrajudicial a defesa do executado – que não mais dependerá das "segurança do juízo", far-se-á através de embargos, de regra sem efeito suspensivo (a serem opostos nos quinze dias subseqüentes à citação), seguindo-se instrução probatória e sentença; com tal sistema, desaparecerá qualquer motivo para a interposição da assim chamada (mui impropriamente) "exceção de pré-executividade", de criação pretoriana e que tantos embaraços e demoras atualmente causa ao andamento das execuções.

Outra mudança importantíssima no tocante aos embargos diz respeito ao fato que deixa de ter, por regra [8], efeito suspensivo. Além do mais, tal defesa deverá se autuada em autos apartados (com distribuição por dependência), e não mais em apenso como é atualmente (art. 736). Caso os embargos sejam considerados manifestamente protelatórios, diz o art. 740, §único, conforme PL, o juiz imporá, em favor do exeqüente, multa ao embargante em valor não superior a vinte por cento do valor em execução.

g) Demais alterações

Conforme anunciado no início do presente tópico, as demais alterações que ora tramitam no Congresso Nacional; relativas à expropriação propriamente dita (alienação judicial dos bens do executado) serão vistas em Capítulo específico (Cap. 5).

1.4.2. Novos tempos na execução por título extrajudicial

Ante o demonstrado, esperamos que o PL acima esmiuçado não seja apenas mais uma boa idéia a ser enterrada nas gavetas de nossos legisladores; nem tampouco estes se dignem recortar indiscriminadamente as idéias lá insertas, desfigurando o produto do labor de eminentes processualistas do porte de Athos Gusmão Carneiro, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Petrônio Calmon Filho, que coordenaram os trabalhos que culminaram com o Projeto multimencionado.

Logo, consideramos uma evolução as mudanças propostas, pois já chegamos em um tempo no qual os negócios jurídicos que envolvem obrigação de pagar estão extremamente fragilizados, pois o Judiciário na garante de forma eficaz o cumprimento forçado de tal obrigação.

Destarte, em tempos que a cultura da "esperteza" parece tomar conta do espírito de grande parte de nossos concidadãos, é hora do Judiciário mostrar que tem um Poder a zelar pelos indivíduos honestos, que hoje estão assistindo seus recursos sumirem nas mãos de devedores protegidos pela inércia de nossa Justiça que nem consegue cobrar os seus próprios créditos, impondo por isso, por exemplo, ao credor o pagamento antecipado de custas processuais.

Esperamos, conquanto, não seja intransponível a realidade que campeia nosso sistema jurídico, desvendada pelos olhos atentos do eminente Calmon de Passos (2004):

Daí porque afirmo, enfaticamente, que a esmagadora maioria dos problemas com que nos defrontamos, em termos de efetividade do processo, têm raízes culturais, derivam de uma deformação de comportamento social do brasileiro, incapaz de ser corrigido por via do direito formal e das construções dogmáticas. Temos boas leis, o que nos falta são bons aplicadores, privados e públicos, do direito legislado.

Quiçá esteja errado o Douto Calmon, e que ainda haja como, através de mudança legislativa, pelo menos reduzir as distorções processuais hoje existentes. Assim, alimentamos esperança de que em um futuro breve teremos um processo de execução de título extrajudicial que privilegie o injustiçado, seja ele credor ou devedor; na medida em que cobre rapidamente o crédito idôneo, e também, com igual velocidade afaste a cobrança injusta; pois aí sim se estará privilegiando fundamentos da efetividade processual.


2.A EXPROPRIAÇÃO NA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE

2.1 Fases do processo de execução por expropriação

O processo de execução por quantia certa contra devedor solvente se desenrola, basicamente, em três fases: postulação, instrução e pagamento. A postulação ou proposição vai desde o ingresso da petição inicial executiva até a citação. A instrução começa com a penhora e vai até a apuração de recursos para pagar o credor. A última fase, do pagamento, constitui-se o ato de satisfação efetiva do crédito exeqüendo.

O esquema parece fácil de se materializar em atos concretos que garantam os direitos do credor.

Imagina-se, mais ou menos, a seguinte seqüência de acontecimentos:

1º) É constituída uma obrigação de pagar, representada por título executivo judicial ou extrajudicial;

2º) O devedor não se dispõe a solvê-la voluntariamente;

3º) O credor ingressa com ação executiva postulando que seja garantido seu direito de receber o crédito que possui face ao devedor, agora já executado;

4º) O devedor é citado para pagar a dívida ou nomear bens à penhora, caso queira discutir a procedência da cobrança;

5º) Se após a citação o devedor pagar a dívida, deve ser extinto o processo;

6º) Se não paga, necessário se faz a realização de atos de constrição de seus bens com o objetivo de, com a venda deles, apurar-se recursos para quitar a obrigação.

7º) Procedida a alienação judicial dos bens, e apurado recursos suficientes para quitar o débito, só resta pagar o credor e extinguir o processo executivo.

Em tese, os atos acima parecem ser fáceis de se engendrar, visto terem como objetivo maior unicamente forçar o cumprimento de uma obrigação líquida e certa. Contudo, as coisas não funcionam dessa maneira. Entre os atos objetivos acima sintetizados existem diversos percalços processuais, culturais, tecnológicos, morais e de outra ordem que têm que ser superados para que o processo executivo atinja o seu objetivo final.

Assim, o que percebemos nos corredores forenses é que mesmo execuções não embargadas e nas quais o devedor tenha bens suficientes para fazer frente à obrigação exeqüenda são capazes de se eternizar no tempo, encontrando um fim em si próprias, vilipendiando irremediavelmente o princípio da instrumentalidade do processo.

Como o objetivo no presente trabalho é tão somente abordar a efetividade do processo executivo especificamente na expropriação (em sentido estrito), iremos nos furtar de tecer maiores comentários sobre outros momentos do processo executivo em si; e ainda, sobre os embargos do devedor, que como é sabido, fazem com que o processo executivo fique interrompido durante a fase de instrução (precisamente após a penhora) até que se julgue a defesa do devedor, que será instruída nos moldes de processo cognitivo.

A expropriação ou alienação judicial ocorre também na fase de instrução do processo executivo. Se a execução não foi embargada, ou se os embargos já foram julgados improcedentes, deve ser procedida a alienação dos bens penhorados no sentido de se obter recursos para o pagamento do credor.

A primeira vista pode parecer improdutivo se abordar apenas a alienação judicial, ainda mais sob o enfoque da efetividade do processo, pois para o observador menos atento parece que, se a execução não foi embargada ou se os embargos já foram julgados improcedentes, o credor já está com sua pretensão em vias de ser satisfeita. Contudo, veremos mais adiante que as coisas não são bem assim; pois nosso sistema processual, mesmo nesses casos, parece ainda não garantir ao credor o direito à efetividade do processo, apesar desse ter ingressado com uma execução de um crédito líquido e certo, não ter sido manejada defesa pelo devedor ou já ter sido julgada improcedente.

2.2 A avaliação como ato preparatório para a alienação judicial

Por óbvio que, se o Judiciário irá alienar bens do devedor, primeiramente necessita saber quanto eles valem; e isso é aferido através do ato chamado de avaliação.

Depois de tratar acerca de atos que precedem à avaliação, determina o CPC que (art. 680): "Prosseguindo a execução, e não configurada qualquer das hipóteses do art. 684, o juiz nomeará perito para estimar os bens penhorados, se não houver, na comarca, avaliador oficial, ressalvada a existência de avaliação anterior (art. 655, parágrafo 1º, V)".

A avaliação anterior que o Código se refere é aquela feita pelo próprio devedor no ato de nomeação de bens à penhora; apesar de, naquele momento, o executado não fazer propriamente uma avaliação do bem nomeado no sentido técnico da palavra, realizando unicamente uma estimativa.

Assim, incumbe ao devedor no momento do oferecimento do bem à penhora atribuir valor ao mesmo (art. 655, parágrafo 1º, V). Aceitando o credor tal estimativa [9], o CPC dispensa seja feita a avaliação referida no artigo 680 do mesmo codex, visto que já conhecido (e aceito pelas partes) o valor do bem a ser alienado.

Prevê também o artigo 1484 do Código Civil que: "É lícito aos interessados fazer constar das escrituras o valor entre si ajustado dos imóveis hipotecados, o qual, devidamente atualizado, será base para as arrematações, adjudicações e remições, dispensada a avaliação". Logo, quando a execução é de um crédito hipotecário, se as partes acordaram no ato de constituição do ônus real no tocante ao valor do bem para efeitos de execução judicial, não há para quê se realizar avaliação nos autos do processo executivo. É muito claro o Código Civil nesse sentido, conquanto existe jurisprudência entendendo que a existência de estimativa feita pelas partes nas condições mencionadas não supre a necessidade de avaliação no juízo executório, conforme registra NEGRÃO (2002, p.732).

No mesmo passo o seguinte Acórdão do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. ADJUDICAÇÃO DE IMÓVEL. MATÉRIA DE FATO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS NS. 5 E 7-STJ. CC, ART. 818. NÃO PREVALÊNCIA SOBRE AS NORMAS PROCESSUAIS MAIS MODERNAS.

I – "A simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial" – Súmula n. 5 – STJ.

II – "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial" – Súmula n. 5 – STJ.

III – Não prevalência da disposição de caráter processual do art. 818 do Código Civil, em face dos preceitos adjetivos mais modernos, que autorizam a avaliação dos bens dados em garantia, independentemente do valor acordado para o bem na escritura em que constituída a hipoteca.

IV – Agravo improvido.

(STJ, 4ª Turma, AgRg no AG 305622/RJ, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, j. 12.03.2002, DJ 20.05.2002)

Deve ser notado que o aresto supra foi prolatado ainda na vigência do Código Civil de 1916. Então, o argumento de norma processual mais recente (face à norma de direito material – Código Civil) não deve prevalecer, segundo entendemos, diante das disposições do artigo 1484 do Código Civil, que repete o disposto no artigo 818 do antigo Código.

2.2.1 Dispensa de avaliação

O artigo 684 do CPC arrola os casos de dispensa de avaliação, quais sejam:

a) se o credor aceitar a estimativa feita na nomeação de bens;

b) se o bem a avaliar se tratar de títulos ou de mercadorias, que tenham cotação em bolsa, comprovada por certidão ou publicação oficial;

c) quando os bens penhorados forem de pequeno valor.

A primeira situação, evidenciada na letra "a" supra já foi objeto de comentários ao norte, visto que se coaduna à hipótese evidenciada na parte final do artigo 680 do CPC, que se refere à estimativa feita pelo devedor no ato da nomeação de bens à penhora. Ora, se esta estimativa for aceita pelo credor não há necessidade de se fazer avaliação, considerando que não há controvérsia entre as partes sobre o valor do bem penhorado.

Quando a penhora recair sobre títulos ou mercadorias que tenham cotação em bolsa, não há que se exigir avaliação dos mesmos porque seu valor já é conhecido por cotação de mercado.

Outro caso de dispensa de avaliação é quando os bens penhorados forem de pequeno valor; pois não se justifica ter que pagar honorários de perito para avaliar um bem de valor ínfimo. Missão difícil, porém, é definir até que limite um bem deve ser considerado de pequeno valor, visto que o artigo declinado ao início não faz qualquer referência a valores específicos. Nesse particular, Araken de Assis (1999, p. 633) sustenta que devem ser considerados bens de pequeno valor aqueles com valor até vinte vezes o salário mínimo, pois defende que se aplica ao presente caso o art. 686, parágrafo 3º, do CPC. Note-se ainda que o valor irrisório deve ser aferido no conjunto, e não isoladamente. Por exemplo: caso tenham sido penhoradas de um devedor diversas máquinas e equipamentos, deve ser verificado o valor total desses bens; se for valor apreciável, imprescindível a avaliação. Não se pode, pois, verificar o valor aproximado de cada um, e com base nisso dispensar a avaliação de todos.

2.2.2 Procedimento da avaliação

Consoante já demonstramos, reza o artigo 680 que a avaliação será feita por avaliador judicial; ou, não havendo referido profissional na comarca, por perito nomeado pelo juiz.

Avaliador judicial, como sabemos, é um auxiliar da justiça, como o é, por exemplo, o diretor de secretaria e seu assistente, tendo vinculação direta com o Serviço Judiciário. Já o perito, é pessoa de confiança do juiz, que tenha conhecimento técnico suficiente para assumir a incumbência de realizar a avaliação que se faz necessária.

O perito nomeado ou o avaliador judicial deverão apresentar o laudo de avaliação no prazo de 10 (dez) dias, contados da ciência de sua incumbência; podendo ser prorrogado este prazo por motivo justificado (ASSIS, 2000, p. 634).

O laudo deverá conter:

a) a descrição suficiente dos bens;

b) indicação do valor dos mesmos;

c) indicação dos critérios de avaliação;

d) sendo imóvel o bem avaliado, e sendo também passível de divisão cômoda, o perito avaliará em suas partes, sugerindo possíveis desmembramentos, caso a situação concreta indique ser esta medida útil;

e) sendo vários bens o objeto da avaliação, devem ser avaliados separadamente com vistas a possibilitar a venda separada.

Apresentado o laudo, as partes deverão ser intimadas a se manifestar. Nesse sentido Wambier (2004, p. 207):

O resultado da avaliação é passível de controle, mediante contraditório entre as partes. Apesar do silêncio do Código, as partes terão oportunidade de se manifestar acerca do laudo, seja pela imposição constitucional do contraditório (CF, art. 5º, LV), seja pela aplicação subsidiária das regras sobre perícia no processo de conhecimento (art. 598 c/c o art. 435). As partes devem ser ouvidas inclusive para que possam apontar "erro ou dolo do avaliador", que é motivo de refazimento da avaliação (art. 683, I).

Apresentando as partes impugnação ao laudo de avaliação, caberá ao juiz julgar a irresignação, fazendo-o através de decisão interlocutória atacável por agravo de instrumento pela parte que se julgar prejudicada.

2.2.3 Repetição da avaliação

Dispõe o CPC (art. 683) que somente é admissível a repetição da avaliação quando:

a)se provar erro ou dolo do avaliador;

b)se verificar, posteriormente à avaliação, que houve diminuição do valor dos bens;

c)houver fundada dúvida sobre o valor atribuído ao bem (art. 655, parágrafo 1º, V).

Portanto, há um princípio de que não deve ser repetida a avaliação, salvo nos casos expressos legalmente. Há a intenção com tal vedação de se privilegiar a celeridade do processo executivo, possibilitando a subseqüente e imediata alienação judicial do bem avaliado.

A questão relativa ao erro ou dolo do avaliador diz respeito a fato que pode ocorrer no procedimento da avaliação, viciando-o. Normalmente tal fato é apontado quando a parte impugna o laudo.

No tocante ao segundo caso: diminuição posterior do valor dos bens; diz respeito, a princípio, à ocorrência de desvalorização visível do valor dos bens já avaliados, seja por depreciação, por variação de preço de mercado ou qualquer outro fator facilmente perceptível. Contudo, tem sustentando a doutrina (WAMBIER, 2004, p. 208) que não somente em caso de diminuição do valor do bem, mas também no caso de aumento visível do valor do bem também cabe seja determinada reavaliação com fulcro nos princípios da isonomia e do menor sacrifício.

Quanto a última exceção, esta encontra aplicação quando for atribuído valor ao bem pelo devedor no momento da penhora. Nesse caso, poderá o juiz determinar nova avaliação por haver fundada dúvida sobre o valor da estimativa feita pelo executado. Conforme entendemos, esta fundada dúvida é aferida no momento em que o juiz irá deliberar sobre nova avaliação (que na realidade, no presente caso, é a primeira, pois a estimativa feita pelo devedor não é, conforme pensamos, tecnicamente uma avaliação). Assim, pode ser que a estimativa feita pela parte no momento da indicação dos bens à penhora tenha sido adequada, conquanto por razões supervenientes venha a se mostrar dissonante de nova realidade de mercado, fazendo surgir dúvida (antes não existente) sobre o valor atribuído ao bem.

2.3 Modificações da penhora

Feita a avaliação dos bens penhorados, prevê o CPC a possibilidade de modificação ou substituição dos mesmos nos casos previstos no seu artigo 685.

Prevê o Código, pois, que:

Art. 685. Após a avaliação, poderá mandar o juiz, a requerimento do interessado e ouvida a parte contrária:

I – reduzir a penhora aos bens suficientes, ou transferi-la para outro, que bastem à execução, se o valor dos penhorados for consideravelmente superior ao crédito do exeqüente e acessórios;

II – ampliar a penhora, ou transferi-la para outros bens mais valiosos, se o valor dos penhorados for inferior ao referido crédito.

Deve ser observado que o legislador fez questão de autorizar ao juiz reduzir, transferir ou ampliar a penhora somente depois da avaliação, pois é a partir desse momento que saberá, com segurança, o valor dos bens que serão, em ato subseqüente, alienados. Agora, conforme cremos, nada impede do juiz fazer um juízo sumário de suficiência da penhora logo após a nomeação de bens levada a efeito pelo executado, ou após a penhora feita pelo oficial de justiça (na ausência da nomeação referida); posto que nessa ocasião deve ser averiguado se o "juízo está seguro".

Portanto, ao credor cabe, nesse momento, zelar por seus interesses, requerendo ampliação ou substituição de penhora, caso constate que o valor dos bens penhorados e já avaliados é insuficiente para fazer frente ao crédito exeqüendo. Já o devedor, caso os bens penhorados e já avaliados tenham valor consideravelmente superior ao crédito exeqüendo (acrescido de juros, correção monetária, honorários de sucumbência e custas judiciais) deve requerer a redução da penhora ou sua transferência para bens menos valiosos.

Conquanto, acreditamos que especialmente o pedido de substituição de penhora deve ser apreciado com especial cautela pelo magistrado, mormente se é feito pelo devedor; pois caso seja deferida tal providência, pode ser necessária avaliação do novo bem, prolongando-se ainda mais o processo executivo que já se encontrava às vésperas de chegar à sua fase final.

2.4 Alienação antecipada dos bens penhorados

Uma forma de privilegiar a efetividade do processo executivo é a realização de alienação antecipada dos bens penhorados.

Como sabemos, o momento certo para alienação dos bens penhorados é somente após superadas as fases iniciais do procedimento executivo, e ainda, após julgados improcedentes os embargos (caso sejam totais) manejados pelo devedor, visto que estes têm a vocação de suspender a execução.

Logo, se fosse bem utilizado o instituto da alienação antecipada, poderia em muito contribuir para quê, após o longo tramitar do processo executivo, este tivesse maiores chances de ter um resultado útil na sua fase final.

2.4.1 Cabimento

O artigo 670 do CPC assenta que é cabível a alienação antecipada dos bens penhorados quando:

I) sujeitos a deteriorização ou depreciação;

II) houver manifesta vantagem.

Ressalta Assis (2000, p. 602) que: "Outra hipótese, explicitamente prevista no art. 1.113, parágrafo 1º, respeita à alienação de semoventes e de outros bens de conservação dispendiosa, perecíveis ou não, cuja venda constituirá ‘manifesta vantagem’ às partes (art. 670, II)". Assim, conforme se depreende das próprias palavras do renomado processualista, mesmo a hipótese prevista no artigo 1113, parágrafo 1º, encontra guarida no artigo 670. E acrescentaríamos mais: mesmo a previsão do caput do artigo 1.113 também tem simetria com a previsão do artigo 670, II. Logo; conforme entendemos, as previsões constantes nos incisos do artigo 670 do CPC são suficientes para delimitar o cabimento da venda antecipada de bens.

O artigo 1.113 e seguintes do mesmo Diploma Legal, tratam sobre a alienação antecipada de bens depositados judicialmente; disposições estas que se aplicam subsidiariamente à alienação antecipada prevista no artigo 670 do CPC (WAMBIER, 2004, p. 209).

Destarte, pela previsão do artigo 670 nota-se que o objetivo da norma é evitar prejuízos tanto ao credor quanto ao devedor; na medida em que há bens, que pela sua própria natureza, são susceptíveis de depreciação ou deteriorização; e ainda, aqueles que são sujeitos a condições de mercado, daí poder ocorrer que talvez em dado momento seja mais vantajoso aliená-los do que no futuro.

Desse jeito, no tocante aos bens depreciáveis/deterioráveis, se tiver que esperar o longo tramitar do processo executivo, mormente se embargado, certamente quando se chegar à alienação judicial tais bens já terão perdido em muito seu valor, o que prejudicará o devedor, pois o produto da venda do bem se destina ao pagamento do seu débito; e o credor, pois caso o produto da venda não seja suficiente para satisfazer seu crédito terá que se voltar a outros bens do devedor para executar, correndo, inclusive, o risco do executado não possuir outros bens penhoráveis senão aqueles já deteriorados ou totalmente depreciados.

No caso do artigo 670, II, pode-se também afirmar que na ocorrência da hipótese lá prevista, haverá vantagem na alienação antecipada tanto para o credor quanto para o devedor.

2.4.2 Efetivação da alienação antecipada

A alienação antecipada pode ser requerida por qualquer das partes do processo, e ainda, pelo depositário. O artigo 1.113 do CPC, a seu turno, prevê a possibilidade do próprio juiz determinar de ofício a alienação antecipada de bens.

A Alienação antecipada deve ser realizada da mesma forma como seria a alienação definitiva, qual seja: a) através de leilão, se os bens a alienar forem móveis; b) através de praça, se os bens a alienar forem imóveis. Contudo, caso o devedor e credor concordem com a alienação antecipada, estes poderão realizar a venda por iniciativa particular, sem estarem adstritos às formalidades da hasta pública.

O procedimento da alienação antecipada deve se nortear pelo contraditório. Assim, requerendo umas das partes tal providência, deverá o juiz ouvir a outra sobre o requerimento (art. 670, parágrafo único); não obstante, mesmo havendo discordância da parte adversa do requerente, pode o juiz determinar a alienação através de decisão fundamentada.

Efetivada a venda judicial, o dinheiro arrecadado ficará depositado judicialmente, caso ainda não se esteja em fase que autorize a entrega do mesmo ao credor.

2.5 Meios de expropriação

O Art. 647 do CPC dispõe que:

A expropriação consiste:

I – na alienação de bens do devedor;

II – na adjudicação em favor do credor;

III – no usufruto de imóvel ou de empresa.

Note-se que aí estão declinadas as formas/meios de expropriação dos bens penhorados. Portanto, se a penhora não recaiu sobre dinheiro, há a necessidade do Judiciário proceder à alienação dos bens constritos para apurar recursos suficientes para satisfazer o crédito exeqüendo. E isso é feito através dos meios enumerados no artigo acima transcrito.

O meio prioritário de expropriação é a arrematação, providência esta prevista no inciso I, ao norte transcrito. Respeitados certos requisitos legais, entretanto, é cabível que o credor obtenha a transferência do bem penhorado para seu patrimônio através da adjudicação. Outro meio de expropriação diz respeito à alienação forçada de apenas uma parcela do domínio que o devedor possui sobre o bem penhorado; é o caso do usufruto de imóvel ou de empresa.

Nos casos de arrematação e adjudicação é possível, ainda, que parentes do executado venham a juízo se propor a pagar o valor pelo qual o bem penhorado foi arrematado ou adjudicado; tendo estes prioridade na aquisição, ocorrendo nesse caso a remição.

Assim, percebe-se que no tocante à expropriação existe a presença marcante dos institutos da arrematação, adjudicação, usufruto e remição. Assim sendo, e considerando ainda a complexidade de tais institutos, trataremos acerca dos mesmos em Capítulo específico (vide logo a seguir).


3.ARREMATAÇÃO, ADJUDICAÇÃO, USUFRUTO EXECUTIVO E REMIÇÃO DE BENS

3.1 Arrematação

"É a arrematação o meio processual utilizado pelo órgão judicial para realizar a transferência forçada dos bens do devedor a terceiro" (THEODORO JR., 1999, 342).

Logo, uma vez penhorados e avaliados os bens do executado, imprescindível levá-los à hasta pública com o objetivo de vendê-los judicialmente e apurar dinheiro para satisfazer o crédito exeqüendo; sendo este ato expropriatório chamado de arrematação.

A arrematação é um ato formal, pelo quê necessário se torna a obediência aos procedimentos legalmente estabelecidos para sua realização, conforme melhor evidenciaremos nos subtópicos subseqüentes.

3.1.1 Hasta pública

A arrematação se materializa através da hasta pública, que é um ato formal de alienação de bens, que se desdobra nas seguintes espécies:

a) Praça – quando a alienação for de bens imóveis;

b) Leilão – quando a alienação for de bens móveis;

c) Em pregão da Bolsa de Valores – quando a penhora recair sobre títulos cuja alienação é de competência de corretores da bolsa de valores.

A praça deve ser realizada pelo porteiro de auditórios (funcionário do fórum), e deve ser realizada no átrio do edifício do fórum (art. 686, parágrafo 2º). O leilão deve ser presidido por leiloeiro, e será realizado onde estiverem os bens, ou no lugar designado pelo juiz, conforme previsão do mesmo dispositivo legal já mencionado.

3.1.2 Publicação de editais

Exige o CPC que a arrematação seja precedida de edital, descrevendo os dados que o mesmo deve conter (art. 686), quais sejam: descrição suficiente do bem penhorado; valor do bem; lugar onde estiverem os móveis; o dia, lugar e hora da praça ou do leilão; menção da existência de ônus sobre o bem; comunicação da segunda hasta. Dispensa-se a exigência evidenciada somente quando os bens penhorados não excederem o valor correspondente a 20 (vinte) vezes o salário mínimo (art. 686, parágrafo 3º).

Referido edital deve ser afixado no fórum e publicado, em resumo, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias, pelo menos uma vez em jornal de ampla circulação (art. 687).

As despesas com publicação, de regra, são antecipadas pelo credor; sendo computadas como despesas judiciais para fins de cobrança junto ao executado.

De plano nota-se que a exigência do edital ora em evidência visa dar publicidade à hasta a ser realizada. Contudo, tal publicidade é destinada ao público em geral, não estando aí incluído o executado, visto exigir-se a sua intimação para tal ato. Assim, determina o artigo 687, parágrafo 5º, do CPC que: "o devedor será intimado pessoalmente, por mandado, ou carta com aviso de recepção, ou por outro meio idôneo, do dia, hora e local da alienação judicial".

3.1.3 Legitimidade para arrematar

O artigo 690, parágrafo 1º, diz que: "É admitido a lançar todo aquele que estiver na livre administração de seus bens". Logo, todo aquele civilmente capaz, e que não esteja impedido para tanto, pode arrematar. O próprio CPC enumera certas pessoas que estão impedidas de arrematar, quais sejam: os tutores, os curadores, os testamenteiros, os administradores, os síndicos, ou liquidantes, quanto aos bens cofiados à sua guarda e responsabilidade; os mandatários, quanto aos bens, de cuja administração ou alienação estejam encarregados; o juiz, o escrivão, o depositário, o avaliador e o oficial de justiça.

A seu turno, o credor está autorizado a arrematar, conforme exegese do artigo 690, parágrafo segundo, não estando obrigado a exibir o preço, caso este seja inferior ao valor do seu crédito. Sendo superior, deve apresentar a diferença. Wambier (2004, p. 221) destaca, contudo, que: "A jurisprudência tem entendido que, se outros credores com penhora sobre o mesmo vem também pretenderem arrematá-lo, não haverá a dispensa de exibição do preço, para que não se frustre eventual direito de preferência dos outros".

3.1.4 O Preço da arrematação

Primeiramente, diga-se que: "A arrematação far-se-á com dinheiro à vista, ou a prazo de 3 (três) dias, mediante caução idônea" (art. 690 do CPC). De plano logo se vê que o Código institui que o preço da arrematação deve ser pago, preferencialmente, à vista; dando apenas a alternativa de pagamento a prazo mediante caução e dentro de um prazo extremamente exíguo. O sistema é rígido; e comporta apenas uma exceção, que está disposta na segunda parte do artigo 700 do CPC, que assim se exprime:

Art. 700. Poderá o juiz, ouvidas as partes e sem prejuízo da expedição dos editais, atribuir a corretor de imóveis inscrito na entidade oficial da classe a intermediação na alienação do imóvel penhorado. Quem estiver interessado em arrematar o imóvel sem o pagamento imediato da totalidade do preço poderá, até 5 (cinco) dias antes da realização da praça, fazer por escrito o seu lanço, não inferior à avaliação, propondo pelo menos 40% (quarenta por cento) à vista e o restante a prazo, garantido por hipoteca sobre o próprio imóvel.

O bem será vendido na primeira hasta por preço pelo menos igual ao valor da avaliação do bem; em segunda, será vendido pelo preço do maior lanço, desde que não seja vil. O credor pode participar de ambas as hastas, e com igualdade de condições com os demais licitantes (podendo, portanto, em segunda praça, arrematar por preço inferior ao da avaliação).

O conceito de preço vil, porém, não é uniforme na doutrina e jurisprudência; devendo ser este avaliado no caso concreto. Houve quem defendesse, por exemplo, que se fixasse um limite de 60% sobre o valor da avaliação como sendo o valor mínimo permitido para alienação do bem. Contudo, tal orientação não tem sido adotada pacificamente.

O STJ, por exemplo, tem firmado entendimento que não é preço vil (para efeitos de arrematação) aquele que corresponda a pelo menos 50% (cinqüenta por cento) do valor de avaliação, segundo pode-se constatar no julgado a seguir:

Processo civil. Recurso especial. Embargos à arrematação. Venda judicial. Valor arrematado. Sessenta e um por cento (61%) do valor avaliado. Implementos agrícolas. Estado de conservação não satisfatório. Prelo vil. Inexistência. Auto de arrematação. Prazo para assinatura não observado. Direito de remição não exercido. Ausência de prejuízo. Nulidade afastada. Ausência de assinatura do auto pelo escrivão. Prequestionamento. Embargos à arrematação. Intuito protelatório.

- A jurisprudência do STJ considera, em regra, vil o preço ofertado que não alcance cinqüenta por cento do valor de avaliação.

[...]

Recurso especial não conhecido.

(STJ, 3ª Turma, RESP 556709/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, j. 20/11/2003, DJ 10/02/2004, pág. 253)

Cabe enfatizar, ainda, que o artigo 701 do CPC traz regra específica acerca do que considera preço vil, em se tratando de alienação de imóvel de incapaz. Tal dispositivo, no entanto, encontra aplicação somente neste caso específico. Assim dispõe:

Quando o imóvel de incapaz não alcançar em praça pelo menos oitenta por cento (80%) do valor da avaliação, o juiz o confiará à guarda e administração de depositário idôneo, adiando a alienação por prazo não superior a 1 (um) ano.

3.1.5 Auto de arrematação

Comanda o artigo 693 do CPC: "A arrematação constará de auto, que será lavrado 24 (vinte e quatro) horas depois de realizadas a praça ou leilão". A inobservância do prazo mencionado, todavia, não invalida a arrematação se não exercitado o direito à remição. Nesse sentido Nery Jr. e Andrade Nery (2003, p. 1035) e, ainda, o RESP 556709/MT (STJ, 3ª Turma).

Conforme ensina Assis (2000, p. 682): "Incumbe ao leiloeiro ou ao porteiro confeccionar o auto de arrematação. Consistirá ele num só documento, sem embargo de a alienação ter abrangido vários bens, individualmente ou em bloco (art. 691), com ou sem suspensão do certame (art. 689)".

O prazo de vinte quatro horas estabelecido no artigo 693 é justamente para que o executado, caso queira, venha remir a execução, bem como os seus parentes tenham oportunidade para remir o bem arrematado, evitando que este seja transferido ao arrematante.

Lavrado e assinado (pelo juiz, escrivão, arrematante e pelo porteiro ou leiloeiro) o auto, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável (art. 694). Podendo ser desfeita somente:

a)por vício de nulidade: diz respeito à preterição de formalidade indispensável ao ato de arrematação;

b)se não for pago o preço ou se não for prestada a caução: isso só poderá ocorrer na arrematação a prazo; podendo, ainda, o exeqüente, para evitar o desfazimento da arrematação, optar por executar o arrematante, fazendo boa a arrematação, apesar do inadimplemento.

c)prova de existência de ônus real não mencionado no edital: estabelece o CPC que provando o arrematante, nos três dias seguintes à assinatura do auto de arrematação, a existência de ônus real (não mencionado no edital) sobre o bem arrematado, isso é causa da nulidade do ato.

d)em outros casos: o inciso IV, do parágrafo único, do art. 694, faz referência aos artigos 698 e 699 do CPC, como dispositivos que abrigam causas de nulidade de arrematação. Tas artigos dizem respeito à necessidade de intimação do credor hipotecário ou senhorio direto e da Fazenda Nacional na execução de hipoteca de vias férreas.

Por fim, ressalte-se que, em sendo imóvel o bem arrematado, além do auto de arrematação deve ser lavrada a carta de arrematação, que servirá como título para inscrição no registro imobiliário com vistas a formalizar a transferência da propriedade imobiliária para o arrematante.

3.2 Adjudicação

Uma das formas de expropriação dos bens do executado, prevista no CPC, é a adjudicação; que é, no dizer de Theodoro Júnior [10] (1999, p. 370): "[...] ato de expropriação executiva em que o bem penhorado se transfere in natura para o credor, fora da arrematação".

De início, destaque-se que a adjudicação somente é cabível após a realização de praça sem lançador, o que indica no sentido de ser, a princípio, cabível a adjudicação somente no tocante a bem imóvel (art. 714 CPC). Contudo, registram Nery Jr. e Andrade Nery (2003, p. 1039) que Arruda Alvim entende que é possível a adjudicação de bem móvel penhorado por aplicação analógica do artigo declinado retro; orientação esta que têm seguido nossos tribunais conforme acentuam Milhomens e Alves (1999, p. 236/237), o que é também confirmado, em obra recente, por Wambier (2004, p. 235).

Para que ocorra a adjudicação, ainda, é necessário que haja pedido do credor nesse sentido, e que se disponha a ficar com o bem pelo menos pelo preço da avaliação. Logo, na maioria dos casos é mais vantajoso para o credor concorrer como licitante na hasta pública, ocasião em quê poderá (em segunda hasta) adquirir o bem por valor inferior ao da avaliação.

O CPC prevê, outrossim, o direito de adjudicação não somente para o exeqüente; mas também ao credor hipotecário e aos outros credores concorrentes que penhorarem o mesmo imóvel (art. 714, §1º).

3.2.1 Pluralidade de interessados na adjudicação

Havendo mais de um legitimado interessado na adjudicação, dar-se-á preferência ao que tiver oferecido maior preço. Sendo oferecidos preços iguais, deve-se proceder à licitação entre os interessados. Prevê, ademais, o CPC, que em havendo licitação, e não tendo nenhum dos licitantes oferecido maior preço, o credor hipotecário preferirá ao exeqüente e aos credores concorrentes (art. 714, §2º). Tal disposição deve ser interpretada, conquanto, levando em consideração as demais preferências de credores. Logo, a preferência evidenciada no artigo 714, §2º, não diz respeito somente ao credor hipotecário, mas também ao credor com garantia real em geral (que recaia sobre o bem a ser adjudicado), ao credor fiscal etc. E, em possível concorrência entre credores privilegiados, deve prevalecer a ordem prevista no artigo 711 do CPC. Havendo credores com o mesmo privilégio terá a preferência o que promoveu a primeira penhora sobre o bem a ser adjudicado; igual critério se utiliza se tiverem somente credores quirografários pleiteando por mesmo preço (depois da licitação, por óbvio) a adjudicação.

3.2.2 Efetivação da adjudicação

Se houver mais de um pretendente à adjudicação, e havendo licitação, o juiz terá que decidir por sentença [11] o impasse.

Pelo contrário, não havendo licitação, a adjudicação reputa-se perfeita e acabada com a assinatura do auto, que se dará após decorrido o prazo de vinte e quatro horas (contado do deferimento do pedido), e independentemente de sentença. Igual prazo (24 horas), segundo entende Theodoro Jr. (1999, p. 375), "[...] deve mediar entre o término da licitação e a publicação da sentença de adjudicação, quando são vários os pretendentes".

A grande preocupação de se deixar um prazo de 24 (vinte e quatro) horas para o aperfeiçoamento do ato de adjudicação é justamente no sentido de garantir a possibilidade de remição do bem ou da execução.

Se o bem adjudicado for imóvel, deve ainda ser expedida carta de arrematação com base na sentença ou no auto de adjudicação, para fins de possibilitar ao adjudicante efetivar o registro imobiliário da transferência do bem.

3.3 Instrumentos processuais utilizáveis para anular a arrematação ou a adjudicação

Para um leigo no assunto pode parecer que uma vez efetivada a adjudicação ou a arrematação não tem mais, pelas vias processuais ordinárias, caminhos para tornar sem efeitos a transferência de propriedade já operada; posto que efetivada sob a fiscalização do Poder Judiciário.

As coisas, entretanto, não são bem assim. O terceiro que adquire bem via arrematação, assim como o credor que adquire via adjudicação ainda corre o risco de ser obrigado pela via judicial a devolver o bem adquirido por tais atos expropriatórios, conforme melhor explicitaremos nos subtópicos seguintes.

3.3.1 Embargos à arrematação e à adjudicação

O artigo 746 do CPC autoriza ao devedor oferecer embargos à arrematação ou à adjudicação, com fundamento em:

a) nulidade da execução: um exemplo claro de nulidade que pode ser reconhecida através da apreciação dos embargos ora examinados diz respeito à alienação judicial de bens absolutamente impenhoráveis; podendo-se ainda citar, também exemplificativamente, falta de intimação exigida por lei, dolo ou incapacidade do licitante etc [12].

b) pagamento, novação, transação ou prescrição: as três primeiras extinguem a obrigação; a última (prescrição) provoca a extinção da pretensão; logo, em ambos os casos, remanesce o direito do executado se ver livre da pretensão deduzida em processo executivo.

Qualquer dos fundamentos acima especificados (letras "a" e "b"); devem se basear em fatos ocorridos após a penhora para poderem embasar os embargos em tela; que podem ser manejados no prazo de até dez dias [13], visto ser aplicável ao caso o disposto no artigo 738 do CPC ex vi art. 746, §único.

O procedimento a ser seguido para se instruir os embargos à arrematação ou à adjudicação é o mesmo previsto para os embargos do devedor; assim sendo, tal remédio processual terá o efeito de suspender a execução.

3.3.2 Ação anulatória

Mesmo após passado o prazo para se interpor os embargos estudados no subtópico anterior, ainda pode o devedor prejudicado ingressar com ação própria visando anular a alienação judicial. Tal providência encontra amparo no artigo 486 do CPC, in verbis:

Os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil.

Tratando desse assunto, enfatizam Nery Jr. e Andrade Nery (2003, p. 836):

A arrematação não atacada por embargos do executado é ato judicial anulável pela forma previsto no CPC 486 (JTACivSP 52/61). No mesmo sentido: A arrematação pode ser desfeita através de ação de anulação e não de ação rescisória (STJ, 4ªT., Resp 49533-4-RJ, rel. Min. Ruy Fosado, j. 27.3.1995, DJU 5.6.1995, p. 16670). Cabe ação anulatória do CPC 486 para anular arrematação ocorrida em processo judicial, a fim de assegurar a meação da mulher casada (RSTJ 149/361).

A ação anulatória de atos judiciais que não dependam de sentença ou em que esta for meramente homologatória é da competência do juízo da homologação (RP 6/299). No mesmo sentido: Barbosa Moreira, coment., n. 95, p. 165.

Deve ser esclarecido, outrossim, que a ação anulatória só é cabível quando a execução não foi encerrada por sentença de mérito confirmatória da alienação judicial, pois caso tenha sido, segundo pensa Theodoro Júnior (2000, p. 217), torna-se inadmissível o uso de tal instrumento [14].

3.3.3 Simples petição

Em casos de nulidade absoluta, o juiz pode, mediante simples petição da parte, ou até mesmo de ofício anular o ato inquinado. O artigo 166 do Código Civil traz um rol de nulidades absolutas; e conforme ensina Garcez (2003, p. 103), tal espécie de nulidade "[...] impede que o ato jurídico gere qualquer efeito, é como se ele nunca tivesse existido[...]". O sistema de nulidade, porém, do direito material não é o mesmo do direito processual, devendo neste ser examinado o caso concreto com vistas a averiguar se o ato reputado como nulo causou prejuízo à parte interessada, para somente então se concluir pela sua anulação.

Com esse teor têm sido os julgamentos do STJ.

Leia-se:

PROCESSUAL CIVIL. ARREMATAÇÃO. NULIDADE. INEXISTÊNCIA.

1. Não se decreta nulidade de ato processual sem que fique demonstrado que ocorreu evidente prejuízo para a parte interessada.

[...]

(STJ, 1ª Turma, RESP 603871/RS, Rel. Min. José Delgado, j. 22.06.2004, DJ 09.08.2004)

3.3.4 Embargos de terceiros

Pode ocorrer, no andamento do processo executivo, que terceiro venha a ser prejudicado pelos atos de constrição; situação esta que venha a perdurar até a alienação judicial. Nesse sentido é que se insere o estudo dos embargos de terceiros como remédio processual para anular a arrematação ou a adjudicação.

O artigo 1048 do CPC, tratando sobre os embargos ora examinados, prevê que:

Os embargos podem ser opostos a qualquer tempo no processo de conhecimento enquanto não transitada em julgado a sentença, e, no processo de execução, até 5 (cinco) dias depois da arrematação, adjudicação ou remição, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta.

Portanto, em se tratando de processo executivo, o terceiro que se sentir prejudicado pode interpor embargos de terceiros até cinco dias depois da arrematação, adjudicação ou remição, mas nunca depois da assinatura da respectiva carta. Logo, na execução, ocorrendo as hipóteses dos artigos 1046 e 1047 do CPC, pode, a qualquer momento (respeitado o termo final já anunciado), o terceiro ingressar com a medida. Devendo ser ressaltado, outrossim, que (art. 1.052 CPC): "Quando os embargos versarem sobre todos os bens, determinará o juiz a suspensão do curso do processo principal; versando sobre alguns deles, prosseguirá o processo principal somente quanto aos bens não embargados".

Isto posto, percebe-se que o instrumento processual sob foco, apesar de ser um remédio salutar para corrigir injustiças, pode muito bem ser utilizado por interessados em criar entraves à efetividade do processo executivo, mormente porque não se exige que o terceiro seja proprietário do bem ameaçado para manejar tal medida, bastando fundamentar sua pretensão em posse. E, como posse é uma questão de fato, pode se abrir espaço para uma instrução minuciosa; ficando, enquanto isso, parada a execução (caso, é claro, os embargos versem sobre todos os bens penhorados).

3.4 Usufruto executivo

Diferentemente do que ocorre na arrematação e na adjudicação, no usufruto executivo não há a transferência do bem do devedor para o credor ou para terceiro com vistas a satisfazer o crédito exeqüendo. Através de tal meio expropriatório, retira-se do devedor apenas uma parcela do domínio de que é titular.

O meio expropriatório em tela está previsto nos artigos 716 a 729 do CPC, como usufruto de imóvel ou de empresa.

Do magistério de Wambier (2004,p. 238) extraímos o conceito do instituto sob foco: "Define-se o usufruto executivo como o ato pelo qual, dentro da execução, concede-se ao credor direito real limitado e temporário sobre a empresa ou imóvel penhorado, a fim que receba seu crédito através das rendas geradas pelo bem".

Registradas as características acima, pode-se ainda acrescentar quanto ao usufruto executivo o seguinte:

a)será concedido pelo juiz da execução quando tal medida se revelar menos gravosa ao devedor e eficiente para o recebimento da dívida;

b) decretado o usufruto, perde o devedor o gozo do imóvel ou da empresa, até que seja paga a dívida exeqüenda;

c)tem eficácia a partir da publicação da sentença;

d)será nomeado administrador, devendo receber os frutos e rendimentos no interesse do usufrutuário, prestando contas dessa incumbência em juízo;

e)o usufruto deve ser requerido pelo credor antes da hasta pública, necessitando da concordância do devedor para ser instituído.

Pelo que notamos, as regras que cercam o usufruto executivo têm por objetivo quase que exclusivamente beneficiar o devedor, na medida em que para o credor, é um muito mais vantajoso logo levar à hasta pública o bem penhorado, ou mesmo adjudicá-lo; sem contar, ainda, que através do usufruto, o exeqüente vai sendo pago aos poucos, na medida em que o bem sujeito à constrição vai produzindo frutos e rendimentos. De outra banda, reconhecemos que pode ser uma alternativa viável quando a penhora recair sobre bem de difícil alienação, e que o exeqüente não tenha interesse em adjudicar.

3.5 Remição de bens

A remição de bens não se trata de meio de alienação [15] levado a efeito exclusivamente no interesse do credor; pois se configura medida que tem o objetivo de proporcionar que o bem penhorado continue na família do executado, através da aquisição do mesmo por seus parentes.

Primeiramente é importante fazer uma distinção entre remição de bens e remição da execução.

A remição de bens é o instituto previsto no artigo 787 do CPC, que autoriza "ao cônjuge, ao descendente, ou ao ascendente do devedor remir todos ou quaisquer bens penhorados, ou arrecadados no processo de insolvência, depositando o preço por que foram alienados ou adjudicados". Como se nota, a família do executado ainda tem uma chance após a arrematação ou a adjudicação para manter no patrimônio familiar bens que já tinham sido alienados na execução, através do pagamento do mesmo preço pelo qual eles foram arrematados ou adjudicados.

Já a remição da execução é medida prevista no artigo 651 do CPC, que garante ao credor que, antes de arrematados ou adjudicados os bens, possa pagar ou consignar em juízo a importância da dívida exeqüenda mais acessórios.

Portanto, ao executado não cabe o direito de remir o bem alienado, mas sim remir a execução, consignando em juízo ou pagando o valor da dívida exeqüenda. No caso de imóvel hipotecado, porém, pode o devedor se beneficiar do instituto da remição de bens, conforme previsto no artigo 1.482 do Código Civil, in verbis:

Realizada a praça, o executado poderá, até a assinatura do auto de arrematação ou até que seja publicada a sentença de adjudicação, remir o imóvel hipotecado, oferecendo preço igual ao da avaliação, se não tiver havido licitantes, ou ao do maior lance oferecido. Igual direito caberá ao cônjuge, aos descendentes ou ascendentes do executado.

A remição da execução pode ser feita até a assinatura do auto de arrematação ou adjudicação, ou ainda, até a expedição da carta de adjudicação.

Defende Assis (2000, p. 1193) que podem remir a execução, além do devedor, também qualquer terceiro, interessado ou não. No mesmo sentido Theodoro Jr. (1999, p. 308).

Por fim, note-se que a remição da execução nem a remição de bens, se confunde com a substituição de bem penhorado prevista no artigo 668 do CPC; visto que este dispositivo legal garante que o devedor ou responsável requeira, a qualquer tempo, desde que antes da alienação judicial, a substituição do bem penhorado por dinheiro. Destarte, nítido está que nesta faculdade outorgada pela Lei não estão presentes as características da remição, apenas se deu uma oportunidade para, ao mesmo tempo, o devedor livrar seu bem da expropriação, e o credor, por seu lado, ter garantia de um mais rápido desfecho da execução.


4.ENTRAVES NA ALIENAÇÃO JUDICIAL DE BENS DO EXECUTADO

4.1 Considerações iniciais

Fizemos questão de, nos dois Capítulos anteriores, expor as minúcias do procedimento de expropriação de bens do executado, começando a partir da avaliação e ingressando nos meios de expropriação.

Ficou patente o quão complexo é o conjunto de normas que regulam os atos mencionados, situados na fase de instrução do processo de execução por quantia certa contra devedor solvente.

Destarte, começa a ficar mais cristalino o que já adiantávamos no início do presente estudo: que mesmo já estando penhorados os bens do executado e afastados os embargos, o processo executivo da espécie referenciada ainda acaba por encontrar brechas para enveredar pelo caminho da morosidade e da onerosidade.

As causas da situação catastrófica do nosso sistema expropriatório de bens do devedor são muitas. Não são, por certo, somente de ordem legislativa, segundo constata o perspicaz J. J. Calmon de Passos no artigo intitulado "A Crise do Processo de Execução" (2004).

Eis as suas palavras:

Poderíamos continuar abordando os percalços da avaliação dos bens, sujeita à lei da oferta e da procura das propinas, que a leva para lá ou para cá, ao sabor dos interesses em jogo, e demonstrar como o processo é impotente para formar o caráter dos homens. Poderíamos estudar o problema do depósito dos bens penhorados, essa catástrofe nacional que são os depositários públicos, ou este faz de conta que é a permanência dos bens com o próprio executado. Prosseguiríamos com o estudo dos custos da divulgação dos editais das hastas públicas, das mil artimanhas que em torno da alienação judicial são arquitetadas, inclusive pelos profissionais deste mister, que rondam os foros como o abutre ronda a carniça. Que soluções processuais teríamos para tudo isso? O Código de 1939 previa a venda por iniciativa particular, como meio de obviar todos esses inconvenientes. Este expediente frustrou-se. Insisto no que hoje é minha obsessão: se a lei diz e a realidade social desdiz, fica o dito por não dito. As sociedades não se regeneram via direito, elas é que, porque regeneradas, efetivam um direito digno desse nome, dada sua proximidade da Justiça.

Por outro giro, mesmo sem discordar das palavras do mestre Calmon, ainda temos esperanças que adequações processuais, seja com mudança da legislação ou boa aplicação da já existente, possam melhorar o nosso processo executivo.

Assim, fiéis aos objetivos anunciados ab initio, passemos a analisar pontos que consideramos como entraves processuais a prejudicar a efetividade do processo executivo, especificamente no tocante à expropriação dos bens do devedor.

4.2 Procedimento defeituoso de avaliação

No procedimento atualmente adotado pelo CPC, após penhorados os bens do devedor, caso não haja o enquadramento nas dispensas de avaliação, necessário se faz que se proceda o trabalho técnico de avaliação dos bens.

Acontece que, não raro, o processo de execução demora tanto, que normalmente é necessário fazer mais de uma avaliação do mesmo bem, pois quando se chega às vésperas da hasta pública a avaliação feita há anos já não mais atende à realidade de mercado.

Outro entrave no tocante à avaliação diz respeito aos caríssimos honorários do avaliador; que, como se sabe, são pagos, de regra, adiantados pelo exeqüente. Acresça-se a isso, as situações em que é nomeado perito (para avaliar os bens) alguém que pouco conhece das técnicas necessárias ao exercício de tal mister, abrindo espaço para impugnações que somente emperram o procedimento.

Não vemos razão, ademais, para continuar prevalecendo o entendimento que defende a necessidade de avaliação do imóvel hipotecado que será levado à praça, quando as partes já contrataram quanto ao valor do mesmo, nos termos do artigo 1.484 do Código Civil vigente: "É lícito aos interessados fazer constar das escrituras o valor entre si ajustado dos imóveis hipotecados, o qual, devidamente atualizado, será a base para as arrematações, adjudicações e remições, dispensada a avaliação". Tal postura somente vem a demonstrar que muitos dos nossos julgadores estão mais preocupados com os formalismos infrutíferos do que com a efetividade do processo.

4.3 Cálculos carentes de rigor técnico

Superados os embargos do devedor, feita a avaliação, vem a necessidade de cálculos pelo contador do juízo.

Lamentavelmente, percebemos que em algumas comarcas a pessoa incumbida de tal atribuição, seja por falta de conhecimentos técnicos, seja por falta de ferramentas (equipamentos adequados, planilhas etc.), não consegue executar o seu dever funcional a contento. E aí assistimos situações em que processos se eternizam na conta, e quando esta é concluída ainda há a necessidade de se instaurar o contraditório quanto ao produto do trabalho contábil, que nem sempre é de boa qualidade (apesar de bem pago). Nesse passo, abre-se caminho para mais impugnações a serem apreciadas pelo juízo.

Por outro ângulo, nesse ínterim, a avaliação vai se desatualizando.

4.4 Custos dos editais e empecilho das intimações

Penhora feita, avaliação concluída, e dívida calculada; abre-se caminho para a realização da hasta pública.

Quanto à publicação dos editais, acreditamos que o único óbice a se ressaltar seja o custo de publicação, que é assumido pelo exeqüente (para futuramente se ressarcir junto ao devedor). No restante, o sistema não causa maiores dificuldades, posto que exige unicamente a afixação do edital no fórum e a publicação, em resumo, do citado documento, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias, pelo menos uma vez em jornal de ampla circulação (art. 687 do CPC). Agora, se o credor necessitar se louvar no §único do artigo grafado [16], as coisas começam a se complicar, posto que vai depender da disponibilidade dos serviços judiciários gratuitos.

No tocante às intimações, determina o CPC (art. 687, §5º) que: "O devedor será intimado pessoalmente, por mandado, ou carta com aviso de recepção, ou por outro meio idôneo, do dia, hora e local da alienação judicial". Consoante referida disposição legal tem orientado-se a jurisprudência no sentido de que a intimação do devedor para o ato deve ser pessoal; não pode, pois, ser feita na pessoa do advogado. Por prudência, ainda, recomenda-se seja feita a intimação por mandado pessoal [17].

Nesse caso, percebe-se que em algumas situações, o devedor, sabendo da necessidade de sua intimação, simplesmente se oculta, dificultando a efetivação do ato, e, por conseguinte, a realização da hasta pública. E nem se argumente que a Judiciário tem meios para repelir esta atitude, pois na prática não se vê tais meios serem utilizados rotineiramente.

A cabo disso, estando o devedor sumido, e não havendo elementos que comprovem estar ele se ocultando voluntariamente, necessário se faz a citação do mesmo por edital, o que representará um bom tempo a mais no andamento do feito.

Com todo esse embaraço, mais uma vez é esquecido o desiderato de se alcançar um processo efetivo.

Não podemos nos esquecer, ademais, que a lei impõe [18], ainda, caso recaia sobre o bem penhorado ônus real, deve também ser intimado da hasta o credor titular do crédito garantido; apesar de já haver obrigação desse ser intimado da penhora do mesmo bem.

4.5 Insegurança na arrematação

Superados os obstáculos burocráticos acima esmiuçados, chega-se finalmente à hasta pública; visto que praticamente desconsideramos a instituição de usufruto como alternativa anterior ao procedimento da arrematação, visto as regras deste terem se mostrado divorciadas da realidade.

Pois bem, avaliados os bens; efetivados os cálculos, publicações e intimações necessárias; passa o Judiciário agora a exercer o papel de negociador, na medida em que se incumbirá de proceder a venda de bens com vistas a apurar recursos para saldar o crédito exeqüendo.

A negociação, segundo já vimos, de regra é à vista. Apenas por esse detalhe já se percebe o falência do instituto da arrematação nos moldes hoje positivados; pois em uma sociedade que cada vez mais privilegia o crédito, poucos estarão interessados em adquirir por preço pré-fixado (de avaliação em primeira hasta) um bem cujo congênere podem comprar à crédito no mercado privado.

Ultrapassado o óbice supra, não se pode esquecer que a transferência de propriedade operada pela arrematação é forçada. Portanto, o devedor, em hipótese alguma, concorda com tal ato; daí a real possibilidade deste manejar instrumentos processuais para tentar impedir que a arrematação se efetive.

O principal desses instrumentos é os embargos à arrematação, que podem ser manejados até 10 (dias) após a hasta. Logo, uma vez embargada a arrematação, o arrematante, que a essas alturas já pagou o preço pela aquisição, se vê na situação de não receber o bem, e ainda ficar com seu dinheiro preso, visto que o remédio processual enfatizado produz a suspensão da execução.

E não é só isso. O ato de alienação judicial também está sujeito ao ataque processual de terceiros (por exemplo: pessoas que se julguem detentores de direito de posse legal sobre o bem arrematado, cônjuge do executado etc.), através dos embargos de terceiros, que também tem o efeito de suspender os efeitos do ato de transferência.

Isto posto, nota-se que o riscos do arrematante são muitos. Aliás, de um mero figurante no processo executivo, pode-se ver como réu (podendo, caso seja procedente a demanda, responder solidariamente por custas e honorários advocatícios de sucumbência), visto que o adquirente também deve figurar como parte nos embargos acima mencionados, posto ser ele o novo proprietário do bem já arrematado.

Assim, julgamos pertinente a seguinte síntese, elaborada pelo professor Francisco Barros Dias (2004, p. 14), que muito bem demonstra a crise do instituto da arrematação:

Por outro lado, o Judiciário como "comerciante" é um verdadeiro desastre. Oferece à venda um bem de péssima qualidade (às vezes ele nem existe) por preço desconforme ao mercado; o pagamento tem de ser prévio e sem a certeza do bem ser recebido, nem as condições em que vai estar. Além do mais, fica sujeito a preferência do credor, embargos da arrematação, impugnações, decisões e recursos intermináveis, sem se falar que, na maioria desses atos, por mais simples que sejam, levam dias ou meses para sua realização, pelo acúmulo de serviço e falta de estrutura da máquina judiciária. Um desastre!

4.6 Ilusão da adjudicação

Não sendo bem sucedida a hasta pública abre-se o espaço para que o exeqüente possa adquirir o bem penhorado pelo preço da avaliação.

A adjudicação, pois, conforme pensamos, mais configura uma "proposta indecente" do legislador ao credor que se viu na necessidade de buscar o Estado-juiz para ver satisfeita sua pretensão do que uma solução para a ineficácia da execução judicial. Aliás, quando se dá a possibilidade de adjudicar ao credor este já pagou custas e mais custas, o bem já foi rejeitado pelo mercado em praça negativa; e, ainda, se impõe que este somente pode adquirir o bem pelo preço da avaliação. Logo, totalmente improdutivo e ineficaz o instituto da adjudicação nos dias atuais; mormente porque o credor que está interessado em ficar com o bem pode muito bem se apresentar como arrematante na segunda hasta e adquiri-lo por preço abaixo da avaliação.

Por fim, quanto aos instrumentos processuais que podem ser manejados pelo devedor e terceiros interessados para anular a adjudicação, considere-se como aqui transcrito praticamente tudo que foi dito no tocante à arrematação.

4.7 Remição de bens injustificável

Fazendo uma reflexão crítica sobre a remição de bens, podemos afirmar que simplesmente não vemos razão de ser para sua existência. Ora, se o devedor tem à sua disposição a faculdade de, a qualquer momento antes da arrematação ou da adjudicação, pedir a substituição do bem penhorado por dinheiro, por que iriam esperar seus parentes até que seja realizado o oneroso ato de alienação judicial para somente então exercerem o direito de remir?

Dessarte, se os parentes estivessem bem intencionados, poderiam muito bem repassar o dinheiro ao devedor, este substituiria o bem por dinheiro, e entregaria aquele a seu familiar.

A lei, todavia, não se norteia por esta lógica. Prefere sejam realizados todos os atos preparatórios e finais da expropriação, e somente após isso venha um parente do devedor (às vezes com o dinheiro do próprio devedor) remir o bem, tornando sem efeitos todo o trabalho realizado pelo Estado.


5 MUDANÇAS NECESSÁRIAS NO PROCEDIMENTO EXPROPRIATÓRIO PARA PRIVILEGIAR A EFETIVIDADE DO PROCESSO

5.1 Considerações iniciais

Que são necessárias mudanças no procedimento expropriatório adotado por nosso CPC, acreditamos ser isso um fato inegável. Assim sendo, cabe indagar quais são as adequações necessárias; e, ainda, enquanto não se muda a legislação, o que se pode fazer para otimizar a utilização da normatização hoje existente com intuito de privilegiar a efetividade processual. São com estes propósitos que articularemos as reflexões do Capítulo que ora se inicia.

Iremos, pois, com muita satisfação demonstrar que um trabalho sério já está sendo feito no sentido de reformular a sistemática da expropriação dos bens do executado; e, ao final, apresentar algumas sugestões para quê, enquanto não ingressam em nosso direito positivo as tão necessárias inovações, se possa pelo menos amenizar as mazelas do procedimento de alienação judicial.

5.2 Inovações na expropriação propostas pelo PL 4497/2004

O Projeto em destaque, consoante já declinado no Capítulo 1, trata, em sua maior parte, especificamente da execução por quantia certa com base em título executivo extrajudicial. Contudo, no tocante à expropriação, as normas propostas (uma vez aprovadas) aplicar-se-ão também a execução por quantia certa com base em título executivo judicial; pois apesar do PL 3253/2004 propor a inovação da integração entre processo de conhecimento e executivo no tocante às obrigações de pagar, assim como já ocorreu com as obrigações de outra espécie, com certeza será necessário se louvar nas normas de expropriação por ocasião da execução de sentença que determina pagamento, mesmo que seja no bojo de processo cognitivo.

Ante o exposto, percebe-se quão importante é o PL 4497/2004, visto trazer aos cultores do direito processual civil uma esperança, que já se esvazia nos últimos anos, do nosso direito positivo privilegiar um processo executivo com características de efetividade.

Porquanto, a seguir apresentamos as principais inovações propostas pelo Projeto multimencionado no tocante à expropriação, aí se incluindo desde o seu ato preparatório por excelência (avaliação) até a efetivação através dos meios de expropriação.

5.2.1 Avaliação determinada no mandado inicial

Sabemos que na sistemática atual a avaliação dos bens penhorados é um ato realizado já em fase adiantada do processo executivo; na maioria das vezes, após o julgamento dos embargos.

Pela proposta de alteração do CPC, as coisas irão mudar. O artigo 143 do CPC (caso aprovado o PL), que trata das atribuições do oficial de justiça, passará a ostentar o inciso V, pelo qual se atribuirá a tal profissional a incumbência de realizar avaliações. Nesse esteira, o artigo 652 trará previsão no sentido de que:

Art. 652. O devedor será citado para, no prazo de três dias, efetuar o pagamento da dívida.

§1º. Não efetuado o pagamento, munido da segunda via do mandado o oficial de justiça procederá de imediato a penhora de bens e sua avaliação, lavrando-se o respectivo auto e de tais atos intimando-se incontinenti o executado.

Portanto, a avaliação deverá ser feita concomitantemente com a penhora, e pelo próprio oficial de justiça. O PL, entretanto, antevê a possibilidade da avaliação ser de complexidade tal que não tenha o meirinho como realizá-la. Assim, na redação proposta do artigo 680 tem-se que: "[...] caso sejam necessários conhecimentos especializados, o juiz nomeará avaliador, fixando-lhe prazo não superior a dez dias para entrega do laudo".

5.2.2 Inovações na Intimação do executado para hasta pública

Conforme já vimos em outro Capítulo, a intimação do executado para realização da hasta pública, atualmente, deve ser pessoal ex vi art. 687, §5º. Com o projeto isso muda, pois propõe-se a alteração de referido parágrafo, passando este a ostentar a seguinte redação: "O executado terá ciência do dia, hora e local da alienação judicial por intermédio de seu advogado ou, se não tiver procurador constituído nos autos, por meio de mandado, carta registrada, edital ou outro meio idôneo". A viabilidade dessa modificação, no sentido de facilitar as intimações, ainda é assegurada pela inclusão de um parágrafo único no artigo 238 [19], com seguinte redação: "Parágrafo único. Presumem-se válidas as comunicações e intimações dirigidas ao endereço residencial ou profissional declinado na inicial, contestação ou embargos, cumprindo às partes atualizar o respectivo endereço sempre que houver modificação temporária ou definitiva".

Assim, caso sejam aprovadas as mudanças, estará impedido o executado de se utilizar de manobras variadas para evitar ser intimado da realização da alienação judicial, pois não se exigirá mais a intimação pessoal do mesmo. Além do mais, mesmo que este não tenha advogado constituído, bastará se mandar carta registrada para seu endereço para que se efetive a intimação.

5.2.3 Mudança dos meios de expropriação

Pela atual redação do art. 647, temos que os meios de expropriação dos bens do executado são: a) alienação de bens do devedor (através de arrematação); b) adjudicação; c) usufruto de imóvel ou de empresas.

Com o Projeto, tais meios passam a ser:

a)adjudicação;

b)alienação por iniciativa particular;

c)alienação em hasta pública;

d)usufruto de bem móvel ou imóvel.

5.2.4 Diferente utilização dos meios de expropriação

Consoante se conhece, o meio prioritário de expropriação (ressalvado o usufruto que pode ser requerido antes, mas que praticamente ninguém utiliza), atualmente, é a arrematação (alienação em hasta pública). Com o PL, isso muda. Passa a ser meio prioritário a adjudicação. Nesse passo, o artigo 686 passa a dispor o seguinte: "Não requerida a adjudicação e não realizada a alienação particular do bem penhorado, será expedido o edital de hasta pública [...]". Logo, somente se realizará a hasta pública (visando a arrematação), se os bens não forem antes adjudicados e nem forem objeto de alienação particular [20]; sendo esta última, nova modalidade de expropriação incluída pelo PL.

O fato acima é muito bem explicado na Exposição de Motivos da proposição legislativa.

Eis as explicações:

Quanto aos meios executórios, são sugeridas relevantíssimas mudanças. A alienação em hasta pública, de todo anacrônica e formalista, além de onerosa e demorada, apresenta-se sabidamente como a maneira menos eficaz de alcançar um justo preço para o bem expropriado. Propõe-se, assim, como meio expropriatório preferencial, a adjudicação pelo próprio credor, por preço não inferior ao da avaliação.

Não pretendendo adjudicar o bem penhorado, o credor poderá solicitar sua alienação por iniciativa particular ou através de agentes credenciados, sob a supervisão do juiz.

Somente em último caso far-se-á a alienação de hasta pública, simplificados seus trâmites (prevendo-se até o uso de meios eletrônicos) e permitido ao arrematante o pagamento parcelado do preço do bem imóvel, mediante garantia hipotecária.

5.2.5 O novo formato da adjudicação e a extinção da remição

O instituto da adjudicação, no formato hoje existente, diz respeito à possibilidade que o exeqüente ou outro credor legitimado legalmente tem de tomar para si, por preço não inferior ao da avaliação, o bem do executado que foi submetido a hasta pública, mas não foi alienado.

Então, a adjudicação somente é possível após ser mal sucedido o procedimento de arrematação.

Pelo Projeto em epígrafe, isso muda. Passa a adjudicação a ser meio expropriatório prioritário; e ainda, do qual podem ser beneficiados não somente os credores do executado, mas também os parentes do executado. É isso que se depreende dos seguintes dispositivos:

Art. 685-A. É lícito ao exeqüente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer lhe sejam adjudicados os bens penhorados.

[...]

§2º. Idêntico direito pode ser exercido pelo credor com garantia real, pelos credores concorrentes que hajam penhorado o mesmo bem, pelo cônjuge, pelos descendentes ou ascendentes do executado.

§3º. Havendo mais de um pretendente, proceder-se-á entre eles à licitação; em igualdade de oferta, terá preferência o cônjuge, descendente ou ascendente, nessa ordem.

Incluindo os parentes do devedor no rol de possíveis adjudicantes, o PL extingue o instituto da remissão de bens; extinção esta que é justificada na Exposição de Motivos do Projeto, conforme segue:

É abolido o instituto da "remição", que teve razão de ser em tempos idos, sob diferentes condições econômicas e sociais, atualmente de limitadíssimo uso. Ao cônjuge e aos ascendentes e descendentes do executado será lícito, isto sim, exercer a faculdade de adjudicação, em concorrência com o exeqüente.

5.2.6 Alienação por iniciativa particular

Como já dissemos, é criado um novo meio expropriatório: a alienação por iniciativa particular.

Frustrada a adjudicação (meio que passa a ser preferencial), poderá o exeqüente solicitar que o bem penhorado seja alienado por iniciativa dele ou por intermédio de corretor credenciado perante a autoridade judiciária.

Ao juiz caberá fixar o prazo em que a alienação deverá ser efetivada, a forma de publicidade, o preço mínimo (que será, pelo menos, o da avaliação), as condições de pagamento e as garantias, bem como, se for o caso, a comissão de corretagem.

A alienação será finalizada com a lavratura de termo nos autos, assinado pelo juiz, pelo exeqüente, pelo adquirente e, se for presente, pelo executado.

Deixa o Projeto, ademais, espaço para os tribunais expedirem provimentos detalhando o procedimento de alienação por iniciativa particular no âmbito de suas jurisdições.

5.2.7 A nova sistemática de arrematação

Caso não efetivada adjudicação ou alienação por iniciativa particular, somente aí se utilizará a hasta pública para se alienar os bens do executado; mas mesmo assim no novo formato que o Projeto pretende dar a este ato.

As modificações propostas no procedimento de arrematação são basicamente os seguintes:

a)Alienação via Internet: a hasta pública poderá, a pedido do exeqüente, ser realizada por meio da rede mundial de computadores, em procedimento ainda a ser regulamentado pelos Tribunais de Justiça e Conselho da Justiça Federal;

b)Aumento do prazo para pagamento do preço: o prazo de três dias para pagamento à prazo, mediante caução, do preço da arrematação é aumentado para quinze dias;

c)Alienação à prestação de imóveis: tratando-se de imóvel, autoriza-se a alienação do mesmo a prestações, por preço nunca inferior ao da avaliação, e pagando-se pelo menos trinta por cento à vista, sendo o restante garantido por hipoteca sobre o próprio imóvel;

d)Lavratura imediata do auto de arrematação: no atual regime do CPC é necessário esperar vinte e quatro horas para a lavratura do auto de arrematação; pela proposta, isso não mais ocorre (dada a extinção do instituto da remição), devendo o auto ser lavrado imediatamente após a arrematação.

e)Manutenção da alienação em caso de procedência dos embargos do devedor: considerando que os embargos à execução agora, de regra, não têm mais efeito suspensivo, o PL prevê que (art. 694), em caso de arrematação, "Assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo serventuário da justiça ou leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável, ainda quem venham a ser julgados procedentes os embargos do executado"; portanto, fica resguardada a estabilidade do ato expropriatório.

5.2.8 Mudanças nos embargos à arrematação/adjudicação

Os embargos à arrematação ou à adjudicação continuam sendo possíveis, porém com algumas alterações.

O artigo 746, conforme proposto no PL, passará a ter a seguinte redação:

É lícito ao executado, no prazo de cinco dias, contados da adjudicação, alienação ou arrematação, oferecer embargos fundados em nulidade da execução, ou em causa extintiva da obrigação, desde que superveniente à penhora, aplicando-se, no que couber, o disposto neste Capítulo.

Propõe-se, pois, a redução do prazo para interposição dos embargos em tela, visto que atualmente é de dez dias.

Segundo entendemos, ainda, tais embargos passam a não mais ter efeito suspensivo, pois é previsto no artigo 746 que a eles se aplicará o disposto no Capítulo em que está inserido, qual seja: o que trata dos embargos do executado. Logo, se os embargos à execução passarão a não ter mais, de regra [21], efeito suspensivo, o mesmo se aplicará aos embargos à arrematação e à adjudicação.

Outra alteração importante no instituto sob foco diz respeito ao fato que, uma vez manejados tais embargos, pode o adquirente desistir da aquisição do bem cuja alienação está sendo atacada, com imediata liberação do valor que eventualmente tenha pago; ficando, portanto, evidente que nenhuma sanção terá o desistente, posto que a lei considera justo motivo para a desistência a ocorrência mencionada.

É previsto, ainda, que caso os embargos à arrematação ou à adjudicação sejam considerados manifestamente protelatórios, deverá ser imposta ao embargante multa não superior a vinte por cento do valor da execução, que será revertida em favor de quem desistiu da aquisição.

5.2.9 Avaliação das mudanças propostas pelo PL 4497/2004

Acreditamos que as mudanças propostas pelo PL em exame são extremamente necessárias. Desconfiamos, todavia, que as mesmas não serão suficientes para atingir o objetivo central pretendido, qual seja: a efetividade integral do processo de execução por quantia certa.

Não sabemos, pois, se realmente irá dar certo a instituição de regras como: a) atribuir incumbência de realizar avaliações a oficial de justiça; e b) dar amplas possibilidades do devedor requerer substituição do bem penhorado.

No primeiro caso, porque temos dúvida se aquele profissional está realmente preparado para assumir tal incumbência; o que poderá acarretar a produção de avaliações mal feitas, susceptíveis de serem facilmente anuladas via impugnação ou recurso; o que acabará criando embaraços no processo executivo.

Quanto às amplas possibilidades de requerer substituição do bem penhorado, referimo-nos à previsão inserta no artigo 668 (conforme PL), que assim se expressa:

Art. 668. O executado pode, no prazo de dez dias após intimado da penhora, requerer a substituição do bem penhorado, desde que comprove cabalmente que a substituição não trará prejuízo algum ao exeqüente e será menos onerosa para ele devedor (art. 17, IV e VI, art. 620).

Porquanto, na medida em que o PL retira do executado a possibilidade de nomear bens à penhora, visto autorizar seja feita a imediata penhora caso não haja pagamento do débito, dá ao devedor a possibilidade de, no prazo de dez dias, pedir a substituição do bem penhorado. Desse jeito, teremos um incidente processual a mais na execução.

Entendemos, por outro lado, que deve ter sido incluída esta disposição no Projeto para se reverenciar o princípio de que a execução deve ser feita da maneira menos gravosa para o devedor; pois há referência expressa, conforme se nota na transcrição ao norte, ao artigo 620 do CPC. Vislumbramos, ainda, que os autores do Projeto anteviram a possibilidade desse pedido de substituição ser utilizado com intuito procrastinatório, pois inseriram referência ao artigo 17 [22], IV e VI, do CPC. Sabemos, no entanto, que a aplicação de pena por litigância de má-fé a que se refere o artigo 17 não tem sido muito eficaz no combate a condutas processuais malévolas. Assim, conforme cremos, deveria ter sido feita ao menos referência ao artigo 600 [23], II, dando ao juiz possibilidade de aplicação de pena por atos atentatórios à dignidade da justiça àquele que pedisse a substituição de bens penhorados com o intuito de criar embaraço ao andamento do processo executivo.

Em um balanço geral, não obstante, vemos como extremamente benéficas as alterações propostas pelo PL 4497/2004; pelo quê rogamos para que nossos políticos não destruam (com emendas e mais emendas assistemáticas) a arquitetura jurídica laborada pelos propositores do Projeto.

5.2.10 Manutenção da aplicação do artigo 486 do CPC aos atos expropriatórios

Outra crítica que temos a fazer ao PL multicitado diz respeito ao fato de que este não faz qualquer referência ao artigo 486 do CPC; dispositivo este que autoriza sejam anulados os atos de alienação judicial (através de ação anulatória) mesmo após expirados os prazos para os embargos à arrematação/adjudicação ou embargos de terceiros. Acreditamos, pois, que deveria ter sido aproveitada a oportunidade e logo se incluir disposição que garantisse a estabilidade do ato expropriatório, à semelhança com o que contém no PL concernentemente ao artigo 694, no qual se assegura que mesmo sendo julgados procedentes os embargos à execução (que pelo Projeto passa a não ter mais, de regra, efeito suspensivo) ainda assim será assegurada a eficácia da arrematação.

Isto posto, conforme pensamos, necessário se faz uma ressalva legal que garanta a segurança do ato expropriatório, imunizando o adquirente de futuras ações pleiteando a nulidade do ato.

5.3 Necessidade de outras mudanças no procedimento expropriatório

Pelo que temos expressado no decorrer do presente estudo, somos muito otimistas com os resultados que serão alcançados após a aprovação dos PL’s que ora tramitam no Congresso Nacional visando reformular nosso processo executivo.

Desse jeito, e consideradas as ressalvas que fizemos no tópico anterior, acreditamos que a melhor atitude, por hora, é participar ativamente das discussões ainda em andamento no Poder Legislativo sobre os referidos Projetos; e ainda, zelar para que estes sejam aprovados o mais rápido possível, pois a atual sistemática executiva do nosso CPC está simplesmente falida.

Ademais, após aprovados e colocados em prática os mencionados Projetos é que saberemos a viabilidade ou não dos mesmos, e detectaremos eventuais necessidades de ajustes. Agora, nesse momento, cabe à sociedade brasileira (mormente aos operadores do direito); unicamente visualizar as experiências frustrantes anteriores e aproveitar esse momento ímpar de mudanças para participar da arquitetura de uma reforma que, pelo menos abstratamente, atenda os anseios de efetividade do processo executivo. Aliás, conforme ponderou o Dr. Marcio Thomaz Bastos (Exmo. Sr. Ministro da Justiça) na Exposição do Motivos do PL 4497/2004: "A execução permanece o ‘calcanhar de Aquiles’ do processo. Nada mais difícil, com freqüência, do que impor no mundo dos fatos os preceitos abstratamente formulados no mundo do direito".

5.4 Sugestões para otimização da expropriação enquanto não efetivadas as mudanças legislativas

É muito complicado se encontrar, no emaranhado de regras existentes em nosso CPC, um caminho para privilegiar a efetividade do processo executivo no procedimento expropriatório. Aliás, é missão quase que impossível; e justamente por isso tanto se pugnou no andamento do presente trabalho por mudanças legislativas. Contudo, nos arriscaremos a formular algumas sugestões, conforme segue.

5.4.1 Maior utilização da alienação antecipada

Não sabemos a razão pela qual nossos juízes são tão receosos em utilizar o instituto da alienação antecipada.

Ora, muito claro está o artigo 670 do CPC, que o juiz poderá autorizar a alienação antecipada quando os bens penhorados estiverem sujeitos a deteriorização ou depreciação; ou, ainda, quando houver manifesta vantagem. E não precisa, conforme vimos no Capítulo 2, o executado concordar com a providência. O juiz deve, por óbvio, dar oportunidade para ele se manifestar, mas mesmo ele discordando, o magistrado em decisão fundamentada pode ir contra as alegações do devedor.

Na prática, todavia, notamos que são raros os casos de venda antecipada, apesar de serem muitas as situações em que bens são deteriorados ou depreciados no curso do processo executivo, chegando à hasta pública praticamente sem valor comercial.

Outro detalhe importante, que parece está passando desapercebido pelos nossos magistrados é que a venda antecipada pode ser determinada mesmo na pendência de embargos á execução (ASSIS, 2000, p. 603).

Não há motivo, pois, para nossos juízes terem tanto temor de deferir um pedido formulado pelo credor de alienação antecipada de bem penhorado somente porque o devedor não concorda com tal ato.

5.4.2 Correta ponderação acerca do conceito de preço vil

Sabemos que em segunda hasta o bem pode ser vendido por valor abaixo da avaliação; conquanto, alguns juízes têm critérios bem peculiares para julgarem ser um preço proposto vil ou não nessa ocasião. Existem magistrados que até entendem ser preço vil qualquer preço abaixo da avaliação. Ora, isso é um despropósito. É querer não realizar o ato expropriatório.

O STJ, em entendimento que concordamos plenamente, tem considerado preço idôneo (aceitável para arrematação em segunda hasta) o valor correspondente a pelo menos cinqüenta por cento do valor da avaliação. Acreditamos, dessarte, ser este um critério a ser seguido pelos nossos magistrados de primeiro grau.

Eis um aresto que exemplifica a informação acima:

EXECUÇÃO – ARREMATAÇÃO – IMÓVEL – "PREÇO VIL"- CONCEITO.

1.O conceito de preço vil resulta da comparação entre o valor de mercado do bem penhorado e aquele da arrematação.

2.Em se tratando de arrematação de imóveis, presume-se vil o lance inferior a 50% do valor da avaliação atualizado. O respeito aos arts. 620 e 692 do CPC exige a atualização dos valores dos bens que irão à hasta pública.

3.Recurso provido.

(STJ, 1ª Turma, RESP 448575/MA, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 26.08.2003, DJ 22.09.2003)

5.4.3 Penhora de dinheiro

Outro ponto a ser destacado diz respeito ao receio que a maioria de nossos julgadores têm de investigar quanto à existência de depósitos bancários em nome dos executados. Acabando por condenar à ineficácia a norma que ordena no sentido de que a penhora deve recair, preferencialmente, sobre dinheiro.

Por nosso lado, não vemos motivo para nossos juízes não cumprirem o disposto no artigo 655 do CPC, a pretexto de proteger o sigilo bancário dos executados.

Assim, enquanto assistimos a Justiça do Trabalho por em prática um sistema de penhora on-line, na Justiça Comum presenciamos devedores que só nomeiam à penhora os bens que lhes convier; e quando o credor, para resistir a isso, invoca a ineficácia de nomeação, pedindo sejam expedidos ofícios a instituições financeiras para se averiguar a existência de recursos em nome do executado, com vistas a efetivar a penhora sobre os mesmos (obedecendo à ordem do artigo 655 do CPC), simplesmente tal pleito é indeferido a pretexto de que a execução deve ser feita de maneira menos gravosa ao devedor. Esquecem nossos magistrados, entretanto, que a par do princípio de menor sacrifício do executado também existe o princípio da máxima utilidade da execução, o qual é muito bem explicado por Wambier (2004, p. 139/140):

Normalmente se aponta como peculiaridade do processo executivo a diretriz pela qual a execução deve redundar em proveito do credor, no resultado mais próximo que se teria caso não tivesse havido a transgressão de seu direito. Essa orientação, porém, não é mais do que desdobramento do princípio da máxima utilidade da atuação jurisdicional, sintetizada na célere afirmação de que o processo deve dar a quem tem direito tudo aquilo e exatamente aquilo a que tem direito, inerente à garantia da inafastabilidade da adequada tutela jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV).

Ora, o credor de obrigação de pagar tem direito a quê [24]? Claro que é dinheiro.

Então, nada mais justo que a penhora recaia sobre o bem que o devedor deixou de entregar ao credor.

5.4.4 Necessidade de efetiva aplicação do artigo 739, §2º, do CPC

Notamos que tem passado desapercebido por muitos credores e magistrados o disposto no artigo 739, §2º, do CPC, que assim se expressa: "Quando os embargos forem parciais, a execução prosseguirá quanto à parte não embargada".

Está muito claro o disposto no CPC: quando os embargos versarem, por exemplo, somente quanto a parte da dívida, seja esta parte principal ou acessória; deve prosseguir a execução quanto à parte não embargada.

Percebemos, porém, uma certa resistência em se cumprir o postulado legal. Dessa forma, temos assistido execuções ficarem no aguardo do julgamento dos embargos parciais para poderem prosseguir com a avaliação e alienação dos bens penhoradas. Fato este que é, conforme pensamos, simplesmente absurdo. Logo, em uma execução cujos embargos são manejados para discutir somente juros, multa e outros acessórios, não se justifica paralisar totalmente o processo principal somente para apreciar a defesa do devedor.


CONCLUSÃO

Percorridos os meandros do procedimento expropriatório, utilizando-se uma metodologia através da qual partimos de uma investigação genérica do processo executivo, demonstrando as deficiências e mudanças legislativas já empreendias e as que se encontram ainda em andamento, chegando até a uma análise crítica específica da expropriação nos moldes positivados, podemos concluir o seguinte:

a)o processo executivo está sofrendo, hodiernamente, imensas mudanças com vistas a lhe proporcionar maior efetividade;

b)os atos expropriatórios, tal qual regulados no CPC, devem ser urgentemente revistos, pois é inadmissível que uma execução que já ultrapassou a fase cognitiva dos embargos ainda se arraste por anos e anos para satisfazer a pretensão do exeqüente;

c)um processo executivo deficiente causa insegurança jurídica, e, por conseguinte, insegurança negocial, na medida em que não se pode pactuar livremente obrigações sem ter a certeza de que, em caso de inadimplemento, ter-se-á um sistema processual ágil para forçar o devedor a cumpri-la;

d)mesmo diante das regras vigentes do CPC dá para se encontrar alternativas viáveis que pelo menos amenizem as deficiências da execução por quantia certa contra devedor solvente; mas para isso, necessário se faz repensar a cultura que atualmente impera em nosso Judiciário, qual seja: que o devedor deve ter as melhores condições (independentemente do sacrifício do credor), mesmo em sede de expropriação, para solver sua obrigação.

Assim, a investigação científica que ora se conclui traz um diagnóstico, mesmo que modesto, da situação do processo executivo em nosso país; demonstrando a imperiosa necessidade de mudanças legislativas, que felizmente já encontram-se em andamento.

In fine, cabe-nos apenas desejar que com os "novos tempos" que se anunciam no processo executivo, os nossos julgadores também se imbuam do espírito que norteia as inovações: a busca da efetividade processual.


OBRAS CONSULTADAS

THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execução. 19ª ed. rev. e atualizada. São Paulo : Editora Universitária de Direito, 1999.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 22ª ed. vol. II. Rio de Janeiro : Forense, 2000.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. 6ª ed. rev. e atualizada. São Paulo : RT, 2004.

NERY JUNIOR, Nelson, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis, vol. 4. São Paulo : RT, 2001.

ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 6ª edição. São Paulo : RT, 2000.

LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Embargos à execução. São Paulo : Saraiva, 1996.

JUNIOR, Nelson Nery, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 7ª edição. São Paulo : RT, 2003.

MILHOMENS, Jonatas, ALVES, Geraldo Magela. Manual das execuções. Rio de Janeiro : Forense, 1999.

SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil, v. 2. 6ª edição. São Paulo : Saraiva, 1998.

DIAS, Francisco Barros. A busca da efetividade do processo. Disponível em: www.jfrn.gov.br/docs/doutrina126.doc. Acesso em 20.05.2004, às 14:28h.

PASSOS, J.J. Calmon de. A Crise do Processo de Execução. Disponível em: www.juiz.berlange.nom.br/artigos/Q1.asp?arq=CrPrExecucaoCP.htm. Acesso em 20.05.2004, às 14:50h.

WAMBIER, Luiz Rodrigues, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações sobre a efetividade do processo. Consulex, Brasília, DF, ano VII, nº 150, p. 52-55, 15/04/2003.

DINIZ, José Janguiê Bezerra. A efetividade do processo como instrumento de cidadania. Consulex, Brasília, DF, ano VII, nº 155, p. 40-44, 30/06/2003.

NEGRÃO, Theotonio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 34ª ed. São Paulo : Saraiva, 2002.

GARCEZ, Christianne. Direito civil – parte geral. 2ª ed. Rio de Janeiro : Impetus, 2003.

MARINONI, Luiz Guilherme. Novidades na execução por expropriação. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 628, 28 mar. 2005. Disponível em: jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=6518. Acesso em: 28 mar. 2005.


NOTAS

01 Que, infelizmente, ainda não é o caso do nosso país; pois, conforme entendemos, ainda estamos longe de termos, na prática, um processo de conhecimento efetivo.

02 Que se desdobra, no mesmo Capítulo do CPC, em execução para entrega de coisa certa e execução para entrega de coisa incerta.

03 O site do Ministério da Justiça (www.justiça.gov.br) noticiou em 17/12/2004 que a expectativa do governo é que a tramitação do PL 4497/2004 seja rápida, visto o regime de prioridade a que está submetido.

04 Assim se expressa o MJ na Exposição de Motivos: "o Livro II passa a regrar somente as execuções por título extrajudicial, cujas normas, todavia, aplicar-se-ão subsidiariamente ao procedimento de ‘cumprimento’ da sentença, conforme regra constante do primeiro projeto já em tramitação na Câmara dos Deputados" (Fonte: www.camara.gov.br/sileg/integras/252414.htm, acesso em 22/04/2005, às 15:00 h.

05 Inserindo-se o parágrafo único no artigo 650 do CPC: "Também pode ser penhorado o imóvel considerado bem de família, se de valor superior a mil salários mínimos, caso em que, apurado o valor em dinheiro, a quantia até aquele limite será entregue ao devedor, sob cláusula de impenhorabilidade".

06 Orientação que permanece no PL sob comento.

07 JTA 61/134; RT 593/235, 598/198, 613/122, JTA 60/134, 120/371, Lex-JTA 168/289, JTAERGS 103/341.

08 O artigo 739-A passará a prever que: "Os embargos do executado não terão efeito suspensivo. §1º O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando, sendo relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes".

09 Conforme entendemos, esta aceitação pode ser tácita ou expressa. Quer dizer, sendo chamado o credor para se manifestar sobre a nomeação de bens apresentada pelo devedor, e silenciando ante tal chamado, aceita tacitamente a estimativa. Se, ainda, diz que aceita o bem nomeado, mas nada fala sobre o valor atribuído, igualmente aceita tacitamente a estimativa.

10 Conceito formulado com base em Enrico Tullio Liebman – "Processo de Execução", 3ª ed., nº 75, pág. 125.

11 Há discussão na doutrina e na jurisprudência se a natureza do pronunciamento judicial que decide o conflito surgido entre legitimados interessados na adjudicação do mesmo bem seria propriamente sentença ou decisão interlocutória. Tal debate torna-se relevante principalmente para se definir o recurso cabível ao caso; não tendo se chegado, ainda, a um consenso.

12 Milhomens e Alves (1999, p. 271), citando Pires dos Santos, frisam que: "a arrematação e a adjudicação estarão maculadas pela nulidade sempre que a arrematação ou a adjudicação forem levados a efeito com desvio dos desígnios processuais da execução, como, por exemplo: a) falta de citação do executado; b) publicação dos editais em desconformidade com a lei; c) praça ou leilão ordenado por juiz incompetente; d) realização de praça ou leilão sem a presença do juiz e do escrivão; ou e) realizado por quem se diz leiloeiro, porteiro dos auditórios, funcionário da justiça autorizado, sem o ser; f) arrematação ou adjudicação de imóvel não pertencente ao devedor ou a seu fiador; g) arrematação pelo juiz do processo ou por outra pessoa impedida por lei (Processo de Execução, nº 801, p. 519).

13 Comprovada a intimação da assinatura do auto de arrematação, intempestivos os embargos apresentados (STJ, RESP 28959, rel. Min. Cláudio Santos, j. 13.12.1993, DJU 14.03.1994, p. 4520).

14 O referido autor assim expressa seu pensamento: "Se, porém, houve embargos à arrematação, à adjudicação ou à remição, e o feito se encerrou por sentença de mérito, confirmatória da validade da alienação judicial, é claro que, então, somente por meio de ação rescisória se admitirá reabertura de discussão sobre a matéria. Isto porque ditos embargos representam ação de conhecimento, de natureza contenciosa, cujo julgamento tem aptidão para gerar a res judicata material".

15 Inclusive, a remição não é citada como forma de expropriação no artigo 647 do CPC.

16 Diz referido parágrafo que, se o credor for beneficiário da justiça gratuita, a publicação será feita no órgão oficial.

17 Já decidiu o STJ que: "Embora a lei não especifique que se deva fazer a intimação do executado, através de mandado pessoal, esta tem lugar em face do princípio da equidade, tornando-se como ‘última oportunidade ao devedor para remir o bem executado, acrescido dos consectários legais" (STJ, Resp 7501-SP, 2ª T., rel. Min. José de Jesus Filho, j. 19.8.1991, DJU 9.9.1991, p. 12182).

18 Conforme entende firme corrente doutrinária (Wambier, 2004, p. 219)

19 Cujo caput assim dispõe: "Art. 238. Não dispondo a lei de outro modo, as intimações serão feitas às partes, aos seus representantes legais e aos advogados pelo correio ou, se presentes em cartório, diretamente pelo escrivão ou chefe de secretaria".

20 Podendo, somente em casos excepcionais, o juiz atribuir tal efeito.

21 "Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que: [...] IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo; [...] VI – provocar incidentes manifestamente infundados; [...]". O valor da multa para o litigante de má-fé é de até 1% (um por cento) do valor causa; podendo ser determinada, ainda, a indenização por prejuízos sofridos pelo prejudicado pela conduta, até o limite de 20% (vinte por cento) do valor da causa.

22 Art. 600. Considera-se atentatório à dignidade da justiça o ato do devedor que: [...] II- se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos; [...]". A pena para tal conduta é multa de até 20% (vinte por cento) do valor atualizado do débito em execução.

23 Aqui afirmamos que ele tem direito porque há uma presunção a favor dele, visto que possui um titulo líquido, certo e exigível.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Gecivaldo Vasconcelos. A expropriação na execução por quantia certa e a efetividade do processo executivo. Abordagem em consonância com os PL nº 3253/2004 e nº 4497/2004. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 744, 18 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7015. Acesso em: 5 maio 2024.