Observações:
1.os comentários feitos relativamente ao PL 3253/2004 tomam por base a redação do mesmo aprovada na Câmara Federal, visto que até 24/06/2005 (data da atualização do presente texto), o PL ainda está tramitando no Senado Federal;
2.os comentários atinentes ao PL 4497/2004 tomam por base a redação inicial apresentada junto à Câmara Federal, visto que este ainda (até 24/06/2005) não foi aprovado em nenhuma das Casas do Congresso Nacional.
RESUMO
Trata o presente trabalho sobre a expropriação na execução por quantia certa, entendendo-se esta como o ato estatal coativo através do qual o Judiciário aliena bens do devedor com vistas a satisfazer obrigação de pagar inadimplida. Referida abordagem é feita sob o prisma da efetividade do processo, demonstrando-se as dificuldades existentes no nosso sistema processual para a satisfação de um crédito exeqüendo, mormente se diz respeito a uma obrigação de pagar. Além da investigação com vistas a identificar as dificuldades referidas, faz-se ainda uma abordagem acerca das mudanças legislativas em andamento que objetivam senão eliminar, mas pelo menos amenizar os óbices existentes para o bom andamento do processo de execução da espécie evidenciada. Procura-se, ademais, sugerir condutas para otimização dos procedimentos expropriatórios, mesmo antes da vigência das mudanças legislativas que ora encontram-se em andamento no Congresso Nacional.
Palavras-chave:Expropriação – Efetividade – Processo
INTRODUÇÃO
A atual sistematização do processo de execução civil brasileiro é extremamente bem arquitetada; dando amplas possibilidades recursais, e descendo a minúcias no sentido de regular detalhe por detalhe os procedimentos.
A afirmação acima pode parecer contraditória ante a uma proposta de estudo que visa justamente identificar falhas no nosso processo executivo, demonstrar as iniciativas de mudanças, e propor possíveis soluções. Contudo, não existe contradição in casu, pois é verdade sim que o nosso processo de execução, formalmente falando, beira a perfeição.
O Direito, porém, não vive somente de formalismos e abstrações. Quem foi lesado em seus interesses, e que precisa do Estado para executar uma pretensão líquida, certa e exigível; não quer saber dos ritos formalmente perfeitos (mas materialmente improdutivos), quer saber sim das melhores formas de poder alcançar o bem da vida pretendido, que está sendo-lhe injustamente sonegado. E nesse desiderato, nosso processo de execução tem se revelado um desastre. A morosidade e onerosidade aparentemente passaram a ser seus principais princípios.
Logo, o trabalho no qual ora se tecem as considerações preambulares mostra-se absolutamente pertinente na conjuntura processual de nossa pátria.
Assim, considerando que o processo de execução por expropriação possui três fases (proposição, instrução e pagamento); e considerando que cada fase possui um conjunto de atos que lhes compõem, e ainda, que seria extremante extenuante tratarmos de todas as fases, foi que escolhemos abordar unicamente os atos expropriatórios (que estão situados dentro da fase de instrução) sob o foco da efetividade do processo, como forma de dar uma pequena contribuição ao estudo da execução civil.
Fizemos a abordagem em cinco Capítulos, quais sejam:
1º) A efetividade do processo de execução: onde demonstramos o contexto atual do processo de execução no Brasil (destacando as mudanças recentemente empreendidas e aquelas que ainda estão em andamento), e defendemos a extrema necessidade deste se nortear pelo princípio da efetividade processual;
2º) A expropriação na execução por quantia certa contra devedor solvente: no qual esmiuçamos a estruturação do processo da espécie evidenciada, visto ser este o principal foco do nosso trabalho, especificamente em seu momento expropriatório propriamente dito, e ainda nesse Capítulo, trabalhamos acerca da avaliação como procedimento preparatório para a expropriação;
3º) Arrematação, adjudicação, usufruto executivo e remição de bens: aqui examinamos os meios de expropriação evidenciados no artigo 647 do CPC, e mais a remição de bens, que apesar de não constar em tal dispositivo, nós poderíamos dizer que é um meio sui generis de expropriação;
4º) Entraves na alienação judicial de bens do executado: fiéis aos objetivos colimados, aqui passamos a identificar os principais empecilhos para o bom desenrolar da expropriação.
5º) Mudanças necessárias no procedimento expropriatório para privilegiar a efetividade do processo: nesse ponto nosso estudo encontra seu ápice, pois nesse Capítulo cogitamos as mudanças necessárias para sanar as deficiências da expropriação, expondo inclusive as modificações legislativas em andamento que visam lhe dar maior efetividade.
Ex positis, esclarecidos os postulados basilares em que se sustenta a abordagem que ora se inicia, fica preparado o terreno para o aprofundamento da temática escolhida, labor este que será levado a efeito nas páginas subseqüentes.
1 A EFETIVIDADE DO PROCESSO DE EXECUÇÃO
1.1.A necessidade de um processo de execução efetivo
Processo efetivo nada mais é do que aquele que consegue não somente reconhecer um direito material em tempo hábil, mas também proporcionar ao seu titular o exercício de tal direito.
Acreditamos, pois, esclarecer a exata noção de efetividade do processo os ensinamentos de Luiz Wambier e Teresa Wambier (2003, p. 54) abaixo transcritos:
O direito ao processo, portanto, com o tônus da efetividade, pertence ao conjunto desses direitos, ditos fundamentais, que estão ligados ao conceito de dignidade humana, princípio sobre o qual está assentada a estrutura do Estado brasileiro (art. 1º, inc. III, da Constituição Federal).
[...]
É reconhecida por todos a natureza instrumental do processo diante dos direitos que visa a assegurar em juízo. A instrumentalidade, como "marca" do processo, leva a que dele se espere resultado absolutamente compatível com o objetivo perseguido pela parte que vai a juízo. Resultado diverso, isto é, que não respeite a máxima de que o processo deve proporcionar à parte exata e precisamente aquilo que ela obteria se do processo não necessitasse (i.é, se a obrigação fosse pela outra parte cumprida espontaneamente), determina a "frustração" do sistema.
Portanto, a efetividade do processo decorre da sua própria natureza instrumental sem perder de vista o fator temporal. Processo efetivo, pois, é aquele que proporciona a rápida e integral satisfação da justa pretensão deduzida em juízo; ou ainda, que possibilita a entrega da prestação jurisdicional em tempo hábil e de forma justa.
Aliás, como alerta LUCON (2001, p. 877):
É sabido e ressabido que a prestação jurisdicional intempestiva de nada ou pouco adianta para a parte que tem razão, constituindo verdadeira denegação de justiça; como efeito secundário e reflexo, a demora do processo desprestigia o Poder Judiciário e desvaloriza todos os operadores do direito. O processo com duração excessiva tem efeitos sociais graves, já que as pessoas se vêem desestimuladas a cumprir a lei, quando sabem que outras a descumprem reiteradamente e obtêm manifestas vantagens, das mais diversas naturezas.
Destarte, em um processo de conhecimento que não se norteie pela efetividade, a prestação jurisdicional é demorada e não garante a justa composição da lide, muitas vezes negando o direito material àquele que o possui.
Já em um processo de execução que não seja efetivo, o Estado, mesmo já sendo líquido e certo o direito, não consegue fazer com que seu titular a ele tenha acesso de maneira rápida e integral.
Portanto, de nada adianta um Judiciário que com rapidez e justiça diga a quem pertence um direito, se não consegue transformar tal pronunciamento em um bem da vida. Logo, pouco resolve termos um processo de conhecimento efetivo [1], se não tivermos um processo de execução com a mesma característica.
Hodiernamente, após diversas mudanças já feitas no processo de conhecimento, principalmente dando amplas possibilidades para a concessão de medidas antecipatórias (na forma de cautelares ou de antecipação de tutela), surge como grande desafio a adequação da legislação processual relativa à execução.
De outra banda, é bem verdade que somente a mudança da legislação não fará com que, como em um "passe de mágica", passemos de um processo moroso e dispendioso para um processo efetivo. Contudo, a adequação legislativa é uma fase a ser transposta para que cheguemos ao objetivo maior almejado pela sociedade, qual seja: um processo que permita a rápida e justa composição de uma lide, com a entrega não somente virtual, mas real da prestação jurisdicional.
Assim, de tudo que foi dito ao norte, uma verdade nítida pode ser extraída: um sistema processual que não permita, através de uma execução efetiva que o credor tenha acesso (e em lapso temporal razoável) a um direito líquido e certo de que é titular, resta como totalmente prejudicado, pois garantir plenamente um direito não se restringe unicamente em reconhecê-lo judicialmente, mas engloba, e principalmente, forçar o devedor ao cumprimento da obrigação já reconhecida.
1.2 Modificações recentes no processo de execução
Conforme se pode extrair do próprio Código de Processo Civil Brasileiro, temos as seguintes espécies de execução:
a)execução para a entrega de coisa [2] (artigos 621 a 631);
b)execução das obrigações de fazer e de não fazer (artigos 632 a 645);
c)execução por quantia certa, que se desdobra em:
c.1) execução por quantia certa contra devedor solvente (artigos 646 a 731); e
c.2) execução por quantia certa contra devedor insolvente (artigos 748/786-A)
Recentemente, foram introduzidas grandes mudanças no processo de execução das obrigações de fazer e de não fazer, e na execução das obrigações para a entrega de coisa. Tal se operou pelas normas inseridas no CPC por força da Lei nº 10.444, de 07.05.2002, que alterou os seguintes dispositivos, todos insertos no Livro II – Do Processo de Execução: artigo 621 (modificações no caput, e inclusão de um parágrafo único); artigos 624, 627 (modificação apenas dos seus parágrafos 1º e 2º) e 644.
Agora, a grande inovação no processo civil de execução (operada pela Lei nº 10444/2002), conforme acreditamos, não foi propriamente no Livro II, mas sim no Livro I – Do Processo de Conhecimento, com a modificação do parágrafo 5º, e inclusão do parágrafo 6º, ambos do artigo 461; e com a inclusão do artigo 461-A.
O artigo 461, parágrafo 5º; pertinente às ações que tenham por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (dispositivo que também se aplica às obrigações de entrega de coisa ex vi artigo 461-A, parágrafo 3º) autoriza o seguinte:
Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
Com fulcro no dispositivo referenciado, conquanto, pode o juiz (de ofício ou a requerimento) impor multa à parte demandada em ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa, no intuito de forçá-lo a cumprir imediatamente o provimento jurisdicional. É a integração do processo de conhecimento com a execução, tornando desnecessária uma execução autônoma quando a sentença cognitiva determinar o cumprimento de uma obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa. A sentença do processo de conhecimento passa a ter o chamado efeito executivo.
Logo, com as alterações operadas no artigo 461, e com a introdução do artigo 461-A, fica esvaziada a execução (enquanto processo autônomo), baseada em título judicial, das espécies de obrigações mencionadas no parágrafo anterior.
Destaque-se, outrossim, que legislador, através da Lei nº 10444/2002, foi mais longe ainda no intuito de privilegiar a efetividade do processo ao modificar a redação do parágrafo 3º, do artigo 273, do CPC, que passou a determinar o seguinte: "A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas no arts. 588, 461, parágrafos 4º e 5º, e 461-A". Portanto, se o juiz conceder tutela antecipada de obrigação de fazer, não fazer ou de entrega de coisa, poderá já na decisão interlocutória engendrar mecanismos no sentido de garantir o efetivo cumprimento do provimento judicial, como faria somente na sentença final de mérito.
Alerte-se, ademais, que os mecanismos constantes nos artigos 461, 461-A e 273, que foram objeto das considerações pretéritas, são manejáveis somente em se tratando de execução de sentença, pois quando a execução for de título extrajudicial, esta deverá ser procedida na forma dos artigos 621/631 (em se tratando de obrigação de entregar coisa) e dos artigos 632/645 (em se tratando de obrigação de fazer e de não fazer).
Assim, inegável que, hoje, os mecanismos processuais existentes para garantia de um efeito prático rápido nas execuções das obrigações multimencionadas, outorgadas via sentença, privilegiam a efetividade do processo; tendo o Poder Judiciário e o credor instrumentos eficientes no sentido de forçar o devedor a cumprir sua obrigação.
Nesse ponto, começa-se a perceber que os esforços legislativos com o intuito de modernizar nosso processo executivo começam a render frutos. Observe-se, todavia, que a maior parte das execuções existentes não são de obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa, mas sim de obrigações de pagar, ou seja, são execuções por quantia certa. E aí está, ainda, o grande desafio dos nossos legisladores, qual seja: tornar nossa legislação processual eficiente no sentido de garantir ao credor de quantia certa o recebimento de seu crédito. Aliás, nesse desiderato tramitam no Congresso Nacional dois Projetos de Lei tendentes a modificar a legislação que rege a execução por quantia certa. Trata-se dos PL’s 3.253/2004 e 4.497/2004, que serão objeto de nossa análise nos tópicos imediatamente posteriores.
1.3 As principais alterações do CPC propostas pelo PL 3253/2004
A grande alteração proposta pelo PL 3253/2004 na legislação processual diz respeito a instituir o efeito executivo da sentença que condenar o demandado em obrigação de pagar. Propõe-se, pois, grande mudança no processo de execução por quantia certa; ficando esta, enquanto ação autônoma sendo útil apenas para a execução de título extrajudicial.
Luiz Guilherme Marinoni (2005) explica o fenômeno anunciado acima com as seguintes colocações:
No caso de inadimplemento do pagamento da quantia fixada na sentença, estabelece-se não apenas que o débito será acrescido de multa, como também resta autorizada a expedição imediata de mandado de penhora e avaliação, dispensando-se a ação de execução.
Nessa hipótese, a sentença autoriza a prática de atos executivos, e não somente a propositura da ação de execução. A sentença tem efeito executivo, integrando conhecimento e execução, ao contrário da antiga sentença condenatória, que apenas abria oportunidade para a propositura da ação de execução. Os atos executivos, agora expressamente autorizados pela própria sentença, antes dependiam da iniciativa da parte. Se os atos executivos, antigamente, não eram decorrência automática da sentença, não era a sentença que instaurava a execução, e sim a ação de execução.
Note-se que o ilustre processualista do qual transcrevemos os ensinamentos, quando utiliza o verbo no presente, faz referência às regras que poderão ser instituídas por conta da aprovação do PL 3253/2004 (que ainda encontra-se em tramitação); e, quando utiliza o verbo no passado, faz referência à nossa legislação processual ainda vigente.
Assim, feitas tais observações, fica nítida na explanação transcrita a grande modificação que se pretende introduzir no processo executivo pátrio, direcionada no sentido de tornar desnecessária a execução em processo autônomo da obrigação de pagar já reconhecida judicialmente.
Inexistindo processo de execução autônomo, conseqüentemente, deixa o devedor de ter oportunidade de interpor embargos; assim sendo, a execução de sentença, nos moldes que se busca, permitirá ao demandado unicamente apresentar impugnação face à atividade executiva, que somente terá efeito suspensivo nos casos previstos no artigo 475-M (que pretende-se incluir no CPC), in verbis:
Art. 475-M. A impugnação não terá efeito suspensivo, podendo o juiz atribuir-lhe tal efeito desde que relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação.
Parágrafo Primeiro. Mesmo se atribuído efeito suspensivo à impugnação, é lícito ao exeqüente requerer o prosseguimento da execução, oferecendo e prestando caução suficiente e idônea, arbitrada pelo juiz e prestada nos próprios autos da execução.
Parágrafo Segundo. Deferido efeito suspensivo, a impugnação será instruída e decidida nos próprios autos, caso contrário, em autos apartados.
Parágrafo Terceiro. A decisão da impugnação é recorrível mediante agravo de instrumento, salvo quando importar extinção da execução, caso em que caberá apelação.
Portanto, as inovações propostas pretendem romper com paradigmas há muito assentados no nosso direito processual; mudanças essas que, ao nosso ver, são absolutamente necessárias, pois não se pode mais admitir que verdadeiros dogmas processuais injustificáveis continuem obstando o efetivo exercício de direitos reconhecidos judicialmente.
1.4 A execução por quantia certa com base em título executivo extrajudicial
Como vimos no tópico anterior, já temos iniciativas concretas no sentido de possibilitar uma execução por quantia certa com base em título executivo judicial mais eficiente.
A execução por quantia certa com base em título executivo extrajudicial, todavia, não foi esquecida pelo legislador. Existe tramitando no Congresso Nacional o PL 4497/2004, que visa justamente alterar regras do CPC relativas ao processo executivo referido. Embora com tramitação mais atrasada do que o PL 3253/2004 (que já foi aprovado na Câmara), também se constitui em PL que tramita sob regime de prioridade [3].
Como sabemos, no atual sistema, no processamento da execução referida no presente tópico, o juiz determina a citação do devedor para pagar o débito em 24 (vinte e quatro) horas ou oferecer, no mesmo prazo, bens à penhora. Efetivada a constrição, abre-se espaço para que o executado embargue, passando-se à instrução dos mesmos nos moldes ordinários do processo de conhecimento. Portanto, temos um processo de conhecimento do qual fica dependente a execução manejada, visto tais embargos possuírem efeito suspensivo. Julgados procedentes os embargos, passa-se para a via crucis da avaliação e respectiva venda judicial. Nesta última fase, uma vez arrematado ou adjudicado o(s) bem(s) penhorado(s), e obedecidos certos requisitos legais, ainda pode o devedor apresentar novos embargos (à arrematação ou à adjudicação), aplicando-se a eles o mesmo procedimento dos embargos do devedor.
Logo, pouca vantagem tem o credor de título executivo extrajudicial no sentido de lhe garantir o recebimento do seu crédito, pois caso maneje a execução, tem que sujeitar a diversos expedientes processuais que o devedor tem a seu dispor.
Isto posto, percebe-se de plano a real necessidade de se repensar o procedimento adotado na espécie de execução em destaque no presente tópico, pois da forma como está apenas incentiva o inadimplemento, na medida em que parece refletir em seu bojo, conforme pensamos, uma verdadeira inversão de valores, tratando o devedor (que muitas vezes age de má-fé já na realização do negócio jurídico) de forma benevolente (outorgando-lhe meios processuais de defesa, que por sua amplitude, acabam por se configurar mais em verdadeiro direito de procrastinação) em detrimento dos interesses do credor.
1.4.1 Alterações propostas pelo PL 4497/2004
O PL em destaque traz proposta de diversas alterações no procedimento de execução por título extrajudicial, concentrando-se mais especificamente nas regras relativas à execução por quantia certa contra devedor solvente.
Inclusive, conforme ressalta o Ministro da Justiça na Exposição de Motivos do PL, a intenção é que após a aprovação da proposição, o Livro II do CPC, que atualmente trata do "Processo de Execução" em geral, passe a tratar somente das execuções por título extrajudicial [4], posto que após aprovado o PL relativo à execução de sentença que impõe obrigação de pagar (permitindo a execução desta no bojo do próprio processo de conhecimento); e considerando ainda que as obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa, quando reconhecidas judicialmente, não necessitam mais ser executadas em processo autônomo, não terá mais motivo para o credor por título judicial manejar processo executivo autônomo para executar a sua pretensão.
Portanto, está se delineando uma organização no nosso sistema processual civil digno de destaque histórico; pois pretende-se superar a dicotomia entre processo de conhecimento e processo executivo. Ademais, nosso ilustre Ministro da Justiça bem destaca essa transição, ao defender a extinção da dualidade autônoma entre processo de conhecimento e executivo, conforme segue:
Com efeito, as teorias são importantes, mas não podem transformar-se em um embaraço a que se atendam as exigências naturais relativas aos objetivos do processo, isso só por apego a tecnicismos formais. A velha tendência de restringir a jurisdição ao processo de conhecimento é hoje idéia do passado, de sorte que a verdade por todos aceita é a da completa e indispensável integração das atividades cognitivas e executivas. Conhecimento e declaração sem execução – proclamou COUTURE, é "academia" e não processo (apud Humberto Theodoro Júnior, A execução de sentença e a garantia do devido processo legal, Ed. Aide, 1987, p.74)
Registrado acima a mudança estrutural que se pretende empreender, passemos a demonstrar as alterações específicas propostas pelo PL referenciado; alertando desde já que as alterações no tocante à expropriação (relativas à arrematação, remição, adjudicação e usufruto executivo) trataremos em Capítulo específico (Cap. 5), por ser este o objeto principal do presente trabalho.
Vamos às alterações:
a) Indicação de bens à penhora
Como sabemos, na sistemática atual do processo executivo, após ser citado, pode o devedor oferecer bens à penhora; vendo-se o credor, na maioria das vezes, obrigado a aceitar tal indicação para tentar promover a celeridade processual, mesmo sabendo que a indicação foi feita pelo devedor conforme sua conveniência. Nesse particular o PL inova ao dar possibilidade para o exeqüente já indicar na inicial os bens que pretende ver penhorados (art. 652, §2º), não havendo previsão de momento após a citação para que o executado indique bens à penhora.
b) Citação do devedor
Na sistemática atual, o executado é citado para pagar ou nomear bens à penhora no prazo de 24 (vinte e quatro) horas. Pelo Projeto, se prevê que o devedor será citado para, no prazo de três dias, efetuar o pagamento da dívida. Não ocorrendo o pagamento, o oficial de justiça deve proceder de imediato a penhora de bens e sua avaliação. Não há, como se vê, espaço para a inoportuna espera de nomeação de bens pelo devedor, estabelecendo-se quanto a isto o improdutivo contraditório de ver se o credor aceita a nomeação, e subseqüente decisão do juiz; procedimento este que, em algumas comarcas, chega a levar meses e meses. Contudo, o PL antevê a possibilidade de se ter dificuldades em encontrar bens do devedor, autorizando o juiz, a qualquer momento, ordenar que o executado indique bens passíveis de penhora (art. 652, §3º). De se destacar, ainda, que há previsão no sentido de que, se o executado, intimado, não indica ao juiz, em cinco dias, quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores, pratica ato atentatório à dignidade da Justiça, sujeitando-o às penas da lei.
c) Impenhorabilidade
É reformulado o sistema de impenhorabilidades. No tocante a se privilegiar a efetividade do processo, destacamos as alterações relativas à previsão de penhorabilidade de rendimentos (salários, pensões, proventos etc.) até o limite de 40% (quarenta por cento) do total líquido recebido mensalmente acima de vinte salários mínimos, e a do bem de família quando o valor deste for superior a mil salários mínimos.
Quanto à alteração proposta no sentido de limitar a incidência da impenhorabilidade do bem de família, acreditamos que há muito tempo há a necessidade da alteração ainda em andamento. Aliás, a temática "impenhorabilidade", mesmo estando largamente disciplinada no Código de Processo Civil, tem na Lei nº 8009/90 um instrumento legal de referência elementar no dia a dia dos tribunais; e o seu artigo primeiro, conforme pode-se deduzir literalmente, consagra a impenhorabilidade da totalidade do imóvel residencial que obedeça os requisitos lá descritos.
Desse jeito, podem ocorrer situações nas quais o imóvel residencial é extremamente suntuoso, mas em obediência à lei não pode ser determinada a penhora do mesmo, mormente se este não puder ser dividido sem redução do valor global, considerando-se como tal a soma dos valores individuais de cada parte dividida.
Vislumbramos como injustificável tal proteção, haja vista que, ocasiões podem ocorrer em que o credor está em situação econômica muito pior que o devedor, mas mesmo assim vê seu direito perecer por conta da restrição legal em evidência.
Acreditamos, pois, ser injusto não se permitir, por exemplo, a penhora de um imóvel residencial que valha R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), quando se tem uma dívida de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), que muito bem poderia ser paga com o produto da alienação; e ainda ser garantido o direito de moradia (em outro imóvel, por óbvio) dos devedores com os R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) restantes.
Adicione-se, também, às disparidades já apontadas, o fato de que existem imóveis que são perfeitamente divisíveis, mas que mesmo assim parte da jurisprudência, em uma interpretação literal da Lei 8009/90, nega ao credor o direito de ver seu crédito pago com a venda judicial de parte do imóvel residencial do devedor.
Com esse teor, por exemplo, o seguinte aresto:
Bem de família. Totalidade do bem. A impenhorabilidade do bem de família, dada pela L 8009/90, atinge a totalidade do bem, independentemente de seu valor, sendo ilegal a decisão que determina a penhora, reservando 20% do valor do imóvel para garantir o bem de família. (1º TACivSP, 11ª Câm., Ag 732461-4-Jaú, rel. Juiz Antonio Marson, v.u., j. 11.4.1997, BolAASP 2076/744)
Ademais, mesmo o STJ tem se demonstrado relutante em tomar decisões no sentido de resguardar os direitos dos credores quando o assunto é impenhorabilidade parcial do imóvel residencial do devedor.
Leia-se o seguinte decisum:
PROCESSUAL CIVIL. LEI 8009/90. BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL RESIDENCIAL. DESMENBRAMENTO. CIRCUNSTÂNCIAS DE CADA CASO. DOUTRINA. RECURSO PROVIDO.
I - Como residência do casal, para fins de incidência da Lei nº 8009/90, não se deve levar em conta somente o espaço físico ocupado pelo prédio ou casa, mas também suas adjacências, como jardim, horta, pomar, instalações acessórias etc., dado que a lei, em sua finalidade social, procura preservar o imóvel residencial como um todo.
II - Admite-se a penhora de parte do bem de família quando possível o seu desmembramento sem descaracterizar o imóvel, levando em consideração, com razoabilidade, as circunstâncias e peculiaridades de cada caso.
(STJ, 4ª Turma, RESP 188706/MG, DJU 13.09.1999, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira)
Lendo a íntegra do Acórdão cuja ementa transcreveu-se ao norte, percebe-se o quão difícil é conseguir o desmembramento de um imóvel residencial para fins de penhorabilidade, visto entenderem os julgadores que não deve ser agredida a posição social do devedor, não pode haver redução de valor do imóvel como um todo após o desmembramento etc.
Desse jeito, percebe-se que muita resistência há em se resguardar o credor contra eventuais atitudes de pessoas bem posicionadas socialmente, que simplesmente se endividam voluntariamente (já sabendo que não poderão honrar o débito), mas que mantêm intacta sua suntuosa residência.
De outra banda, afigura-nos como claro que quando se quer assegurar a dignidade da pessoa humana através da restrição à penhora do imóvel residencial familiar, não se quer prestigiar a má-fé de devedores contumazes, nem tão pouco garantir à família do inadimplente o luxo a que estavam acostumados. Pelo contrário, o desiderato maior é garantir condições medianas de moradia ao executado e seus dependentes, mas isso sem exorbitar a razoabilidade a ponto de proporcionar-lhes uma vantagem indevida em detrimento do credor.
Por essas razões, acreditamos extremamente feliz a mudança que se propõe [5], lamentando apenas o fato do limite de impenhorabilidade ainda ser muito alto: mil salários mínimos.
d) Penhora de dinheiro
Sabe-se que no atual CPC [6] já se dá preferência à penhora de dinheiro (art. 655, I). Tal norma, todavia, tem se demonstrado infértil, visto entenderem a maioria dos juízes, imbuídos do princípio de que a execução deve ser efetivada do modo menos oneroso para o devedor, que havendo outros bens penhoráveis, mormente indicados pelo próprio devedor, devem sobre estes recair a penhora. Assim, temos visto vários juízes indeferirem requerimentos de credores solicitando que seja oficiado casas bancárias para descobrir valores depositados em nome dos executados, sob o pretexto da existência de outros bens do devedor disponíveis para penhora. Quicá isso mude com a previsão de mudança do CPC, onde se prevê que a penhora deve recair preferencialmente sobre dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira. Perceba que na atual redação do nosso codex fala-se apenas em dinheiro; logo, por uma leitura rápida, parece-nos que o projeto deixa uma mensagem no sentido que deverá ser obedecida a ordem legal de preferência mesmo no tocante a dinheiro depositado em instituição financeira. Tanto isso é verdade que propõe o projeto a inclusão do artigo 655-A com a seguinte redação:
Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará á autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.
Com a alteração acima, pois, parece que a Justiça Comum parece querer ingressar no sistema de penhora on-line nos moldes já adotado pelo Judiciário Trabalhista; que apesar das críticas, tem servido para aumentar a credibilidade daquela especializada.
e) Depósito dos bens penhorados
Segundo sabemos, na atual sistemática do depósito dos bens penhorados, privilegia-se que fique como depositário o próprio devedor. Nesse sentido o artigo 666 do CPC apregoa que, somente não concordando o credor, ficarão como depositários outras pessoas; já tendo assentado a jurisprudência (NEGRÃO, 2003, p. 722) que: "A não concordância do credor há de estar calcada em motivos plausíveis, para ser acolhida. Não é absoluta e discricionária a recusa" [7]. Logo, atualmente, o devedor fica como depositário do bem penhorado; ficando, na prática, utilizando normalmente tal bem, não tendo qualquer interesse no desfecho do processo executivo. O PL nesse particular inova na redação do art. 666, estabelecendo que os bens penhorados serão preferencialmente depositados junto a instituições e pessoas que cita. Traz, ainda, em seu §3º orientação já consagrada na jurisprudência no sentido de que: "A prisão de depositário judicial infiel será decretada no próprio processo, independentemente de ação de depósito".
f) Embargos do devedor
O PL mantém os embargos como meio de defesa do devedor no tocante à execução por título executivo extrajudicial, diferentemente do que ocorre com as propostas de mudanças na execução de obrigação de pagar com base em título judicial, onde o devedor pode apresentar apenas impugnação.
A nova sistemática dos embargos, porém é muito diferente da atualmente existente. Primeiramente, os embargos poderão ser oferecidos no prazo de quinze dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de citação. Não se conta mais (pela proposta), pois, o prazo a partir da juntada da certidão de intimação da penhora. Aliás, nem é mais imprescindível que ocorra a penhora para se embargar; pois a intenção dos autores do projeto foi simplesmente expurgar a exceção de pré-executividade da prática forense na medida em que não se exige (pelo PL) a penhora para que o devedor possa se defender.
Nesse sentido é explicado na Exposição de Motivos do Projeto:
Nas execuções por título extrajudicial a defesa do executado – que não mais dependerá das "segurança do juízo", far-se-á através de embargos, de regra sem efeito suspensivo (a serem opostos nos quinze dias subseqüentes à citação), seguindo-se instrução probatória e sentença; com tal sistema, desaparecerá qualquer motivo para a interposição da assim chamada (mui impropriamente) "exceção de pré-executividade", de criação pretoriana e que tantos embaraços e demoras atualmente causa ao andamento das execuções.
Outra mudança importantíssima no tocante aos embargos diz respeito ao fato que deixa de ter, por regra [8], efeito suspensivo. Além do mais, tal defesa deverá se autuada em autos apartados (com distribuição por dependência), e não mais em apenso como é atualmente (art. 736). Caso os embargos sejam considerados manifestamente protelatórios, diz o art. 740, §único, conforme PL, o juiz imporá, em favor do exeqüente, multa ao embargante em valor não superior a vinte por cento do valor em execução.
g) Demais alterações
Conforme anunciado no início do presente tópico, as demais alterações que ora tramitam no Congresso Nacional; relativas à expropriação propriamente dita (alienação judicial dos bens do executado) serão vistas em Capítulo específico (Cap. 5).
1.4.2. Novos tempos na execução por título extrajudicial
Ante o demonstrado, esperamos que o PL acima esmiuçado não seja apenas mais uma boa idéia a ser enterrada nas gavetas de nossos legisladores; nem tampouco estes se dignem recortar indiscriminadamente as idéias lá insertas, desfigurando o produto do labor de eminentes processualistas do porte de Athos Gusmão Carneiro, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Petrônio Calmon Filho, que coordenaram os trabalhos que culminaram com o Projeto multimencionado.
Logo, consideramos uma evolução as mudanças propostas, pois já chegamos em um tempo no qual os negócios jurídicos que envolvem obrigação de pagar estão extremamente fragilizados, pois o Judiciário na garante de forma eficaz o cumprimento forçado de tal obrigação.
Destarte, em tempos que a cultura da "esperteza" parece tomar conta do espírito de grande parte de nossos concidadãos, é hora do Judiciário mostrar que tem um Poder a zelar pelos indivíduos honestos, que hoje estão assistindo seus recursos sumirem nas mãos de devedores protegidos pela inércia de nossa Justiça que nem consegue cobrar os seus próprios créditos, impondo por isso, por exemplo, ao credor o pagamento antecipado de custas processuais.
Esperamos, conquanto, não seja intransponível a realidade que campeia nosso sistema jurídico, desvendada pelos olhos atentos do eminente Calmon de Passos (2004):
Daí porque afirmo, enfaticamente, que a esmagadora maioria dos problemas com que nos defrontamos, em termos de efetividade do processo, têm raízes culturais, derivam de uma deformação de comportamento social do brasileiro, incapaz de ser corrigido por via do direito formal e das construções dogmáticas. Temos boas leis, o que nos falta são bons aplicadores, privados e públicos, do direito legislado.
Quiçá esteja errado o Douto Calmon, e que ainda haja como, através de mudança legislativa, pelo menos reduzir as distorções processuais hoje existentes. Assim, alimentamos esperança de que em um futuro breve teremos um processo de execução de título extrajudicial que privilegie o injustiçado, seja ele credor ou devedor; na medida em que cobre rapidamente o crédito idôneo, e também, com igual velocidade afaste a cobrança injusta; pois aí sim se estará privilegiando fundamentos da efetividade processual.