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Mecanismos de proteção do consumidor em transações comerciais internacionais

Mecanismos de proteção do consumidor em transações comerciais internacionais

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Apesar de já existirem marcos legais espalhados pelo mundo, é preciso harmonizar conceitos aplicáveis ao comércio eletrônico sob os pilares de transparência, confiança do consumidor, compromissos de liberação de mercadorias, funcionamento da rede e desenvolvimento do comércio eletrônico.

RESUMO: Busca-se, nesse artigo, discutir questões relevantes trazidas com a expansão exponencial do comércio on-line e propor mecanismos de proteção do consumidor em transações comerciais internacionais. Um dos principais elementos necessários para resguardar direitos aos consumidores é a necessidade de desterritorialização da contratação eletrônica e da regulação do comércio eletrônico internacional. A regulamentação do comércio eletrônico esbarra na ausência de categorias jurídicas capazes de abarcar o fenômeno em toda a sua plenitude, e esta consiste na principal dificuldade enfrentada no tratamento jurídico das questões relativas ao ciberespaço. Os efeitos dessa globalização se fazem sentir não mais em setores isolados e restritos à esfera econômica. A autonomia da vontade, nos contratos internacionais, já foi amplamente estudada pela doutrina, mas não são muitos os estudos que versam sobre a sua aplicação aos contratos eletrônicos, principalmente aos contratos eletrônicos de consumo.

Palavras-Chave: Direito do consumidor. Direito Internacional. Comércio eletrônico.


1. INTRODUÇÃO

Surgiu em meados da década de 60 do século passado uma teoria que afirmava que o mundo estava se transformando numa aldeia global, certamente tinha em mente apenas a revolução provocada pelo desenvolvimento dos meios de comunicação eletrônica na segunda metade do século XX. A produção, emissão e circulação de mensagens em escala mundial ultrapassaria as fronteiras regionais, quebraria barreiras culturais e econômicas e lançaria as bases de uma nova cultura – no sentido que lhe foi dado por Edgar Morin[2]  – a cultura de massas.

De fato, a aldeia global tornou-se real. Fronteiras econômicas foram abolidas, os muros do nacionalismo derrubados e, a despeito das resistências culturais, a massificação da informação produziu uma cultura média voltada para um homem médio, o antropo universal. Em um mundo em que as fronteiras socioeconômicas estão cada vez mais tênues e fluidas, não obstante as especificidades culturais de cada sociedade, as relações sociais exigem regras que pressuponham essa crescente internacionalização econômica e cultural.

Qualquer que seja o nome dado a esse fenômeno de mudanças em escala planetária, regras hão de existir capazes de ordenar as relações sociais, econômicas, políticas e culturais de caráter internacional. O Direito funciona como o elemento ordenador dessa diversidade, e somente as normas jurídicas poderão regrar e regular satisfatoriamente as situações conectadas a mais de um sistema sociocultural, a mais de um ordenamento jurídico.

A Internet caracteriza-se como um meio de comunicação ímpar e diferenciado de todos os que o precederam. Consequência imediata desse fato é que o comércio realizado via rede mundial de computadores possui uma natureza particular, que o distingue do comércio em geral e, também, faz com que se torne um dos grandes desafios do mundo contemporâneo, principalmente, tendo-se em conta suas implicações no âmbito das relações de consumo[3].

Diante do fato do comércio eletrônico ser efetivamente complexo e totalmente diferente do comércio tradicional, o ciberconsumidor fica submetido a uma acentuada vulnerabilidade ao contratar via Internet. Vulnerabilidade que se explica não apenas pela complexidade, mas também pelas particularidades e dificuldades que surgem da contratação eletrônica de consumo. As particularidades e dificuldades mais frequentes foram objeto de análise no presente estudo.

Entre essas pode-se ressaltar a despersonalização do contrato, a desmaterialização do meio de realização do acordo, as assimetrias técnica e informacional, do instrumento, do objeto (em alguns casos) e dos vícios contratuais, a desterritorialização e a internacionalidade eventual da contratação eletrônica, o extravio da mercadoria pelo transportador, geralmente, elemento indispensável na transação, e, por fim, a quase ausência de regulamentação destinada à defesa dos consumidores em âmbito internacional.

Esta dimensão plúrima do Direito em nível internacional, a diversidade de sistemas jurídicos, cada um a regrar os fatos sociais no âmbito de sua competência interna da forma que mais lhe convém, tem causado dificuldades no que tange à aplicação da norma jurídica às situações conectadas a dois ou mais ordenamentos jurídicos.  E é no plano das relações econômicas e comerciais que o tema assume maior relevância.

A necessidade de regras únicas para reger as relações econômicas internacionais, sobretudo no que concerne aos contratos internacionais, tem produzido alterações significativas no direito interno e convencionado. Regras que disciplinem a formação dos negócios jurídicos ou estipulem a uniformidade das normas materiais ou conflitais dos diversos sistemas jurídicos são o ponto de partida para qualquer tentativa de integração econômico-comercial.


2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1. Comércio Eletrônico e seus principais problemas

O comércio eletrônico pode ser compreendido como as transações de aquisição de bens e serviços realizados pela internet. O comércio eletrônico tem nítidas características sem fronteiras a influir sobre as bases tributárias das nações. Assim, importante iniciar este tópico compreendendo a extensão do conceito de comércio eletrônico. Atualmente são 3,2 bilhões de pessoas conectadas à internet no mundo[4].

Gloria Teixeira, seguindo os parâmetros da OCDE, define comércio eletrônico como “qualquer transação comercial que envolva quer organizações quer indivíduos e que seja baseada no processamento e transmissão de dados por via eletrônica, incluindo texto, som e imagem”[5].

O dicionário da Microsoft conceitua e-commerce:

A atividade comercial que ocorre por meio de computadores conectados através de uma rede. O comércio eletrônico pode ocorrer entre um usuário e um fornecedor através da Internet, um serviço de informação on-line, ou um sistema de BBS (BBS), ou entre fornecedores e clientes por computadores através de intercâmbio eletrônico de dados (EDI)[6].

Elidie Bifano observou existir entre os negócios jurídicos eletrônicos, basicamente, os seguintes: prestação de serviços pela internet, consultoria e e-learning (educação a distância); B2B (business to business) e B2C (business to consumers) – compras pela internet; transferências de bens intangíveis (download) por meio eletrônico; banco eletrônico, com operações financeiras pela internet; provimento de acesso à internet; oferta de conteúdo (informações) pela internet; hospedagem de sites; leilões de bens e de mercadorias em sites; veiculação de publicidade pela internet; veiculação de lazer, jogos e cassino virtual pela internet. O e-commerce apresenta alguns modelos básicos: modelos físicos de comércio eletrônico; o comércio eletrônico digital e modelos nuvens (de produtos ou serviços entregues digitalmente); modelos multidimensionais (propagandas por sites em localidades diversas com presença acentuada em determinados mercados)[7].

Neste aspecto, a OCDE tem acompanhado o crescimento das empresas B2C, que normalmente fazem elevados investimentos em publicidade e logística, para consolidarem suas posições no mercado on-line.

Outras classificações de comércio eletrônico e derivações também são observadas no mercado internacional[8], todavia, interessa para esta pesquisa a relação de negócios existente entre empresas, que tem sido denominada Business to Business – B2B, e também os negócios celebrados entre empresas e consumidores (Businessto Consumer – B2C) e, especialmente quando transações por downloads (de bens e serviços intangíveis).

            O crescimento do comércio eletrônico serve para demonstrar esse fenômeno. No Brasil, o comércio varejista on-line apresentou uma elevada taxa de crescimento no período 2008 a 2012, tanto no número de consumidores quanto no que diz respeito ao faturamento. O número de e-consumidores saltou de 13,2 milhões em 2008 para 42,2 milhões em 2012. A receita atingida pelas empresas que realizam vendas on-line passou de R$ 8,2 bilhões em 2008 para R$ 22,5 bilhões em 2012, registrando um crescimento nominal de 20% em relação a 2011, quando faturou R$ 18,7 bilhões[9].

Em 2017 o varejo de produtos on-line no Brasil apresentou um faturamento de R$ 47,7 bilhões, montante 8% maior que em 2016, conforme revelado pela Webshoppers. Webshoppers, é o estudo de maior credibilidade sobre o comércio virtual brasileiro e principal referência para profissionais do segmento.

O Brasil é reconhecido como um notável caso de sucesso no comércio eletrônico dentro da economia digital, mas tem destaque especial, também, em tecnologia da informação bancária. Segundo pesquisa realizada pela Our Mobile Planet, da Google, sobre o uso de smartphones em 40 países, revela ser surpreendente a quantidade desses aparelhos usados no Brasil, com 27 milhões de usuários, o que demonstra o potencial desse mercado em ascensão. O m-Commerce (comércio eletrônico móvel) no Brasil é considerável: cerca de 90% dos usuários de smartphones procuram informações locais em seus telefones, 90% tomam decisões em decorrência disso e 82% dos consumidores pesquisaram um produto ou serviço no dispositivo móvel antes da compra. Pelo menos 30% desses usuários fizeram uma compra pelo celular. O público jovem solteiro, principalmente, tem acessado mais a internet pelos aparelhos móveis: 96% em casa; 87% no trabalho e 83% no restaurante[10].

Por outro lado, o B2C – Business to Consumer, pelas compras e vendas pela internet, via portais na web (marketplaces), barateou o custo das vendas com a eliminação de intermediários, distribuidores, revendedores, representantes comerciais, vendedores, não mais precisando de instalação de lojas em locais caros, economizando mão-de-obra, enfim, com as aquisições diretas, uma série de custos passaram a ser economizados. Observe-se que essa suposta loja virtual fica 24 horas por dia, 365 dias por ano, sem “fechar as portas”. Esse potencial de vendas transcende o mercado interno e avança no mercado internacional à medida em que se amplia inclusão digital e a barreira do idioma é minimizada.

Diversas características permeiam o ambiente cibernético, tornando os contratos eletrônicos singulares em relação aos demais contratos celebrados por outros meios, sem o uso da tecnologia.

As especificidades e o fato das transações envolverem geralmente vários países, muitas vezes geram problemas ou dificuldades no tocante à tutela do consumidor. Em geral, quando a queixa do consumidor não é solucionada a contento pelo vendedor, o mesmo não sabe a quem se reportar para resolver o problema.

Inexistindo representante da empresa ou do contratado no Brasil, torna-se difícil ou impossível uma ação judicial. Ademais, mesmo que fossem superadas inúmeras questões de ordem jurídica, na maioria dos casos, levando-se em conta o valor do produto ou serviço, os custos inviabilizariam uma demanda judicial. Portanto, é imperativo a criação de mecanismos de proteção jurídicos que tutele o consumidor, atuando de forma preventiva, evitando que a lesão ao direito ocorra, ou facilite a solução do conflito.

Entretanto, para propor mecanismo de proteção é necessário conhecer os problemas mais comuns enfrentados pelos consumidores, nas suas transações internacionais.

Incialmente, é necessário ressaltar que o consumidor de produtos estrangeiros desconhece a localização do fornecedor, além do fato que o mesmo se encontra a uma distância física imensa, que interfere na sensação de confiança que impulsiona o consumidor a contratar. Ademais, a distância também acarreta normalmente a demora no recebimento do produto, provocando o sentimento de ansiedade. Tais fatos o desencoraja a concretizar o ato.

Superada a questão da distância e a demora para recebimento do produto, surgem questões mais graves como produto falso, com caraterísticas diversas do ofertado, produtos de baixa qualidade ou o não recebimento do mesmo.

O envio de produtos de baixa qualidade, falsos ou com características diversas do contratado é fato recorrente no comercio eletrônico, nas compras nacionais e internacionais.

Nas compras nacionais o consumidor é tutelado pela Lei 8.078/1990 (CDC), regulamentado através do Decreto no 7.962 de 15 de março de 2013, podendo exercer o direito de arrependimento com a rescisão do contrato, sem qualquer ônus para o consumidor.

Nas transações internacionais, em geral, os fornecedores de produtos e serviços permitem ao consumidor exercer o direito de arrependimento, desde que, o mesmo assuma as despesas de envio da mercadoria ao país de origem. Em alguns casos o consumidor recebe apenas o valor da mercadoria descontado as despesas do envio feitas pelo vendedor.

Dependendo do valor da mercadoria, tendo o consumidor que arcar com os custos de envio e reenvio da mesma, exercer o direito de arrependimento significa prejuízo para o consumidor tanto de ordem material como imaterial.

2.2. Princípios que regem as relações de consumo

Segundo a mais abalizada doutrina, princípios são os alicerces de determinado ramo do saber, consubstanciados em ideias ou proposições basilares que orientam toda uma estrutura posterior, por meio de fundamentos e tipificações preliminares.

O Código Civil inspirou-se em três princípios fundamentais, são eles: eticidade, socialidade e operatividade. A boa-fé em sua perspectiva objetiva é sem sombra de dúvidas derivada do vetor eticidade que inspirou a comissão elaboradora do projeto de Código Civil. O objetivo era, além da superação do formalismo jurídico derivado do positivismo, buscar acrescer à técnica jurídica os valores éticos e promover uma efetiva abertura do sistema jurídico até então fechado em si mesmo.  Daí a presença de cláusulas gerais e conceitos indeterminados em diversos dispositivos, dentre os quais a boa-fé, objetivo principal desse estudo. Percebe-se desse modo que a cláusula geral de boa-fé prevista no art. 422 do Código Civil apresenta alguns defeitos em sua redação, mas que a sua leitura doutrinária e jurisprudencial permite uma perfeita adequação de sua funcionalidade, especialmente no Código de Defesa do Consumidor.

O princípio da boa-fé é um dos princípios que norteiam o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Todavia, o Código Civil contempla tanto o princípio da boa-fé subjetiva quanto o princípio da boa-fé objetiva, sendo que o primeiro deles não é contemplado pelo Código de Defesa do Consumidor. A Prof.ª Maria Cristina Cereser Pezzela, de forma simplista, diferencia a boa-fé objetiva da boa-fé subjetiva, eis que

a boa-fé subjetiva é a consciência ou a convicção de se ter um comportamento conforme ao direito ou conforme à ignorância do sujeito acerca da existência do direito do outro. Já a boa-fé objetiva permite a concreção de normas impondo que os sujeitos de uma relação se conduzam de forma honesta, leal e correta[11].

O princípio da boa-fé objetiva, o qual nos importará no presente trabalho, pode ser estudado através da análise de quatro deveres de conduta social, quais sejam, o dever de lealdade, o dever de cooperação mútua, o dever de assistência técnica e o dever de informação.

Inicialmente, tem-se que o dever de lealdade é aquele que obriga o fornecedor a cumprir com as expectativas do consumidor, geradas no momento em que o fornecedor veiculou a sua publicidade no mercado de consumo, ou celebrou um contrato com o consumidor[12].

Em segundo lugar, tem-se o dever de as partes cooperarem mutuamente para os fins do contrato.

Em terceiro lugar, tem-se o dever de assistência técnica, o qual, como o próprio nome indica, significa que o fornecedor ficará sujeito ao reparo de eventuais vícios ou defeitos que o seu produto ou serviço possua. Tais vícios ou defeitos deverão ser reparados, para que seja alcançada a intenção almejada pelo consumidor, no momento da celebração do contrato.

Em quarto lugar, tem-se o dever da informação. De forma superficial, podemos definir como o dever de o fornecedor prestar todas as informações necessárias ao correto consumo de produtos ou serviços.

Outro princípio atrelado às relações de consumo é o princípio da transparência, por sua vez, decorre do dever de os fornecedores adotarem condutas claras, verazes e probas no mercado de consumo, que sejam condizentes com as expectativas dos consumidores.

A Prof.ª Cláudia Lima Marques, ao analisar o princípio da transparência, assevera que transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo. (...) O CDC regulará, assim, inicialmente aquelas manifestações do fornecedor tentando atrair o consumidor para a relação contratual, tentando motivá-lo a adquirir seus produtos e usar os serviços que oferece. Regula, portanto, o código, a oferta feita pelo fornecedor, incluindo aqui também a publicidade veiculada por ele. O fim destas normas protetoras é assegurar a seriedade e a veracidade destas manifestações, criando uma nova noção de oferta contratual...[13]

O princípio da transparência está intimamente ligado ao processamento das informações veiculadas no mercado de consumo pelos consumidores. Com efeito, os consumidores são expostos a vários estímulos sensoriais no mercado de consumo, os decodificam, adotam condutas objetivas baseadas nesses estímulos, e adquirem expectativas acerca das condutas adotadas pelos fornecedores. A transparência das condutas dos fornecedores ajudará na materialização das expectativas dos consumidores, razão pela qual a probidade, a veracidade das condutas sociais dos fornecedores fará nascer as expectativas dos consumidores e, em um segundo momento, gerará obrigações por ofensa ao princípio da transparência.

Por fim, ainda se tem o princípio da confiança que surge nas relações eletrônicas como elemento fundamental à manutenção do comércio eletrônico[14].

Com efeito, os consumidores, ao contratarem através da Internet, aderem à publicidade, ou à oferta veiculada na rede mundial, sem qualquer diálogo com o fornecedor, baseando-se tão somente nas informações, sensações e percepções que foram geradas.

As lições do ilustre Prof. Gerson Luiz Carlos Branco, por sua vez, demonstram que a transformação do contrato pelo impacto social tem por consequência a proteção da confiança não apenas para tutela da aparência ou das situações de confiança geradas em razão da divergência entre a vontade e a declaração, mas fundamentalmente para tutela dos efeitos do contrato, com a finalidade de proteger as expectativas legítimas em relação às prestações e à segurança das relações jurídicas. (...) A sociedade de consumo, forçada pela necessidade de construir um consenso que preserve aqueles que têm menor força no processo democrático passou a valorizar a confiança como um bem dotado de autonomia, baseada em métodos de decisão que também preservem as minorias. (...) o princípio da confiança tem sua grande atuação na tutela do direito do consumidor, pois sua incidência objetiva torna o mercado um local seguro onde possa haver harmonia e lealdade nas relações entre consumidores e fornecedores e onde não se necessite sempre desconfiar do outro. [15]

Os consumidores, de acordo com a Prof.ª Cláudia Lima Marques, devem confiar na aparência, na imagem, no som, na informação, no click, na presença de um ser humano ou de uma pessoa jurídica organizadora, em qualquer um dos computadores interligados no mundo. Confiança no meio eletrônico, na entrega, nos dados, na contratação, no armazenamento, na possibilidade de perenizar o negócio jurídico e de seu bom fim! Confiança na realização das expectativas legítimas do consumidor também nos negócios jurídicos do comércio eletrônico ...[16]

O princípio da confiança não está expresso no nosso Código de Defesa do Consumidor, todavia um dos maiores reflexos da teoria da confiança no direito do consumidor são as disposições do art. 30 do CDC, segundo o qual as informações derivadas da publicidade integram o contrato em razão das justificadas expectativas criadas por tal ato, assim como, o declarante deve responder pela confiança que o contratante nele depositou ao contratar. (...) é exigido que a publicidade obedeça a padrões éticos e que os fornecedores respondam juridicamente pelos efeitos econômicos que resultaram de tal atividade. Para fazer frente à necessidade de uma responsabilidade que estivesse à altura das respectivas benesses, o Código de Defesa do Consumidor qualificou a publicidade como um instrumento que induz a confiança do consumidor e por tal razão atribuiu à publicidade a estrutura e eficácia de negócio jurídico.[17]

Os nossos tribunais, por sua vez, já reconhecem o princípio da confiança, e o ligam ao dever de o fornecedor informar o consumidor, através da publicidade veiculada no mercado, de forma clara e veraz, conforme segue:

Consumidor. Relação de consumo. Empresa que promove a redução do peso do produto que comercializa há vários anos, sem dar adequada informação sobre a mudança. Violação ao princípio da confiança. Afronta ao disposto no art. 31, caput, da Lei 8.078/90.

Ementa oficial: A empresa que promove a redução do peso do produto que comercializa há vários anos, sem dar adequada informação aos consumidores, viola o princípio da confiança e o art. 31, caput, do CDC.

Pode-se, por todo o exposto, entender que o princípio da confiança está presente no nosso Código de Defesa do Consumidor, nos artigos 30, 31 e 35, eis que os mesmos obrigam o fornecedor a cumprir a declaração existente na informação e na publicidade veiculada, sendo desnecessário aplicar-se a doutrina dos atos próprios em razão do nosso próprio sistema, de forma expressa, dar uma solução adequada à quebra das expectativas legítimas dos consumidores.

2.3. Desterritorialização da contratação eletrônica

A Internet tem como uma de suas características mais marcantes e fundamentais sua natureza global, sendo considerada “um fenômeno mundial avassalador e que pode ter quebrado muitos de nossos paradigmas territoriais, jurídicos e políticos”[18].

De modo que o comércio eletrônico é compreendido como “uma realidade em si transfronteiriça”, que, para ser devidamente estudada e entendida, “não pode ser delimitada por barreiras fictícias, sejam nacionais, regionais ou internacionais”[19].

Como se sabe, o comércio via Internet é um dos grandes responsáveis pela atual “banalização da contratação internacional de consumo”, a qual desafia não só o Direito do Consumidor – que permanece com sua base estatal e nacional –, mas afronta, outrossim, o Direito Internacional Privado e suas conexões clássicas, estritamente territoriais. Chegando alguns autores a asseverar que, no comércio eletrônico, há a desterritorialização ou a “desnacionalização dos negócios jurídicos”[20].

Especificamente quanto ao comércio eletrônico de consumo, observa-se que a internacionalidade das relações (e de suas decorrências) vem-se juntar às já conhecidas vulnerabilidades informacional, técnica, jurídica e econômica dos consumidores.

Nesse contexto, tornar efetiva a soberania estatal-jurídica e a regulamentação estatal por meio da manutenção da competência das jurisdições nacionais e da defesa dos valores constitucionais e das normas imperativas de proteção do consumidor – é bem problemático e complexo[21]. Fato que, no Brasil, é agravado pela ausência de regulamentação legal própria à defesa dos consumidores que contratam à distância no mundo cibernético.

2.4. Principais problemas dos consumidores brasileiros no comércio eletrônico internacional

Diversas características permeiam o ambiente cibernético, tornando os contratos eletrônicos singulares em relação aos demais contratos celebrados por outros meios, sem o uso da tecnologia.

Fato de maior gravidade ocorre quando o consumidor efetua o pagamento do produto e não o recebe. Quando não é disponibilizado código de rastreio, o consumidor sequer tem a certeza que o produto foi postado pelo vendedor.

Quando o código de rastreio é disponibilizado pelo vendedor, toda a movimentação da mercadoria pode ser acompanhada desde sua postagem até a entrega, no local informado pelo consumidor.

As informações são detalhadas, contendo os horários, locais e os procedimentos a que foram submetidos a mercadoria, inclusive, o horário e dia que a mercadoria chegou ao país de destino e foi liberado pela alfândega.

O código de rastreio permite que o consumidor se mantenha informado sobre toda a movimentação do produto, assim como, diminui consideravelmente a probabilidade de o produto ser extraviado.

O direito à informação previsto no art. 6o da lei 8.078/1990 garante que o consumidor tenha informações adequadas e claras sobre diferentes produtos e serviços.

Tais informações não se limitam ao momento da compra ou apenas as características dos produtos ou serviços, mas devem existir desde os anúncios ou informes publicitários até o momento da entrega do produto ao comprador, assegurando total respeito ao princípio da transparência prevista no artigo 6o do CDC. O direito à informação é um dos direitos básicos do consumidor e deve ser assegurado também nas transações internacionais através de normas transnacionais.

Ademais, o código de rastreio além de informar de forma precisa e detalhada a movimentação do produto, permite que o vendedor tenha a certeza que o comprador recebeu ou não o produto. Em geral, os produtos enviados com código de rastreio, possuem seguros contratados pela própria empresa transportadora, que indeniza o vendedor em caso de perda ou extravio do produto.

Do exposto surge a questão. Por que todos os fornecedores de produtos através do comercio eletrônico não fornecem código de rastreio? Alguns vendedores fornecem esse código para mercadoria acima de um determinado valor. Outros fornecem para todas as mercadorias enviadas. Um terceiro grupo não fornece o código para nenhuma mercadoria enviada, independentemente da solicitação do comprador.

A jurisprudência pátria, e em especial as jurisprudências dos TRF’s, consideram que tanto o fornecedor quanto o destinatário têm legitimidade para propor a ação para ressarcimento, assim como, dano moral, quando o extravio ocorre sob a responsabilidade do transportador nacional.

A adoção obrigatória do número de rasteio, por si só, atenuaria vários problemas que ocorrem nas transações internacionais, trazendo benefícios tanto ao consumidor como ao fornecedor do produto.

Nas transações internacionais, em geral, os fornecedores ofertam seus produtos e serviços através de empresas de comercio eletrônico como, Ebay, aliexpress, Amazon, etc. As empresas, em geral, costumam ressarcir o consumidor pelos danos matérias, contudo, tal ressarcimento ocorre se a queixa do consumidor for realizada dentro de um determinado período após a compra. Qualquer problema fora do período estabelecido pela proteção da empresa deverá ser resolvido pelo consumidor diretamente com o vendedor.

Geralmente o vendedor permite ao consumidor exercer o direito de arrependimento, desde que, o mesmo assuma as despesas de envio da mercadoria ao país de origem.  Em alguns casos o consumidor recebe apenas o valor da mercadoria, descontado as despesas do envio feitas pelo vendedor.

A existência do número de rastreio aumentaria a transparência na transação, permitiria o vendedor identificar o responsável pela falha na cadeia negocial, podendo corrigir o problema, aumentar a confiança na relação e otimizar as vendas.

O caráter global do comércio eletrônico faz com que se observe uma homogeneidade nas falhas, problemas e desafios que, necessariamente, determina que haja uma similitude nas propostas legislativas de sua regulamentação. Diante da ausência, mecanismos eficientes produzidos pela autorregulamentação, se torna necessário à atuação de organizações internacionais para proporem marco regulatório.


3. METODOLOGIA

O presente artigo trata-se de uma síntese da tese do autor dessa pesquisa, desenvolvida através de uma revisão de literatura a partir de obras jurídicas, jurisprudências e artigos científicos que tratam do tema em parte ou em sua totalidade.


4. DISCUSSÃO

Reconhecem alguns autores que estabelecer um código de conduta nos moldes acima delineados não seria uma tarefa fácil. Pode-se questionar, principalmente, a respeito de sua limitada eficácia regulatória previsível, tendo em vista que, até o presente momento, não há meios seguros de se garantir a observância e as devidas responsabilidades por eventuais descumprimentos de códigos de conduta, dado o caráter transnacional que muitas vezes assume a relação de consumo via Internet[22].

Guilherme Martins chega a considerar que a substituição do direito estatal pela autorregulamentação poder ser até mesmo perigosa, pois ela pode ser colocada a serviço dos interesses dos grandes grupos econômicos que, previsivelmente, liderarão a elaboração de códigos de conduta que os beneficie em detrimento dos consumidores[23].

Visão mais otimista revela Letícia Canut, que, apesar de reconhecer que os instrumentos de autorregulação necessitam de aperfeiçoamento – tendo em vista que se encontram em um estágio incipiente de desenvolvimento –, sustenta que “os questionamentos que surgem em torno deles não trazem obstáculos intransponíveis, sendo que as respostas serão dadas no tempo devido, desde que se proponha a encontrá-las” (grifou-se).[24]

Acrescenta, ainda, a autora que “os códigos de conduta, como base da autorregulamentação, têm dado até agora um retorno positivo no cenário do consumo eletrônico, inclusive como instrumentos de prevenção de conflitos de consumo” (grifou-se). Assim sendo, afirma-se que os ciberconsumidores são os grandes beneficiados por essas iniciativas, “uma vez que passam a poder escolher com quem contratar com maior confiança e tranquilidade”.[25]

Partilhando dessa linha propositiva, Coteanu menciona um modelo de autorregulamentação bem-sucedido. Trata-se do Internet Chamber of Commerce (ICC) Guidelines on Advertising and Marketing on the Internet (1998), que estabelece orientações aplicáveis a todas as atividades de marketing e publicidade na Internet para a promoção de qualquer forma de bens ou serviços[26].

Mediante a fixação dessas orientações, busca-se estabelecer os mais altos padrões de conduta ética que devem ser observados por todos os envolvidos com as atividades de marketing, publicidade e serviços na Internet[27].

Sustenta-se que os profissionais de marketing devem reconhecer que a observância de diretrizes de autorregulamentação – especificamente concebidas para a publicidade e o marketing online – reverte em benefício para eles próprios[28]. Ademais, ainda de acordo com as orientações da ICC, os anunciantes e profissionais de marketing devem esforçar-se para criar um ambiente de comércio eletrônico onde os consumidores de todo o mundo possam confiar plenamente[29].

Segundo a análise de Coteanu, o advento do mercado eletrônico alterou a visão tradicional sobre o papel do princípio da boa-fé objetiva[30]. Para a autora, o atual contexto jurídico, caracterizado pelo que ela chama de “natureza caótica das regras” e pelo conflito de soberanias nacionais, cria a necessidade de se estabelecer um marco regulatório internacional claro para a aplicação do princípio da boa-fé objetiva, que proporcione confiança e segurança para o consumidor nas transações on-line[31].

Cumpre, ainda, ressaltar que as novas alternativas e formas de regulação do mercado eletrônico global ganham ainda mais importância diante do fato de que a maioria das transações on-line é de pequeno valor, fazendo com que uma eventual demanda internacional seja desarrazoada em razão, sobretudo, de seus altos custos. Leve-se em conta, ainda, que um processo judicial no âmbito internacional é, por razões óbvias, mais lento e dispendioso e de difícil acompanhamento[32].

Por sua vez, o acesso a plataformas de e-commerce na vida cotidiana atual passou a ser uma necessidade das pessoas, mas também traz uma série de desafios regulatórios. Sabe-se que a regulação internacional exercida pela OMC visa derrubar as barreiras ao livre comércio. Assim, importante observar como essa regulação pode incidir sobre o comércio eletrônico[33].

Entre os princípios de livre comércio adotados pela OMC, tem-se o princípio da cláusula da nação mais favorecida (permitindo adotar a cláusula da nação que mais favorecer na troca internacional) e o princípio da não discriminação ou do tratamento nacional, para que os produtos similares importados sejam tratados de forma idêntica aos produtos nacionais nos Estados-membros, sem discriminação tributária, até mesmo em relação a imunidades e desonerações fiscais. Dois princípios também se fazem presentes, quais sejam, o princípio da reciprocidade e o princípio da vedação ao protecionismo.

Assim, também, os países-membros não podem impor tributação diferenciada para os produtos similares importados, em relação aos produtos nacionais, conforme os arts. I e III, do GATT, sobretudo em impostos indiretos. No art. XVI do GATT, veda-se que países-membros concedam renúncias fiscais, ainda que para corrigir falhas de mercado, a ponto de gerar distorções na concorrência prejudicial ao comércio internacional[34].

Segundo Liziane Meira, pela regra do tratamento nacional, os países signatários da OMC, como o Brasil, se veem obrigados a dispensar o mesmo tratamento dado à tributação nacional para os produtos importados, com base no item 2 do art. III do GATT, ou seja, podem ter no máximo o mesmo ônus (no caso IPI, ICMS, COFINS, CIDE).

Juntamente com o Acordo do GATT, têm-se os Acordos relativos à propriedade intelectual (TRIPS), com o fito de os Estados signatários controlarem suas legislações sobre a matéria, em que se destaca o princípio do tratamento nacional ou da não discriminação, no qual cada membro deve dispensar o mesmo tratamento aos nacionais de outros membros da mesma forma que trata seus próprios nacionais no que concernem à propriedade intelectual, sem prejuízo das exceções previstas em outros tratados como no caso da Convenção de Roma (art. 14,6), Convenção de Berna (arts. 6º e 9º, 2), que se pretende seja atualizada à economia digital e o Tratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI (art. 16)[35].

Victor Uckmar revela que a OMC concebe três proibições para os sistemas tributários na atualidade do comércio internacional: utilizar-se de tributação discriminatória, tributação protecionista e concessão de subsídios fiscais[36].

Por outro lado, a questão dos subsídios fiscais é muito grave no cenário do comércio internacional e afeta muito o mercado brasileiro. Estudos reunidos pela Associação Brasileira de Agribusiness revelaram que a liberalização parcial dos preços de commodities agrícolas praticados pelos países ricos, segundo estudos realizados no âmbito da OCDE e da Universidade de Camberra – Austrália, significaria um ganho para a economia mundial de cerca de US$ 200 bilhões anuais, por volta de 2002. Preços totalmente liberalizados representariam ganhos de US$ 500 bilhões anuais, ou seja, as nações pobres produtoras de bens agrícolas se enriqueceriam e haveria a geração de dois milhões de empregos no mundo. O poder de compra no Japão e na União Europeia cresceria cerca de 2% e os Estados Unidos reduziriam seu déficit fiscal em US$ 50 bilhões por ano[37].

Registre-se que, quanto maior a renda, maior o consumo, maior a arrecadação de impostos indiretos. A presença de históricos subsídios de países ricos em prol de manterem suas produções domésticas de produtos agropecuários fere a lei de oferta e procura e distorce o funcionamento do mercado internacional. O desenvolvimento tecnológico tem acirrado a competição por vantagens tributárias. Mas cresce também a utilização da soft law constituindo “nichos regulatórios” por entidades não estatais com poder. O resultado disso é que o Direito Tributário vem aumentando sua complexidade[38].

Diante da complexidade do Acordo de TRIPS, cheio de reservas e complicações de implementação, as imposições desse tratado acabam por diminuir a soberania tributária das nações. Todavia, sabe-se na prática que a China, entre outros países chamados “tigres asiáticos”, por vezes não obedecer às regras da OMC e, no entanto, expande seus negócios internacionais progressivamente. Assim, o controle da OMC sobre o comércio eletrônico não tem sido tarefa nada fácil, mas os estudos avançam.

As facilidades da internet permitem que a pirataria virtual se desenvolva. Por outro lado, um aspecto marcante e fundamental para o desenvolvimento e até incentivo ao comércio eletrônico foi à decisão inicial de não tributação do comércio eletrônico. Obviamente, o desafio diante do crescimento exponencial do e-commerce, não é somente tributar, mas como tributar.

O Prof. Ricardo Lorenzetti, ao enfrentar o tema em recente trabalho sobre o comércio eletrônico, observa que

os consumidores não têm segurança quanto à utilidade e à qualidade do bem se não o utilizaram, em razão disso se diz que estes são “bens de experiência” ou produtos para experimentar, porque não se saberá se o livro ou jornal é bom antes de tê-lo. Para neutralizar este aspecto, a marca e o prestígio têm uma grande importância e, com isso, a proteção da imagem, da marca e da reputação. Neste sentido, já se observou que o ponto central da criação de valor na web é a confiança, uma vez que o usuário não tem meios empíricos ou sensíveis para verificar, mas pode confiar no prestígio de uma marca ou na fiabilidade de um comportamento repetido[39].

Os consumidores, ao adquirirem bens através da Internet, devem

confiar na aparência, na imagem, no som, na informação, no click, na presença de um ser humano ou de uma pessoa jurídica organizadora, em qualquer um dos computadores interligados no mundo. Confiança no meio eletrônico, na entrega, nos dados, na contratação, no armazenamento, na possibilidade de perenizar o negócio jurídico e de seu bom fim! Confiança na realização das expectativas legítimas do consumidor também nos negócios jurídicos do comércio eletrônico é a meta! [40]

Ao que parece, a desconfiança dos consumidores, hoje, é a grande barreira ao acesso ao consumo através da Internet. Quais seriam os elementos que ensejariam essa desconfiança, no momento de escolher a Internet como o veículo de materialização do acesso ao bem ou serviço pretendido? As razões que motivam a desconfiança do consumidor, ao que parece, residem no próprio negócio jurídico eletrônico, que possui características especialíssimas, quais sejam, a despersonalização, a desterritorialização, desumanização da relação social de consumo e a desmaterialização do meio contratual.

A desumanização do negócio jurídico na Internet decorre da conduta dos agentes. Como se sabe, os fornecedores veiculam publicidades na Internet, e os consumidores, em grande parte das vezes, apenas aderem à publicidade veiculada através de um simples click. A linguagem dos fornecedores na Internet se dá através de publicidades, desenhos, sons, ícones, marcas, banners e outras manifestações unilaterais de vontade, as quais se encontram com outra manifestação unilateral de vontade do consumidor, ou seja, um simples click. Não existe um diálogo entre o fornecedor e o consumidor sobre a relação de consumo, mas tão somente manifestações unilaterais de vontade que fazem nascer uma obrigação de consumo.

Por fim, importante destacar que as organizações internacionais que se dedicam também a temas sobre proteção do consumidor têm contribuído para o avanço das discussões e prospecção de soluções para o problema, como no caso da OCDE e da ONU[41].


5. CONCLUSÃO

A revolução digital e a internet intensificaram e aprofundaram o processo de globalização, colocando o consumidor em contato direto com o fornecedor de produtos e serviços, multiplicando o número de contratos em transações internacionais e, por consequência, o aumento dos conflitos pelo inadimplemento, frequentemente, provocado pelo transportador do produto.

Na exposição supracitada foram apresentados uma série de pontos a serem discutidos no campo multilateral para a elaboração de um marco regulatório, que abranja desde a facilitação de comércio para pequenas e médias empresas no comércio internacional, infraestrutura, tributação e acesso à internet, até regras para a proteção do consumidor e do empreendedor em transações eletrônicas internacionais.

Concluímos que, apesar de já existirem marcos legais espalhados pelo mundo, é preciso harmonizar e uniformizar os conceitos. Nas discussões recentes sobre comércio eletrônico na OMC, foi identificada uma série de tópicos relevantes para o comércio eletrônico, distribuídos sob os pilares de transparência, confiança do consumidor, facilitação do comércio, compromissos de liberalização, funcionamento da rede e desenvolvimento do comércio eletrônico. Ficou definido que a OMC, no encontro previsto para o final de 2017, apresentaria proposta de marco regulatório para os países membros, o que poderá significar um avanço para as relações do setor.

Ao final, diante da complexidade das questões envolvidas no comercio on-line e da vulnerabilidade do consumidor, trazemos à discussão um dos problemas mais frequente enfrentado pelo consumidor de comércio eletrônico internacional: o extravio do produto pelo transportador. No Brasil, geralmente o extravio da mercadoria ocorre após a entrada da mesma no país. A simples obrigatoriedade do número de rastreio em todas as mercadorias adquiridas no mercado internacional aumentaria a transparência e confiança na negociação, permitindo o consumidor não apenas saber a data do seu envio da mercadoria, assim como, acompanhar toda sua movimentação. Ademais, uma vez comprovada a entrada da mercadoria no país através do código de rastreio, o transportador local poderia ser responsabilizado judicialmente para uma eventual indenização por danos materiais e morais. Esse tem sido o entendimento dominante da jurisprudência no Brasil.  

Diante da dimensão gigantesca do comércio eletrônico, seja em números de consumidores e vendedores, ou nas cifras envolvidas da ordem de bilhões de dólares, é, pois, necessário que a academia se manifeste com abalizada opinião sobre os rumos a tomar para que se contorne a questão que, como dito, é de acentuada relevância.


REFERÊNCIAS

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nOTAS

[2] MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. v. I, Neurose.

[3] WEINGARTEN, Celia. Derechos en expectativa del consumidor: aplicacion de la doctrina de los propios actos. Buenos Aires: Editorial Astrea de Alfredo y Ricardo Depalma, 2004.

[4] PORTAL G1 – REDE GLOBO. Mundo tem 3,2 bilhões de pessoas conectadas à internet, diz UIT. São Paulo, 26 maio 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/05/mundo-tem-32-bilhoes-de-pessoas-con ectadas-internet-diz-uit.html:>. Acesso em: ago. de 2018.

[5] TEIXEIRA, Glória. Tributação no Comércio Eletrônico. Disponível em: <http://www.cije.up.pt/sites/default/files/files/Apresentacao_comunicacao_gloria_Teixeira_0.pdf>. Acesso em: ago. de 2018.

[6] DICIONÁRIO MICROSOFT. Disponível em: <http://www.microsoft.com/Langua ge/ptbr/Search.aspx>. Acesso em: ago. de 2018.

[7] BIFANO, Elidie. O Negócio Eletrônico e o Sistema Tributário Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 136.

[8] GATTASS, Giuliana. A Tributação no Comércio Eletrônico. RIDB, Lisboa, a. 3, n. 1, 2014, p. 141.

[9] Dados obtidos na 27ª edição do relatório WebShoppers. Disponível em: <http://www.ebitempresa.com.br/web-shoppers.asp>. Acesso em: ago. de 2018.

[10] GOOGLE. Nosso Planeta Móbile: Brasil. Disponível em: <http://services.google. com/fh/files/blogs/our_mobile_planet_brazil_pt_BR.pdf>. Acesso em: ago. de 2018.

[11] Conf. Maria Cristina Cereser Pezzella, O Princípio da boa-fé objetiva no Direito Privado alemão e brasileiro, p. 199.

[12] Geraldo de Faria Martins da Costa, Superendividamento. A proteção do consumidor de crédito em direito comparado brasileiro e francês, p 65.

[13] Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, p. 595

[14] Ver, nesse sentido, a Diretiva 2000/31/CE, art. 3º

[15] Gerson Luiz Carlos Branco, A proteção das expectativas legítimas derivadas das situações de confiança, p. 195.

[16] Cláudia Lima Marques, Confiança no Comércio Eletrônico e a proteção do consumidor: um estudo dos negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico, p. 46.

[17] Gerson Luiz Carlos Branco, ob. cit., p. 195.

[18] MARQUES, Confiança..., p. 85.

[19] Ibidem, p. 86-87.

[20] Ibidem, p. 86-87.

[21] Ibidem, p. 86-87.

[22] MARTINS, Formação dos contratos..., p. 46-47.

[23] CANUT, op. cit., p. 191.

[24] CANUT, op. cit., p. 191.

[25] Internet Chamber of Commerce. Disponível em: <http://www.iccwbo.org/>. Acesso em: jan. 2013. Trata-se do principal elaborador do mundo de códigos de auto-regulamentação para a publicidade e as práticas de marketing.

[26] Cf. Internet Chamber of Commerce Guidelines on Advertising and Marketing on the Internet. Disponível em:<http://www.ftc.gov/bcp/icpw/comments/iccguidelines.htm>.

[27] Loc. cit.

[28] COTEANU, op. cit., p. 196.

[29] COTEANU, op. cit., p. 196.

[30] COTEANU, op. cit., p. 196.

[31] COTEANU, op. cit., p. 196.

[32] COTEANU, op. cit., p. 196.

[33] BRASIL. Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio. Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio 1947. Disponível em: <http://www.mdic.gov. br/arquivo/secex/omc/acordos/gatt47port.pdf>. Acesso em: 01 de jan. de 2017.

[34] GATTASS, Giuliana. A Tributação no Comércio Eletrônico. RIDB, Lisboa, a. 3, n. 1, p. 133-175, 2014, p. 145-146.

[35] PEREIRA, Alexandre Dias. A Globalização, a OMC e o Comércio Eletrônico. Revista Sequência, UFSC, Florianópolis, n. 45, p. 180, 2002.

[36] VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Efeitos da Globalização no Sistema Tributário Brasileiro. In:Brasil, Rússia, Índia e China (BRIC): Estruturas dos Sistemas Tributários. Brasília: Agência Brasileira de Desenvolvimento e Indústria, 2011. p. 17.

[37] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE AGRIBUSINESS. Segurança Alimentar: Uma Abordagem de Agribusiness. São Paulo: ABAG, 1993. p. 126.

[38] VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Efeitos da Globalização no Sistema Tributário Brasileiro. In: Brasil, Rússia, Índia e China (BRIC): Estruturas dos Sistemas Tributários. Brasília: Agência Brasileira de Desenvolvimento e Indústria, 2011. p. 35.

[39] Ricardo L. Lorenzetti, Comércio Eletrônico, p. 60.

[40] Cláudia Lima Marques, Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. Um estudo dos negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico, p. 47.

[41] GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Novas formas de comércio internacional.. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 7n. 581 ago. 2002. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/3122>. Acesso em: 6 jan. 2017.


Autor

  • Cleber Ferreira Sena

    Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA, Especialista em Direito pela EMAB, Especialista em Docência do Ensino Superior pela UFRJ, Graduado em Direito pela UCSAL. Interessa-se por Direito do consumidor, Direito previdenciário, Direito Constitucional e Direito Processual Civil

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SENA, Cleber Ferreira. Mecanismos de proteção do consumidor em transações comerciais internacionais . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5626, 26 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70285. Acesso em: 27 abr. 2024.