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Direito à razoável duração do processo administrativo

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01/07/2007 às 00:00
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5. Extensão do conceito "razoável" duração do processo administrativo.

            A questão que se coloca é saber qual a extensão do conceito "razoabilidade", ou seja, o que pode ser considerado "duração razoável do processo administrativo". Sobre o conceito assevera André Ramos Tavares:

            (...) apesar de utilizar conceitos indeterminados, a demandar uma concreção posterior [...]. Isso inculca a idéia de celeridade, que não está referida diretamente, mas que não se pode seriamente deixar de admitir como fundamento da Reforma, neste ponto. A razoabilidade referida representa uma quebra desta preocupação exclusiva com rapidez, pois o processo deverá durar o mínimo, mas também o tempo necessário para que não haja violação da qualidade da prestação jurisdicional. (TAVARES, 2005, p. 31)

            José Afonso da Silva, por sua vez, faz uma crítica aos que equiparam celeridade a razoabilidade, ao afirmar que "processo célere seria aquele que tramitasse com a maior velocidade possível; mais do que isso, só um processo celérrimo." E conclui:

            Processo com razoável duração já não significa, necessariamente, um processo veloz, mas um processo que deve andar com certa rapidez, de modo que as partes tenham uma prestação jurisdicional em tempo hábil. Poder-se-ia dizer, portanto, que bastava o dispositivo garantir uma razoável duração do processo para que o acesso à Justiça não se traduzisse no tormento dos jurisdicionados em decorrência da morosidade da prestação jurisdicional, que não apenas é irrazoável, como profundamente irracional. (SILVA, 2006, p. 176).

            Diante dos conceitos acima assinalados, deflui-se que deve haver um equilíbrio, através do qual se assegurem os direitos fundamentais do cidadão no processo, mas que não haja dilações indevidas no decorrer do procedimento, propiciando, dessa forma, uma decisão administrativa adequada e tempestiva. Outrossim, a celeridade está diretamente vinculada ao conceito de "razoabilidade", todavia, não apenas no sentido restrito de rapidez, mas no conceito abrangente de eficiência, consubstanciada na condução do procedimento de forma diligente, e sem atrasos injustificados.

            Por outro lado, cumpre indagar quem está mais habilitado para definir a razoabilidade da duração do processo. Ou ainda, quem é mais confiável para decidir sobre isto, o legislador ou o juiz? Tal questionamento, formulado por André Luiz Nicollit (2006), é perfeitamente aplicável ao nosso estudo.

            Toda lei que disciplina determinado procedimento estabelece prazos para a prática de atos processuais. Oportuno citar a Lei nº 9.784, de 1999, por ser lei geral do processo administrativo federal, e aplicável, subsidiariamente, aos demais procedimentos específicos no âmbito da União. Nesta lei há vários dispositivos que fixam prazos para a prática de atos processuais, a exemplo do art. 24, segundo o qual "inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de 5 (cinco) dias, salvo motivo de força maior".

            Obviamente, a prática de atos processuais nos prazos estabelecidos resultará, sempre, em uma duração razoável do processo, pois o legislador fixa de antemão o prazo próprio de cada procedimento. E, neste ponto, não há qualquer crítica, pois é sempre desejável e necessária a estipulação de prazos, na medida em que são parâmetros pelos quais o agente público deve atuar, e seu descumprimento, muitas vezes, implica em violação da própria razoabilidade.

            Assim sendo, a fixação de prazos visa a assegurar a agilidade do procedimento, a sua celeridade, e isso é inerente todo o processo, seja administrativo ou judicial, pois este significa "marcha para frente", evitando-se, por conseguinte, delongas e procrastinações, a fim de que a tutela administrativa ou jurisdicional seja realmente oportuna e efetiva. Este é o escólio de Hélio Tornaghi:

            Melhor maneira de acelerar o processo sem atropelá-lo, conciliando a rapidez com justiça, consiste na fixação do tempo para a prática de cada ato. A marcação de prazos não é apenas o resultado da conveniência, é o efeito da necessidade de harmonizar a justiça e a economia, a segurança e a rapidez. Quer a lei que o processo seja ordenado, mas sem retardamento e sem gastos excessivos, de modo a obter-se uma sentença justa com o máximo de garantia e o mínimo de esforço. Permitir que os atos processuais se pratiquem sem prazo marcado será correr o risco de eternizar os litígios.(TORNAGHI, apud TUCCI, 1997, p. 30).

            Porém, nem todo descumprimento de prazos significa violação ao direito à razoável duração do processo, não obstante os prazos serem indicativos importantes para a aferição de eventual violação do preceito constitucional. Neste passo, a doutrina tem diferenciado entre atrasos leves decorrentes de descumprimento dos prazos processuais e graves descumprimentos dos prazos que configurariam efetiva dilação indevida atentatória contra o direito fundamental (NICOLLIT, 2006). No entanto, como bem acentua José Rogério Cruz e Tucci (1997, p. 68) "torna-se impossível fixar a priori uma regra específica, determinante das violações ao direito à tutela jurisdicional (ou administrativa) dentro de um prazo razoável."

            No mesmo diapasão, há que se atentar para o fato de que não é em todas as fases do processo administrativo que o legislador terá condições de fixar um prazo definido. Isto se verifica de forma mais perceptível na fase de instrução, cuja duração dependerá, muitas vezes, da complexidade e relevância da causa. Como exemplo, cita-se o art. 31, da Lei nº 9.784, de 1999, que admite a possibilidade de abertura de consulta pública, quando a matéria do processo envolver assunto de interesse geral. Portanto, é indubitável que processos que necessitem de tal conduta administrativa terão desenvolvimento seguramente mais lento, em relação aos que tenham uma instrução singela.

            Conclui-se, deste modo, a impossibilidade de se estabelecer uma duração razoável do processo em caráter objetivo, mediante lei geral e abstrata, em virtude das peculiaridades de cada caso concreto, embora os prazos legais sejam instrumentos de aferição da razoabilidade do tempo do processo. O conceito de razoabilidade seria um conceito aberto a ser analisado dentro das características de cada caso concreto, de modo que não caberia ao legislador definir, aprioristicamente, a razoável duração do processo em termos absolutos e gerais para todos casos.

            Impende notar que o conceito de razoabilidade não pode ser avaliado de forma arbitrária, a critério do juízo comum da autoridade administrativa ou do juiz. Segundo André Luiz Nicolitt (2006, p. 75), "a jurisprudência do TEDH, que fixa critérios objetivos para aferição da razoabilidade do tempo de duração do processo tem servido de paradigma para inúmeros tribunais constitucionais". Nestes termos, tais critérios do Tribunal Europeu de Direitos Humanos se aplicam em sua inteireza ao processo administrativo, dentro da realidade brasileira, com as devidas adaptações, e são fruto de sua larga experiência no tema, razão pela qual será útil utilizá-los como parâmetro de interpretação da existência ou não da razoável duração do processo.

            Com efeito, são três os principais critérios adotados pelo TEDH, e que devem ser levados em consideração, em conjunto, para apreciação do tempo razoável de duração de um determinado processo, segundo José Rogério Lauria e Tucci (1997, p. 68), sempre diante das circunstâncias de cada caso concreto, a saber: a) complexidade da causa; b) comportamento das partes e de seus procuradores; c) atuação do órgão jurisdicional. Adaptando-se ao processo administrativo, poder-se-ia considerar o item "b" como o comportamento dos administrados ou interessados no processo; e o item "c" como atuação do agente público na condução do processo.

            Primeiramente, quanto à complexidade da causa, pode-se sistematizá-la em três tipos: a complexidade dos fatos; a complexidade do direito e; a complexidade do processo. A complexidade dos fatos dá-se pela natureza da questão posta no processo, além das questões atinentes ao campo probatório. Há complexidade de direito quando existe dificuldade na interpretação das normas jurídicas incidentes sobre a questão. Neste ponto, assevera André Luiz Nicollit (2006, p. 79) que "dificilmente justificaria o atraso na prestação jurisdicional (ou administrativa), geralmente esta será fruto da complexidade fática e com maior freqüência ainda complexidade processual." Sobre este último aspecto, há complexidade processual pelo fato de existir um maior número de incidentes e demandas no procedimento, a exemplo da interposição de muitos recursos, dificuldades na localização de testemunhas, intervenção de interessados no processo etc.

            O comportamento dos administrados se consubstancia na forma de agir no decorrer do procedimento. Embora seja necessário assegurar o direito ao contraditório e à ampla defesa ao administrado, é possível, por parte deste, a adoção de comportamentos abusivos, como o uso procrastinatório dos recursos, o pedido, por parte dos interessados, de provas meramente desnecessárias, impertinentes ou ilícitas, e sua efetiva produção.

            A atuação do agente público é um fator preponderante para se aferir a existência ou não de violação do direito à duração razoável do processo administrativo. Isto se deve em razão de incidir, neste processo, o princípio da oficialidade, por meio do qual é a faculdade concedida à Administração de instaurar o processo administrativo, independente de provocação do interessado, e a obrigatoriedade de impulsionar o processo, praticando todos os atos tendentes a finalização do processo, como a instrução e o julgamento. Conforme Odete Medauar decorre do princípio da oficialidade:

            a) Atuação da Administração no processo tem caráter abrangente, não se limitando aos aspectos suscitados pelos sujeitos;

            b) A obtenção de provas e de dados para esclarecimento de fatos e situações deve também ser efetuada de ofício, além do pedido dos sujeitos;

            c) A inércia dos sujeitos (particulares, servidores e órgãos públicos interessados) não acarreta paralisação do processo salvo caso de providências pedidas pelo particular e que dependam de documentos que deve juntar; em tais casos a Administração deverá conceder prazo para a juntada, encerrando o processo se tal não ocorrer.(MEDAUAR, 1997, p. 197-198).

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            Na Lei nº 9.784, de 1999, que regula o processo administrativo federal, tal princípio está retratado no art. 2º, inciso XII, o qual prevê "impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;" e no art. 29, segundo o qual "as atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias."

            Os atrasos imputados à Administração Pública, através de seus agentes, podem ser classificados em duas categorias: dilações organizativas e dilações funcionais (NICOLLIT, 2006). As primeiras decorrem de fatores estruturais, da sobrecarga de trabalho ou mesmo conjunturais, como a existência de greves. As segundas estão ligadas à deficiente condução do processo por parte do agente público. Destarte, seja no âmbito organizacional ou no funcional, ".....há que ter uma forte justificativa para não taxar indevida a dilação e, por conseguinte, afastar a responsabilidade e os efeitos da violação do direito à duração razoável do processo." (NICOLLIT, 2006, p. 84).

            Sobre a atuação do agente público (dilação funcional), é muito comum a inépcia na condução do processo, consubstanciada na prática de nulidades pelo agente público, em razão da desobediência à forma e aos procedimentos previstos em lei, além da violação de direitos constitucionalmente protegidos, como a ampla defesa. Tais condutas ensejam a nulidade do processo, a ser decretada pela própria autoridade administrativa, ou mesmo pelo Poder judiciário, ensejando a instauração de novo procedimento, com observância das formalidades legais. A decretação de nulidade de um processo é tão prejudicial quanto à sua demora injustificada, pois o resultado é o mesmo, ou seja, a mora na tutela administrativa.

            Diante destas considerações, a fixação de critérios para aferição da razoabilidade da duração do processo é de extrema importância, a fim de se evitarem juízos arbitrários, cujos interlocutores não têm, muitas vezes, o conhecimento necessário para avaliar todas as circunstâncias que envolvem o caso concreto.


6. Medidas que visam assegurar celeridade do processo administrativo.

            Diante destas considerações, para que o dispositivo constitucional em estudo não permaneça somente nas boas intenções, é imprescindível que se criem medidas, com vistas a promover um processo justo, sem dilações indevidas, sem prejuízo dos cidadãos que se socorrem aos Poderes Públicos em busca de seus direitos.

            A criação de leis que combatam a morosidade dos processos, sejam judiciais ou administrativos, é bem vinda, mas não o suficiente, pois é necessária a mudança de mentalidade dos próprios servidores públicos, que se encontram inseridos, muitas vezes, em uma burocracia administrativa, divorciada da sociedade a que servem.

            Por outro lado, é fundamental a profissionalização do servidor, de modo a assegurar uma melhor qualidade nos serviços públicos prestados ao administrado. O preparo técnico para o desempenho de cargo, emprego ou função pública é condição sine qua non para a eficiência dos serviços públicos. Assim, é essencial a oferta de cursos de capacitação a servidores em sua área específica de atuação; a realização de concursos públicos periódicos, selecionando profissionais com capacidade técnica e, ao mesmo tempo, que se estabeleçam critérios rigorosos para a investidura em cargos em comissão, de modo que não sejam inseridas no serviço público pessoas sem a necessária qualificação, fruto de indicações políticas. Nesta linha de raciocínio, aduz Romeu Felipe Bacellar Filho:

            A Administração Pública legitima-se quando age em conformidade com o interesse público. Neste contexto, a profissionalização da função pública constitui instrumento de legitimação da Administração Pública Brasileira perante o povo: (i) primeiro, para garantir a observância do princípio da igualdade na escolha de seus agentes, a partir de critérios que possibilitem a aferição daqueles mais preparados para o exercício da profissão, e não num status atribuído em razão de um direito de nascença ou pela proximidade pessoal com os governantes; (ii) segundo, para dar cumprimento ao princípio da eficiência, de uma Administração capacitada a responder aos anseios coletivos mediante a prestação de serviços adequados. (BACELLAR FILHO, 2003, p. 10)

            Por fim, é imprescindível a responsabilização administrativa do agente público desidioso, conduta esta que se traduz em desempenho funcional ineficiente. No entanto, para a concretização de tal mister, torna-se necessária a mudança de mentalidade das autoridades administrativas, que têm agido, muitas vezes, com complacência em relação às condutas dilatórias e procrastinatórias de seus subordinados, violando direitos subjetivos de caráter constitucional. Nos termos do art. 143, da Lei nº 8.112, de 1990, a autoridade que tiver conhecimento de irregularidades é obrigada a promover-lhe a apuração imediata.

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Sobre o autor
Márcio Luís Dutra de Souza

advogado da União, com exercício na Consultoria Jurídica do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, pós-graduado em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Márcio Luís Dutra. Direito à razoável duração do processo administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1460, 1 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10056. Acesso em: 19 abr. 2024.

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