A admissibilidade de convenção processual que contemple modalidade de intervenção de terceiro não prevista em lei (atípica) está no art. 190 do CPC/15. Sabemos, conforme evidencia Athos Gusmão Carneiro, que o terceiro é aquele que não é parte da demanda, nem autor nem réu, e que não integra a relação jurídica processual (CARNEIRO, 2008: 67). Ao mesmo tempo, sabemos que as cinco modalidades de intervenção de terceiros previstas no CPC/15, do art. 119 ao art. 138, são a (a) assistência, a (b) denunciação da lide, o (c) chamamento ao processo, o (d) Amicus curiae e o (e) incidente de desconsideração de personalidade jurídica. O legislador quis admitir que, preenchidos os requisitos, quem não fosse parte no processo pudesse integrar a relação jurídica, por economia processual e harmonia de julgados (CARNEIRO, 2008: 70).
O art. 190 do CPC/15 autoriza autor, réu e terceiros a celebrarem negócios processuais com impacto no processo. Assim, podem convencionar prazos menores para o processo ser mais rápido, por exemplo, ou estabelecerem que apenas admitirão provas documentais. São arranjos baseados na Autonomia da Vontade em relação ao processo. Quando partes, inclusive junto a terceiros, convencionam quem poderá entrar no processo mesmo sem satisfazer os requisitos das 5 modalidades previstas, entende-se que ajustaram o ingresso de terceiro, sem vedação legal (in dubio pro libertate).
Humberto Dalla Pinho destaca a inovação do art. 190 do CPC/15 no que concerne às convenções processuais, reiterando que, apesar de o direito processual pertencer ao ramo do direito público, o direito processual vem incorporando vários dispositivos que prestigiam o princípio da livre manifestação de vontade das partes, assim como a doutrina vem consolidando este instituto, inclusive a doutrina francesa e a doutrina alemã, nesta última se destacando o pensamento de Gerhard Wagner sobre a Autonomia Privada no Direito Processual, autor que distingue a Befugnisdisposition (categoria de convenções que se refere ao exercício de poderes processuais) da Normdisposition (categoria que abrange a derrogação consensual da norma processual).
No Brasil, Dalla Pinho aponta para a sistematização do tema realizada por Leonardo Greco, que classifica as convenções em três grupos (I- convenções que afetam apenas direitos processuais das partes, sem interferir nas prerrogativas do órgão julgador; II-convenções que afetam os poderes do juiz e III-convenções em que a vontade das partes deve ser somada à concordância do juiz, que fará uma análise da conveniência e oportunidade). Segundo Dalla Pinho (2020), para Greco, as convenções processuais devem, porém, satisfazer requisitos como, resumidamente: (a) possibilidade de autocomposição ou impossibilidade de a convenção prejudicar direito material indisponível; (b) celebração por partes plenamente capazes; (c) respeito ao equilíbrio entre as partes e à paridade de armas e (d) preservação da observância dos princípios e garantias fundamentais do processo e da ordem pública processual.
Dalla Pinho, contudo, sustenta que o CPC/15 traz uma técnica de flexibilização do processo, permitindo que as partes tenham uma maior contribuição sobre a gestão do processo (PINHO, 2020). Uma crítica do autor é de que tal ideia encontra certa resistência no âmbito da cultura da Civil Law brasileira, que é, segundo ele, apegada à forma preestabelecida do ato e do procedimento, enquanto sinônimo de previsibilidade e segurança, o que torna mais difícil a atuação dispositiva dos particulares. Contudo, a tendência já verificada em outros ordenamentos jurídicos é a de permitir às partes adaptarem o procedimento às peculiaridades da causa, se tornando esta uma cláusula geral de negociação processual (PINHO, 2020), sendo, no entanto, um desafio encontrar um ponto de equilíbrio, uma vez que não há um rol de hipóteses em que a convenção seja possível, mas uma autorização genérica para essas hipóteses, desde que satisfeitos dois requisitos: (a) o processo versar sobre direitos que admitam autocomposição e (b) as partes serem capazes.
Enfim, já é uma realidade que as partes possam conferir legitimidade interventiva fora daquelas previstas no texto legal e provocar a intervenção do sujeito que não conste como parte originária do processo, independente de interesse jurídico do terceiro (COSTA, 2018: 239). Não à toa Marília Siqueira da Costa (2018) conclui em sua obra que é presumível a admissibilidade de celebração de convenções processuais para criação de hipóteses atípicas de intervenção de terceiros (COSTA, 2018: 244).
E, por fim, se estiver correta a analogia do processualista italiano Piero Calamandrei, citada por Oliveira Filho (2019), entre o processualista e o relojoeiro, em que ele afirma que o processualista não pode ser como o relojoeiro, cujo trabalho se encerra com a colocação das engrenagens, sem se preocupar se o construto servirá para marcar a hora da felicidade ou a hora da morte (CALAMANDREI apud OLIVEIRA FILHO, 2019: 106), sem dúvida as convenções processuais sobre intervenção de terceiros são um esforço fundamental para que os processos possam marcar a hora da felicidade, com a busca de se facilitar ao máximo uma justa resolução de eventuais litígios entre as partes, em vez da hora da morte diante de impossibilidades que não contribuíssem com o mais justo resultado no menor tempo possível.
Referências
CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de Terceiros. São Paulo: Saraiva, 2008.
PINHO, Humberto Dalla Bernardinho de. Manual de Direito Processual Civil Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2020.
OLIVEIRA FILHO, Silas. Processo e Justiça: escopos do processo e dos meios adequados de resolução de conflitos. Revista CNJ, Brasília, DF, v. 3, n. 2, p. 104-116, jul./dez. 2019
COSTA, Marília Siqueira . Convenções processuais sobre intervenção de terceiros. Salvador: JusPodivm, 2018