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Posição topográfica das partes na audiência e o fortalecimento da advocacia no sistema de Justiça do Brasil

01/01/2023 às 20:45
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A novíssima Lei nº 14.508, que entrou em vigor em 28 de dezembro de 2022, estabeleceu normas sobre a posição topográfica das partes na audiência.

Resumo: Propõe-se a analisar sem caráter exauriente a novíssima Lei nº 14.508, de 2022 que entrou em vigor neste dia 28 de dezembro de 2022, para alterar o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, a fim de estabelecer normas sobre a posição topográfica dos advogados durante audiências de instrução e julgamento no Poder Judiciário.


Entrou em vigor no dia 28 de dezembro de 2022 a novíssima Lei nº 14.508, de 27 de dezembro de 2022, para alterar o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, estabelecendo normas sobre a posição topográfica dos advogados durante audiências de instrução e julgamento realizadas no Poder Judiciário.

Destarte, o art. 6º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar acrescido do seguinte § 2º, numerando-se o atual parágrafo único como § 1º, e prevendo o § 2º do Estatuto com a seguinte redação:

§ 2º Durante as audiências de instrução e julgamento realizadas no Poder Judiciário, nos procedimentos de jurisdição contenciosa ou voluntária, os advogados do autor e do requerido devem permanecer no mesmo plano topográfico e em posição equidistante em relação ao magistrado que as presidir.

Segundo a norma de vigência, a lei entra em vigor na data de sua publicação.

No Projeto de Lei nº 3528, de 2019, o seu autor apresenta relevante justificação para buscar amparo de seus pares na aprovação da proposta, in verbis:

O presente projeto de lei cuida de alterar o art. 6º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, que instituiu o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, com o objetivo de estabelecer normas sobre a posição topográfica dos advogados dos requerentes e dos requeridos nas audiências de instrução e julgamento realizadas perante o Poder Judiciário, nos procedimentos de jurisdição contenciosa ou voluntária. Conquanto possa parecer secundária ou não merecedora de discussão e regramento, a posição topográfica dos advogados do requerente e do requerido (autor e réu no processo penal), é tema que já suscitou a manifestação da Ordem dos Advogados do Brasil e de membros da magistratura, a elaboração de matérias jornalísticas e até mesmo o pronunciamento do Conselho Nacional de Justiça e de Tribunais Judiciários, incluído o Supremo Tribunal Federal. Em 14.12.2011, o jornal Valor Econômico publicou reportagem com o título Os lugares nas salas de audiência penal, em que se discorre sobre a relevância do tema e se examina o argumento daqueles que defendem que o princípio da igualdade teria desdobramentos nos processos judiciais, cíveis ou criminais, em ordem a exigir tratamento isonômico das partes, inclusive para possibilitar que os contendores se coloquem em posição simétrica ou equivalente durante as audiências de instrução e julgamento. 3 No que se refere aos processos penais e à posição topográfica dos advogados de defesa e dos membros do Ministério Público, tramita no Supremo Tribunal Federal a Reclamação nº 12.011 SP, distribuída à ilustre Ministra Cármen Lúcia, sendo Reclamada a Relatora do MS 003836553211104030000, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Nos autos da Reclamação, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil foi admitido como amicus curiae, deixando antever um acalorado debate. Pois bem. A reclamação examina ato normativo emanado de juiz federal, que alterou o desenho da sala de audiência e retirou o tablado suspenso e o assento do Ministério Público Federal à direita do magistrado, de modo situar todos os atores do processo em um mesmo plano de importância. Sobrevindo impugnação por meio de mandado de segurança preventivo direcionado ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, deferiu-se medida liminar para determinar a recolocação do assento do Ministério Público Federal, tal como preceitua a legislação de regência, para os estritos fins da audiência em ação penal. A Reclamação que alega usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal em razão de a aludida causa debater questões afetas a toda a Magistratura ainda está pendente de julgamento. Em todas as manifestações acima mencionadas, o cerne do debate é a "paridade de armas" entre as partes, que deveria prevalecer em todos os procedimentos jurisdicionais, sejam contenciosos ou voluntários. Em rápidas palavras, pode-se dizer que paridade de armas é a igualdade de tratamento entre as partes no curso do processo, em relação ao exercício de direitos e faculdades, aos meios de defesa, aos ônus e deveres, à oportunidade de manifestação e à aplicação de sanções processuais. Essa igualdade alcança a posição topográfica dos patronos dos contendores, que não pode ser privilegiada em relação a nenhum deles, seja no que se refere à proximidade ou ao distanciamento do juiz, seja no que concerne à visibilidade. Quanto à paridade da posição topográfica entre os membros do Ministério Público e advogados nas audiências judiciais, já houve proposição da nossa lavra, o Projeto de Lei Complementar nº 179, de 2012, que, contudo, foi considerado formalmente inconstitucional e antijurídico. Tendo 4 reverenciado, naquele momento, o parecer do ilustre Relator, Deputado Paes Landim, o nosso entendimento é que os mesmos vícios não prevalecem em relação à regulamentação da matéria no que toca aos advogados, por não se tratar de matéria com cláusula de reserva de iniciativa. Deveras, a questão se reveste de importância singular. Em face da centralidade do princípio da igualdade na Constituição Federal e no paradigma do Estado Democrático de Direito, entendemos que a paridade de armas nos processos judiciais é uma questão relacionada à própria efetivação dos direitos e garantias fundamentais. A propósito, após estabelecer que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (art. 5º, caput), o constituinte originário assegurou no inciso LV, a todos os litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o direito ao contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Nesse lineamento, ao lado do respeito profissional e da igualdade dos patronos constituídos pelas partes, o que se defende é a igualdade fundamental entre requerente e requerido e a efetivação do direito constitucional ao devido processo

Assim, doravante, durante as audiências de instrução e julgamento realizadas no Poder Judiciário, nos procedimentos de jurisdição contenciosa ou voluntária, os advogados do autor e do requerido devem permanecer no mesmo plano topográfico e em posição equidistante em relação ao magistrado que as presidir.

Antes de falar sobre a repercussão da norma, importante salientar que a lei menciona jurisdição contenciosa e voluntária, aquela ocorre quando há conflito entre as partes, ou seja, a parte busca no Judiciário (em juízo) a tutela jurisdicional do seu direito que foi violado, portanto, quando há lide, na famosa lição de FRANCESCO CARNELUTTI, conflito de interesse qualificado por uma pretensão resistida.

Por sua vez, na jurisdição voluntária não apresenta conflito de interesses, não havendo uma coisa a ser julgada. Dessa forma, não existe uma sentença, mas sim um procedimento.

Assim, os procedimentos de jurisdição voluntária, também chamado de graciosa, a exemplo do procedimento das coisas vagas, interdição, codicilos, bens dos ausentes, estão presentes no Capítulo XV, da Lei nº 13.105 de 2015, desde o artigo 719 até 770, prevendo que quando o CPC não estabelecer procedimento especial, regem os procedimentos de jurisdição voluntária as disposições constantes da presente Seção. Desta forma, procedem-se com a emancipação, sub-rogação, alienação, arrendamento ou oneração de bens de crianças ou adolescentes, de órfãos e de interditos, alienação, locação e administração da coisa comum, alienação de quinhão em coisa comum, extinção de usufruto, quando não decorrer da morte do usufrutuário, do termo da sua duração ou da consolidação, e de fideicomisso, quando decorrer de renúncia ou quando ocorrer antes do evento que caracterizar a condição resolutória, expedição de alvará judicial, homologação de autocomposição extrajudicial, de qualquer natureza ou valor.

Antes de abordar o real sentido da norma, é relevante frisar o sempre destacado e festejado artigo 133 da Carta Magna de 1988, a partir do Capítulo IV, que discorre sobre as funções essenciais da Justiça, em quatro seções, colocando no mesmo bloco de importância jurídica o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Advocacia e a Defensoria Pública, e especificamente, no artigo 133 estatui que o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Logo depois da Constituição da República de 1988 veio o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, colocando a norma de repetição em seu artigo 2º, enfatizando ser o advogado indispensável à administração da justiça, sendo que no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social. Também nesse mesmo dispositivo, assegura que no processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.

Mais que isso, no processo administrativo, o advogado contribui com a postulação de decisão favorável ao seu constituinte, e os seus atos constituem múnus público. Arremata para afirmar que no exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei. Acrescenta que devido a nobreza de sua função o advogado pode contribuir com o processo legislativo e com a elaboração de normas jurídicas, no âmbito dos Poderes da República.

Diante de tudo isso, sinceramente, não precisava de mais nada para entender que o advogado no exercício de sua função possui as mesmas prerrogativas dos demais atores do sistema de justiça, porque sem o advogado não há justiça efetiva. Mas como a vaidade pode acometer alguns atores de justiça, foi previso a edição de uma norma para dizer que o advogado goza do mesmo valor e deve se colocar no mesmo plano topográfico e em posição equidistante em relação ao magistrado que presidir a audiência.

E tudo isso parece desnecessário, mas num passado não muito distante os membros do Ministério Público, o antigo Parquet ocupava posição inferior em relação aos julgadores, se posicionava no assoalho num plano inferior. Numa última análise, é possível afirmar que num forte e equilibrado sistema de Justiça, não pode haver superioridade entre os atores da Justiça, uma vez que todos são importantes para a prestação da Justiça.

O compromisso com os ideais de justiça deve ser apanágio inseparável de todo profissional do direito, pois em qualquer situação, condenando um inocente ou absolvendo um culpado, tudo isso é clara manifestação de injustiça, e se alguém de senso ético e comprometido com as coisas equânimes da sociedade, se indignar com a prática de um ato de injustiça em qualquer lugar do mundo, então estamos no mesmo barco, navegando no mesmo sentido, buscando o mesmo desiderato, pois, enquanto houver compromisso com o humanismo, com os valores essenciais da humanidade, devemos contribuir inexoravelmente para a construção da paz social e com os ditames da justiça, embora acabe com o mundo.

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. Posição topográfica das partes na audiência e o fortalecimento da advocacia no sistema de Justiça do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7123, 1 jan. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101792. Acesso em: 27 abr. 2024.

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