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A obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos vinculados e discricionários

03/08/2007 às 00:00

Resumo:

- A motivação dos atos administrativos tem gerado divergências na doutrina brasileira, com diferentes correntes que discutem a necessidade de motivar os atos, dependendo se são vinculados ou discricionários.


- Enquanto alguns doutrinadores defendem que a motivação é obrigatória em todos os atos administrativos, outros sustentam que a exigência varia de acordo com a natureza do ato, sendo obrigatória apenas para os atos vinculados ou discricionários.


- A discussão se a motivação é necessária para todos os atos administrativos é embasada em argumentos constitucionais, como o direito à informação, à cidadania, à soberania popular e à tutela jurisdicional, além de princípios democráticos e de publicidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Ementa: Direito Administrativo. Atos administrativos. Motivo e motivação do ato administrativo. Atos administrativos vinculados e discricionários.


            A motivação dos atos administrativos é tema que tem suscitado divergências na doutrina brasileira. Enquanto parte dos autores afirma que sempre há dever de motivar, outros defendem que tal dever somente subsiste diante de expressa exigência legal. Há, ainda, aqueles que fazem distinção em razão da natureza discricionária ou vinculada do ato administrativo em questão, dividindo-se as opiniões entre a parcela que entende que o dever de motivar é relativo somente aos atos vinculados e outros que postulam justamente o contrário, aduzindo que a motivação somente se faz necessária perante os atos discricionários.

            Para compreender este emaranhado de opiniões divergentes, é preciso, preliminarmente, analisar os conceitos de motivo e de motivação e, especialmente, verificar a diferença que há entre eles.

            Motivo é elemento do ato administrativo que, segundo a professora Maria Sylvia Zanella di Pietro, é definido como o pressuposto de fato e de direito que serve de fundamento ao ato administrativo, conceituando pressuposto de fato como conjunto de circunstâncias, de acontecimentos, de situações que levam a Administração a praticar o ato e pressuposto de direito como o dispositivo legal em que se baseia o ato.

            Motivação, por sua vez, corresponde à exposição dos motivos, conforme leciona Marcus Vinicius Corrêa Bittencourt e, portanto, não se assemelha ao conceito de motivo.

            Parte da doutrina sustenta que a motivação não é obrigatória para a Administração, salvo nas hipóteses em que a lei expressamente a exigir, fundamentando este posicionamento nos artigos 93, inciso X, da Constituição e 50, da lei 9784/99.

            O artigo 93, inciso X, da Constituição de 1988 dispõe: As decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros.

            Em vista deste dispositivo, os defensores da ausência de obrigatoriedade de motivação na falta de expressa imposição legal afirmam que, se fosse a vontade do constituinte trazer o dever de motivar para todos os atos, teria feito tal previsão expressamente, como a fez para o Poder Judiciário. Porém, inversamente, o legislador constituinte restringiu o dever de motivar somente às decisões administrativas dos tribunais.

            Reafirmam, ainda, este posicionamento no fato de o artigo 50 da lei 9784/99 trazer um rol de atos administrativos que exigem motivação, o que implica, a contrario sensu, que os demais atos, não constantes da referida lista, independem de motivação.

            Outros doutrinadores, porém, defendem que a motivação somente é obrigatória nos atos vinculados, pois, nestes a Administração deve demonstrar que o ato está em conformidade com os motivos indicados na lei, conforme explicita Di Pietro.

            Na direção oposta, há autores que alegam a obrigatoriedade da motivação somente para os atos discricionários pois, nestes, há maior risco de que os motivos que levaram à prática do ato não sejam legítimos e demandam maior controle. Este é, por exemplo, o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, que, em suas palavras, afirma: em se tratando de atos vinculados (...) o que mais importa é haver ocorrido o motivo perante o qual o comportamento era obrigatório, passando para segundo plano a questão da motivação. (...). Entretanto, se se tratar de ato praticado no exercício de competência discricionária, salvo alguma hipótese excepcional, há de se entender que o ato não motivado está irremissivelmente maculado de vício e deve ser fulminado por inválido, já que a Administração poderia, ao depois, ante o risco de invalidação dele, inventar algum motivo, "fabricar" razões lógicas para justificá-lo e alegar que as tomou em consideração quando da prática do ato.

            Por fim, a quarta e última corrente doutrinária assevera que a motivação é indispensável em todos os atos administrativos, independentemente de expressa exigência na lei para o ato específico, pois já deriva implicitamente do texto constitucional e expressamente da lei infraconstitucional.

            Para afirmar que a exigência de motivação encontra-se implicitamente prevista no texto constitucional, cita-se, inicialmente, o artigo 93, X, da Constituição, como dispositivo a ser aplicado, por analogia, à Administração, no exercício de sua atividade. Afinal, se ao Poder Judiciário, que apenas exerce a atividade administrativa de forma atípica, foi destinada a exigência de motivação, quanto mais deve-se dizer da Administração, que a exerce de forma típica. Nas palavras de Lúcia Valle Figueiredo, para quem a exigência de motivação é, inclusive, expressa no texto constitucional: (...) a necessidade de motivação é expressa no texto constitucional. É o que se colhe do art. 93, inciso X, que obriga sejam as decisões administrativas do Judiciário motivadas. Ora, se quando o Judiciário exerce função atípica – a administrativa – deve motivar, como conceber esteja o administrador desobrigado da mesma conduta?

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            Ademais, sustenta-se que a Constituição fixa a obrigatoriedade de motivação em outros dispositivos, a exemplo do artigo 1º, em seu inciso II e em seu parágrafo único, ao eleger a cidadania como fundamento da República Federativa do Brasil e ao estatuir que todo poder emana do povo, consagrando a soberania popular. Ora, se todo poder emana do povo, parece bastante lógico concluir que o titular do poder detém o direito inerente a conhecer o que tem sido feito dele, e por quais razões. O povo, como titular do poder, tem direito à prestação de contas acerca dele, e esta prestação é realizada através da motivação. Salienta Fernanda Marinela: (...) o poder emana do povo, portanto, nada mais justo que o titular desse poder conheça as razões que levam à prática do ato;...

            Da mesma forma, o artigo 5º, inciso XXXIII, ao estabelecer o direito à informação, também respalda a tese da obrigatoriedade da motivação em todos os atos administrativos.

            Para Odete Medauar, a exigência constitucional do dever de motivar os atos administrativos está implícita, ainda, nos dispositivos constitucionais que consagram a Democracia, a publicidade e o contraditório. Segundo a autora: A ausência de previsão expressa, na Constituição Federal ou em qualquer outro texto, não elide a exigência de motivar, pois esta encontra respaldo na característica democrática do Estado brasileiro (art. 1º da CF), no princípio da publicidade (art. 37, caput) e, tratando-se de atuações processualizadas, na garantia do contraditório (inc. LV do art. 5º).

            Porém, o mais contundente argumento da corrente que assenta o dever de motivar como regra está no artigo 5º, XXXV, garantidor do direito à apreciação judicial. Tal direito somente poderá ser exercido em face da motivação, pois ao juiz não haverá possibilidade de analisar a validade do ato administrativo se não obtiver o conhecimento acerca das razões de fato e de direito que levaram à sua prática. A motivação é, portanto, exigência constitucional, por ser pressuposto para a realização do direito fundamental à inafastabilidade da tutela judicial. Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari sintetizam: Sem a explicitação dos motivos torna-se extremamente difícil sindicar, sopesar ou aferir a correção daquilo que foi decidido. Sem a motivação fica frustrado ou, pelo menos, prejudicado o direito de recorrer, inclusive perante a própria Administração ou o Poder Judiciário.

            No âmbito da legislação infraconstitucional, em relação ao rol de atos administrativos que demandam motivação, previsto no artigo 50 da lei 9784/99, os propugnadores do dever de motivar todos os atos administrativos aduzem que tal listagem é tão extensa que acaba por abranger todos os atos; repelindo, assim, o argumento da corrente oposta, que defende que o rol do artigo 50 exclui as situações que não estiverem nele previstas do dever de motivar. Celso Antônio, porém, apresenta peculiar entendimento, ao frisar que a relação trazida por referido dispositivo é inconstitucional, pois não poderia restringir a necessidade de motivação, excluindo os atos que tragam benesses aos administrados: Como se vê, aí não estão incluídos atos ampliativos de direito em que a Administração promove situações favoráveis aos administrados. Cumpre não esquecer que são também muito temíveis os favoritismos em prol de apaniguados ou correligionários políticos. A restrição do dever de motivar às hipóteses arroladas no art. 50 parece-nos inconstitucional.

            Por fim, salienta-se que, na norma infraconstitucional, a exigência de motivar não somente é implícita, como expressa, pois, segundo consta do artigo 2º da lei 9784/99, o princípio da motivação deve ser obedecido pela Administração.

            Portanto, além de rechaçar todos os argumentos apresentados pela doutrina defensora da inexistência de obrigatoriedade de motivação, conforme acima explicitado, os autores que ensinam a motivação como regra para todos os atos administrativos trazem inúmeros argumentos incisivos que não podem ser ignorados.

            É inadmissível a tentativa de tornar inócuas as normas constitucionais através do menosprezo aos institutos necessários para a sua realização. A motivação é pressuposto para o exercício dos direitos fundamentais à informação e à tutela jurisdicional, bem como à efetivação do princípio da publicidade, da cidadania, da soberania popular e da democracia.

            Por conseguinte, não há sentido em discutir se a obrigatoriedade de motivação se dá para os atos vinculados ou para os discricionários, uma vez que a exposição dos motivos que determinaram a prática do ato administrativo é indispensável sempre e para todos os atos, independentemente de expressa exigência legal para o ato em específico, uma vez que já é imposta implicitamente pela própria Constituição Federal (com a ressalva de que, para Lúcia Valle Figueiredo, conforme já mencionado, a imposição é explícita) e expressamente pela legislação infraconstitucional, na lei do processo administrativo federal.


Bibliografia:

            Bittencourt, Marcus Vinicius Corrêa. Manual de Direito Administrativo. Belo Horizonte, Fórum, 2005

            Dallari, Adilson Abreu, Ferraz, Sergio. Processo Administrativo. 2ª Edição, Sao Paulo, Malheiros, 2007

            Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16ª Edição, Sao Paulo, Atlas, 2003

            Figueiredo, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 7ª Edição, Sao Paulo, Malheiros, 2004

            Marinela, Fernanda. Direito Administrativo. Volume I. 3ª Edição, Salvador, JusPodivm, 2007

            Medauar, Odete. Direito Administrativo Moderno. 9ª Edicao, Sao Paulo, Revista dos Tribunais, 2005

            Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22ª Edição, São Paulo, Malheiros, 2007

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Sobre a autora
Míriam Sasaki França

analista processual do Ministério Público Federal, pós-graduanda em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANÇA, Míriam Sasaki. A obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos vinculados e discricionários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1493, 3 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10232. Acesso em: 18 dez. 2024.

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