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A participação da comunidade na execução penal

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4 A POLÍTICA CRIMINAL

A Política Criminal consiste na "atividade que tem por fim a pesquisa dos meios mais adequados para o controle da criminalidade" [68]. Na definição de René Ariel Dotti:

A Política Criminal é o conjunto sistemático de princípios e regras através dos quais o Estado promove a luta de prevenção e repressão das infrações penais. Em sentido amplo, compreende também os meios e métodos aplicados na execução das penas e das medidas de segurança, visando o interesse social e a reinserção do infrator. [...] Compete à Política Criminal fornecer e avaliar os critérios para se apreciar o valor do Direito vigente e revelar o Direito que deve vigorar; cabe-lhe ensinar-nos também a compreender o Direito à luz de considerações extraídas dos fins a que ele se dirige e a aplicá-lo nos casos singulares em atenção a esses fins (Liszt, Tratado, p. 3). Em síntese, pode-se afirmar que a Política Criminal é a sabedoria legislativa do Estado na luta contra as infrações penais. [69]

Magalhães Noronha afirma que a Política Criminal é ao mesmo tempo "crítica e reforma" [70]. Atua criticamente quando examina e estuda as instituições jurídicas existentes, avaliando as mazelas e qualidades do sistema penal material, formal e de execução. E atua como reforma quando sugestiona e implementa modificações e aperfeiçoamentos aos sistemas.

Segundo Heleno Cláudio Fragoso "não é ciência, mas apenas técnica, aproximando-se das disciplinas políticas, que são disciplinas de meios e fins" [71].

A Organização das Nações Unidas (ONU) denomina de Política Criminal o "critério orientador da legislação, bem como os projetos e programas tendentes a mais ampla prevenção do crime e controle da criminalidade" [72].

Atualmente a Política Criminal tem variado, principalmente no âmbito legislativo, sendo por vezes contraditória.

Há corrente que visa o recrudescimento das penas como meio de melhora na segurança pública, o que se denominou de "política criminal do terror" [73], abordando temas como os crimes hediondos (Lei nº 8.072/90) e a criminalidade organizada (Lei nº 9.034/95).

Outra, busca a efetividade do sistema penal e a implementação de formas que facilitem a reinserção social, como a adoção das penas alternativas e a legislação pertinente aos Juizados Especiais Criminais, trazendo a noção de infrações de menor potencial ofensivo.

A Política Criminal possui influência direta sobre o legislador e se insere na doutrina e na jurisprudência, demonstrando as tendências e exigências sociais. Nesse sentido, é interessante que se perceba a importância do exercício de uma Política Criminal que vise aproximar a comunidade das questões pertinentes à execução penal, permitindo a existência de um trabalho de (re) inserção social do delinqüente, assim como da inclusão social das classes que atualmente encontram-se marginalizadas. Se isso ocorrer com efetividade, certamente haverá redução na criminalidade, o que melhorará a segurança pública.


5 CAUSAS E MOTIVAÇÕES DE CRIMINALIDADE

Muitas podem ser as causas da criminalidade [74], entretanto, o foco aqui presente é o da análise de causas em que a própria comunidade pode exercer influência e atuação, na tentativa de uma melhora da sociedade.

Também não se desconhece o fator de que sempre haverá pessoas que mesmo tendo todas as condições para o exercício de uma vida honesta optarão por seguir o caminho delitivo. Mas, certamente esse número será pequeno se comparado às atuais taxas de criminalidade, motivo pelo qual é oportuno o esforço da comunidade na melhora da segurança pública.

5.1 A PENA COMO FATOR CRIMINÓGENO

Pode-se identificar com facilidade duas frentes nas quais a pena, nos moldes como tem sido manuseada, atua como fator criminógeno.

A primeira consiste na falta de fiscalização do Poder Público quanto ao efetivo cumprimento das sanções aplicadas. Não raro vêem-se sentenças belíssimas, com citações de doutrina estrangeira e jurisprudências atuais, mas que, na prática, esvaem-se em si mesmas, pois o sujeito passivo – o réu condenado – embora tenha uma pena aplicada, não a cumprirá e encontrará apoio para sua desídia na inoperância que assola a maior parte das varas criminais e de execução.

Por vezes a inoperância decorre da falta de pessoal e de equipamentos. Por outras, são os próprios "aplicadores do Direito" que não possuem interesse em dar efetividade à execução penal, pois temem o aumento do volume de trabalho, relegando a questão.

De qualquer forma, o resultado é o mesmo: ausência de efetivação das sanções aplicadas.

É inegável que a ausência de rigor e fiscalização quanto a um efetivo cumprimento de pena é fator que gera descrédito à Justiça. Logo, do descrédito decorre o estímulo à delinqüência, pois as pessoas passam a perceber que podem adentrar à vida criminosa e auferir lucro facilmente, haja vista que não sofrerão efetiva repressão.

A segunda forma em que a pena atua como fator criminógeno consiste na falência da pena prisão.

[...] Considera-se que a prisão, em vez de frear a delinqüência, parece estimulá-la, convertendo-se em instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidade. Não traz nenhum benefício ao apenado; ao contrário, possibilita toda sorte de vícios e degradações. [75]

Michel Foucault [76] há muito já concluiu que a prisão não diminui a taxa de criminalidade, pois é fator que provoca a reincidência; fabrica e aperfeiçoa a delinqüência (eis que lhe são inerentes o arbítrio, a corrupção, o medo, a incapacidade dos vigilantes e a exploração); favorece a organização de um meio de criminosos, solidários entre si, hierarquizados, prontos para todas as cumplicidades futuras; e fabrica, indiretamente, novos delinqüentes, ao fazer cair na miséria a família do detento.

Muitas são as razões para as conseqüências nefastas da pena de prisão. Samuel Monteiro [77] destaca, dentre outras, as seguintes:

a) o custodiado não exerce qualquer atividade lícita que o torne útil a si mesmo e à sociedade, não sendo estimulado à auto-regeneração;

b) não se ministra alfabetização ao analfabeto, nem cursos profissionalizantes aos já alfabetizados; mantém-se o preso no ócio permanente, obrigando-o a cultivar pensamentos torpes, planos de fuga, de continuidade delitiva, no que é incentivado pelos exemplos ocorridos dentro da detenção ou presídio, diariamente, e pelos conselhos dos já irrecuperáveis (presos com grandes condenações e que comandam grupos de presos com seu poder maléfico); e

c) ao invés de trabalhar para alimentar-se, o condenado é alimentado pelos cofres públicos.

Entretanto, a maior falha da pena de prisão é a de que não alcança a sua principal finalidade, a de ressocialização do condenado. Tal frustração decorre principalmente da total exclusão social do indivíduo encarcerado, o qual fica isolado da comunidade. Na conclusão de Luís Francisco Carvalho Filho [78], o "cárcere é uma instituição totalitária, que, com o passar do tempo, deforma a pessoa e acentua seus desvios morais".

Ocorre violação direta ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, previsto no inciso III do artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil, pois o preso é privado de todas as condições mínimas de vida.

Colhendo a análise psicológica, tem-se que o indivíduo imerso no mundo intramuros sofre um processo de desconstrução de sua personalidade e individualidade.

O novato chega ao estabelecimento com uma concepção de si mesmo que se tornou possível por algumas disposições sociais estáveis no seu mundo doméstico. Ao entrar, é imediatamente despido do apoio dado por tais disposições. Na linguagem exata de algumas de nossas mais antigas instituições totais, começa uma série de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações do eu. O seu eu é sistematicamente, embora muitas vezes não intencionalmente, mortificado. Começa a passar por algumas mudanças radicais em sua carreira moral, uma carreira composta pelas progressivas mudanças que ocorrem nas crenças que têm a seu respeito e a respeito dos outros que são significativos para ele. [79]

Eugenio Raúl Zaffaroni exprime toda a falência das prisões ao afirmar que as "cadeias são verdadeiras máquinas de deteriorar".

A prisão ou cadeia é uma instituição que se comporta como uma verdadeira máquina deteriorante: gera uma patologia cuja principal característica é a regressão, o que não é difícil de explicar. O preso ou prisioneiro é levado a condições de vida que nada têm a ver com as de um adulto: é privado de tudo que o adulto faz ou deve fazer usualmente em condições e com limitações que o adulto não conhece (fumar, beber, ver televisão, comunicar-se por telefone, receber ou enviar correspondência, manter relações sexuais, etc.).

Por outro lado, o preso é ferido na sua auto-estima de todas as formas imagináveis, pela perda de privacidade, de seu próprio espaço, submissões a revistas degradantes, etc. A isso juntam-se as condições deficientes de quase todas as prisões: superpopulação, alimentação paupérrima, falta de higiene e assistência sanitária, etc., sem contar as discriminações em relação à capacidade de pagar por alojamentos e comodidades.

O efeito da prisão, que se denomina prisionização, sem dúvida é deteriorante e submerge a pessoa numa "cultura de cadeia", distinta da vida do adulto em liberdade. [80]

Logo, dentre a "tríplice dimensão" [81] em que se apresentam as finalidades teóricas da pena, tem-se que na prática ela cumpre apenas o escopo de retribuição. Isto é, somente se castiga o delinqüente pelo fato ilícito cometido, abandonando os fins de prevenção e reintegração social. Ocorrera inversão de valores, pois indubitavelmente as finalidades mais importantes são justamente as que foram deixadas para um segundo plano.

Ângelo Roncalli de Ramos Barros aborda a questão:

As prisões, atualmente, não recuperam. Sua situação é tão degradante que são rotuladas com expressões como sucursais do inferno, universidades do crime e depósitos de seres humanos. O encarceramento puro e simples não apresenta condições para a harmônica integração social do condenado, como preconizada na Lei de Execução Penal. Punir, encarcerar e vigiar não bastam. É necessário que se conceda à pessoa de quem o Estado e a sociedade retiram o direito à liberdade o acesso a meios e formas de sobrevivência que lhe proporcionem as condições de que precisa para reabilitar-se moral e socialmente.

[...] quando a cadeia não cumpre seu objetivo de correção de indivíduos moral e socialmente "desajustados", é a sociedade civil que sofre, com a ameaça e a insegurança crescentes.

Nas prisões, a (re) educação é fundamental e deverá ser feita através da implantação de frentes de trabalho, cujo objetivo não se resume a retirar a pessoa presa da ociosidade, mas também a abrir perspectivas de sua inserção futura na sociedade, por meio da profissionalização e da perspectiva de emprego digno. É nesse sentido que se acredita poder reduzir o circuito vicioso e reiterado do mundo do crime que se mantém na maior parte dos presídios brasileiros. [82]

Em síntese, "a prisão faliu, isto porque, além de não intimidar, não recupera ninguém. Em outras palavras, não cura, corrompe" [83], conclui César Oliveira de Barros Leal.

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Contudo, não se pretende aqui afirmar a necessidade de acabar definitivamente com a adoção da pena de prisão, pois ela "é uma exigência amarga, mas imprescindível" [84]. Acredita-se que ela deve ser aplicada, mas com uma ampla e profunda remodelação estrutural.

Ao largo da discussão entre o abolicionismo, o minimalismo e as reações marginais de política penal (problemática abordada por Eugenio Raúl Zaffaroni [85]), assim como das posições que lutam pela adoção de excessivo rigor (defendidas pela mídia de massa), ou as completamente antagônicas, apresentadas pelos chamados "radicais do perdão", acredita-se que a solução esteja no que Luiza Nagib Eluf chama de "racionalidade das posições intermediárias", que consiste em uma remodelação da estrutura penal, de modo a trazer "rigor para os perigosos, mas sem violação de princípios básicos de direitos humanos e de cidadania" [86].

Nos últimos tempos houve significativo aumento da sensibilidade social em relação aos direitos humanos e à dignidade do ser humano. A consciência moral está mais exigente nesses temas. Essa maior conscientização social não tem ignorado os problemas que a prisão apresenta e o respeito que merece a dignidade dos que, antes de serem criminosos, são seres humanos. [87]

Em verdade, para que esse paradigma seja alcançado não se mostra necessária uma urgente modificação na legislação, mas sim, trata-se de se assegurar o efetivo cumprimento das regras vigentes. A Lei de Execução Penal apresenta instrumentos e disposições que visam humanizar o cumprimento das penas, viabilizando a reinserção social do indivíduo. Nesse sentido, dentre outras, destacam-se as disposições que visam o envolvimento da comunidade na execução penal (art. 4º); a adequada assistência material (arts. 12 e 13), à saúde (art. 14), jurídica (art. 15), social (arts. 22 e 23) e religiosa (art. 24); a instrução escolar (art. 18); o ensino profissionalizante (art. 19); e o trabalho (art. 28).

Já no que pertine à impunidade ocasionada por falhas na execução, a solução está na fiscalização rigorosa quanto ao cumprimento das penas aplicadas, principalmente podendo o magistrado valer-se para tanto do auxílio dos conselhos da comunidade (cuja atuação será adiante analisada).

5.2 A QUESTÃO SOCIAL E A CRIMINALIDADE

É cediço que no Brasil e em outros países subdesenvolvidos, os responsáveis pela prática de "crimes de colarinho branco"** (v.g. crimes fiscais, falimentares, de usura, etc.) dificilmente são presos, quanto mais condenados ao cumprimento de penas em penitenciárias. Diz-se inclusive que as prisões albergam apenas o chamado estereótipo do criminoso, que são indivíduos julgados não pelos seus atos, mas principalmente pela sua aparência. Não é raro que aconteçam crimes praticados por pessoas da etnia branca e que pertençam a elevadas classes sociais, porém, esses geralmente permanecem livres.

No Brasil, quando se fala em criminoso a imagem que vem à mente é a do homem, ainda jovem, de etnia negra ou parda, e pobre. Não que haja preconceito nos cidadãos, mas a associação feita entre crime e imagem ocorre involuntariamente, decorrente de aspectos históricos e, principalmente das pressões e definições apresentadas pela mídia. Isso conduz à falácia de aplicação dos discursos penais, pois o que se percebe é que a prisão não foi feita de maneira indistinta para os delinqüentes em geral, mas sim, que atua de maneira seletiva e iníqua. "A clientela do sistema é constituída pelos pobres e desfavorecidos" [88].

Eugenio Raúl Zaffaroni ao referir-se ao papel da mídia nas questões penais, adentra ao tema dos estereótipos:

Outra função importante em nível nacional, embora com certa cooperação transnacional, é a fabricação dos "estereótipos do criminoso". O sistema penal atua sempre seletivamente e seleciona de acordo com os estereótipos fabricados pelos meios de comunicação de massa. Estes estereótipos permitem a catalogação dos criminosos que combinam com a imagem que corresponde à descrição fabricada, deixando de fora outros tipos de delinqüentes (delinqüência de colarinho branco, dourada, de trânsito, etc.).

Nas prisões encontramos os estereotipados. Na prática, é pela observação das características comuns à população prisional que descrevemos os estereótipos a serem selecionados pelo sistema penal, que sai então a procurá-los. E, como a cada estereótipo deve corresponder um papel, as pessoas assim selecionadas terminam correspondendo e assumindo os papéis que lhe são propostos.

Lombroso, com seu "criminoso nato" (embora tenha sido Ferri que assim o batizou), legou-nos a melhor descrição de estereótipos de seu tempo, sempre vinculada à idéia do feito, isto é, a uma espécie de desvalor estético.

Na América Latina, o estereótipo sempre se alimenta das características de homens jovens das classes mais carentes [...]. [89]

Dessa forma, conclui-se que a grande massa dos custodiados pertencem às classes mais baixas da sociedade, ou seja, são pobres, sendo essa uma das razões que conduziu Carnelutti à conclusão de que o encarcerado "é o mais pobre de todos os pobres" [90].

Tais delinqüentes praticam, na maioria das vezes, crimes patrimoniais, tais como o furto e o roubo. Tratam-se, em regra, de criminosos sociais.

Estão eles inseridos em meio social extremamente carente, não possuem condições de sustentar a si próprios e a suas famílias e, após tentativas de obter trabalho honesto, percebem que as portas da sociedade constituída estão fechadas para si ante à falta de qualificação.

Acresce-se a isso a frustração ocasionada pela percepção de que nunca, ou dificilmente, alcançarão o padrão de vida apregoado pela mídia; que não terão os bens de consumo de marcas famosas; que não possuem condições de estudo e de qualificação profissional, enfim, de que estão à mercê da sociedade.

Newton e Valter Fernandes [91] asseveram que "entre os fatores que influem na criminalidade o mais importante, o predominante, é o econômico sem sombra de dúvida".

Muitas outras questões sociais podem ser citadas como fatores de eclosão de delinqüência, tais como a arbitrária política salarial, o fechamento de grandes indústrias em momentos de crise, a não expansão da atividade comercial, o desemprego, a dificuldade de achar colocação profissional, o baixo poder aquisitivo decorrente da inflação e da especulação, más colheitas e crises econômicas.

O I Fórum de Saúde do Sistema Penitenciário da Região Norte (realizado no Acre de 5 a 7 de abril de 2002) [92], apresentou um rol de fatores sociais de ordem objetiva e subjetiva que contribuem para o desenvolvimento e reincidência de condutas delituosas. São eles:

a) Fatores objetivos:

- a concentração econômica, gerando uma distribuição desigual de emprego e de renda;

- a ocupação desordenada do espaço urbano, permitindo a criação de núcleos residenciais sem a adequada infra-estrutura de serviços e de atendimento básico ao cidadão;

- a migração, que termina por incentivar a formação de "bolsões" de pobreza nos centros urbanos;

- a transformação rápida dos valores, das tradições e dos costumes, que modificaram a estrutura da família, bem como as suas formas de organização;

- a mudança dos valores sociais, com a cultura da delinqüência, a banalização da violência, a disseminação do crime organizado, entre outros;

- o baixo nível de escolaridade;

- a ausência de qualificação profissional, associada à precária inserção no mercado de trabalho;

- a morosidade do sistema de justiça criminal em relação ao acompanhamento dos processos judiciais;

- a seletividade da justiça criminal, que pune os mais vulneráveis e chega a criar formas de os mais privilegiados escaparem à ação da justiça;

- a violência e o abuso de poder exercido por policiais; e

- o ambiente prisional, caracterizado por problemas de diversas naturezas, como: violência, superpopulação carcerária, ociosidade, maus tratos, necessidades, falta de infra-estrutura sanitária e outros.

b) Fatores subjetivos:

- o estigma da delinqüência e da reincidência, contribuindo para a fragmentação da identidade social, o que dificulta o abandono do crime e a re (inserção) no convívio da sociedade;

- o reconhecimento social negativo por parte da sociedade, fazendo com que o egresso interiorize esse sentimento em relação a si, o que o afasta definitivamente do conjunto de valores socialmente impostos;

- o sentimento forte de injustiça social, diante do aparato judicial e policial;

- o sentimento de incapacidade para restabelecimento de novos vínculos com quem não pertence ao mundo do crime; e

- a cultura da delinqüência e da impunidade.

Enfim, é notório que a quase totalidade dos criminosos são pessoas rudes, sem formação moral adequada, semi-analfabetas e pobres, quando não miseráveis.

Pode-se afirmar que o crime, na maioria das vezes, tem como nascedouro a exclusão social. Nas palavras de Luiza Nagib Eluf, "é evidente que os problemas sociais que o Brasil apresenta são a grande mola propulsora da criminalidade" [93].

Diante dessa situação não restam dúvidas de que haveria redução na criminalidade se houvesse maior comprometimento de toda a comunidade, e dos governantes, com a questão social. Medidas de alfabetização, inclusão social e digital, proteção à saúde e à infância são apenas exemplos de atuação que influem diretamente na melhoria da segurança pública.

5.3 ESCORÇO SOBRE O PAPEL DA MÍDIA NO ESTÍMULO À CRIMINALIDADE

Os meios de comunicação em massa têm sido diretamente responsáveis por estimular a explosão de criminalidade que se vivencia no país e no mundo, exercendo esse papel sob várias formas. Eugênio Raúl Zaffaroni ao mencionar as ilusões de sistemas penais apresentadas pela mídia, diferencia o seu papel em dois níveis: o "transnacional" e o que responde às conjecturas "nacionais" [94]. Sugere-se aqui ainda um terceiro nível, o "supranacional".

No âmbito transnacional critica-se a elevada carga de violência apresentada nos programas de televisão veiculados pelo continente, a qual é vista em todas as formas de apresentação, desde seriados até a desenhos animados destinados a crianças, passando por jogos eletrônicos (que, em princípio, deveriam apenas divertir).

A violência é exposta como um fato natural e acaba incorporando-se à vida psíquica das pessoas, atuando prejudicialmente na personalidade e no comportamento humano, dificultando ou até mesmo tornando intolerável o convívio social.

Zaffaroni [95] acrescenta em sua obra que as crianças despendem mais tempo diante da televisão do que diante da professora e cita dados de que mais de 60% do material de televisão é importado, sendo que parcela considerável do restante limita-se a imitar grosseiramente os "enlatados" estrangeiros. Afirma também que o material transnacionalizado cria "demandas de papel dirigidas aos membros das agências penais nacionais que nada têm a ver com os requerimentos nacionais (os funcionários devem comportar-se como os personagens das séries)". Não bastasse isso, os seriados "glorificam o violento" e o "esperto".

No nível nacional ocorre algo similar. De um lado a mídia gera a ilusão de eficácia do sistema, fazendo com que apenas sejam recebidas como perigo a ameaça de morte violenta por ladrões ou de violação por quadrilhas, nada tratando sobre os crimes cometidos pelas classes elevadas da sociedade. Estereotipa os criminosos sociais e desencadeia campanhas de "lei e ordem" visando punições mais severas para as pessoas que se enquadrem nesse conceito.

Por outro lado, ainda mais concreto, a violência é difundida através de distorções da realidade, em que se dedica maior espaço publicitário a fatos de sangue ou até mesmo ocorre a invenção de acontecimentos que não existiram. Transmite-se, sob a forma de notícia ou informação, mensagens de estímulo à prática de delitos, tais como os slogans "a impunidade é absoluta", "os menores podem fazer qualquer coisa", "os presos entram por uma porta e saem pela outra". Pode ainda agir instigando a violência coletiva, apresentando grupos de extermínio como "justiceiros", etc. Ou pior ainda, fazem de criminosos perigosos ídolos populares.

Segundo Zaffaroni [96] os meios de comunicação de massa "constituem o melhor instrumento para incentivar o consumo de tóxicos". A publicidade de casos de intoxicação com inaláveis, com detalhadas explicações sobre as técnicas de uso (sob pretexto preventivo), "não fizeram outra coisa a não ser generalizar seu uso, causando numerosas mortes de crianças e adolescentes". O discurso da prevenção omite a real destinação, que é o incentivo ao consumo de tóxicos. Tanto é assim que pouquíssimos meios de comunicação tratam abertamente do perigo de impotência e da incapacidade para o prazer resultante da intoxicação crônica.

A nível supranacional a mídia ao atuar mundial e diretamente no estímulo ao consumo desenfreado e desmesurado, acaba por exercer influência indireta sobre a eclosão de delinqüência.

A explicação é simples. Os meios de comunicação colocam a imagem de um determinado produto (v.g. tênis, relógio, óculos, etc.), de uma determinada marca famosa, como sendo essencial a conferir status ao indivíduo, a lhe permitir maior conforto, a lhe tornar mais desejado, mais sensual, enfim, não faltam métodos publicitários para dar a um produto a falsa sensação de indispensabilidade, isso quando não adotam posturas absolutamente abusivas.

O resultado é que pessoas com escassos recursos financeiros não terão condições suficientes a adquirir licitamente tais produtos. Daí o indivíduo percebe-se inserido em um paradoxo, pois de um lado sente que necessita do bem de consumo e, de outro, que é impossível que apenas com o seu trabalho consiga obtê-lo.

E, dessa indagação interna até o impulso de cometer um ilícito penal que lhe aproxime do alcance de tal bem o caminho percorrido é célere, quanto mais em sociedades como a atual, em que valores éticos, familiares, morais e religiosos foram deixados de lado, ressalvadas louváveis exceções.

Destarte, constata-se que a mídia exerce nefastas influências sobre os indivíduos, culminando em condutas que estimulam o desenvolvimento e aperfeiçoamento da criminalidade.

Tal postura adotada pelos meios de comunicação decorre principalmente do fato de que é o tipo de conduta acima demonstrada que gera maior audiência, que faz com que subam os pontos no Ibope. Portanto, para que a comunidade modifique a atitude da mídia a solução está em cada indivíduo. Cada pessoa deve tomar consciência do mal que tem feito para a sociedade, passando a ser mais exigente com a qualidade dos programas a que assiste, principalmente, exigindo cultura. A mídia somente agirá corretamente quando o "agir correto" for o fator que eleve os níveis de audiência.

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Sobre o autor
Ayrton Vidolin Marques Júnior

assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (PR), laureado com o Prêmio Professor Milton Vianna, pós-graduando em Direito Criminal pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES JÚNIOR, Ayrton Vidolin. A participação da comunidade na execução penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1544, 23 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10447. Acesso em: 17 jun. 2024.

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