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Um destino em processo

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09/07/2023 às 14:11
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2. QUANDO A PENA É APLICADA: OS DIREITOS E DEVERES DO APENADO

No imaginário social, o preso é aquela pessoa retirada da vida em sociedade e levada para permanecer confinada por determinado tempo. A ideia não está errada, mas está antiquada: era assim até 1984, antes de surgir a Lei de Execução Penal. Àquela época, aos encarcerados só eram impostos deveres – muitos deles em absoluta desarmonia com a sua integridade física e moral. A entrada em vigor da LEP mudou essa realidade e o preso passou a ser um sujeito de direitos e obrigações – tal qual todos os demais cidadãos.

Embora mais de três décadas tenha se decorrido desde então, o senso comum não conseguiu acompanhar a evolução legal. Até hoje nem todo mundo se atenta a um detalhe que costuma passar despercebido: o preso não deixa de ser alguém só porque saiu das vistas da sociedade. Pelo contrário.

O direito à dignidade acompanha a pessoa desde o nascimento até a morte, não importando o que tenha ocorrido no meio do caminho. Essa é, portanto, uma garantia que nunca se perde. Nem a sentença condenatória proferida pelo juiz pode determinar algo parecido: ela restringe alguns direitos e deveres ao indivíduo-autor de um crime como forma de fazê-lo pagar pelo mal que cometeu, mas não pode ultrapassar os limites da função de uma sanção penal.

Por isso, na execução de uma pena privativa de liberdade de locomoção, por exemplo, serão atingidos somente os pontos inerentes à essa liberdade. Todos os demais direitos individuais reconhecidos e assegurados no âmbito constitucional e também infraconstitucional devem permanecer conservados e intactos. Entre outros, é o caso, por exemplo:

  • inviolabilidade do direito à vida (art. 5°, caput, da Constituição);

  • integridade física (art. 5°, incisos III, V, X e XLIII da Constituição e art. 38 do Código Penal);

  • acesso à cultura (art. 515 da Constituição);

  • à liberdade de crença e culto (art. 5°, incisos VI, VII e VIII da Constituição e art. 24 da LEP);

  • à propriedade (art. 5°, incisos XXII, XXVII, XXVIII, XXIX e XXX da Constituição); e

  • ao sigilo de correspondência e telefone (art. 5°, inciso XII da Constituição, e art. 41, inciso XV da LEP)

Interferir em qualquer deles significaria impor uma pena suplementar não prevista em lei (MIRABETE; FABBRINI, 2006, p. 41).

É a partir desse momento que a LEP aparece como uma figura indispensável de proteção ao preso. Ela representa a verdadeira extensão dos direitos constitucionais aos presos e internos, uma vez que obsta qualquer excesso ou desvio na execução da pena que possa vir a causar violação da dignidade e da humanidade. O próprio art. 3º faz menção expressa a isso:

Art. 3º. Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.

No caso da pena privativa de liberdade, por exemplo, restringe-se apenas o direito de ir e todos os direitos a ele conexos, como é o caso prerrogativa integral à intimidade, conforme lembra Nucci (2014).

A LEP, portanto, passou a conferir uma grande diversidade de direitos aos condenados. Tais garantias aparecem espalhadas ao longo dos 204 artigos que compõem o seu texto final. Os principais podem ser enumerados desta forma:

  • direito ao uso do próprio nome: art. 41, inciso XI;

  • direito à alimentação, vestuário e alojamento: arts. 12, 13, 41, inciso I, e 29, parágrafo 1°, alínea d;

  • direito a cuidados e tratamentos médico-sanitário em geral: art. 14, parágrafo 2°;

  • direito ao trabalho remunerado: arts. 28 a 37 e 41, inciso II (reforçado também pelo art. 39 do Código Penal);

  • direito de se comunicar reservadamente com seu advogado: 41, inciso IX (reforçado também pelo art. 7°, inciso III do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil – da Lei n° 8.906/1984);

  • direito à previdência social: 41, inciso III (reforçado também pelo art. 43 da Lei Orgânica da Previdência Social – Lei nº 3.807/1960 – e pelo art. 39 do Código Penal);

  • direito a seguro contra acidente de trabalho: arts. 41, inciso II e 50, inciso IV;

  • direito à igualdade de tratamento: art. 41, inciso XII;

  • direito à proporcionalidade na distribuição do tempo de trabalho, descanso e recreação: art. 41, inciso X;

  • direito à visita do cônjuge, familiares e amigos em dias determinados: art. 41, inciso X;

  • direito ao contato com o mundo exterior por meio de leituras e outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes: art. 41, inciso XV.

Trazer a referência a todos estes direitos, entre outros, é a forma que a LEP encontrou de criar condições para alcançar o seu objetivo primordial: desenvolver o preso como indivíduo e cidadão durante o período de confinamento e prepará-lo para a reinserção social (MIRABETE; FABBRINI, 2006).

Para tanto, a LEP não se contenta em apenas proteger esses direitos: ela também os impede de serem suspensos ou sofrer quaisquer tipos de restrição advindas do juiz ou da autoridade penitenciária. As únicas exceções são o direito ao trabalho, ao descanso e à recreação, o direito às visitas e o direito ao contato com o mundo exterior, que poderão ser suspensos de forma motivada pelo diretor do estabelecimento penal. No entanto, caso haja violação a tais direitos, o juiz da execução poderá intervir, conforme lembram Mirabete e Fabbrini (2006).

A proteção da LEP ao indivíduo apontado como autor de determinado crime, no entanto, começa muito antes da fase executória ter início. Ainda durante o processo penal que julga a autoria e a materialidade do crime, o acusado já tem asseguradas garantias importantes que têm força, inclusive, de mudar o curso do julgamento. São, segundo Nucci (2014), os chamados princípios que regem o desenvolvimento regular do devido processo legal: a aplicação do contraditório, a ampla defesa, o duplo grau de jurisdição, o direito à prova e o direito de não se autoincriminar, só para citar alguns exemplos. Tal proteção não está restrita apenas ao texto da LEP: o Código de Processo Penal também reforça esta importância.

Além disso, a sentença condenatória que dará início à fase de execução da pena está limitada a si mesmo. Ela não pode ser violada de forma qualitativa, nem quantitativa. Na prática, significa que o condenado não pode sofrer pena diversa da que lhe foi aplicada.

O próprio texto das chamadas Regras Mínimas para Tratamento de Presos, ou, simplesmente, Regras de Mandela2 – um documento criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1955 e que busca garantir o respeito à dignidade dos presos – argumenta que a reclusão já é, por si só, uma consequência aflitiva e angustiante para o indivíduo e, portanto, não é necessário nada mais do que isso para fazê-lo sofrer pela falta cometida. Tal referência é feita no item 57 do documento, onde se lê:

57. A prisão e outras medidas cujo efeito é separar um delinquente do mundo exterior são dolorosas pelo próprio fato de retirarem do indivíduo o direito à auto-determinação, privando-o da sua liberdade. Logo, o sistema prisional não deverá, exceto por razões justificáveis de segregação ou para a manutenção da disciplina, agravar o sofrimento inerente a tal situação (ONU, 1955).

Como se percebe, a pena não deve interferir nos direitos constitucionais e legais do indivíduo, que serão preservados. Uma coisa é a sanção a ser aplicada, outra são os direitos que o condenado, como pessoa e cidadão, já carrega desde que nasceu: uma não deve se misturar com a outra.

Por este motivo, a unidade prisional tem o papel de acompanhar a rotina do preso com firmeza e exigir ordem, disciplina e obediência às regras estabelecidas, sem permitir a intercorrência ou imposição de restrições que vão além das necessárias para manter a segurança e a boa organização da vida comum. Se isso acontecer, “havendo notícia do cometimento de uma indisciplina profissional, cabe ao diretor da unidade prisional fazer instaurar o processo administrativo para apurar os fatos” (NUNES, 2013, p. 85), conforme disposto na LEP e nas Regras Mínimas para Tratamento de Presos da ONU.

É inviável, portanto, promover a execução de uma pena que esteja dissociada da individualização, da humanidade, da legalidade e do devido processo legal (em todos os seus formatos, da ampla defesa ao contrário). Afinal, o condenado e sua defesa técnica devem ser ouvidos, porque, sem a intervenção do defensor, a oitiva seria meramente formal, já que o executado é leigo. Tais princípios – do contraditório e da ampla defesa no processo de execução penal são consagrados tanto pela Constituição como pela LEP.

2.1 Direito do preso à assistência

A partir do momento que entra na unidade prisional a qual é remetido, o preso passa a ficar sob a responsabilidade e a custódia do Estado. Cabe ao Estado, então, prestar a ele toda a assistência que for preciso, ampará-lo nas suas necessidades básicas e prezar pelos direitos que o acompanham, de forma a evitar qualquer violação ao princípio da dignidade.

Ao oferecer tais condições, o Estado cria circunstâncias para ajudar o preso a retornar ao convívio social e reintegrar-se de forma natural à sociedade, de forma a evitar a reincidência. Marcão (2012, p. 31) é quem menciona isso. Para ele, “essa assistência que se presta também tem por objetivo dar eficácia ao ideal ressocializador; prevenir o crime; e orientar o retorno à convivência em sociedade”.

Para alcançar este objetivo, a assistência precisa ser completa e englobar um determinado conjunto de necessidades mínimas que o preso precisa receber, sem trata-se apenas de forma isolada. Baseada na orientação dada pelas Regras Mínimas da ONU, a própria LEP faz menção a isso: em seu art. 11, ela enumera os seis tipos de assistência que o Estado precisa garantir ao preso:

Art. 11. A assistência será:

I. material;

II. à saúde;

III. jurídica;

IV. educacional;

V. social;

VI. religiosa.

Apesar disso, a realidade demonstra um cenário bem distinto, onde a maioria dos presos não trabalha, não estuda e não tem assistência efetiva para a sua ressocialização.

2.1.1 Assistência material

A assistência material compreende as condições de instalação da unidade prisional e o atendimento às necessidades pessoais do preso, como forma de regular a convivência da população carcerária. Basicamente, trata-se da disponibilização de instalações higiênicas e do fornecimento de roupas limpas, em bom estado e adequadas ao clima, água potável e alimentação com valor nutricional suficiente para a manutenção da sua saúde e da sua força. A alimentação, segundo Teixeira (2008, p. 142), “sem sombra de dúvidas, é um dos principais fatores de influência, positiva ou negativa, no equilíbrio disciplinar da unidade penitenciária, lembrando.

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Também é preciso observar as diferenças existentes entre os presos. Os provisórios, por exemplo, têm direito a usar as suas próprias roupas pessoais, mas, se lhe for fornecido uniforme pela unidade prisional, ele deve ser diferente daquele usado pelos condenados (TEIXEIRA, 2008, p. 142).

Para atender tais necessidades particulares, a LEP prevê ainda que o estabelecimento deve, também, destinar locais para a comercialização de produtos e objetos que são permitidos, mas que não são fornecidos pela administração, de forma a atender as suas necessidades particulares não previstas em lei. Tal determinação está expressa no art. 13.

No entanto, é importante não confundir a garantia de tais necessidades básicas com conforto, como, por vezes, costumam acontecer. A LEP, ao proteger a dignidade do preso como pessoa, não está lhe dando uma qualidade de vida melhor que a do homem livre, que vive de forma honesta e com respeito às regras da convivência social – embora, nem sempre, ele consiga receber uma remuneração que permite viver a vida digna que merece (NOGUEIRA, 1996). O que a legislação busca nada mais é do que garantir condições mínimas para que o preso, ao retornar à sociedade, esteja integralmente ressocializado e sem qualquer risco de voltar a delinquir.

De qualquer forma, não é o que acontece na realidade hoje. Todos os dias, os noticiários inundam a TV com reportagens mostrando o quanto as instalações físicas e a superlotação representam um dos maiores flagelos do sistema prisional. Por outro lado, se a arquitetura prisional fosse melhor, os problemas seriam também minimizados.

A orientação atual é de que as unidades prisionais sejam construídas com capacidade máxima para 200 a 300 presos, com celas para, no máximo, seis apenados. É apropriado também que os espaços sejam integrados e programados para haver pouca movimentação dos presos entre a cela e o local designado ao banho de sol, tudo para facilitar o trabalho de segurança (TEIXEIRA, 2008).

2.1.2 Assistência à saúde

A própria Constituição Federal de 1988, a principal lei do país, já antecipa: a saúde é direito de todos e dever do Estado. E, para tanto, deve ser garantida mediante políticas sociais e econômicas que buscam reduzir o risco de doenças e de outros agravos, permitindo acesso universal e igualitário a todos, sem discriminação. Foi desse dispositivo que surgiu, por exemplo, o Sistema Único de Saúde (SUS), que presta atendimento completo e integral ao cidadão, desde a atenção básica até transplantes e é considerado um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do mundo (BRASIL, s./d.).

A pessoa quando presa, portanto, não perde esse direito, justamente por ele ser de todos. Manter a saúde do preso, portanto, é necessidade indeclinável da administração penitenciária e cabe ao Estado continuar garantindo tal assistência. Neste caso, ela compreenderá o atendimento médico, farmacêutico e odontológico e atuar em caráter preventivo e curativo. Além disso, o parágrafo 2º do art. 14 da LEP complementa ainda que os estabelecimentos penais devem possuir uma equipe de saúde multidisciplinar e medicação necessária e suficiente para atendimentos de urgência e, caso não isso não aconteça, a assistência deverá ser prestada em outro local.

A legislação, então, apenas se antecipou a uma realidade que nunca mudou no Brasil: a maioria das unidades prisionais do país não dispõe de equipamentos apropriados e, tampouco, de pessoal treinado para o atendimento médico, farmacêutico e odontológico dos presos, não disponibilizando qualquer meio para materializar esse direito assegurado a eles.

Portanto, ao ter que deslocar o preso para atendimento, o Estado assume um sem-fim de arriscadas responsabilidades. A mera solução de fornecer tais condições na própria unidade prisional anteciparia diversas questões que poderiam ser evitadas: reduziria a quantidade de saídas do preso, facilitaria o controle de segurança, diminuiria o custo do Estado com as escoltas policiais e amenizaria os riscos de exposição perante a sociedade, evitando fugas ou tentativa de fugas (TEIXEIRA, 2008).

Por outro lado, a situação da rede pública de saúde também se encontra carente de estrutura. Segundo Sanches (2012, p. 22-23), “diante desse quadro, em casos excepcionais, os Tribunais têm concedido prisão domiciliar ao preso doente, mesmo que cumprido sua pena em regime diverso do aberto”.

2.1.3 Assistência jurídica

A proteção jurídica de uma pessoa que é acusada de cometer um crime não está restrita só ao período do processo penal e do julgamento. Quando começa a cumprir com a pena, a assistência jurídica continua – tão importante quanto antes.

Nesta nova fase, a preocupação do preso se torna outra: o tempo que falta para conseguir restabelecer a sua liberdade e os benefícios de redução de pena que recebe por determinados comportamentos, atitudes ou períodos transcorridos. Por este motivo, a situação jurídica é uma das principais metas da pessoa presa – mas também uma de suas maiores aflições. Isso porque, quando ausente, tal assistência pode acarretar em grave violação aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal (CUNHA, 2012).

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Afinal,

com um defensor atuante, os direitos do preso seriam melhores assistidos. Questões como apuratórios disciplinares, indulto, comutação, livramento condicional, progressão e regressão de regime seriam resolvidas em tempo hábil, evitando atrasos que podem gerar tensões internas e até mesmo rebeliões. Além disso, o preso bem orientado juridicamente tende à disciplina, mesmo porque terá pleno conhecimento de que eventual falta grave poderá reliquidar a sua pena, prejudicando o alcance de seus benefícios (TEIXEIRA, 2008, p. 145).

Mais uma vez, então, a própria Constituição Federal se pronuncia para assegurar, como um dever do Estado, a prestação de assistência jurídica integral e gratuita para todos aqueles que comprovarem a insuficiência de recursos. Portanto, da mesma forma como a saúde integral está respaldada pelo SUS, a proteção jurídica recebe o acompanhamento da Defensoria Pública, instituição que também está prevista pelo texto constitucional.

Assim, ciente de que a maioria dos habitantes do cárcere é hipossuficiente e não tem condições financeiras de constituir um advogado, o Estado deve fornecer assistência jurídica gratuita. A LEP, por sua vez, atribuiu à Defensoria Pública o papel de cumprir com tal assistência, com previsão de ser prestada nas próprias unidades prisionais. E vai além: também assegura ao preso a possibilidade de participar de encontros pessoais e reservados com o seu advogado, seguindo as premissas já indicadas por outras legislações internacionais, como as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil, a Resolução 14 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e o Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão (Resolução 43/173), da Assembleia Geral das Nações Unidas.

Portanto, garantir ao preso a presença de um defensor público ou de um advogado nomeado pelo Estado para prestar-lhe assistência jurídica é condição fundamental para o equilíbrio da unidade prisional.

2.1.4 Assistência educacional

Assim como tantas outras garantias já apresentadas, a educação também é um direito de todos e dever do Estado e da família, conforme determina, mais uma vez, a Constituição Federal. Diz o seu texto, no art. 205, que ela promove o desenvolvimento da pessoa, ajuda no preparo para o exercício da cidadania e oferece qualificação para o trabalho: nada mais apropriado para a pessoa a quem o Estado pretende reintegrar.

Vista por este sentido, a educação é a pedra fundamental do árduo caminho que leva à ressocialização. Especialmente, porque ajuda a levar o preso a alcançar uma vida produtiva e, posteriormente, retornar à sociedade com melhores chances de manter-se afastado de prática de atos ilícitos (MARCÃO, 2012).

Teixeira (2008, p. 146-147) reforça o fato de que, para o preso, a educação

é o esteio principal na construção da arquitetura ressocializante, abrindo novos horizontes para os reclusos, lembrando que a maior parte deles é de baixa escolaridade ou analfabeta e não possui formação profissional técnica, o que o coloca à margem do mercado de trabalho e, por conseguinte, da estrutura social moderna. Sem investimento na área educacional, visando em especial à formação profissional, certamente não se favorecerá a recuperação social do criminoso e todas as medidas a mais que forem tomadas serão meramente paliativas, sem resultado significativo.

O preso, portanto, tem direito à instrução escolar e à formação profissional, o que lhe permite participar de curso por correspondência, rádio ou televisão (telepresenciais), assegurados pela própria LEP, por força do art. 17. Isso se dará especialmente porque o acesso ao ensino é um direito público subjetivo obrigatório e gratuito, com proteção fundada, mais uma vez, na Constituição Federal.

A determinação da LEP atende, ainda, à orientação contida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, onde diz o art. 26:

Art. 26. Todo homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.

Ainda, a Resolução 14, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que, em 1994, definiu as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil, orienta que os estabelecimentos prisionais também mantenham biblioteca organizada com livros de conteúdo informativo, educativo e recreativo, adequados à formação cultural, profissional e espiritual do preso.

No entanto, apesar de ser um direito já consagrado, a educação formal não está viabilizada em grande parte das unidades prisionais do país. Tais estabelecimentos não costumam dispor de espaço para bibliotecas ou, então, ambientes adequados para uma sala de aula, por exemplo, o que inviabiliza totalmente o acesso do preso ao ensino, essencial para a sua recuperação social.

Por este motivo, é indispensável que o Estado e as autoridades penitenciárias voltem suas atenções para esta questão que, segundo Teixeira (2008, p. 146-147), “pode significar o sucesso ou fracasso no resgate social do sujeito submetido ao cárcere”.

2.1.5 Assistência social

A assistência social busca amenizar as frustrações naturais do ser humano e ampará-lo frente à – em geral, perversa – realidade que costuma advir do cárcere. É uma forma do Estado ajudar a eliminar o estresse e afastar a ociosidade do período de reclusão que, muitas vezes, acabam se tornando o estopim para motins e rebeliões. Em meio a este contexto, o acompanhamento profissional do preso garante o seu equilíbrio físico e mental, responsável por sua higidez, senso de iniciativa e realização.

Como é possível perceber, a assistência social possui papel indispensável na busca pela ressocialização do preso e o seu retorno à sociedade.

A orientação legal – dada tanto pela LEP, quanto também pelas Regras Mínimas da ONU – é que a assistência social seja prestada de forma individualizada, respeitando as necessidades de cada preso e considerando seu passado social e criminal, sua capacidade e aptidão física e mental, suas disposições pessoais, a duração de sua condenação e as possibilidades de readaptação (TEIXEIRA, 2008).

Para assegurar tal direito, toda unidade prisional deve ter entre o seu corpo técnico uma assistente social para acompanhar os presos, de forma a conhecer os seus problemas e dificuldades e ajudá-los a encontrar soluções minimamente adequadas. Cabe a ela também incentivar o preso a adotar comportamentos moralmente recomendáveis e providenciar a obtenção de documentos, de benefícios da Previdência Social e do seguro por acidente de trabalho a que o recluso fizer jus (TEIXEIRA, 2008).

A LEP, em seu art. 23, inciso VII, prevê, ainda, que essa forma de assistência também pode se estender à família do preso e até a vítima, sempre que necessário. Segundo Cunha (2012), a ideia é buscar minimizar as consequências diretas e indiretas do crime, da condenação e da execução da sanção penal.

Apesar da importância da assistência social, não é o que acontece na realidade. Na prática, assim como já acontece como outros dispositivos da LEP, tal acompanhamento carece de aplicação prática por falta de estrutura do Estado (CUNHA, 2012).

2.1.6 Assistência religiosa

A relação entre preso, prisão e religião é muito antiga. Conforme lembra Marcão (2012), a ideia de prisão deriva do conceito cristão de penitência, de expiação.

Hoje, embora o Estado brasileiro seja laico por força da Constituição Federal (que prevê a liberdade de crença, em seu art. 5º, inciso VI), a legislação permite a realização de cultos e atividades religiosas, e também a posse de livros religiosos, dentro do sistema prisional. De qualquer forma, o preso não é obrigado a participar: a própria LEP reforça a orientação constitucional, no parágrafo 2º do seu art. 24.

Tais atividades, no entanto, não podem ser realizadas de forma desregrada. É preciso buscar a autorização da administração carcerária, especialmente por envolver a entrada e a circulação de pessoas estranhas à rotina prisional, como padres, pastores e ministros.

O fato é que, quando acontece, a assistência religiosa consegue oferecer contribuições benéficas para a melhoria individual do preso e a sua evolução moral, cultural e espiritual, proporcionando o encontro do homem com a paz, com o equilíbrio e com a harmonia. Em consequência, isso reflete em bons resultados também para a estabilidade do próprio sistema prisional: serve, afinal, como um forte e verdadeiro anteparo contra movimentos violentos, como motins, ataques e rebeliões.

E não só é o preso e o estabelecimento que se harmonizam com tais resultados: o apoio espiritual reflete também na sua família do preso, ajudando-os a enfrentar a purgativa realidade de ter um ente querido recluso (CUNHA, 2012).

2.2 O direito do egresso à assistência

Os seis tipos de assistência relatados não se restringem, no entanto, somente ao preso. Quando deixa a unidade prisional, após cumprir a pena em sua totalidade, o preso assume um novo papel: ele deixa de ser um preso propriamente dito para se tornar um egresso. O egresso é aquele indivíduo que esteve preso e que, por um ano após ser liberado definitivamente, segue sendo acompanhado pelo Estado – o liberado condicional, durante o período de prova, também é considerado egresso.

Tal acompanhamento se dá por meio da orientação e do apoio necessários para reintegrá-lo à vida em liberdade. Ao longo de dois meses, o egresso tem direito a alojamento e à alimentação, caso seja preciso – período que pode ser prorrogável por uma única vez, mediante comprovação idônea de esforço na obtenção de emprego (MARCÃO, 2008). A LEP garante essa proteção como tentativa de amenizar o estigma de ex-presidiário e o preconceito que o indivíduo carrega nos primeiros tempos após a sua liberdade e que acaba refletindo em dificuldades para obter emprego formal lícito e, assim, impossibilitando o sustento e o de sua família (TEIXEIRA, 2008, p. 150).

A importância do Estado em estender a assistência também ao egresso é uma forma de evitar que todo o trabalho de ressocialização realizado durante o período da prisão fracasse e encaminhe, aos poucos, o indivíduo a apenas uma opção: a reincidência ao crime. Diz Teixeira (2008, p. 150):

A sociedade precisa acordar. Não se investe no egresso simplesmente por bondade. Investe-se, sim, como forma de manter o equilíbrio e a estabilidade da própria sociedade. É, em última instância, ato de inteligência e verdadeira condição de sobrevivência, posto que, se não se inverter o ciclo crescente de utilização da pena de prisão, de perigosa expansão do Direito Penal, o Estado não terá condições econômicas de suportar os pesados custos de construção de presídios e de manutenção dos presos no cárcere. Chegar-se-á, então, fatidicamente, à falência do próprio sistema prisional e, como consequência, também do Direito Penal, lembrando, em última análise, que dentre as atribuições dos estabelecimentos penais incluem-se as de punir os transgressores do ordenamento jurídico vigente, proteger a sociedade de novos crimes e prover condições necessárias à reinserção do indivíduo ao convívio social.

A assistência, portanto, também se presta para “dar eficácia ao ideal ressocializador; prevenir o crime; e orientar o retorno à convivência em sociedade”, segundo Marcão (2012, p. 31).

2.3 Deveres do preso

Se, de um lado, o preso possui direitos que estão protegidos pela legislação; de outro, ele também precisa cumprir com alguns deveres dentro do ambiente prisional.

Tais deveres, no entanto, vão além do cumprimento das obrigações decorrentes da penalidade que lhe foi imposta e os efeitos decorrentes dela – que, segundo Avena (2015), podem ser de privação de liberdade (para a pena de prisão), limitações específicas, como incapacidade de exercer o poder familiar, ou perda do cargo público, por exemplo (para a pena restritiva de direitos) e ressarcimento do dano por meio de pagamento oriundo do seu patrimônio (para pena de multa).

A LEP, no entanto, estabelece uma série de outras obrigações que devem ser observadas pela população carcerária, todas relacionadas a regras de boa convivência. A ideia, com isso, é fazer com que o preso consiga manter a disciplina e o fiel cumprimento da sentença condenatória que o encarcerou (ou da decisão, no caso dos presos provisórios).

Neste sentido, são dez deveres, segundo o art. 39 da LEP:

  • manter um comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença;

  • prestar obediência aos servidores prisionais e respeito a qualquer pessoa com quem precisa relacionar-se;

  • respeitar os demais presos e ser cordial no trato com ele;

  • evitar movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina;

  • executar o trabalho, as tarefas e as ordens recebidas;

  • submeter-se à sanção disciplinar imposta e às regras internas dos estabelecimentos prisionais;

  • indenização à vítima ou aos seus sucessores;

  • indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho;

  • preservar a higiene pessoal da cela ou alojamento;

  • conservar os objetos de uso pessoal fornecidos pela administração penitenciária.

A violação de qualquer deles pode acarretar sanção administrativa ou judicial. Na prática, tais sanções podem se dar por meio da aplicação de medidas disciplinares e da decisão judicial de conceder ou não benefícios que dependem diretamente do bom comportamento.

Segundo Avena (2015, p. 61),

a disciplina do condenado sujeito a pena privativa de liberdade insere-se no contexto valorativo do seu mérito e, via de consequência, releva no momento de serem aplicados pedidos de benefício carcerário.

É o caso, por exemplo, da progressão de regime e do livramento condicional, que não estão vinculados só ao cumprimento do lapso mínimo de pena (como exige o art. 112 da LEP).

O fato é que tais deveres, normas legais, regulamentares e regimentais deveriam ser apresentados ao preso no momento em que ele adentra a unidade prisional, a fim de que, ao conhecê-las, ele poderia cumpri-las e obedecê-las (CUNHA, 2012, p. 39). No entanto, isso não passa de mera expectativa no sistema prisional brasileiro: o preso costuma ingressar sem qualquer informação sobre o conjunto de obrigações que deve observar e as consequências que a sua violação pode acarretar.

Esse desconhecimento é o que pode explicar – entre outros motivos – algumas das incontáveis indisciplinas que acontece dentro do ambiente carcerário, que, assim, espera-se, poderiam ser evitadas (NUNES, 2013).

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Sobre o autor
Edward Müller Pickler

Bacharel em Direito. Escritor de obras jurídicas em Direito Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PICKLER, Edward Müller. Um destino em processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7312, 9 jul. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/104964. Acesso em: 20 mai. 2024.

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