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Recurso administrativo hierárquico impróprio

14/10/2023 às 12:06
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A descentralização administrativa, mesmo por meio autárquico de regime especial, não se presta a viabilizar condutas distintas da orientação da administração central, e que possam divergir, em prejuízo do administrado, das políticas públicas e estratégias de governo.

INTRODUÇÃO

O presente artigo busca avaliar o instituto do “recurso administrativo hierárquico impróprio”, a partir da análise do seu conceito e das hipóteses em que esse recurso seria cabível.

Diante disso, num primeiro momento, analisou-se o conceito de recurso administrativo na doutrina, explorando as suas diferentes modalidades, tendo que é imprescindível entender sobre o tema discutido. Num segundo momento, estudou-se, também através do entendimento doutrinário, as suas principais características.

Ademais, verificou-se as hipóteses de cabimento do recurso administrativo hierárquico tanto no âmbito das autarquias comuns como no caso das autarquias especiais, em razão de seus diferentes regimes de atuação.

Por fim, apresentou-se uma conclusão da pesquisa, buscando, assim, compreender de forma aprofundada os aspectos para o cabimento do recurso analisado.

CONCEITO

Inicialmente, vale ressaltar que o recurso administrativo pode ser definido como um dos possíveis meios pelos quais podem os administrados provocar o reexame do ato pela Administração Pública. Sob esse viés, o jurista José dos Santos Carvalho Filho afirma que os recursos administrativos são meios formais de controle administrativo,através dos quais o interessado postula, junto ao órgão da Administração, a revisão de determinado ato administrativo2.

A partir disso, pode-se afirmar que existem diferentes modalidades de recursos administrativos, a exemplo da representação, reclamação administrativa, pedido de reconsideração, revisão da coisa julgada administrativa, recurso hierárquico e recurso hierárquico impróprio.

A representação é o recurso administrativo para denúncia de irregularidades feita perante a própria Administração Pública ou a entes de controle, como o Ministério Público ou o Tribunal de Contas.

A reclamação administrativa é o ato pelo qual o administrado, seja particular ou servidor público, deduz uma pretensão perante a Administração Pública, visando obter o reconhecimento de um direito ou a correção de um ato que lhe cause lesão ou ameaça de lesão.

O pedido de reconsideração visa ao requerimento de reexame do ato a própria autoridade que o emitiu. Já o recurso de revisão é utilizado pelo servidor público, punido pela Administração, para reexame da decisão, em caso de surgirem fatos novos suscetíveis de demonstrar a sua inocência. Pode ser requerida a qualquer tempo pelo próprio interessado, por seu procurador ou por terceiros.

A revisão da coisa julgada administrativa busca a alteração da decisão que se tornou irretratável pela própria Administração. Ou seja, quando um ato se torna ou é por natureza irrevogável.

Por fim, os recursos hierárquicos são pedidos de reexame do ato dirigido à autoridade superior à que proferiu o ato. Serão denominados como recursos “próprio”, quando dirigidos à autoridade imediatamente superior dentro do mesmo órgão em que o ato foi praticado, enquanto decorrência da hierarquia.

Por outro lado, existe a figura excepcional dos “recursos hierárquicos impróprios”, os quais, de acordo com Maria Sylvia Di Pietro, são aqueles dirigidos à autoridades ou órgãos não integrados na mesma hierarquia daquele que proferiu o ato 3 . As especificidades desse recurso são tratadas na sequência.

HIPÓTESES DE CABIMENTO

Compreendido o conceito do instituto, deve-se retratar as hipóteses de cabimento do recurso administrativo hierárquico impróprio, valendo citar o entendimento de Carvalho Filho em sua obra “Controle de Administração e Responsabilidade do Estado”:

O termo “impróprio” significa que entre o órgão controlado e o controlador não há relação hierárquica de subordinação, e sim uma relação de vinculação, já que se trata de pessoas diversas ou de órgãos pertencentes a pessoas diversas. Por esse motivo, quando houver recurso contra o ato do Presidente de uma fundação pública estadual para o Secretário Estadual ou para o Governador do respectivo Estado, temos um recurso impróprio. Vale observar que a admissibilidade desse recurso depende de lei expressa, pois, nesse caso, não há relação de hierarquia (CARVALHO FILHO, 2018, p. 892).4

Como característica existente no campo dos recursos, o recurso hierárquico abrange legalidade e mérito. Com relação ao mérito, o interessado requer a reforma; com relação à legalidade, solicita a sua anulação.

De forma geral, a questão mais controversa com relação aos recursos hierárquicos impróprios se relaciona ao seu cabimento em face das decisões adotadas pelas agências reguladoras, na medida em que dirigidos aos respectivos Ministérios do setor regulado, a quem não devem uma hierarquia nos mesmos moldes em que ocorre com os órgãos da Administração Direta e Indireta. No entanto, essa dificuldade não implica reconhecer que essa espécie recursal não seria cabível.

Tenha-se como exemplo o caso da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), cuja norma criadora (Lei nº 10.233/01), principalmente em seus arts. 66 a 68 (seção atinente ao processo decisório dessa Agência), não veda o controle administrativo dos atos dessa agência reguladora por meio do recurso hierárquico impróprio ao Ministério dos Transportes.

Ao contrário, a supervisão ministerial se faz presente em vários dispositivos e onde o legislador não excepcionou, não cabe ao Executivo fazê-lo. De igual modo, a Lei não afirma expressamente que cabe à ANTT decidir, em último grau, sobre as matérias de sua alçada, ao contrário do que prevê, por exemplo, a lei de criação da ANATEL.

Outrossim, depreende-se do §3º do art. 68 da Lei nº 10.233/01, que qualquer interessado tem direito de peticionar ou recorrer contra ato da ANTT e obviamente não só pela via do Pedido de Reconsideração como também pelo manejo do recurso hierárquico impróprio. Ressalte-se, por oportuno, que não se pode confundir submissão das Agências às políticas públicas definidas pelo Poder Executivo com subordinação hierárquica, que não existe no regime vigente.

Não cabe a nenhum órgão do Executivo rever, de ofício, os atos decisórios da ANTT, e sim somente ao Ministério dos Transportes a revisão das decisões, quando provocado, mediante a apresentação de recurso hierárquico impróprio pelo interessado, caso a decisão da Agência, esclareça-se, esteja em desacordo com as diretrizes políticas estabelecidas por aquele Ministério.

Por isso, sustenta-se o cabimento do recurso hierárquico impróprio no atual modelo regulatório brasileiro. Esse entendimento tem supedâneo no próprio Decreto-Lei nº 200, de 1967, ainda em pleno vigor, que, ao dispor sobre a organização da Administração Federal, disciplina a forma de supervisão ministerial das entidades estatais descentralizadas. De fato, a supervisão é dicotômica ao se estabelecer um “controle interior cêntrico”, por meio de recurso hierárquico em face de decisão de órgãos subordinados, e um “controle interior excêntrico”, pela via de recurso hierárquico impróprio, quando de decisões de entidades vinculadas.

A qualificação de autarquias “em regime especial” sugere uma razoável independência em relação ao Executivo e uma maior autonomia administrativa e financeira. Todavia, isso não faz com que elas sejam imunes às espécies de controle previstas na Constituição.

Deste modo, as agências reguladoras submetem-se ao controle do Executivo, especialmente quanto à supervisão ministerial e à competência do Presidente da República para direção da Administração Federal.

O artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal prevê que tal autonomia se verifica apenas no âmbito administrativo, sendo inafastável, em qualquer caso, a apreciação judicial.

No entanto, não é unânime o entendimento de que as agências reguladoras, por terem natureza autárquica especial, devem se sujeitar a uma supervisão ministerial e do chefe do Poder Executivo, que permita à Administração Pública direta rever suas decisões por meio do controle administrativo.

De fato, é justo sustentar que a descentralização administrativa, mesmo por meio autárquico de regime especial, não se presta a viabilizar condutas distintas da orientação da administração central, e que possam divergir, em prejuízo do administrado, das políticas públicas e estratégias de governo.

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Surge aqui a questão a ser enfrentada: de um lado, a autonomia e a independência regulatória reforçada com vistas à segurança jurídica; e de outro, os princípios que regem a organização coesa e hierarquizada da Administração Pública.

Essa possibilidade de revisão dos atos da autarquia por uma autoridade externa está prevista no DL 200/67, art. 170, que dispõe textualmente que “o Presidente da República, por motivo relevante de interesse público, poderá avocar e decidir qualquer assunto na esfera da Administração Federal.

Dessa forma, não se pode negar a possibilidade de recurso hierárquico impróprio, para a Administração Direta, das decisões proferidas por autarquias comuns.

Já nos casos de autarquias especiais, verifica-se que o mais acertado é entender- se pelo cabimento de recurso hierárquico impróprio de decisões de agências reguladoras nos casos de atividades administrativas não finalísticas, afastamento da política de governo e desrespeito aos limites de competência.

Por outro lado, essa forma de irresignação não seria cabível quando a agência decidir matéria de natureza regulatória em seu âmbito de competência, sob pena de afronta à independência que lhe é inerente.

CONCLUSÃO

No presente trabalho, analisou-se o conceito e cabimento de recurso hierárquico impróprio através de artigos acadêmicos e autores técnicos da área jurídica.

A partir da análise dos diversos posicionamentos sobre o tema, bem como do caráter de autarquias de regime comum, chegou-se ao entendimento pelo cabimento limitado do recurso hierárquico contra as decisões de tais entes, são aquelas previstas expressamente na lei.

Assim, a conclusão do trabalho é que não se pode negar a possibilidade de recurso hierárquico impróprio, para a Administração Direta, das decisões proferidas por autarquias comuns. E em relação as autarquias especiais, ocorre o descabimento quando a agência decidir matéria de natureza regulatória em seu âmbito de competência, sob pena de afronta à independência que lhe é inerente.

REFERÊNCIAS

ARAUJO, Luiz Henrique Diniz. Hipóteses de cabimento de recurso hierárquico e impróprio contra decisões de agências reguladoras. Revista de Informação Legislativa, v. 45, n. 178, p. 243-250, 2008.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 32 e.d. São Paulo (SP): Atlas, 2018.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; FILHO, José; ALMEIDA, Fernando. Controle da Administração Pública e Responsabilidade do Estado - Vol. 7 - Ed. 2022. São Paulo (SP): Revista dos Tribunais. 2022.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25 e.d. São Paulo (SP): Atlas, 2019.

.Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Diário Oficial (da República Federativa do Brasil), Brasília, suplemento, 27 de mar. 1967.

. Lei n.º 10.233 de 5 de junho de 2001. Dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, e cria o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte - CONIT, a Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários - ANTAQ, o Departamento Nacional de Infra- Estrutura de Transportes - DNIT. Diário Oficial Eletrônico (da República Federativa do Brasil), Brasília, P.1, 6 de jun. 2001.


2 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 32ª Ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 889.

3 Di Pietro, 2019, p. 801

4 Carvalho Filho, 2008, p. 892

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Sobre a autora
Roberta Cardoso dos Santos

Acadêmica de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Tecnóloga em Serviços Jurídicos pela Universidade Cruzeiro do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Roberta Cardoso. Recurso administrativo hierárquico impróprio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7409, 14 out. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/106604. Acesso em: 30 abr. 2024.

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