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Júri além das causas criminais na Argentina

03/11/2023 às 18:14
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San Patricio del Chañar é o primeiro município da América Latina a julgar infrações municipais graves.

Mais um avanço na argentina foi colocado em prática e nada menos que na província de Neuquén que coleciona méritos em matéria de julgamento popular. Dia 01 de novembro de 2023 foi celebrado o primeiro júri na esfera das infrações a nível municipal, marcando outro grande passo no tema. Para além dos casos criminais que acontecem na província, San Patricio del Chañar deu start no julgamento das infrações previstas no “Código de Faltas, ordenanzas, resoluciones y normas”.

Os artigos 105 e 106 do Código de Faltas do município estabelecem que, uma vez a cada dois meses, deve-se convocar cidadãos para que, assessorados pelo juiz, resolvam e sancionem as infrações locais que impliquem multa ou sanção de determinado nível de complexidade.[1]

Para esses tipos de infrações, sete jurados eleitos por sorteio, deliberam e julgam por unanimidade acerca da responsabilidade ou não da pessoa acusada de faltas graves. Essas faltas são de interesse comum como, por exemplo, infrações graves de trânsito, ruídos, cães mordedores, danos ao meio ambiente como pessoas que descartam lixo em locais não permitidos, etc. Além disso, incumbe aos jurados também a tarefa de impor a sanção cabível. A tarefa de julgar é voluntária e gratuita, sendo que para seleção final do conselho de sentença, será realizado um sorteio dentre os inscritos.

Caso julgado: um caminhoneiro foi acusado de jogar lixo em via pública e o ato foi flagrado pelas câmeras de segurança do local. Após deliberação, os sete jurados decidiram por unanimidade que ele foi responsável pelos atos e impuseram uma sanção de 10 horas de tarefa comunitária e uma advertência. Conforme assinalado pelo governador Omar Gutiérrez, “as infrações que serão abordadas são aquelas que fazem parte do cotidiano e que são o abecê da convivência”.[2]

Como cada passo no tema do júri na Argentina é sempre muito bem planejado (e executado), após aprovação da lei e antes deste primeiro julgamento, foi realizado um simulado onde os jurados tiveram que decidir sobre a responsabilidade de uma pessoa em um caso fictício, que teve como pano de fundo um ato de vandalismo.

O caso simulado era o seguinte: após uma partida de futebol em que a Argentina saiu vitoriosa, o acusado, Felipe Agüero, foi para a praça central onde se concentravam as comemorações. Após beber algumas taças de vinho, ele subiu em um dos postes de iluminação recentemente adquiridos pela Prefeitura, e, no meio da festa, bateu neles como se fossem um tambor, estilhaçando as partes de vidro que havia nas peças.

Ao final dos apontamentos da acusação e da defesa, os jurados se retiraram para deliberar e, de forma unânime, decidiram que Felipe Agüero era responsável pelo delito de dano ao patrimônio público e, portanto, como sanção, deveria cumprir 30 horas de trabalho comunitário na Área de Espaços Verdes do Município.

O simulado demonstrou como os vizinhos podem resolver seus conflitos diários por meio de consenso e tolerância, mostrando que as próprias comunidades podem consolidar suas regras internas de convivência cívica.[3]

CÓDIGO DE FALTAS DE SAN PATRICIO DEL CHAÑAR

JURADO MUNICIPAL DE FALTAS

Artículo 105°: Una vez cada dos (2) meses se debe convocar a siete (7) ciudadanos residentes en San Patricio del Chañar, con los mismos requisitos e inhabilitaciones que para ser concejal, para conformar el Jurado Municipal de Faltas, quien junto al Juez Municipal, juzga y sanciona determinadas infracciones al Código Municipal de Faltas, ordenanzas, resoluciones, leyes, decretos o cualquier disposición cuya aplicación corresponda al Municipio. Por su desempeño reciben una indemnización en compensación de las tareas particulares que dejaren de realizar. Sus resoluciones serán recurribles solamente ante la Justicia ordinaria.

JURADO DE FALTAS. REGLAMENTACIÓN

Artículo 106°: El proceso de selección del Jurado, recusación o excusación de los mismos para cada causa en particular, como el procedimiento del juicio estará sujeto a una ordenanza dictada a tal efecto, la cual ha de prever un registro de voluntarios, la designación por sorteo y rotación entre otras cuestiones.

Neuquén é a província precursora de inovações no país, tendo iniciado o júri clássico de doze pessoas em 2014 que culminou uma avalanche de jurados em toda a Argentina. Além disso, foi a primeira no mundo a ter um júri intercultural indígena em 2016.

No entanto, não só Neuquén e não só as infrações municipais vêm fazendo destaque no país. Relembramos que em 16 de dezembro de 2020, foi aprovada na província de Chaco a Lei n.º 3325-B que implementa o júri na esfera cível e comercial. A Lei será aplicada a um número limitado de questões, como a determinação da responsabilidade civil individual extracontratual e quando os direitos coletivos tiverem sido afetados, sejam eles relacionados a bens coletivos ou a interesses individuais homogêneos.

Com inquestionável atraso em relação à Argentina, no Brasil, embora seja julgado pelo júri somente os crimes dolosos contra a vida, há quem defenda que outros delitos possam ser incluídos por meio de Lei ordinária, pois o texto constitucional não diz que se trata de exclusividade de julgar os crimes dolosos contra a vida, mas, sim, que estes deverão, indiscutivelmente, ser julgados pelo júri.

Parabenizamos grandemente o município de San Patricio del Chañar e a todos os envolvidos por este grande exemplo e incentivo à ampliação da competência da participação popular na administração da justiça.


REFERÊNCIAS:

[1] http://www.juicioporjurados.org/2021/11/neuquen-san-patricio-del-chanar.html Acesso em: 02 nov. 2023.

[2] https://www.neuqueninforma.gob.ar/san-patricio-del-chanar-tiene-el-primer-tribunal-municipal-de-jurados-en-argentina/?fbclid=PAAaYhL4WQEQ3Eh6QTYJNuomOpjEx4c2aI_uhiWCzk3iqObZkqrCrCMKLdLZo Acesso em: 02 nov. 2023.

[3] http://www.juicioporjurados.org/2022/08/san-patricio-del-chanar-simulacro-del.html Acesso em: 01 nov. 2023.

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Sobre a autora
Lisandra Panzoldo

Advogada. Pós-graduanda em Direito Processual Penal pela Damásio Educacional e em Direito Probatório no Processo Penal pela Escola da Magistratura Federal (Esmafe). Autora do livro "O Tribunal do Júri no Brasil e na Argentina. Estudo Comparado", publicado pela editora Lumen Juris e também publicado na Argentina pela editora Ad-Hoc na coleção "Jurados y participación ciudadana en la administración de justicia". Autora de artigos na área jurídica.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PANZOLDO, Lisandra. Júri além das causas criminais na Argentina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7429, 3 nov. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/106953. Acesso em: 1 mai. 2024.

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